PROF: HARIEL
A Organização Mundial
da Saúde (1990/2002) define Cuidados Paliativos como: Cuidados ativos totais de
pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. Controle da dor
e de outros sintomas e problemas de ordem psicológica, social e espiritual são
prioritários. O objetivo dos cuidados paliativos é proporcionar a melhor
qualidade de vida para os pacientes e familiares. A definição de Cuidados
Paliativos da OMS evidencia uma preocupação com o cuidado das necessidades
espirituais dos pacientes e seus familiares. Oferecer cuidados paliativos de
qualidade significa implementar ações inovadoras que evitem o sofrimento moral,
espiritual, a desmoralização e a perda de sentido, o sentir de que tudo acabou,
experiências muito freqüentes no final da vida, como nos relatam pacientes
nesta condição. Segundo Pessini (2006), a Associação Médica Mundial revisou
recentemente a Declaração dos Direitos do Paciente, elaborada no Chile, em
2005. Entre os direitos defendidos, apresenta-se o direito à assistência religiosa,
afirmando que o paciente tem direito de receber ou recusar o conforto
espiritual e moral, incluindo a ajuda de um ministro de sua opção religiosa.
Koenig (2001) aponta que pacientes com câncer avançado, que tinham crenças
espirituais, mostraram-se mais satisfeitos com suas vidas, eram mais felizes e
sentiam menos dor, comparados àqueles sem crenças espirituais. Uma pesquisa
feita pela American Pain Society mostrou que a oração era o segundo método mais
usado no manejo da dor, depois de medicações orais, e era o método não-ligado a
drogas mais comum, no manejo deste sintoma. A espiritualidade está associada a
menor depressão, menor risco de
complicações somáticas, de suicídio e a menor uso de serviços hospitalares,
inclusive a menor tendência de fumar. Quanto ao papel das crenças religiosas na
terminalidade, este autor aponta que estas podem ajudar os pacientes a buscarem
o sentido ligado ao sofrimento inerente à doença, o que pode facilitar a
aceitação desta situação. A assistência espiritual faz parte integral dos
cuidados ministrados a pacientes que estão em programas de cuidados paliativos.
É o acompanhamento do que o paciente tem a dizer, suas dúvidas, o que pensa ou
acredita. Jamais se trata de impingir dogmas ou um determinado credo religioso.
O profissional religioso que participa da equipe de cuidados paliativos é
chamado de atendente espiritual e não tem associado o seu credo religioso.
Trata-se do apoio espiritual na hora da morte, que pode ser efetuado por
qualquer atendente espiritual, que tenha especialização na área paliativa.
Breitbart (2003) aponta que 80% dos pacientes na fase final da vida querem
conversar com o seu médico sobre temas ligados à dimensão espiritual. Esta
necessidade está profundamente relacionada à dignidade no processo de morrer, a
busca da existência plena e não apenas da sobrevivência. Saunders (1993),
pioneira no desenvolvimento dos cuidados paliativos na Inglaterra que
atualmente se encontram em pleno desenvolvimento em todo mundo, afirma que o
sofrimento só é intolerável quando não é acolhido e cuidado. Mas é muito
importante lembrar que o conforto espiritual acaba não sendo recebido na
íntegra se a pessoa estiver em sofrimento físico. Programas de cuidados
paliativos têm que ter uma equipe multidisciplinar justamente para poder cuidar
de todas essas esferas, cuidando da dor total, como ela postula. A questão do
sentido se torna premente diante da questão do adoecimento e da proximidade da
morte. Alguns doentes se vêem frustrados e derrotados, enquanto outros encontram
uma razão para o seu sofrimento e uma possibilidade para rever toda a sua vida.
Como explicar estes dois caminhos tão diferentes? Sem dúvida, acreditar numa
dimensão espiritual, na transcendência pode ser muito importante neste momento.
Mas esta crença ou fé nunca deve ser forçada, trata-se de um movimento natural,
que vem de dentro. Cuidados no fim da vida Cuidados paliativos, entendidos como
cuidados a pacientes gravemente enfermos, buscando a qualidade de vida nas
várias esferas do existir retomaram a importância dos cuidados na área
espiritual, integrada como elemento essencial nos vários âmbitos de tratamento.
Muito mais importante do que o prolongamento da vida busca-se o controle de
sintomas e o bem-estar em várias esferas do existir, diminuindo ao máximo o
sofrimento em todas estas esferas. Parkes (1999), especialista na área de luto
e consultor do St. Christopher’s Hospice em Londres, afirma que o contato com a
idéia de morte e finitude é um espaço privilegiado para lidar com a questão do
sentido da vida e com a tentativa de compreender o que ocorre após a morte.
Pacientes com doenças em ESPIRITUALIDADE E PSICOLOGIA — CUIDADOS COMPARTILHADOS
O MUNDO DA SAÚDE São Paulo: 2007: abr/jun 31(2):246-255 251 estágio avançado
têm que lidar com esta questão e com o sofrimento, tendo que elaborar as perdas
relacionadas com a doença e a proximidade da morte. É muito importante
compreender e acolher estas pessoas na situação em que fazem a transição para a
morte, lidando com o medo do desconhecido, com o sentimento de aniquilação e
alienação, com a perda da identidade e diminuição da consciência. Breitbart
(2003) cita um estudo envolvendo uma busca de melhora de qualidade de vida de
pacientes gravemente enfermos envolvendo os seguintes itens: a) qualidade geral
de vida; b) bem-estar em todas as esferas da vida: físicas, psicossociais e
espirituais; c) percepção pelo paciente da qualidade dos cuidados recebidos; d)
cuidados à família. O autor destaca que atualmente os cuidados espirituais têm
muita importância no cuidado total a pacientes gravemente enfermos. Entre as
necessidades dos pacientes em fim de vida, Breitbart (2003) destaca os
seguintes pontos: 1. Ser considerado como pessoa, participando de todas as
decisões quanto ao tratamento. Muitos pacientes temem perder seu nome e
identidade, serem considerados como mais um doente, ou somente como diagnóstico
de uma doença, dependentes de outros, sentindo-se totalmente inúteis. 2.
Revisão da vida. Muitos doentes têm necessidade de falar sobre sua vida, voltar
ao passado e reavaliá-lo diante de novos valores, buscando um sentido para o
seu sofrimento. O agravamento da doença clama por uma urgência, exposta
diretamente, sem rodeio, buscando respostas para profundas crises existenciais.
