sexta-feira, 28 de abril de 2017

Infusões de sangue jovem "rejuvenescem" camundongos mais velhos

Dar uma injeção de “sangue novo” é uma expressão utilizada há tempos como metáfora para o efeito revitalizante de mentes novas em uma organização estagnada. Contudo, uma pesquisa recente sugere que pode haver um sentido literal. Uma descoberta que remete a vampiros e histórias de banhos com sangue sugere que o sangue jovem parece, de fato, rejuvenescer cérebros antigos.


Pesquisadores da Universidade de Stanford, liderados pelo neurocientista Tony Wyss-Coray, mostraram, em um estudo de 2014, que as infusões de sangue de camundongos jovens reverteram as deficiências cognitivas e neurológicas observadas nos animais idosos. Eles utilizaram uma técnica um tanto bizarra, na qual dois camundongos foram suturados juntos de tal maneira que compartilhavam um sistema circulatório (conhecido como parabiose), e constataram que os camundongos idosos unidos a seus jovens homólogos mostravam mudanças na atividade gênica em uma região do cérebro chamada hipocampo, bem como conexões neurais aumentadas e maior "plasticidade sináptica" - um mecanismo que se acredita ser subjacente à aprendizagem e à memória, no qual a força das conexões neurais muda em resposta às experiências. Eles também deram infusões de plasma sanguíneo jovem (o componente líquido do sangue, contendo proteínas e hormônios mas sem células) em camundongos idosos, o que melhorou significativamente o seu desempenho em testes de aprendizagem e memória.

Tais descobertas podem ter implicações profundas se puderem ser replicadas em humanos. Como a expectativa de vida tem aumentado, o declínio cognitivo normal relacionado à idade e a doenças neurodegenerativas como o Alzheimer se tornou um dos maiores desafios da saúde pública mundial. O hipocampo - região envolvida na formação de memórias “episódicas” (lembrança de eventos) e na memória espacial (usada para navegação pelo ambiente) - é especialmente afetado pelo envelhecimento, juntamente com o declínio das habilidades de aprender e recordar. Ele também se deteriora mais cedo quando é afetado pelo Alzheimer.

No novo estudo, publicado na última quarta-feira na revista Nature, Wyss-Coray e seus colegas vão além, mostrando que o plasma de cordões umbilicais e de jovens adultos humanos também possui efeitos benéficos em camundongos idosos. O estudo os deixa próximos de iniciar testes em humanos. “Os resultados sugerem que existem fatores no sangue de organismos jovens, inclusive humanos, que podem rejuvenescer um cérebro antigo e fazê-lo trabalhar como um mais novo”, diz Wyss-Coray. “Isso nos aproxima um pouco [da aplicação em humanos] pois mostra que o sangue humano possui os mesmos fatores.” Os pesquisadores identificaram ainda uma proteína que parece importante para a produção desses benefícios, fornecendo um novo foco na busca de tratamentos para a perda cognitiva. “Eles isolaram um alvo que parece rejuvenescer o declínio cognitivo relacionado à idade no hipocampo ", diz o biólogo Eric Blalock, da Universidade de Kentucky, que não esteve envolvido no estudo. "É bastante emocionante."

Os cientistas coletaram o plasma de cordões umbilicais humanos, além de pessoas jovens e de outras mais velhas (de 19 a 24 anos e de 61 a 81 anos). Eles descobriram que os níveis de várias proteínas se diferenciavam de acordo com a idade da fonte de plasma. Deram infusões dos três tipos de plasma a camundongos envelhecidos (projetados para ter sistemas imunes deficientes que não reagiriam com aversão ao plasma humano) a cada quatro dias, por duas semanas.

Os pesquisadores constataram várias mudanças. Por um lado, o plasma do cordão umbilical aumentou a atividade de diversos genes ligados a plasticidade neural e memória. Também o plasma de jovens adultos ativou um subconjunto dos mesmos genes. Já o plasma de idosos nao teve efeito algum na expressão gênica.

A equipe então mediu a atividade elétrica no hipocampo de camundongos tratados com cada um dos tipos de plasma ou com uma solução salina, o que mostrou que o plasma de cordão umbilical promovia uma forma de plasticidade sináptica chamada “potenciação de longo prazo” (LTP, na sigla em inglês), a qual se acredita ser a base neural da memória.

A seguir, foram demonstrados efeitos benéficos no comportamento. Para isso foi utilizada uma tarefa de condicionamento do medo, na qual os ratos têm de se lembrar dos recintos onde receberam choques elétricos, e uma tarefa de labirinto, que envolve lembrar-se de um buraco entre muitos onde eles podem se esconder com segurança. Os camundongos tratados com o plasma do cordão umbilical apresentaram um desempenho significativamente melhor em ambas as tarefas em comparação aos animais infundidos com solução salina. "O que faz com que isso seja importante é mostrar efeitos sobre comportamentos que dependem do hipocampo, e que sabemos que mudam com a idade", diz Blalock. E essas mudanças “podem ser revertidas através desse tratamento”.

