De um modo geral, o debate sobre o tema da verdade em
Filosofia tem em Aristóteles a principal referência original, seja por
influência direta, por afinidade ou por influência no desenvolvimento.
As principais teorias da verdade são: a
teoria correspondentista, a teoria coerentista, a
teoria pragmática, a teoriasemântica e a
teoria da redundância.
A teoria da correspondência afirma
que uma sentença, proposição, frase ou pensamento será verdadeira se corresponder de
fato a algo que existe no mundo e que descreve. Bertrand Russel e o primeiro
Wittgenstein (Wittgenstein I, no chamado período de atomismo lógico)
podem ser localizados como partidários desta noção de verdade,
Já a teoria da coerência sustenta
que uma frase, sentença ou proposição podem ser considerados verdadeiros se
mostrarem relação com outros elementos similares, formando uma espécie de rede
de argumentos coerentes entre si. Para esta teoria, uma proposição é
verdadeira se e somente se ela faz parte de um conjunto
coerente em seu todo.
As teorias da correspondência e da coerência são
consideradas teorias tradicionais da verdade.
A teoria pragmática da verdade tem
sua construção nos autores clássicos do pragmatismo norte-americano: Charles S.
Peirce, William James e John Dewey. As principais teses da teoria pragmática da
verdade são:
A verdade é:
a) o fim da investigação;
b) correspondência com a realidade;
c) crença (estável) satisfatória;
d) coerência com a experiência – verificabilidade;
e) o que autoriza a crença a ser denominada conhecimento.
A analista Susan Haack defende a posição de que a
teoria pragmática da verdade combina elementos das teorias correspondentista e
coerentista. Aqui surge um importante ponto de divergência entre Susan Haack e
Richard Rorty. Para Rorty, que faz uma interpretação diferente da tradicional
da trajetória do pragmatismo, não há em Peirce, James e principalmente em Dewey
a combinação de elementos das teorias tradicionais da verdade. O que há sim é a
ultrapassagem desta discussão.
Rorty entende que os pragmatistas clássicos
preferiram não tomar partido no debate entre as teorias tradicionais da
verdade, sob a alegação de que esta discussão era fortemente influenciada pela
metafísica. Ao contrário do entendimento de Haack, para Rorty, os pragmatistas
clásssicos não chegaram a elaborar uma teoria da verdade, mas estabeleceram um
debate terapêutico, ou não não-fundacionista, sobre a verdade.
Segundo Rorty, os pragmatistas clássicos atribuíram
um caráter valorativo para a palavra verdade. Como a palavra
verdade expressa, antes de qualquer outra coisa, um valor, ela deve
ser considerada em termos de graus de valoração. Para os pragmatistas
clássicos, na leitura levada adiante por Rorty, em geral as pessoas utilizam a
palavra verdade como sinônimo de útil. Neste sentido a expressão
verdade é utilizada para permitir mais facilmente o entendimento ou o acordo
entre pessoas que compartilham de crenças e experiências distintas.
A próxima teoria da verdade é a teoria semântica.
A teoria semântica da verdade, cuja formulação principal é estabelecida por A.
Tarski, é atualmente a mais influente e amplamente aceita. Ela divide-se em
duas partes: primeiramente são estabelecidas as condições de adequação,
que são aquelas condições a que qualquer definição que tenha a pretensão de
verdade deve preencher. Em seguida, Tarski oferece uma definição de verdade,
que destina-se a uma linguagem formal previamente especificada, e que deve
estar adequada aos próprios padrões que ela estabelece. Tarski então
desenvolve, como condição de adequabilidade que qualquer definição aceitável de
verdade deva possuir, o esquema da sentença-T. Como mostra Haack:
“(T) S é verdadeira sse[ii] p
onde ‘p’ pode ser substituído por qualquer sentença
da linguagem para qual a verdade está sendo definida e ‘S’ deve ser substituído
pelo nome da sentença que substitui ‘p’. Uma instância de (T) seria, por
exemplo:
‘A neve é branca’ é verdadeira sse a neve é branca
onde a sentença, do lado direito, é referida por
seu ‘nome entre aspas’, do lado esquerdo”.
A teoria semântica da verdade é importante aqui
também porque a ela adere o filósofo norte-americano Donald Davidson,
atualmente o principal interlocutor de Rorty no debate sobre a questão da
verdade.