3. Busca do sentido. O agravamento da doença favorece uma nova hierarquia de
valores. Pode ocorrer a busca de algo que é mais forte e maior que a doença. A
proximidade da morte coloca a pessoa diante do essencial, da necessidade de
encontrar um sentido para a própria existência. O problema da finitude pode se
impor ao sofrimento promovendo um ensaio de compreensão sobre a própria vida. O
grande desafio é perceber-se como ser limitado e acabado e, ao mesmo tempo,
encontrar forças para viver com intensidade os dias que restam. Frankl (op. cit.)
viveu como prisioneiro num campo de concentração na Alemanha afirma, também
pautado na sua experiência vivida, que todos podem encontrar um sentido em sua
vida, também em situações de sofrimento intenso. O sentido de ter feito algo
significativo durante sua vida. Este sentimento pode expressar-se de várias
maneiras, uma delas pela fé, espiritualidade, arte, entre outras. 4. A
necessidade de se livrar da culpa. A crença religiosa seguida pelo paciente
pode influenciar seu modo de ver o sofrimento. Se a sua visão religiosa envolve
a punição por atos cometidos, ele poderá ver a doença como expiação da culpa
pelas coisas que fez ou não fez na sua vida pregressa. Esta significação da
doença pode interferir no tratamento. Poder falar desta percepção, ter alguém com
quem confessar sua culpa e ser perdoado pode ser muito confortante. Alguém que
certamente não deve entrar na condição de um juiz. Já basta o grande sofrimento
que uma doença grave traz. A maneira como vivemos pode influenciar as condições
de nossa morte. 5. Necessidade de se reconciliar. Todos nós podemos levar
conosco questões não resolvidas, má- goas, ressentimento, assuntos inacabados,
como afirma Kü- bler-Ross (1975). A doença é, muitas vezes, o momento em que
estes sentimentos brotam de forma intensa. O paciente no fim de vida, frágil e
sem forças, precisará de muita energia para buscar estas de pessoas a quem
feriu ou por quem foi ferido, pedir perdão ou falar de seus sentimentos,
buscando assim uma reconciliação. Permitir que o paciente possa retomar o
contato com estas pessoas, possa lidar com estes assuntos inacabados, dizer o
que quer que aconteça depois da morte e dizer adeus, é fundamental. Muitos
destes pacientes revelaram que suas maiores preocupações eram: não serem
perdoados por Deus, não conseguirem se despedir de pessoas com quem têm
pendências vitais e morrerem afastados de Deus ou de uma força espiritual. 6.
De descobrir algo além de sua pró- pria existência. Esta necessidade pode se
manifestar de duas formas: 1. abertura à transcendência (o relacionamento com
Deus, com a arte, com a natureza); 2. necessidade de reencontrar o sentido de
solidariedade. Alguns pacientes com grande dificuldade ainda conseguem levantar
de seus leitos para oferecer ajuda à alguém que está no leito ao seu lado ou em
piores condições; sentem-se úteis e solidários, cuidando do sofrimento humano.
7. Necessidade de ser amado, apesar de seu aspecto. Poucas pessoas,
profissionais e familiares, têm disposição para ficar com pacientes até o fim
da vida. Seu aspecto cadavérico, palidez, respiração ruidosa, alteração de
humor, franqueza nas questões sobre a morte, tudo isso faz com ESPIRITUALIDADE
E PSICOLOGIA — CUIDADOS COMPARTILHADOS 252 O que poucos, e somente os muito
íntimos, disponham-se a estar presentes até o final do processo. São freqüentes
as queixas das pessoas à morte de um forte sentimento de isolamento e solidão.
Estas pessoas têm grande necessidade de sentirem-se amados, não descartados, e
que este amor seja expresso de maneira carinhosa, podendo-se utilizar toques e
palavras de conforto e esperança, confirmando a significância de sua vida,
lembrando-os de suas realizações e as marcas deixadas na vida das pessoas
próximas. É muito dolorosa a sensação de que a nossa morte não significará nada
na vida daqueles que amamos. 8. Necessidade de uma nova relação com o tempo.
Para muitos pacientes, o tempo vivido é o tempo do passado. Como o futuro
parece muito curto, há a necessidade de elaborar uma nova hierarquia de
valores. Cada dia poderá trazer algumas questões para serem elaboradas e os
projetos a longo prazo parecem impossíveis; será preciso pensar em projetos a
curto prazo. Este futuro, de tempo limitado, pode ser vivido como frustração e
angústia, mas também pode ser uma abertura para a transcendência. É uma visão
direta e clara que não se tempo todo o tempo disponível. 9. Necessidade de
continuidade. Temos a necessidade de deixar marcas de nossa existência para
pessoas significativas ou para a humanidade, envolvendo valores como:
fraternidade, justiça, respeito. Esta continuidade pode estar presente nos
descendentes, numa empresa, numa obra, mensagem ou palavra. É o fruto de uma
vida toda que se avalia num momento de revisão que a proximidade da morte
provoca. Pessini (2006) se refere à possibilidade de elaborar um “diagnóstico
espiritual”, desenvolvendo a habilidade da escuta. É importante ter ouvidos
capazes de comunicar compreensão, amor e solidariedade. Ouvir não somente o que
é dito, mas principalmente o que não é dito e nem precisa ser verbalizado. Ouvir
é criar um clima em que as pessoas livremente podem partilhar o sentido de seus
dias: seus medos, esperanças, dores, desapontamentos e alegrias. Afirma que é
importante ouvir com o ouvido do outro, procurando responder às necessidades do
paciente e não do terapeuta. É fundamental respeitar os valores pessoais e
espirituais da pessoa. Muito fácil é assaltar a pessoa espiritualmente, impondo
nossos valores. Propor sim, impor nunca, afirma o autor. É preciso que se
perceba como o paciente entende, interpreta e vive a sua experiência de estar
doente, como é tocado pela finitude e como relaciona isto com sua fé em Deus ou
em outra figura de crença. Neste contexto, aparecem muitas visões em relação à
doença, tais como: castigo ou punição, teste, destino, fatalidade, expressão de
fim, possibilidade de transformação da vida, entre outras expressões. Também
podem surgir desapontamentos, sentimentos de abandono ou revolta em relação a
Deus para aqueles que são religiosos. Outros podem aprofundar a sua fé. É
necessária a tolerância, paciência, sensibilidade do cuidador espiritual. É
preciso poder acolher sentimentos controversos, sem ter a necessidade de
modificá-los imediatamente e principalmente não repreender ou censurar. Neste
lugar, o atendente espiritual não deve oferecer sermões ou penitências. É
importante trabalhar essas experiências, não reforçando a idéia de que a doença
surge para castigar as pessoas. Pode ser muito difícil entender e aceitar o
sofrimento, quando se está no meio do processo. Segundo o autor, podemos sim
confirmar a fé quando está presente, despertá-la quando está dormente e
reforçá-la se estiver frágil e deseja crescer. Neste momento, faz muito sentido
a proposta de um ritual de fé que tenha significado para a pessoa. É neste
contexto em que muitos não vêem nenhum sentido ou então somente “desgraça” é
que numa perspectiva de espiritualidade, a vida pode ser iluminada pela graça
divina.
Cuidados psicológicos
e espirituais-Integração Há pontos de intersecção e complementaridade entre
aspectos psicológicos e espirituais na existência das pessoas, como afirmamos
anteriormente. Segundo Ancona Lopez (1999), é fundamental que o psicoterapeuta,
ao trabalhar os conteúdos trazidos pelo paciente, leve em conta a sua
experiência religiosa e espiritual, deixando que expresse os seus valores e
expectativas. Há uma estreita relação entre religiosidade e saúde mental, por
isto é fundamental buscar o que é pessoal e significativo na vida de cada um e
seu sentido de pertença a uma dada comunidade religiosa. Os psicólogos deveriam
conhecer e buscar referenciais para abordar a questão espiritual no processo
terapêutico. Não se pode ignorar a questão religiosa, é preciso ter abertura
para compreender as metáforas e símbolos apresentados pelos clientes. Breitbart
(2003) relata a sua experiência de inclusão de conteúdos espirituais em
trabalho psicoterápico em grupo com pacientes oncológicos, que ele denomina de
Psicoterapia de Grupo Centrada no Sentido. Este procedimento é desenvolvido no
Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento do Memorial Sloan
Kettering Cancer Center, em Nova York. Neste grupo foram abordados temas
relativos ao sofrimento causado pela doença, questionamentos existenciais e
aflições espirituais no fim da vida. O trabalho de grupo favorece a troca de
experiências, o sentido de pertença, de que não se está sozinho nesta situação,
tendo a possibilidade de ajudar e ser ajudado e perceber que se tem um
propósito comum. Segundo o autor, o grupo favorece a busca de sentido e uma
“destoxificação” da morte, podendo-se falar abertamente sobre o tema.
