PARA QUE SERVE O EXAME VHS
VHS é a sigla usada para representar o exame "velocidade de hemo-sedimentação" ou "velocidade de sedimentação das hemáceas", um fenômeno que acontece quando o sangue é deixado em repouso na posição vertical, dentro de um tubo graduado em milímetros.
Nessa situação, as hemáceas se depositam no fundo do tubo, separando-se do plasma, que permanece na parte superior. Após uma hora de repouso, a linha de separação entre as hemáceas e o plasma serve para a leitura direta do resultado do exame na escala numérica. O valor é expresso como VHS de primeira hora em milímetros e a referência é até 20. Não existe um valor normal para VHS, existe um valor apenas dereferência, que o médico deve usar para avaliar o significado do resultado. Isso quer dizer que valores acima da referência, embora estejam aumentados, podem não ser anormais (veja adiante). A leitura de segunda hora não tem importância clínica e deve ser abandonada.
Os praticantes da que já denominei "medicina baseada em reumatismo" (veja MEDICINA BASEADA EM REUMATISMO), quando se deparam com um resultado de VHS aumentado, circulam ou sublinham o resultado e, pondo uma flecha ao lado, apontada para cima, afirmam imediatamente: - "É reumatismo".
O hábito de circular, sublinhar e marcar com flechas o resultado de exames é uma forma de iatrogenia que reforça na pessoa doente a informação que está sendo transmitida. Aos olhos de quem o recebe, o estímulo visual da marca sendo aposta ao resultado do exame passa a ter mais importância do que o significado científico do exame em si.
Essa prática debocha do conhecimento científico, pois VHS aumentado não significa "reumatismo" em nenhuma situação. E também não significa "reumatismo no sangue".
Mas os praticantes da medicina baseada em reumatismo não estão interessados em conhecimento científico. A única preocupação que os guia é convencer o paciente de que eles sabem o que a pessoa tem e usam a interpretação mitológica do exame VHS para isso, pois sabem que ninguém irá questionar que VHS aumentado não é "reumatismo" nem "reumatismo no sangue".
Quando digo que "reumatismo" nesse país é um problema de comunicação, refiro-me a várias coisas, e uma delas é a maneira como a informação científica é levada para a população.
Existem vários textos sobre VHS disponíveis na Internet e vou usar um deles como exemplo.
Trata-se do artigo Velocidade de sedimentação das hemáceas - utilidade e limitações, publicado na Revista da Associação Médica Brasileira, volume 46, nº 3, de julho-setembro de 2000. O artigo é destinado a médicos, mas está disponível na rede e portanto pode ser acessado por qualquer pessoa.
Na vida diária do país, a maioria das pessoas que toma conhecimento do exame VHS e do significado que possa ter o faz através de profissionais que não estão preparados para explicar a utilidade do exame. Esses profissionais são os que relacionam VHS aumentado com o mito "reumatismo".
Como qualquer um poderá comprovar, a palavra "reumatismo" e a expressão "reumatismo no sangue" não aparecem no artigo acima. Não aparecem simplesmente porque não são informação científica, pois VHS aumentado não significa "reumatismo" nem "reumatismo no sangue" e ninguém perde tempo escrevendo sobre isso em artigos científicos. Por outro lado, no dia-a-dia, é com essa desinformação que a população se depara quando toma conhecimento do exame.
A maioria da população aceita a desinformação sem hesitar, baseando-se na autoridade e no conhecimento do profissional que a transmitiu. Entretanto, muitas pessoas já se acostumaram a procurar outra opinião através da Internet, para mais esclarecimentos e confirmação do que ouviram.
Mas quando se deparam com as explicações científicas disponíveis, não têm como tirar conclusões sobre as diferentes realidades apresentadas.
De um lado, a explicação mitológica simples e direta - "é reumatismo ou é reumatismo no sangue" - e do outro a informação científica extensa e confusa "é um teste inespecífico na documentação de processo inflamatório, infeccioso ou neoplásico, servindo também para inferência de sua intensidade e, considerando-se as limitações, da resposta à terapêutica".