Já a teoria da redundância foi
sugerida por Frege já em 1918, mas foi levada adiante e consolidada por Frank
P. Ramsey. Para Ramsey, o problema da verdade é central na filosofia e faz-se
necessário esclarecer uma confusão lingüística existente em
torno do assunto. Na visão de Ramsey, os predicados “verdadeiro” e “falso”
são redundantes e devem poder ser eliminados de qualquer
contexto argumentativo sem que haja aí uma perda semântica. Para exemplificar,
Ramsey argumenta que em uma sentença como “é verdadeiro que p” deve significar
o mesmo que “p”, ao passo que a sentença “é falso que p” significa o mesmo que
“não p”.
Na visão de alguns analistas das Teorias da
verdade, como Susan Haack, a teoria da redundância apresenta algumas
vantagens, mas também apresenta importantes dificuldades que colocam em xeque
sua exeqüibilidade, como por exemplo a adequada explicitação dos quantificadores
de segunda ordem de que ela depende. Haack sustenta que a expectativa
de Ramsey de eliminação do falar sobre verdade ainda não está justificada,
permanecendo em aberto a discussão.
Expostas as principais teorias da verdade, deve-se
agora analisar o posicionamento de Richard Rorty sobre o tema, enfocando em
seguida o motivo de ser este o ponto de maior controvérsia no desenvolvimento
teórico de sua filosofia.
RICHARD RORTY E A QUESTÃO DA VERDADE
Antes de se ingressar diretamente na análise da
posição de Rorty sobre o tema, é importante registrar que Richard Rorty se vê
como um continuador da tradição pragmatista clássica. Ele mesmo se assume não
como um neopragmatista, mas simplesmente como um pragmatista,
certamente para acentuar que não há um rompimento ou uma descontinuidade em sua
teoria para com as construções de Peirce, James e Dewey. Ao contrário, Rorty
utiliza elementos de Peirce, Quine e Davidson para construir seu modelo non-reductive
physicalim – naturalista não-reducionista – de explicação da relação
do homem com o mundo, visando romper com o dualismo do esquema sujeito-objeto.
Como já foi dito, na interpretação que Rorty faz do
pragmatismo, ou dos autores clássicos do pragmatismo, o debate sobre a questão
da verdade foi ultrapassado, isto é, pensadores como Peirce, James e Dewey
entenderam que o tema estava carregado de metafísica e, ao invés de ingressar
em um dos lados do debate, deixaram-no de lado, por considerá-lo improdutivo
Mas então surge o questionamento: porque Rorty, que
se vê como um continuar da tradição do pragmatismo, que interpreta o
pragmatismo de Peirce, James e Dewey como tendo uma linha de continuidade no
trabalho analítico de Quine e Davidson, e que assevera que os autores do pragmatismo
não buscaram construir uma teoria da verdade, insiste em discutir o tema
verdade?
A resposta a esta questão certamente passa por
aquilo que já foi argumentado anteriormente: a estreita ligação entre a
filosofia e a busca de superação das aparências ou ilusões, isto é, a procura
pela realidade e pela verdade do mundo e das coisas.
Ernildo Stein,em sua leitura de Heidegger, já
demonstrou que “(…) a metafísica ocidental nasce sob o signo da luz”e
que “(…) a afirmação de que todo ser é verdadeiro aponta para uma
transparência” (2001, p. 21). Na tradição ocidental, esta iluminação
ora foi da physis, ora do logos, ora de Deus,
ora da razão iluminada e iluminadora, ora da análise
lógica da linguagem. A partir das palavras de Stein, pode-se inferir que
não apenas a metafísica, mas toda a filosofia ocidental aponta para a luz, para
a iluminação, para o esclarecimento, para a verdade. A procura
insaciável para explicar definitivamente como-o-mundo-realmente-é e como-realmente-funcionam-todas-as-coisas-universo.
Ora, quando um pensador como Nietzsche
pergunta “porque sempre a verdade?”, ou um pensador contemporâneo
como Rorty diz que o debate sobre a verdade deve ser substituído pela discussão
de questões como liberdade, democracia, realização, certamente serão eles alvos
de muitos ataques. Afinal, abandonar a discussão sobre a verdade soa, para
muitos, mais ou menos como abandonar a filosofia.