Possibilita-se a abertura do caminho para a transcendência, para além dos
aspectos materiais da vida, num processo de construção individual e do grupo
como um todo. Este trabalho só poderá ser realizado se o paciente tiver os seus
sintomas controlados, principalmente a dor. Dentre os temas que foram
processados pelos pacientes, o autor relata os seguintes: revisão de vida,
exame das situações ligadas à culpa, remorso, perdão e reconciliação, encontrar
um sentido maior para o sofrimento. O inspirador deste trabalho é Vitor Frankl,
que, em seu livro “Psicoterapia e sentido da vida”, traz os alicerces para esta
terapia. Frankl reafirma a relevância de se incluir a dimensão da
transcendência no trabalho psicoterápico. É a possibilidade de ir para além de
si, de ter uma compreensão maior da sua relação no mundo. Mas o autor ressalta
que o cuidar da alma na psicoterapia não é a substituição da religião na vida
das pessoas. Frankl (1973) discute a importância de se abordar a questão da
busca pelo sentido no trabalho psicoterápico. Esta busca está presente em toda
a vida até a morte e envolve a liberdade de vontade para encontrar este
sentido, levando em consideração a criatividade, as experiências e a atitude em
relação à vida. Há três grandes problemas existênciais: o sofrimento, a morte e
a culpa. Para este autor, a nossa responsabilidade é viver a vida plenamente. O
sentido é encontrado nas atividades que fazem parte da vida; as situações
existenciais podem não mudar, a forma de encará-las sim. Qualquer fase da vida
permite que se olhe para as situações de vida, de trabalho, das relações
pessoais, e novos significados podem surgir. O processo psicoterápico pode
servir como estímulo para estas novas percepções. Jung foi um dos autores na
área da psicologia e da psicoterapia que concedeu à religião e à
espiritualidade um lugar especial resgatando a questão da alma na psicoterapia,
como aponta Giovanetti (1999). Refere-se à função transcendente, podendo ser
entendida como uma ampliação da consciência. Podemos ver nisso uma parceria
entre a psicologia e a espiritualidade como complementaridade. Este autor
aponta para a necessidade do terapeuta estar sensível à experiência religiosa
constituinte daquele sob seus cuidados e sempre estar atento às manifestações
do sagrado nos relatos, sonhos e associações apresentadas. Kübler-Ross, em suas
obras, também discute a importância do desenvolvimento espiritual e, como
psiquiatra, iniciou os seus trabalhos no acompanhamento de pessoas à morte,
integrando aspectos psicológicos e espirituais. Em seu livro Roda da Vida
(1998) relata que foi guiada por espíritos ou entidades, tendo como missão
afirmar que a morte é basicamente um processo ESPIRITUALIDADE E PSICOLOGIA —
CUIDADOS COMPARTILHADOS
de transição, dessa forma buscando uma
diminuição do sofrimento nesta hora. São dois momentos na trajetória desta
autora que trouxe significativas contribuições para o atendimento a pessoas
gravemente enfermas ou em processo de luto. Em nossa opinião, a segunda parte
da sua obra, se não compreendida e contextualizada, poderá trazer uma idéia
falsa de que as pessoas não devem expressar os seus sentimentos quando diante
da morte, logo passando para uma elevação espiritual, num processo de sublimação
muito rápido. Devemos cuidar para que o processo de sofrimento seja elaborado e
não abortado (Kovács, 2003). Gimenes (2003) aponta para uma parceria entre a
psicologia e a espiritualidade que se configura num auxílio para a passagem,
ajudando as pessoas no seu processo de morte, facilitando a transposição das
etapas psicológicas e espirituais. Trabalha-se o medo do desconhecido,
pacificando os sentimentos de terror, ajudando a contemplar pendências de
diversas ordens. O objetivo é levar à tranqüilidade, calma e o encontro com
Deus. A autora apresenta as várias etapas deste processo, afirmando que é muito
importante que os cuidadores os reconheçam para acompanhar, ajudar e não
atropelar. As etapas apontadas são: a) agonia – quando a pessoa entra em
contato com as dores físicas, emocionais, sociais e espirituais; b)
auto-julgamento – quando há uma revisão das ações, atitudes e sentimentos em
relação à vida; c) entrega – passar para outro estado de consciência.
Psicoterapia e assistência espiritual comungam muitos pontos, sendo um dos
principais elementos, uma escuta atenta e cuidadosa. A psicoterapia tem como
objetivo principal que a pessoa compreenda as suas questões, esclarecendo a
demanda, facilitando as suas escolhas dos caminhos a seguir; a prioridade são as
questões e não as respostas. A orientação espiritual, a partir da escuta das
questões principais, orienta o caminho a seguir.
CONCEITOS BÁSICOS EM
PSICOLOGIA E APLICAÇÃO
O
OBJETO DA PSICOLOGIA Em que consiste a Psicologia? A Psicologia é derivada de palavras
gregas que significam "estudo da mente ou da alma". Hoje em dia é
comumente definida como a ciência que estuda o comportamento humano.
PSICOLOGIA
DO SENSO COMUM X PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA
Todos
nós usamos o que poderia ser chamado de psicologia de senso comum em nosso
cotidiano. Observamos e tentamos explicar o nosso próprio comportamento e o dos
outros. Tentamos predizer quem fará o que, quando e de que maneira. E muitas
vezes sustentamos opiniões sobre como adquirir controle sobre a vida (Ex: o melhor
método para criar filhos, fazer amigos, impressionar as pessoas e dominar a
cólera). Entretanto, uma psicologia construída a partir de observações casuais
tem algumas fraquezas críticas. O tipo de psicologia do senso comum que se
adquire informalmente leva a um corpo de conhecimentos inexatos por diversas
razões. O senso comum não proporciona diretrizes sadias para a avaliação de
questões complexas. As pessoas geralmente confiam muito na intuição, na
lembrança de experiências pessoais diversas ou nas palavras de alguma
autoridade (como um professor, um amigo, uma celebridade da TV). A ciência
proporciona diretrizes lógicas para avaliar a evidência e técnicas bem
raciocinadas para verificar seus princípios. Em consequência, os psicólogos
geralmente confiam no método científico para as informações sobre o
comportamento e os processos mentais. Perseguem objetivos científicos, tais
como a descrição e a explicação. Usam procedimentos
científicos,
inclusive observação e experimentação sistemática, para reunir dados que podem
ser observados publicamente. Tentam obedecer aos princípios científicos.