Não tenho nenhuma dúvida de que alguém sem formação técnica, ao comparar essas alternativas, preferirá a primeira explicação. Ou seja, preferirá a explicação errada.
Isso acontece porque a informação científica disponível, por se dirigir originariamente a profissionais, não aborda diretamente a maneira como esses profissionais deturpam a informação ao transmiti-la para a população. Mas o artigo citado aborda esse comportamento de maneira indireta, velada, como na afirmação:"Dessa forma, para se evitar gastos desnecessários, o VHS só deve ser solicitado mediante suspeita clínica razoável, baseada na anamnese e no exame físico".
Para afirmar isso, o autor sabe que o exame é solicitado "na ausência de suspeita clínica razoável" e um exemplo disso acontece quando é solicitado como "exame para ver se é reumatismo", finalidade que simplesmente não existe (leia O EXAME MAIS IMPORTANTE EM REUMATOLOGIA).
Sabendo que a informação científica é deturpada nas explicações dadas a leigos, deixei de lado as citações veladas e indiretas dos artigos científicos e passei a usar nesse blog a linguagem mais direta possível para revelar as práticas sem fundamento envolvendo "exames para ver se é reumatismo", "diagnóstico de reumatismo" e "tratamentos para reumatismo", pois acredito que a linguagem simples e direta é de maior utilidade para a população.
O artigo sobre VHS citado anteriormente, relaciona 32 situações clínicas que causam elevação do VHS, entre elas aparecendo até o alcoolismo. Além disso, explica que o resultado do exame aumenta em condições fisiológicas (normais) como menstruação, gravidez e envelhecimento, e cita autores que notaram aumentos do exame em função de hábitos (tabagismo e consumo de café), nível socio-econômico baixo e raça negra. Essas observações explicam porque o exame pode estar aumentado em pessoas normais, na ausência de doença.
Portanto, VHS aumentado não é doença, não é "reumatismo" e também não é "reumatismo no sangue".
Para o reumatologista, o VHS:
- é útil para auxílio no diagnóstico - mas isoladamente não é diagnóstico de nenhuma doença;
- é útil para ajudar a descobrir alguma inflamação - mas isoladamente não significa que alguma inflamação esteja presente;
- é útil para avaliar a intensidade da inflamação presente - mas isoladamente não diz que a inflamação é grande ou pequena;
- é útil para avaliar a resposta ao tratamento da inflamação - mas isoladamente não diz que a inflamação melhorou ou não.
A interpretação correta do exame requer a análise do resultado em conjunto com os dados da história e do exame físico e esses dados podem dizer que um VHS aumentado é normal em determinada situação ou que um VHS "normal" não está mostrando a condição real da doença de alguém.
O verdadeiro papel do médico é aplicar o conhecimento científico no diagnóstico e tratamento de doenças e deve fazer isso pensando em primeiro lugar no benefício do doente. Usar mitos para explicar doenças e assustar pessoas vai contra esse princípio.
O que significa um VHS (velocidade de hemossedimentação) elevado?
O VHS é um dos exames mais utilizados por um reumatologista. O que significa o VHS? Em que situações ele está elevado? Quais as implicações desta elevação? Confira estas e outras respostas abaixo.
O que é o VHS?
VHS vem de Velocidade de Hemo-Sedimentação. “Hemo” (αίμα), em grego, significa sangue, e sedimentação, é a precipitação de partículas sólidas suspensas em um líquido pela ação da gravidade. Ao pé da letra, VHS significa a velocidade com que os glóbulos vermelhos se separam do “soro” e se depositam no fundo, se um tubo de sangue (com anti-coagulante) é deixado parado (veja figura). Os glóbulos vermelhos (hemácias), que têm a forma de “balas soft”, vão sendo puxadas para baixo pela gravidade e tendem a se aglomerar no fundo do tubo. No entanto as hemácias são cobertas por cargas elétricas negativas e, quando elas vão se aproximando no fundo, repelem-se umas às outras, como cargas iguais de ímans. Essa força magnética de repulsão se contrapõe à gravidade, e naturalmente diminui a velocidade com que as hemácias caem. No entanto, se junto com as hemácias, nadando no plasma, haja outras estruturas de cargas positivas, estas vão anular as cargas negativas das hemácias e também a repulsão magnética entre elas, permitindo sua aglutinação. Neste caso a gravidade age sozinha e a velocidade com que elas caem (velocidade de hemossedimentação) é acelerada. O VHS é expresso como o número de milímetros que o sangue sedimentou (no tubo) no espaço de 1 hora (mm/h).