Assim, a cada tentativa de Rorty de desviar o
foco da filosofia para outras questões que não o debate sobre a verdade, surgem
tentativas opostas visando manter vivo o debate sobre o tema. E note-se que os
interlocutores de Rorty nesta área são relevantes, como já foi dito acima
(Susan Haack, Charles Taylor, Hilary Putnam, John Searle, Jürgen Habermas e
Donald Davidson, entre outros) e, portanto, seus argumentos merecem resposta.
Em decorrência disto, certamente, o repetido esforço de Rorty de tratar do
assunto. Mas afinal, qual a posição de Richard Rorty sobre a questão da
verdade? É o que será visto a seguir.
Rorty entende que as teorias da verdade devam ser
desinflacionadas, isto é, a verdade não deve ser tomada como possuindo uma
propriedade real, como possuindo uma substância cognitiva, como sendo revestida
de uma essência ou um fundamento metafísico. A verdade, no âmbito de uma
abordagem deflacionista, adquire apenas a característica de permitir um mínimo
de acordo entre dois falantes.
A verdade seria, neste contexto, tão somente um
elemento sobre o qual dois falantes poderiam observar uma dada situação e
comunicaram-se entre si tomando bases comuns como ponto de integração,
permitindo e facilitando assim o processo de comunicação entre eles. É assim
que Rorty entende o tratamento da questão da verdade dado pelos pragmatistas
clássicos e é assim que ele pretende continuar vendo a questão.
Entretanto, deve-se observar que Rorty é um
filósofo não-fundacionista, ou seja, não pretende edificar sistemas filosóficos
ou teorias globalizantes e universalistas.
O trabalho de Rorty, como ele mesmo afirma é mais
terapêutico do que edificador. Assim, não é que esteja tentando construir uma
teoria da verdade ou defender uma teoria deflacionista da verdade. Rorty está
apenas tentando desinflacionar, desinflar, “dessubstanciar” o conceito de
verdade, desviando o foco de discussão para outro ponto. Rorty, portanto, pelo
mesmo motivo de que ele discorda de Susan Haack quanto à existência de uma
teoria pragmática da verdade, não deve estar enquadrado dentro de uma teoria
deflacionista da verdade, porque para ele não deve, ou não é necessário,
elaborar-se uma teoria da verdade.
Para Rorty, três são os usos possíveis do termo
verdadeiro:
a) um uso de endosso;
b) um uso acautelado;
c) um uso descitascional ou não-citacional (disquotatational).
O uso do termo verdadeiro como endosso dá-se quando
são feitas afirmações do tipo “correto”, “certo”, “é isto mesmo”, e, portanto,
“é verdade”. Já o uso descitacional, ou não-citacional, é utilizado para
afirmações metalingüísticas do tipo “S é verdadeiro se…”. Por sua vez o uso
acautelado está incorporado em afirmações como “sua crença em S está
perfeitamente justificada, mas talvez não venha a ser verdadeira”. Diz Rorty
(1999[a], p. 128; 2002, p. 175):
“O uso acautelado deste termo foi negligenciado por
James, tanto quanto o foi o uso não-citacional. A negligência frente ao
primeiro uso o levou à associação do pragmatismo com o relativismo. A malfadada
associação do último (por Tarski) com a noção de ‘correspondência’ levou as
pessoas a pensar que elas precisavam compreender melhor essa noção do que o tinha
feito James. Davidson, segundo meu ponto de vista, nos deu uma avaliação da
verdade que tem um lugar para cada um desses usos, conquanto absteve-se da
idéia de que a conveniência de uma crença pode ser explicada por sua verdade”.
O tema verdade é um dos pontos
onde a filosofia de Richard Rorty pode ser entendida como revolucionária.
Exatamente em decorrência disto, é também um dos aspectos mais polêmicos de sua
obra. A polêmica está em torno de uma inevitável conclusão a que se chega a
partir dos escritos de Rorty, principalmente os mais recentes, isto é, a idéia
de que a noção de verdade pode ser equiparada à noção de justificação.
Levando-se a filosofia de Richard Rorty ao extremo,
pode-se argumentar que verdadeiro é equivalente a justificado.
Antes, no entanto, de prosseguir na discussão dos
elementos da filosofia rortyana que permitem chegar a esta conclusão, deve-se
dizer porque seu articulador ganha com esta construção, ao mesmo tempo,
notoriedade e aversão.
