A corrente filosófica a que chamamos de “filosofia quântica” tem tido vários protagonistas, desde logo alguns cientistas da Física contemporânea. Entretanto, outros nomes sugiram, desta vez de fora da ciência propriamente dita, como Peter Novak e Anthony Peake, que estando mais familiarizados com a história do pensamento filosófico conseguiram estruturar minimamente a corrente filosófica com algum fio condutor que a distinga de uma outra corrente de pensamento qualquer.
Quando falamos de filosofia quântica referimo-nos a uma corrente de pensamento que se baseia nas descobertas da mecânica quântica, mas que também se apoia no pensamento de muitos filósofos que, de uma forma desgarrada e extemporânea, acabaram por tocar na temática quântica, desde os pitagóricos na antiga Grécia até aos existencialistas no século XX.
Sendo uma corrente de pensamento relativamente recente ― como tudo que nasce e necessita de maturação ― a filosofia quântica tem tido alguma dificuldade de interpretação por parte de intelectuais ― e mesmo da parte de filósofos ― porque ela transporta consigo alguns conceitos novos e que a a filosofia (tradicionalmente entendida como tal) não tinha previsto de uma forma sistemática. Assim, existe a tendência para tentar criar paralelismos ideológicos que permitam identificar a filosofia quântica com uma outra qualquer corrente filosófica do passado. Por exemplo, quando eu escrevi este postal sobre a ética, um leitor identificou-me como seguidor do realismo; porém, quando eu lhe apontei estoutro postal já não seria possível continuar-se a afirmar de mim o realismo. Por outro lado, quem considere a filosofia quântica como um solipsismo também não vinga no seu argumento porque na quântica existe a realidade objectiva (objecto) para além do sujeito.
A quântica não é um existencialismo de Kierkegaard ou Karl Jaspers porque não se vincula a um espiritualismo religioso em particular. Ela não é um existencialismo materialista porque elimina o conceito de “facticidade”. Ela não é um idealismo porque não identifica a fonte do SER (Deus) com o EU do Homem, na medida em que considera que a consciência [espírito] humana é criada (e portanto, finita, emanada do Ser), tal como a função ondulatória quântica é uma criação. Ela não é um evolucionismo espiritualista porque a quântica não torna a evolução da consciência como algo de necessário (no sentido clássico de “necessidade”) na medida em que a consciência tem a total liberdade para evoluir como entender, involuir ou para se enquistar, se assim quiser; por outro lado, a quântica afasta-se do evolucionismo espiritualista quando não considera a existência de um monismo caracterizado pela “substância psicofísica” que seria uma espécie de quintessência unificadora da matéria e do espírito. A filosofia quântica não é uma espécie de espiritualismo do século XIX porque não considera que exista um antagonismo dualista entre a matéria e a consciência; pelo contrário, a quântica considera que a matéria e consciência se complementam entre si.
Um filósofo francês pouco conhecido, Jules Lequier (1814-1862), aproximou-se “sem querer” de alguns conceitos básicos da filosofia quântica. Lequier não negou a realidade objectiva mas considerou que esta existe em função da consciência: “Eu remeto-me à consciência, submeto tudo, no que me respeita, à consciência, e submeto a própria ciência só a ela”. Lequier entendia a consciência em termos gerais, e não só em termos da consciência do Homem. Por outro lado ― e aqui está a originalidade de Lequier que o torna tão actual ― ele entendeu a relação entre liberdade e necessidade de uma forma realmente revolucionária num tempo em que o positivismo afirmava o império da causalidade e da necessidade científica.
A necessidade é ― segundo Lequier ― algo que aparentemente se manifesta no macrocosmos mas que se dissipa logo que a examinamos mais de perto: não só porque leva à confusão entre o positivo e o negativo (bem e mal) na medida em que ambos seriam um produto da mesma necessidade, mas essencialmente porque a necessidade só poderia existir em função da liberdade que afirma a própria “necessidade da necessidade”.
“Apercebo-me de que se tudo em nós está submetido à necessidade, nem sequer posso afirmar que tudo está submetido à necessidade, porque esta proposição será necessária e, por consequência, não poderei distingui-la de qualquer outra. Se tudo é necessário, a própria ciência é impotente, e não posso procurar distinguir a verdade do erro: nem sequer sei se a verdade e o erro existem porque não posso saber nada. Para poder distinguir a verdade do erro, deverei, ao que me parece, ser livre; mas esta liberdade é contestada; uns negam-na, outros divergem sobre a maneira de a definir, nenhuma a compreende”.
Jules Lequier, “Ouvres Completes” ― J. Grenier, 1952
Sem liberdade nenhum conhecimento é possível e ela é a própria condição da existência da crença que nada mais é que uma forma de conhecimento.
Por outro lado, Lequier assume que se a consciência é livre, existe porém uma relação dialéctica entre a possibilidade e a necessidade. “O necessário é o limite do possível”, o possível é o que pode existir, e é necessário o que não pode deixar de existir.
De modo semelhante, a filosofia quântica considera que a consciência humana é livre na escolha dos possíveis, para além de considerar que o limite do possível é imposto pela “consciência cósmica” ― que não é propriamente o “englobante”, mas emana deste através do conceito da bidireccionalidade da função ondulatória quântica ou “espuma quântica” e dos seus “mini buracos-negros” (John Wheeler) entre o Aquém e o Além-espaço-tempo.
O “limite do possível” é a constante cosmológica de 10^120 (1 seguido de 120 zeros) que circunscreve o espaço-tempo nas suas possibilidades, não obstante a existência da possibilidade excepcional (através do princípio do “caminho da acção mínima”) da expansão do “limite do possível” no Além-espaço-tempo.
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