Esforçam-se, por exemplo, por escudar seu trabalho contra suas distorções
pessoais e conservar-se de espírito aberto. Ainda assim, os cientistas do
comportamento não estão de acordo quanto aos pressupostos fundamentais
relacionados aos objetivos, ao objeto primeiro e aos métodos ideais. Como
outras ciências, a psicologia está longe de ser completa. Existem muitos
fenômenos importantes que não são ainda compreendidos. As pessoa não devem
esperar uma abordagem única do objeto da psicologia ou respostas para todos os
seus problemas.
AS 3 PRINCIPAIS
TEORIAS DA PSICOLOGIA MODERNA
Os seres humanos, como conhecemos hoje,
apareceram na Terra há cerca de 100.000 anos atrás. Desde então têm estado
provavelmente tentando compreender-se a si mesmo. Aristóteles (384-322 a.C.), o
filósofo grego, e considerado o Pai da Psicologia. Entretanto, a especulação
sobre assuntos psicológicos não começou com este pensador grego. Centenas de anos
antes de Aristóteles, os primeiros filósofos de que se tem notícia já lidavam
com esses assuntos.
·BEHAVIORISMO
OU COMPORTAMENTALISMO
John Watson criticava o estruturalismo e o
funcionalismo se queixando sobre o fato de que os fatos da consciência não podiam
ser testados e reproduzidos por todos os observadores treinados, pois dependiam
das impressões e características de cada pessoa. Watson sentiu que os
psicólogos deviam estudar o comportamento observável e adotar métodos
objetivos. Em 1912, nasceu o behaviorismo e dominou a psicologia americana por
trinta anos. Os psicólogos behavioristas estudavam os eventos ambientais
(estímulos), o comportamento observável (respostas) e como a experiência
influenciava o comportamento, as aptidões e os traços das pessoas mais do que a
hereditariedade. Frederick Skinner vai além do behaviorismo de Watson e com ele
nasce o behaviorismo radical que também considera os eventos ambientais, o
comportamento observável (ações do indivíduo), mas também considera os comportamentos
internos ou privados (pensar, sentir, etc). ·
GESTALT
A Psicologia da Gestalt pode ser também vista
como a Psicologia da forma. Os gestaltistas estão preocupados em compreender
quais os processos psicológicos envolvidos na ilusão de ótica, quando o
estímulo físico é percebido pelo sujeito como uma forma diferente da que ele
tem na realidade. Max Wertheimer (1880-1943) fundou o movimento da Gestalt.
"O todo é diferente da soma das partes", este é o slogan do movimento
da Gestalt. O que a pessoa é (o todo) são junções de várias características
próprias dela (as partes).
Aos gestaltistas
interessa muito saber sobre os significados que os seres humanos impõem aos
objetos e acontecimentos de seu mundo, a percepção, a solução de problemas e o
pensamento.
·
PSICANÁLISE
Para quem nunca
estudou psicologia antes, é provável não ter ouvido falar de Watson, Skinner ou
Max Wertheimer, entretanto, provavelmente já ouviu falar de Sigmund Freud
(1856-1939), o médico vienense que se especializou no tratamento de problemas
do sistema nervoso e em particular de desordens neuróticas. Freud adotou a
hipnose para ajudar as pessoas a reviverem as experiências traumáticas do
passado que pareciam associadas com seus sintomas atuais. Entretanto, nem todos
podiam atingir um estado de transe e a hipnose parecia resultar em curas
temporárias, com o aparecimento posterior de novos sintomas. Freud então
desenvolveu o método da associação livre no qual os pacientes deitavam num divã
e eram encorajados a dizer o que quer que lhes viesse à mente (desejos,
conflitos, temores, pensamentos e lembranças), sendo também convidados a
relatar seus sonhos. Freud tratava dos seus pacientes tentando trazer à consciência
aquilo que estava inconsciente. Insistia que todos os detalhes se ajustam
perfeitamente entre si. A personalidade é formada durante a primeira infância.
A exploração das lembranças dos primeiros cinco anos de vida é essencial ao
tratamento.
Aos gestaltistas
interessa muito saber sobre os significados que os seres humanos impõem aos
objetos e acontecimentos de seu mundo, a percepção, a solução de problemas e o
pensamento. · PSICANÁLISE
Para quem nunca estudou psicologia antes, é provável não ter ouvido falar de
Watson, Skinner ou Max Wertheimer, entretanto, provavelmente já ouviu falar de
Sigmund Freud (1856-1939), o médico vienense que se especializou no tratamento
de problemas do sistema nervoso e em particular de desordens neuróticas. Freud
adotou a hipnose para ajudar as pessoas a reviverem as experiências traumáticas
do passado que pareciam associadas com seus sintomas atuais. Entretanto, nem
todos podiam atingir um estado de transe e a hipnose parecia resultar em curas
temporárias, com o aparecimento posterior de novos sintomas. Freud então
desenvolveu o método da associação livre no qual os pacientes deitavam num divã
e eram encorajados a dizer o que quer que lhes viesse à mente (desejos,
conflitos, temores, pensamentos e lembranças), sendo também convidados a
relatar seus sonhos. Freud tratava dos seus pacientes tentando trazer à
consciência aquilo que estava inconsciente. Insistia que todos os detalhes se
ajustam perfeitamente entre si. A personalidade é formada durante a primeira
infância. A exploração das lembranças dos primeiros cinco anos de vida é
essencial ao tratamento.
HEREDITARIEDADE X MEIO
AMBIENTE · Como são as
pessoas e o que as faz serem assim?
As pessoas são muito
variadas. Diferem quanto ao tamanho, religião, sexo, idade, inteligência e
educação. Diferem ainda quanto às características sociais, econômicas e morais.
A individualidade é o resultado de características biológicas ou herdadas
(hereditárias) e é ainda influenciada pelo meio ambiente onde vivem. Na
realidade o que faz uma pessoa ser aquilo que é resulta da combinação dos
fatores herdados e do seu meio ambiente. Características herdadas: Fatores
relacionados com a aparência física são geralmente considerados herdados. · a não se que haja trauma cefálico ou
doença, o intelecto e a altura são determinados biologicamente · a não ser que haja tratamento
medicamentoso ou raios luminosos externos, a cor da pele também é
predeterminada ·
a não ser que haja ferimento ou operação plástica, a forma do nariz e orelhas é
predeterminada. Herda-se, enfim, a maioria dos caracteres relacionados a
aparência. Características ambientais: O meio ambiente abrange muitas
influências. O meio químico pré-natal: drogas, nutrição e hormônios O meio
químico pós-natal: oxigênio e nutrição
As experiências sensoriais
constantes: os eventos processados pelos sentidos inevitáveis a qualquer
indivíduo como sons de vozes humanas, contato físico com as pessoas, etc. Todos
passam por essas experiências. As experiências sensoriais variáveis: eventos
processados pelos sentidos e que diferem de um animal para outro da mesma
espécie, dependendo das circunstâncias particulares de cada indivíduo. Nem
todos passam por essas experiências. O melhor argumento a favor da influência
ambiental na formação da personalidade encontra-se no estudo desenvolvido com
gêmeos idênticos, que são criados em lugares diferentes por diferentes pessoas.