A sugestão de Rorty coloca-o em posição de ser
acusado de relativismo e, em filosofia, ser acusado de
relativismo é algo semelhante a ser acusado de praticante da usura na Idade
Média, de ateísmo ou de heresia no período inquisitório do Catolicismo, de
simpatizante do comunismo nos Estados Unidos da América
do macarthismo, ou talvez até de portador de hanseníase na
antiguidade romana. Em filosofia, a acusação de relativismo traz efeitos
danosos para a reputação de um pensador, exatamente em razão da importância e
da centralidade do conceito de verdade, sobre o que o filósofo tradicional não
admite abrir mão.
Em um de seus melhores momentos, em um texto
preparado para o debate com Jürgen Habermas ocorrido em maio de 1995, em
Varsóvia, no Instituto de Filosofia e Sociologia da Academia Polonesa de
Ciências, intitulado Relativismo: descobrir e inventar, Richard
Rorty, ao analisar a postura pragmática frente ao relativismo, afirma de forma
bastante esclarecedora:
“Los pragmatistas esperan romper la imagen que, en
palabras de Wittgenstein, ‘nos mantiene cautivos’, a saber la noción
cartesiano-lockeana de una mente que procura entrar em contacto con una
realidad exterior a ella. Para ello comienzan con una explicación darwiniana de
los seres humanos en tanto animales que hacen todo lo que pueden para manipular
el medio, que hacen todo lo que pueden para desarrollar instrumentos capaces de
aumentar el placer y disminuir el dolor. Las palabras se encuentran entre las
herramientas que estos animales sagaces han desarrollado”.
“No hay manera de que las herramientas puedan
sacarle a uno del contacto con la realidad. Sea la herramienta un martillo, un
revólver, una creencia o un enunciado, el uso de herramientas forma parte de la
interacción del organismo con su medio. Ver el empleo de palabras como el uso
de herramientas para manipular el medio y no como un intento de representar la
naturaleza intrínseca de ese equivale a rechazar la pregunta sobre si la mente
humana está en contacto con la realidad, pregunta que formulan los escépticos
epistemológicos. Ningún organismo, ni humano ni no humano, está nunca un mayor
o menor contacto con la realidad que ningún otro organismo. La mera idea de
‘estar fuera de contacto con la realidade’ presupone la imagen cartesiana, no
darwiniana, de una mente que de alguna manera es ajena a las fuerzas que
afectan al cuerpo” (In Niznik y Sanders, 2000, p. 57).
Ora, adotada esta perspectiva darwiniana do
comportamento humano e adotadas as proposições do segundo Wittgenstein, mas
principalmente após a publicação de A Filosofia e o Espelho da Natureza,
de Richard Rorty e dos trabalhos mais recentes de Donald Davidson, não é mais
possível deixar de considerar que somente frases, ou sentenças, é que podem ser
verdadeiras, e não as coisas em si mesmas. Também não é mais possível deixar de
considerar que palavras não podem ser conectadas diretamente às coisas, mas que
palavras somente podem ser conectadas a outras palavras, que inegavelmente
definem, a partir das construções culturais dos seres humanos, as coisas.
É inegável que estrelas, planetas, montanhas e rios
existem independentemente dos seres humanos. Todavia, as designações estrelas,
planetas, montanhas, rios são criações culturais do homem e somente elas podem
ser verdadeiras ou falsas. Não há um ponto de referência externo, uma linguagem
não-humana, um lugar fora da criação cultural do homem que possa julgar que um
vocabulário, frase ou sentença seja mais verdadeiro do que outro. Se conceitos
são palavras e se somente palavras podem ser ligadas a outras palavras, a idéia
de verdadeiro é, numa perspectiva desinflada de verdade,
basicamente igual à noção de justificado.
Tome-se por exemplo a sentença matemática “2 + 2 =
4”. Tal sentença é verdadeira ou é perfeitamente justificada? Qual a diferença?
Bem, tome-se outra sentença como “todos os homens casados são não-solteiros”.
Isto é verdadeiro ou perfeitamente justificado?
E que tal uma sentença como “dois cachorros pretos
estão latindo no lado de fora da cerca”. Ela será verdadeira se realmente, e
somente se realmente dois cachorros pretos estiverem do lado de fora da cerca
latindo? Ou ela será perfeitamente justificada se dois cachorros pretos
estiverem latindo do lado de fora da cerca? Qual a diferença? Verdadeiro e
perfeitamente justificado são diferentes em que estágio, em que grau, em que
situação epistemológica? Afirmar que a terra era o centro do universo há
quinhentos anos atrás era verdadeiro. Será que afirmar que
era perfeitamente justificável que o planeta terra era o
centro do universo há quinhentos anos atrás seria diferente mesmo de dizer que
era verdadeiro?