Para rastrear o que pode estar produzindo esses efeitos, a equipe compilou uma lista de proteínas do plasma, comuns tanto a camundongos quando a humanos, cujos níveis diminuem com a idade. Testaram algumas das melhores candidatas e encontraram duas que afetam a plasticidade neural. Uma (CSF2) já era conhecida por reverter o prejuizo cognitivo e proteinas toxicas acumulaldas em roedores que desenvolvem Alzheimer; portanto, focaram na segunda, TIMP2, cujo papel no envelhecimento cerebral não havia sido estudado.

Os pesquisadores usaram marcação radioativa para identificar como a TIMP2 injetada por via intravenosa atravessava a barreira hemato-encefálica. Em seguida, injetaram a proteína em camundongos idosos com sistemas imunológicos normais e verificaram que os efeitos benéficos do plasma do cordão umbilical se repetia no desempenho da memória e da LTP no hipocampo, enquanto que os camundongos manipulados sem TIMP2 apresentavam LTP reduzida.

Estes resultados mostram que a TIMP2 é suficiente para produzir efeitos benéficos. Assim, para demonstrar que TIMP2 também é necessária para memória, os pesquisadores injetaram anticorpos neutralizantes de TIMP2 em camundongos jovens normais, o que fez com que os animais executassem muito mal uma tarefa de memória espacial. Por fim, o estudo mostrou que camundongos idosos (e imunodeficientes) tratados com plasma de cordão umbilical do qual se removeu a TIMP2 não apresentaram nenhuma das melhorias no desempenho de memória vistas com o plasma normal. "Ficamos surpresos com isso", diz Wyss-Coray. "Eu não esperava que fosse algo tão claro."

A TIMP2 pertence a uma família de proteínas que regulam a atividade de uma classe de enzimas, que, por sua vez, regula muitas proteínas diferentes. “Talvez por isso a TIMP2 é tão poderosa”, diz Wyss-Coray. “Ela não apenas tem uma função, mas também regula uma rede amplas de proteínas e suas atividades”. Mas mesmo com o apelo destes resultados, Wyss-Coray não acredita que a TIMP2 seja a palavra final. “Seria bom demais para ser verdade se esse fosse o único fator, mas ele provavelmente é bastante importante”, ele explica. Blalock concorda: “Certamente é um alvo razoável”.

O estudo deixa muitas questões em aberto, que a equipe trabalha para responder. “Estamos tentando descobrir em que lugar do corpo esses fatores sao produzidos. Por que eles diminuem com a idade? Podemos, potencialmente, regulá-los?”, diz Wyss-Coray. “Como os elementos do sangue conversam com o cérebro? Eles interagem com vasos sanguíneos do cérebro, regulam neurônios diretamente ou regulam células de suporte?”. Wyss-Coray e seus colegas também estão procurando por outros fatores. Anteriormente, eles descobriram que, além de camundongos idosos se beneficiarem de sangue novo, camundongos jovens expostos a sangue antigo sofreram declínio de memória, sugerindo que o sangue antigo pode conter fatores de “envelhecimento”. “Queremos saber o que são estes fatores, pois teoricamente poderíamos inibir [esses] elementos para também alcançar efeitos benéficos”, explica Wyss-Coray. “Ainda há muitas questões abertas no nível da biologia básica.”

Também há implicações médicas imediatas. "As descobertas nos permitem avançar e testar diretamente a infusão de plasma humano em pessoas", diz Wyss-Coray. "O próximo passo é fazer testes de segurança, e, depois, testes maiores de eficácia”. No ano passado, uma empresa chamada Ambrosia, com sede em Monterey, Califórnia, lançou o primeiro ensaio clínico dos Estados Unidos para testar o efeito anti-envelhecimento do sangue jovem nas pessoas, mas os participantes tiveram de pagar para participar, levantando questões éticas. Wyss-Coray criticou o teste, mas a Alkahest, companhia que ele co-fundou, terminou recentemente seu próprio ensaio de segurança, pequeno e mais rigoroso, em 18 pacientes de Alzheimer sem detectar "nenhum efeito adverso secundário".

Uma vantagem dessa terapia é que o teste de toxicologia é desnecessário. "O plasma é um produto humano, então não é preciso passar por estudos toxicológicos em animais", diz Wyss-Coray. "Se acharmos uma fração de plasma humano que seja benéfica, você potencialmente poderia usá-la em alguns anos, enquanto um plano típico de desenvolvimento de fármacos leva de cinco a dez anos." Também pode ser possível, ele acrescenta, "produzir esses elementos sinteticamente ou desenvolver pequenas moléculas que imitem a atividade, mas isso leva muito mais tempo”.

Simon Makin

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