Podem ser encontradas diferenças quanto à estatura e seus Q.I., conceito
social, pessoal e metas de trabalho. O meio ambiente desempenha importante
papel nessa diferenciação. A hereditariedade e o meio interagem continuamente,
influenciando o desenvolvimento. A hereditariedade programa as potencialidades
humanas das pessoas, o meio faz essas potencialidades se desenvolverem ou não,
para mais ou para menos. Não é relevante a discussão a respeito se a
hereditariedade ou o meio é mais significativo, pois ambos são absolutamente
essenciais. Cada ser humano é diferente pois cada um traz diferentes
experiências de vida, e portanto, é emocional, intelectual e socialmente
diferente dos demais. Saber como as pessoas desenvolvem as idéias e quais são
as suas necessidades é fundamental para a formação de um bom profissional da
área de saúde; mas é
igualmente fundamental que este profissional se conheça muito bem. O
profissional da área de saúde interage com pessoas diferentes umas das outras.
A maior dificuldade em lidar com essas pessoas – médicos, enfermeiras, parentes
dos doentes e os próprios pacientes – está em que nunca duas pessoas reagirão
de maneira idêntica. Qual a solução para esse problema? A melhor solução é
estar bem consciente da própria maneira de agir, como pessoa, da reação dos
outros às suas iniciativas e continuar a ganhar experiência nesses aspectos.
NOÇÕES
DE PSICOPATOLOGIA
"interna"
como resultado de alterações orgânicas e psicológicas no organismo ou
"externa". O conhecimento da etiologia dos distúrbios psíquicos ainda
é rudimentar, embora esteja se desenvolvendo. Assim, a classificação dos
distúrbios psíquicos é insatisfatória, mas como os profissionais da saúde
precisam antecipar as consequências de qualquer doença, pesquisar e se
comunicar entre si, torna-se necessária uma classificação. Os psiquiatras
clínicos descrevem a personalidade em termos de estrutura mental que está
constante e regularmente presente em uma pessoa. Uma síndrome é constituída por
um certo número de sintomas que, quando agrupados, formam um padrão
reconhecível. Para que os profissionais da área da saúde reconheçam da mesma
maneira um portador de transtornos mentais ou psíquicos há dois sistemas
classificatórios importantes das doenças mentais e que foram desenvolvidos pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Associação Psiquiátrica Americana
(APA). O primeiro é o CID-10, publicado em 1992 e que contém a 10ª revisão do
capítulo sobre Transtornos Mentais e de Comportamento. Todas as tradições e
escolas da psiquiatria estão ali representadas, o que dá a este trabalho seu
caráter excepcionalmente internacional. A classificação e as diretrizes foram produzidas
e testadas em muitas línguas. Nesta classificação os transtornos mentais estão
elencados em 11 categorias maiores compreendendo 99 tipos de doenças mentais. É
oferecida uma secção com as descrições clínicas e diretrizes diagnósticas que
deve ser de conhecimento de todo o profissional. Um outro sistema de
classificação foi coordenado pela Associação Psiquiátrica Americana e é
amplamente conhecido como DSM-IV ou Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais – 4ª edição. É um manual mais específico, completo e
complexo. Como as classificações dos transtornos mentais é complexa,
salientaremos as 3 principais estruturas dentro da psicopatologia, que são: a
neurose, a psicose e a perversão. Neurose A pessoa neurótica reconhece que está
doente, embora não possa associar seus sintomas com um conflito emocional
óbvio. Ele permanece em contato com a realidade. Pode continuar a adaptar-se
socialmente porque a pessoa neurótica não gosta da realidade que vive, mas se
adapta a ela da sua maneira. O neurótico sofre de reminiscências, quer dizer, o
que ele passou no passado, ele sofre no presente, atualiza no presente, o que
significa um sofrimento inútil. Como exemplos de distúrbios neuróticos temos a:
· neurose obsessiva-compulsiva · neurose histérica · neurose fóbica / síndrome do
pânico ·
neurose hipocondríaca
a.1.)
Neurose obssessiva-compulsiva.
A pessoa com
personalidade obsessiva é excessivamente asseada, pontual e de confiança. Ela
costuma conferir tudo o que faz muitas vezes (rituais). Não gosta de mudança e
fica contrariada com qualquer alteração em sua rotina. Tem atividades
compulsivas, como por exemplo: gastar dinheiro demais ou ser muito avarento,
comer demais e ser obeso, ser muito organizado no sentido de ser
perfeccionista. Gosta de sentir que tem o completo controle de si mesmo e de
seu mundo. Mantém suas emoções sob controle e raramente perde a calma. Seu
senso de humor é limitado. Parece que precisa controlar completamente seu meio
ambiente ou então não fazer nenhuma tentativa neste sentido, nenhum meio-termo
é possível. Possui a moral muito rígida principalmente com relação a regras e
horários. Tem medo exagerado que pode chegar a uma paranóia. É muito bom para
os outros, mas pensa pouco em si mesmo, sendo às vezes auto-agressivo e possuindo
auto-exigência (perfeccionismo). Se sacrifica pelos outros. Tudo tem que ter
sacrifício, tem que complicar as coisas mais simples.
1.2.
Religiões: pontos convergentes
As grandes religiões, não obstante suas
diferenças doutrinais e tradições, apresentam convergências fundamentais, como
enfatiza Kung2 . Entre as mais significativas, assinalam-se: a) o cuidado com a
vida: todas as religiões defendem a vida, especialmente aquela mais vulnerável
e sofrida. Prometem a expansão do reino da vida, quando não a ressurreição e a
eternidade, no tocante não apenas à vida humana, mas também a todas
manifestações cósmico-ecológicas; b) comportamento ético fundamental: todas
apresentam um imperativo categórico: não matar, não roubar, não violentar, amar
pai e mãe e ter carinho para com as crianças. Esses imperativos favorecem a uma
cultura de veneração, de diálogo, de sinergia, de não-violência ativa e de paz;
c) a justa medida: as religiões procuram orientar as pessoas pelo caminho da
sensatez, que significa o equilíbrio entre o legalismo e o libertinismo. Elas
propõem nem o desprezo do mundo, nem sua adoração, nem o hedonismo, nem o
ascetismo, nem o imanentismo, nem o transcendentalismo, mas o justo equilíbrio
em todos esses domínios. Este é o caminho do meio, das virtudes. Mais do que
atos são atitudes interiores coerentes com a totalidade da pessoa e que
impregnam de excelência todos os seus relacionamentos; d) a centralidade do amor:
todas pregam a incondicionalidade do amor. Confúcio (551-489 a.C.) pregava: “O
que não desejas para ti, não o faças a outro”. Jesus: “Amem-se uns aos outros
como eu vos tenho amado”. Na perspectiva ecológica de Jonas3 , “age de tal
maneira que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma
vida autenticamente humana”; e) figuras éticas exemplares: as religiões não
apresentam somente máximas e atitudes éticas, mas principalmente figuras
históricas concretas, paradigmas vivos, como tantos mestres, santos e santas,
justos e justas, heróis e heroínas, que viveram dimensões radicais de
humanidade. Daí surge a força mobilizadora de figuras eticamente exemplares,
como Jesus, Buda, Confúcio, Francisco de Assis, Ghandi, Luther King, Madre
Teresa de Calcutá, entre outros; f) definição de um sentido último: trata-se do
sentido do todo e do ser humano. A morte não é a última palavra, mas a vida,
sua conservação, sua ressurreição e sua perpetuidade. Todas apresentam um fim
bom para a criação e um futuro bem-aventurado para os justos4 . 1.3. Religião e
espiritualidade: distinguir sem separar Na visão de Dalai-Lama, há distinção
entre religião e espiritualidade: Julgo que religião esteja relacionada com a
crença no direito à salvação pregada por qualquer tradição de fé, crença esta
que tem como um de seus principais aspectos a aceitação de alguma forma de
realidade metafísica ou sobrenatural, incluindo possivelmente uma ideia de
paraíso ou nirvana. Associados a isso estão ensinamentos ou dogmas religiosos,
rituais, orações e assim por diante. Considero que espiritualidade esteja
relacionada com aquelas qualidades do espírito humano – tais como amor e
compaixão, paciência e tolerância, capacidade de perdoar, contentamento, noção
de responsabilidade, noção de harmonia – que trazem felicidade tanto para a
própria pessoa quanto para os outros. Ritual e oração, junto com as questões de
nirvana e salvação, estão diretamente ligados à fé religiosa, mas essas
qualidades interiores não precisam ter a mesma ligação. Não existe, portanto,
nenhuma razão pela qual um indivíduo não possa desenvolvê- las, até mesmo em
alto grau, sem recorrer a qualquer sistema religioso ou metafísico5 . A
distinção entre religião e espiritualidade nos ajuda hoje a resgatar a alta
relevância da espiritualidade para os dias atuais, marcados pelo modo secular
de ver o mundo e pela redescoberta da complexidade misteriosa da subjetividade
humana. As religiões constroem edifícios teóricos: as doutrinas, as morais, as
liturgias e os ritos. Constroem, também, edifícios artísticos, grandes templos
e catedrais. Através da arte, em geral, da música sacra e das artes plásticas,
as religiões nos elevam a Deus. É só entrarmos numa catedral, por exemplo, a
Notre Dame, de Paris, além de 318 A importância da dimensão espiritual na
prática dos cuidados paliativos Revista - Centro Universitário São Camilo -
2010;4(3):315-323 ser uma joia de arte arquitetônica, vamos encontrar, em seu
interior e nos seus vitrais, retratada toda uma época histórico-cultural e religiosa.