Palavras, conceitos, sentenças, orações ou
vocabulários só podem se conectar com palavras, conceitos, sentenças, orações
ou vocabulários! Não podem se conectar diretamente às coisas e, portanto, não podem
estar mais próximas da verdadeira verdade do que outras palavras, conceitos,
sentenças, orações ou vocabulários.
A filosofia sempre esteve tentada
a buscar comparação, ou auxílio, de outras áreas de conhecimento como a física ou
a matemática. Vários pensadores da filosofia buscaram espelhar suas
construções teóricas naquilo que entendiam como conhecimento ou conceitos
imutáveis, perenes e indiscutíveis oferecidos pela física e pela matemática.
Afirmar que os ventos de um modo geral, no planeta terra, têm sua origem na
linha do equador é, sem dúvida, um conhecimento estável. É neste sentido, de
uma crença estável, uma verdade. Ventos e o próprio planeta terra existem sem
dúvida independentemente do homem.
Mas, como descrever o movimento provocado pelo natural
deslocamento de ar sem a expressão “vento”? “Vento”, “ar”, “movimento”,
“planeta”, “terra”, são expressões culturais do homem. E, obviamente, suas
relações entre si também o são. Logo, verdadeiro é relativo a
uma construção cultural do homem. Por conseguinte e, nesse sentido, verdadeiro e perfeitamente
justificado podem ser considerados como designando a mesma coisa.
É o que Rorty, em outro momento de seu debate com
Jürgen Habermas na Academia de Ciências Polonesa, está, de forma arrojada e
orignal, afirmando:
“Me parece que Habermas tiene razón en que la
diferencia entre el intento común a él, Putnam y Peirce – el de idealizar la
noción racional de aceptabilidad racional – y mi intento de construir la
esperanza social utópica no es en la realidad tan grande”.
“Mi intento consiste en no pensar el contraste
entre meramente justificado y lo verdadero como contraste entre lo real y lo
ideal, sino simplesmente como contraste entre la justificación para nosotros
tal como somos aquí y ahora, y la justificación para una versión superior de
nosotros mismos, la versión que esperamos que ejemplifiquem nuestros
descendientes” (In Niznik y Sanders, 2000, p.
72).
Para que esta posição de Richard Rorty possa
se consolidar, necessário se faz que seja repensada a profunda relação com a
metafísica que marca toda a tradição da Filosofia ocidental, além do forte
envolvimento com a metafísica que marca o próprio tratamento da questão
da verdade, na sua busca por conceitos controladores da infinitude.
A preocupação com a infinitude é a marca mais significativa da filosofia e da
metafísica em relação ao tema verdade.
A forte ligação entre cultura (aí compreendidas a
mitologia, a religião, a arte, e mesmo a filosofia) e metafísica está ancorada
em uma característica psicológica do ser humano. Um medo, uma insegurança, uma
necessidade psicológica do homem determinou séculos de construção racionalizada
de uma idéia metafísica de confiança, estabilidade e infinitude, esteja ela sob
a forma de mito, religião, arte ou filosofia, de tal forma que permitisse ao
homem aceitar sua condição ou situação no mundo.
A partir deste ponto de vista, portanto, a relação
entre, por exemplo, a filosofia platônica, a filosofia medieval, a filosofia
cartesiana, a filosofia hegeliana, e a metafísica não é acidental ou casual,
mas causal e complementar. O pensamento metafísico é complementar à filosofia e
esta fornece a segurança e infinitude dos conceitos controladores retirados,
perdidos, com o enfraquecimento da mitologia ou religião enquanto orientadores
do modo de agir e pensar do homem.
Exatamente neste sentido, de busca por conceitos
controladores, é que o conceito, a idéia, de verdade torna-se fundamental. E
não apenas fundamental do ponto de vista epistemológico, de construção do
conhecimento, como sugere Donald Davidson, mas acima de tudo fundamental do
ponto de vista psicológico.
A idéia de existência de um conceito forte de
verdade oferece um conforto metafísico ao homem. Existem verdades absolutas e
universais e, a partir disto, as contingências do processo histórico, da
própria existência, são menos ameaçadoras. Será que este tipo de construção
ainda faz sentido em uma filosofia construída no plano de um horizonte
pós-metafísico?