O que mede o VHS?
Muitas proteínas concentram cargas positivas em um lado e negativas em outro (assimetria de cargas). A parte positiva destas proteínas tem o mesmo efeito sobre as hemácias. Diversas proteínas produzidas pelo corpo durante infecções ou inflamações (proteínas de fase ativa, principalmente o fribrinogênio) são assim. Portanto VHS é um jeito indireto de medir a presença inflamação ou infecção no corpo.
Em que condições o VHS está elevado?
Como acima descrito, em situações onde há inflamação/ infecção existe a produção de proteínas (de fase ativa) que elevam a velocidade de hemossedimentação. Mas outras proteínas também são capazes de alterar a velocidade da queda das hemácias. Fibrinogênio (necessário para a cogulação e produzido em excesso na gravidez), imunoglobulinas (anticorpos) e paraproteínas (produzidas por cânceres do sangue) são exemplos. Além disso, a diluição do sangue (gravidez, insuficiência cardíaca, insuficiência renal) diminui a viscosidade e separa as cargas repulsivas elevando o VHS. Uma das principais proteínas do plasma sanguíneo chama-se albumina. Ela também tem carga negativa, portanto quando sua concentração cai (falência hepática, perda renal ou intestinal) “sobra” proporcionalmente mais cargas positivas para anular as hemácias, elevando o VHS. Outro mecanismo de elevação do VHS consiste na diminuição do número de hemácias (anemia) ou alteração da forma das mesmas (anemia falciforme). A obesidade, o diabetes mellitus, o sexo e a idade são fatores que também influenciam o VHS.
Tabela 1: Situações nas quais há elevação de VHS
Situações
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Exemplos
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Inflamação | Artrites (Reumatóide, Lúpus), Vasculites, Serosites |
Infecção | Aguda (amigdalite, cistite, gripe), Crônica (hepatites, osteomielites) |
Hemodiluição | Insuficiência cardíaca, Insuficiência renal, Gravidez |
Queda de albumina | Insuficiência hepática, perda renal (s. nefrótica), perda intestinal |
Proteínas no sangue | Gravidez (fibrinogênio), Câncer (paraproteínas), Crioglobulinemia |
Alteração das hemácias | Número (anemia), Forma (A. falciforme, esferocitose) |
Outras | Obesidade (aumento IL-6), Diabete Mellitus (vários mecanismos), tabagismo, idade, sexo feminino. |
Qual é o valor normal para o VHS?
O VHS varia de acordo com a idade, sexo e método de aferição. Pode haver variações entre os valores normais de laboratório para laboratório, mas de maneira geral os valores normais podem ser aproximadamente expressos pela seguinte fórmula:
Homens
. Valor normal = idade/2
Mulheres
. Valor normal = (idade+10)/2
Crianças:
. Valor normal =~ 3-13 mm/h
Meu VHS está elevado, o que isso significa?
Como acima descrito, existem diversas condições que podem alterar o VHS, muitas delas corriqueiras e passageiras como um resfriado, uma amigdalite e ou uma infecção urinária. Um exame pontualmente alterado pode não querer dizer nada! Frente a um VHS elevado a melhor postura muitas vezes é aguardar e repetir o exame mais tarde (como o VHS pode demorar semanas para cair mesmo depois da melhora clínica, o ideal é repetir o exame somente 1 mês mais tarde). Como praticamente todo exame laboratorial, o VHS deve ser interpretado dentro de um contexto clínico. Seu médico é a melhor pessoa para dizer se o VHS tem ou não importância clínica.
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