As religiões constituem uma das construções de maior excelência do ser humano.
Elas trabalham com o divino, com o sagrado, com o espiritual, mas não são, na
sua essência, o espiritual. O que afirma Boff6 ajuda-nos a refletir: Quando a
religião se esquece da espiritualidade, ela pode se autonomizar, articulando os
poderes religiosos com outros poderes. No Ocidente, tivemos já muita violência
religiosa, feita em nome de Deus. Ao se institucionalizar em forma de poder,
seja sagrado, social ou cultural, as religiões perdem a fonte que as mantêm
vivas – a espiritualidade. No lugar de homens carismáticos e espirituais passam
a criar burocratas do sagrado. Ao invés de pastores que estão no meio do povo,
criam autoridades acima do povo e de costas para ele. Não querem fiéis
criativos, mas obedientes; não propiciam a maturidade na fé, mas o infantilismo
da subserviência. As instituições religiosas podem tornar-se, com seus dogmas,
ritos e morais, o túmulo do Deus vivo6 . A religião codifica uma experiência de
Deus e lhe dá a forma de poder doutrinário, moral e ritual. A espiritualidade
se orienta pela experiência do encontro vivo com Deus. Esse encontro sempre
novo e inspirador é vivido como gerador de sentido, entusiasmo de viver e
transcendência. 1.4. Afinal, o que entender por espiritualidade e mística?
Nossa compreensão alinha-se com a perspectiva de Boff7 , quando afirma que a
espiritualidade é aquela atitude pela qual o ser humano se sente ligado ao
todo, percebe o fio condutor que liga e re-liga todas as coisas para formarem
um cosmos. Essa experiência permite ao ser humano dar um nome a esse fio
condutor, dialogar e entrar em comunhão com ele, pois o detecta em cada detalhe
do real. Chama-o de mil nomes: Fonte Originária de todas as coisas, Mistério do
Mundo ou simplesmente Deus7 . É ainda Boff6 que nos diz: a espiritualidade tem
a ver com experiência, não com doutrina, não com dogmas, não com ritos, não com
celebrações, que são apenas caminhos institucionais capazes de nos ajudar a
alcançá-la, mas que são posteriores a ela. Nasceram da espiritualidade, podem
até contê-la, mas não são a espiritualidade. São água canalizada, não a fonte
de água cristalina (p. 44)6 . E o que entender por mística? (...) a mística é
aquela forma de ser e de sentir que acolhe e interioriza experiencialmente esse
Mistério sem nome e permite que ele impregne toda a existência. Não o saber
sobre Deus, mas o sentir Deus funda o místico. Como dizia com acerto
Wittengeistein: “O místico não reside no como o mundo é, mas no fato de que o
mundo é”. Para ele crer em Deus é compreender a questão do sentido da vida;
crer em Deus é afirmar que a vida tem sentido. É esse tipo de mística que
confere um sentido último ao caminhar humano e a suas indagações irrenunciá-
veis sobre a origem e o destino do universo e de cada ser humano8 . A mística e
a espiritualidade se exteriorizam institucionalmente nas religiões do mundo e
subjazem aos discursos éticos, portadores de valores, de normas e de atitudes
fundamentais. Sem elas, a ética se transforma num código frio de preceitos e as
várias morais em processos de controle social e de domesticação cultural. Por
isso, a ética, como prática concreta, remete a uma atmosfera mais profunda,
àquele conjunto de visões, sonhos, utopias e valores inquestionáveis cuja fonte
situa-se na mística e na espiritualidade. São como a aura, sem a qual nenhuma
estrela brilha8 . 2. Medicina e espiritualidade Há um cansaço na cultura
contemporânea em relação a uma medicina que reduz o ser humano meramente à sua
dimensão biológica orgânica. O ser humano é muito mais do que sua materialidade
biológica. Poderíamos dizer que esse cansaço provocou uma crise da medicina
técnico-científica e que favoreceu ao nascimento de um novo modelo, do
paradigma biopsicossocial e espiritual9,10. É a partir dessa virada
antropológica que podemos introduzir a dimensão espiritual do ser humano como
um componente importante de ser trabalhado na área de cuidados no âmbito da
saúde. Já existem inúmeras publicações em nosso meio sobre essa questão que não
podem passar despercebidas11,12,13. A Declaração Universal sobre Bioética e
Direitos Humanos da Unesco (UNESCO, 19/10/2005)14, logo na sua introdução,
apresenta como fundamento uma vi- 319 A importância da dimensão espiritual na
prática dos cuidados paliativos Revista - Centro Universitário São Camilo -
2010;4(3):315-323 são antropológica integral, holística, contemplando a
“dimensão espiritual” do humano: “Tendo igualmente presente que a identidade de
um indivíduo inclui dimensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e
espirituais”. A Associação Médica Mundial (AMA), na Declaração sobre os
Direitos do Paciente, revista na 171ª. seção do Conselho, Santiago, outubro de
2008, elenca onze direitos, sendo que o décimo primeiro é o “Direito à
assistência religiosa”. Na íntegra: “O paciente tem o Direito de receber ou
recusar conforto espiritual ou moral, incluindo a ajuda de um ministro de sua
religião de escolha”. No Canadá, o Código de Ética Médica (atualizado em 2004),
ao apresentar as dez “responsabilidades fundamentais” dos médicos, no que toca
ao assunto em tela, diz que é uma responsabilidade fundamental do médico.