A história da filosofia confunde-se com a própria
história da análise filosófica da questão da verdade.
A idéia defendida aqui é que somente em uma base de
compreensão do caráter de finitude do homem é que se pode construir um
pensamento efetivamente pós-metafísico, renovado, onde a obstinada procura pela
verdade seja substituída pela luta pela democracia, liberdade, e justiça
social.
No âmbito da filosofia, é possível que se
estabeleça a forma de abordagem adotada por um autor ou por uma corrente de
pensamento a partir do enfoque dado por este autor ou corrente de pensamento
sobre o tema verdade. Daí a relevância da análise da questão
da verdade.
Em todas as abordagens ou teorias
tradicionais da verdade está contida uma idéia metafísica de busca de um porto
seguro, um lugar para as certezas inabaláveis, ou uma confiança excessiva na
razão iluminadora, algo inconcebível depois de Sigmund Freud e Charles Darwin.
Talvez a filosofia analítica e sua busca semântica
e científica insaciável pela verdade seja o coroamento de uma pobre metafísica
renovada, exatamente porque sua preocupação maior seja o estabelecimento da
verdade.
Richard Rorty, ao preconizar a substituição do
debate filosófico em torno de questões como Mente, Verdade, Substância, Natureza
Humana, Representação acurada da Realidade, por temas
como liberdade, democracia, alteridade e ética,
agora em termos não-metafísicos, propõe também que se deixe de lado a
preocupação em explicar como somos, o que somos e de
onde viemos, isto é, a preocupação em olhar para o passado, para centrar a
atenção em como podemos ser, ou seja, um olhar para
o futuro.Com a filosofia de Rorty é possível argumentar-se que
liberdade e democracia são importantes para a uma melhor convivência entre as
pessoas não utilizando-se de argumentos metafísicos, isto é, não porque o totalitarismo
e a falta de liberdade são contrários a uma Natureza Humana, ou à
Solidariedade-Humana-mais-Fundamental, ou a uma Lei-Moral-Universal, ou à
Razão-Humana, ou à Fraternidade-que-Deve-Existir-entre-os-Homens, mas porque a
diversidade é preferível ao totalitarismo como elemento de realização das
potencialidades humanas. A democracia e liberdade são pragmaticamente
mais úteis para o ser humano enquanto projeto do que a
intolerância e o absolutismo. Veja-se o que diz o próprio Rorty:
“(…) a liberdade humana, tomada não em um sentido
metafísico mas no sentido político e concreto de capacidade dos seres humanos
de viverem juntos sem se oprimirem uns aos outros, ocupa o lugar da Verdade e
da Realidade como nossa finalidade. A diferença de tomar a Verdade como um objetivo,
com Sócrates, e tomar a Liberdade como um objetivo, com os pragmatistas, é a
diferença entre apontar para alguma coisa não-humana e apontar para alguma
coisa que, se em algum momento vier a existir, será uma criação inteiramente
humana.”
O neopragmatismo de Rorty, e sua defesa
intransigente de valores como liberdade e democracia, é um caminho de
pensamento pós-metafísico. Se este caminho for adotado, talvez não faça ainda
sentido discutir a diferença entre verdade e justificação ou
entre verdadeiro e bem justificado.
Marcelo L. Fraga
Mestre em Filosofia
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
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Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.
Notas:
[i] A intenção aqui neste ponto é de
flagrar uma espécie de estágio pós-darwiniano ou pós-nietszcheano, onde a
tradição da filosofia analítica e continental parecem estabelecer um importante
ponto de contato, isto é, onde estas duas correntes começam a dar mostras da
formação de um esboço de pensamento pós-metafísico. A expressão “anglo-americana”
é aqui utilizada, em vez de “filosofia analítica” ou “pragmatismo” por haver
uma discussão em torno da vinculação de Quine e Davidson a uma ou outra
corrente de pensamento. Richard Rorty vem já há algum tempo, de modo original,
buscando mostrar a ligação de Quine e Davidson ao pragmatismo. Ver D’Agostini,
Franca. Analíticos e Continentais, 2002, Rorty, Richard. Objetivismo,
relativismo e verdade, 2002; Relativismo: descubrir e inventar. In Niznik,
Jósef y Sanders, John T. Debate sobre la situación de la filosofía, 2000.
[ii] Onde sse é o
símbolo lógico para a afirmação se e somente se.
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