“Prover cuidados apropriados ao seu paciente, mesmo quando a cura não é mais
possível, incluindo o conforto físico e espiritual, bem como suporte
psicossocial”. Nos EUA, a Associação Médica Americana, em uma “declaração sobre
cuidados de final de vida (2005)”, diz que “na última fase da vida, as pessoas
buscam paz e dignidade” e sinaliza que os médicos prestem atenção nos objetivos
e valores pessoais da pessoa na fase final de vida. Os pacientes devem confiar
que seus valores pessoais terão uma prioridade razoável, seja na comunicação
com a família e amigos, no cuidado das necessidades espirituais, na realização
de uma última viagem, na tarefa de concluir uma questão ainda inacabada na
vida, ou morrer em casa, ou em outro lugar de significado para a pessoa. No
México, entrou em vigor, em 5 de janeiro de 2009, “Decreto por el que se
reforma y adiciona la Ley General de salud em Matéria de Cuidados Paliativos” .
No Cap. II, que trata dos “Direitos do paciente em situação terminal”, entre os
doze direitos arrolados, o XI diz que o paciente tem direito “a receber os
serviços espirituais quando ele, sua família, representante legal ou pessoa de confiança
o solicitar”. 3. Brasil – Carta dos Direitos dos Usuários da saúde Em nosso
País, o Ministério da Saúde aprovou a Portaria n. 1820, de 13 de agosto de
2009, que “dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde nos termos
da legislação vigente” (Art. 1º), que passam a constituir a “Carta dos Direitos
dos Usuários da Saúde” (Art. 9º) 15. O artigo 4º e parágrafo único afirmam:
Toda pessoa tem direito ao atendimento humanizado e acolhedor, realizado por
profissionais qualificados, em ambiente limpo confortável e acessível a todos.
Parágrafo único: É direito da pessoa, na rede de serviços de saúde, ter
atendimento humanizado, acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição
ou negação em virtude de idade, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual,
identidade de gênero, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, de
anomalia, patologia ou de deficiência, garantindo-lhe: III – nas consultas, nos
procedimentos diagnósticos, preventivos, cirúrgicos, terapêuticos e
internações, o seguinte: respeito (...); d) aos seus valores éticos, culturais
e religiosos; (...); g) o bem-estar psíquico e emocional; X – a escolha do
local de morte; (...) XIX – o recebimento de visita de religiosos de qualquer
credo, sem que isso acarrete mudança na rotina de tratamento e do
estabelecimento e ameaça à segurança ou perturbações a si ou aos outros. O Art.
5º afirma que “Toda pessoa deve ter seus valores, cultura e direitos
respeitados na relação com os serviços de saúde, garantindo-lhe: (...); VIII –
o recebimento ou recusa à assistência religiosa, psicológica e social”. Como
vemos, hoje, há um reconhecimento em termos de políticas públicas, bem como no
âmbito da pró- pria medicina da necessidade do cuidado espiritual. 4. Que
espiritualidade cultivar frente ao “mistério do sofrimento humano? Vivemos num
momento cultural sócio-histórico, no âmbito das terapias da saúde dominado pela
analgesia, em que fugir da dor é o caminho racional e normal. À medida que a
dor e a morte são absorvidas pelas instituições de saúde, as capacidades de
enfrentar a dor, de inseri-la no ser e de vivê-la são retiradas da pessoa. Ao
ser tratada por drogas, a dor é vista medicamente como um barulho de
disfuncionamento nos circuitos fisiológicos, sendo despojada de sua dimensão
existencial subjetiva. Claro que essa mentalidade retira do sofrimento seu
significado íntimo e pessoal e transforma a dor em problema técnico. Diz-se que
hoje temos a chamada trindade farmacológica da felicidade, no nível
físico-corporal, psíquico e sexual, que está disponível a conta-gotas nas
prateleiras das farmácias, a um custo razoável. O xenical – para emagre- 320 A
importância da dimensão espiritual na prática dos cuidados paliativos Revista -
Centro Universitário São Camilo - 2010;4(3):315-323 cimento e para a busca da
felicidade do corpo escultural; o prozac – para livrar-se dos incômodos da
depressão e da busca do bem-estar psíquico; e o viagra, que liberta do fracasso
e da vergonha da disfunção erétil (impotência) para proporcionar o prazer e a
felicidade sexual. Não possuímos mais hoje os místicos de outrora, que
atribuíam à dor e ao sofrimento um sentido. Vivemos numa sociedade em que o
sofrer não tem sentido, e, por isso, nos tornamos incapazes de encontrar algum
sentido numa vida marcada pelo sofrimento. Na base das solicitações para se
praticar a eutanásia, temos sempre o drama da vida envolta em sofrimento sem
perspectivas. As culturas tradicionais tornam o homem responsável por seu
comportamento, sob o impacto da dor, sendo que hoje é a sociedade industrial
que responde diante da pessoa que sofre, para livrá-la deste incômodo. Em meio
medicalizado, a dor perturba e desnorteia a vítima, obrigando-a a entregar-se
ao tratamento. Ela transforma em virtudes obsoletas a compaixão e
solidariedade, fonte de reconforto. Nenhuma intervenção pessoal pode mais
aliviar o sofrimento. Só quando a faculdade de sofrer e de aceitar a dor for
enfraquecida é que a intervenção analgésica tem efeito previsto. Nesse sentido,
a gerência da dor pressupõe a medicalização do sofrimento. A dor pode ser
definida como uma perturbação, uma sensação no corpo. O sofrimento, por outro
lado, é um conceito mais abrangente e complexo, atinge o todo da pessoa. Pode
ser definido, no caso de doença, como um sentimento de angústia, vulnerabilidade,
perda de controle e ameaça à integridade do eu. Pode existir dor sem sofrimento
e sofrimento sem dor. Em cada caso, somente nós podemos senti-lo, bem como
aliviá-lo. A dor exige medicamento e analgésico, o sofrimento clama por
sentido. Como afirma Cassel10: O sofrimento ocorre quando existe a
possibilidade de uma destruição iminente da pessoa, continua até que a ameaça
de desintegração passe ou até que a integridade da pessoa seja restaurada
novamente de outra maneira. Apontamos que sentido e transcendência (grifo
nosso) oferecem duas pistas de como o sofrimento associado com destruição de
uma parte da personalidade pode ser diminuído. Dar um significado à condição
sofrida frequentemente reduz ou mesmo elimina o sofrimento associado a ela. A
transcendência é provavelmente a forma mais poderosa pela qual alguém pode ter
sua integridade restaurada, após ter sofrido a desintegração da
personalidade10. No famoso livro da Bíblia, o livro de Jó, escrito há mais de
2500 anos, temos uma apresentação do mistério do sofrimento e Deus. É a mesma
pergunta que tantos “Jós” (sofredores) se fazem hoje. Por que Deus faz isso
comigo? O rabino Kushner15 responde que as palavras de Jó nem de longe contêm
uma indagação de ordem teológica – elas são um grito de dor. Depois daquelas
palavras caberia um ponto de exclamação, não de interrogação. O que Jó queria
de seus amigos (...) não era teologia, mas simpatia. Não desejava que lhe
explicassem Deus, tampouco estava querendo mostrar-lhes que sua teologia era
insatisfatória. Ele queria somente dizer-lhes que era realmente um bom homem e
que as coisas que lhe estavam acontecendo eram terrivelmente trágicas e
injustas. Mas seus amigos empenharam-se tanto em falar de Deus que quase
esqueceram de Jó, a não ser para observar que ele deveria ter feito alguma
coisa de muito ruim para merecer aquele destino das mãos de um Deus justo16. Na
história da espiritualidade cristã católica, em época não muito distante de
nós, se enfatizava, exageradamente, a importância do sofrimento, caindo-se numa
mentalidade dolorista de valorização do sofrimento por si mesmo. A expressão do
povo “se a gente não sofre não ganha o céu” espelha bem essa mentalidade. Na
busca de superação dessa religião do sofrimento e da culpa, precisamos beber da
fonte primeira, re-descobrindo nos Evangelhos que no centro não está a dor e o
sofrimento, mas o amor. O mandamento não é para sofrer, mas para amar. Na carta
apostólica Salvifici Doloris, lemos que “O sofrimento humano suscita compaixão,
inspira também respeito e, a seu modo intimida. Nele, efetivamente está contida
a grandeza de um mistério específico”. É dito também que “o amor é ainda a
fonte mais plena para a resposta à pergunta acerca do sentido do sofrimento.
Esta resposta foi dada por Deus ao homem, na Cruz de Jesus Cristo”17. 5.
Espiritualidade e cuidados paliativos A espiritualidade diz respeito à busca do
ser humano por um sentido e significado transcendente da vida. A religião, por
outro lado, é um conjunto de crenças, práticas rituais e linguagem litúrgica que
caracteriza uma comunidade que está procurando dar um significado transcendente
às situações fundamentais da vida, desde o nascer até o morrer. 321 A
importância da dimensão espiritual na prática dos cuidados paliativos Revista -
Centro Universitário São Camilo - 2010;4(3):315-323 A filosofia dos cuidados
paliativos desde suas origens, a partir do cultivo da visão antropológica
biopsicossocial e espiritual, propõe um modelo de cuidados holísticos, que vá
ao encontro das necessidades de várias dimensões do ser humano, seja no nível
físico, psíquico, social ou espiritual. A própria definição da Organização
Mundial da Saúde contempla essa perspectiva. Hoje se reforça a convicção de que
os cuidados paliativos devem expandir seu foco para além do controle da dor e
dos sintomas físicos, para incluir as abordagens psiquiátrica, psicológica,
existencial e espiritual nos cuidados de final de vida e talvez em situações
específicas culminar no processo de aceitação com serenidade e em paz da pró-
pria morte (p. 211)18. A provisão para controle da dor e dos sintomas físicos
continua sendo o objetivo básico e fundamental para os paliativistas. Isso
porque tais sintomas se transformam em fonte de angústia e sofrimento para o
paciente, e os paliativistas têm as ferramentas e as habilidades para
efetivamente lidar com esses sintomas. Os objetivos da medicina podem ser
resumidos em: prolongar, proteger e preservar a vida humana. Como esses
objetivos podem ser aplicados em cuidados paliativos? Prolongar a vida não é um
objetivo clínico em cuidados paliativos. Paradoxalmente, estudos recentes
mostram que pacientes que são cuidados em hospices sobrevivem por mais tempo
que os pacientes em fase final que são cuidados em outros contextos clínicos.
Proteger o paciente de danos apresenta-se como razoável em cuidados paliativos.
O que significa preservar a vida como um objetivo em cuidados paliativos?
Significa fazer tudo o que for possível para o paciente manter a essência de
quem ele é, seu senso de identidade, significado e dignidade na última fase da
vida e no processo do morrer. Isso pode se conseguir pelo controle dos
sintomas, cuidados humanizados, facilitando o relacionamento com as pessoas
queridas, focando em questões existenciais que necessitam ser finalizadas e
cuidar do legado (o que a pessoa deixa). Portanto, em cuidados paliativos, os
objetivos são raramente prolongar a vida, frequentemente proteger a vida, mas
sempre preservar e cuidar da vida. A compaixão é um importante elemento humano
em todas as interações em cuidados paliativos e pode ser definida pela
hospitalidade, presença e abertura para ouvir. O termo hospitalidade é a raiz
das expressões hospital e hospice. O encontro clínico dos cuidadores com o
doente implica que comunique a esse um senso que todos nós estamos relacionados
uns com os outros, enfrentamos as mesmas realidades e questões existenciais,
por exemplo nossa finitude19,20. Estar presente é procurar focar e
centralizar-se nas preocupações e história do paciente. Ouvir é responder de
tal maneira às suas preocupações e angústias que esse se sinta compreendido. A
empatia está no coração e na arte de ouvir. O objetivo maior dessa abordagem na
fase terminal é ajudar no processo de aceitação à vida vivida e, finalmente,
chegar à aceitação da morte; em outras palavras, enfrentar a morte com
serenidade e paz! William Breitbart afirma: Reconhecer e encarar com serenidade
a própria morte, nossa finitude de vida, pode ser para muitos, um fator de
transformação. A atitude de enfrentar a pró- pria morte leva a pessoa a se
voltar para encarar e abraçar a vida que foi vivida (p. 211)18. Ao olhar e
examinar para a vida que viveu e que luta para aceitar, esta pessoa enfrenta
uma série de desafios. Enfrentar a morte pode aprimorar o processo ao se buscar
um senso de coerência, significado e completude de vida. Isso permite, também,
que tenhamos a consciência de que o último capítulo da vida é a última
oportunidade para viver toda sua potencialidade, para deixar um autêntico
legado e se conectar com o além, colocando a vida numa perspectiva de
transcendência. Neste momento ainda existe vida para ser vivida, tempo para
simplesmente ser, de formas que o paciente pode partir com um senso de paz e de
aceitação da vida vivida. O paradoxo desta dinâmica de final de vida é que
através da aceitação da vida que se viveu, surge a aceitação da partida e da
morte, conclui o psiquiatra W. Breitbart, paliativista do Memorial Hospital de
Nova Iorque (p. 212)21. Como seres humanos, buscamos o sentido maior das coisas
e da vida e nos preocupamos com três questões bá- sicas: 1) De onde vim?; 2)
Por que estou aqui?; 3) Para onde vou? (existe algo além da morte?). Essas são
questões centrais na experiência religiosa e espiritual. A palavra religião vem
do latim religio, onde a raiz re (novamente) e ligare (conectar),
fundamentalmente diz respeito ao esforço de se reconectar ou ligar junto. A
busca de transcendência ou conexão como algo a mais de nós mesmos é a maneira
básica e simples de uma aventura espiritual, não importante se acreditamos em
Deus ou não. 322
A
importância da dimensão espiritual na prática dos cuidados paliativos
Para
as pessoas que cultivam uma fé religiosa, pode-se oferecer cuidados e respostas
confortantes para essas questões existenciais. Para os que não possuem um
sistema de crenças religiosas, podemos prover conforto via solidariedade e
compaixão, que ameniza os medos associados com a dor, o sofrimento e o
sentimento de sentir-se relegado ao “esquecimento” após a morte.
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