Os contratos bancários têm o objetivo de formalizar uma relação de interesses entre partes, sendo estas, o banco e o cliente. As regras previstas na Lei 8.078/90 aplicam-se também à prestação de serviços públicos.
É muito comum pensarmos no Direito do Consumidor a partir da relação que é travada entre as partes contraentes no âmbito privado. Talvez pela circunstância de o cidadão buscar na iniciativa privada a satisfação de muitas necessidades cotidianas, há como que uma tendência natural a associar o estudo do subsistema jurídico consumerista ao fornecedor que atua no mercado na prestação de serviços privados. Já aí surge um primeiro problema de ordem técnica. O legislador brasileiro não pretendeu restringir o conceito de fornecedor. Pelo contrário, quis foi ampliá-lo, de modo a abranger a pessoa privada, mas abrange também a pública, como revela o caput do art. 3º do CDC:INTRODUÇÃO
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
O dispositivo é muito claro ao adjetivar a pessoa do fornecedor: física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira. Até mesmo os entes desprovidos de personalidade jurídica (entes despersonalizados) são considerados fornecedores, com vistas a autorizar a incidência das normas do CDC.
Dessa maneira, nota-se a amplidão do conceito de fornecedor na legislação consumerista, que não pode ficar adstrito às pessoas (naturais ou jurídicas) prestadoras de serviços privados. Em outras palavras: as regras previstas na Lei 8.078/90 aplicam-se também à prestação de serviços públicos.
Os contratos bancários têm o objetivo de formalizar uma relação de interesses entre partes, sendo estas, o credor, aquele que recebe o serviço, no caso do contrato bancário – o cliente, e o devedor, aquele que oferece as prestações de serviço – o banco. Na formalização de contrato entre as partes é necessário que sejam adotados critérios, os quais não devem ser favoráveis nem para lucros abusivos e excessivos dos bancos ou para prejuízo do credor – prejuízo esse causado pelos lucros dos bancos.
A garantia dos direitos fundamentais, - ao garantir a dignidade da pessoa humana, é tema de extrema importância na sociedade. As cláusulas gerais previstas no código civil possibilitam a maior liberdade – foco, na interpretação da legislação. Entretanto, em razão da súmula 297 do STJ, bem como da ADI 2591 do STF, prevalece o entendimento que, em razão do Princípio da Especialidade, deve-se aplicar o Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90 – No caso da relação contratual envolvendo bancos.
Por estas razões expostas vejamos algumas definições, bem como julgados em especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tratam a respeito da matéria.
1 – APLICABILIDADE DO CDC AOS SERVIÇOS PÚBLICOS
Apesar das peculiaridades inerentes ao regime jurídico dos serviços públicos (políticas tarifárias, jus variandi da Administração Pública, etc.), a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos serviços públicos é hoje uma exigência que consta expressamente de diversos dispositivos legais. No que tange ao CDC, destacam-se os artigos 4º, II (melhoria dos serviços públicos como princípio da Política Nacional das Relações de Consumo), 6º, X (prestação adequada dos serviços públicos como direito dos consumidores), e 22 (obrigação do Estado e de seus delegatários pela prestação de serviços adequados). Já a Lei 8.987/1995 (Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos), em seu art. 7º, caput, faz remissão genérica à aplicação do CDC aos usuários de serviços públicos.
Cabe ressaltar que o CDC não abrangeu todos os serviços públicos, prevendo sua aplicação aos serviços públicos remunerados de forma específica (uti singuli), mas silenciando a respeito daqueles custeados por meio da arrecadação de tributos (uti universi). Não obstante essa lacuna, já foi dado um importante primeiro passo.
Para além do Legislativo, o Judiciário – e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em especial – também vem expressamente identificando como relações de consumo aquelas em que participam usuários de serviços públicos específicos e remunerados, além de adotar uma postura de aplicar o CDC aos serviços públicos no que couber. É o que se pode extrair dos seguintes julgados, colacionados a título exemplificativo:
1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor, pela própria natureza do serviço.Concessionária de rodovia. Acidente com veículo em razão de animal morto na pista. Relação de consumo.
No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a concessionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranquilidade e segurança.
Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor.
2. Recurso especial não conhecido.
(REsp 467883/RJ, Terceira Turma, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 01/09/2003, p. 281; grifos adicionados)
ADMINISTRATIVO. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DOS ARTS. 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
1. Há relação de consumo no fornecimento de água por entidade concessionária desse serviço público a empresa que comercializa com pescados.
2. A empresa utiliza o produto como consumidora final.
3. Conceituação de relação de consumo assentada pelo art. 2º, do Código de Defesa do Consumidor.
4. Tarifas cobradas a mais. Devolução em dobro. Aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
5. Recurso provido.
(REsp 263229/SP, Primeira Turma, Rel. Ministro José Delgado, DJ 09/04/2001, p. 332; grifos adicionados)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. OFENSA AOS ARTS. 130 E 335 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. RELAÇÃO ENTRE CONCESSIONÁRIA E USUÁRIO. APLICAÇÃO DO CDC. ENTENDIMENTO PACÍFICO DESTA CORTE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REVISÃO DAS CONCLUSÕES DO TRIBUNAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Da leitura atenta do acórdão combatido depreende-se que os artigos 130 e 335 do Código de Processo Civil, bem como as teses a eles vinculadas, não foram objeto de debate pela instância ordinária, o que inviabiliza o conhecimento do especial no ponto por ausência de prequestionamento.
2. No caso, se entendesse a agravante que o acórdão fora omisso em qualquer dos pontos suscitados na ocasião da apelação, deveria ter apresentado embargos de declaração para que o Tribunal a quo pudesse sanar possível omissão e, se essa persistisse, imprescindível que fosse o recurso fundamentado em violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, razão pela qual subsiste patente a ausência de prequestionamento acerca da matéria.
3. É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os serviços públicos prestados por concessionárias, como no caso dos autos, são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor.
4. A inversão do ônus da prova em processo, no caso de relação consumerista, é circunstancia a ser verificada caso a caso, em atendimento à verossimilhança das alegações e hipossuficiência do consumidor, razão pela qual seu reexame encontra o óbice na Súmula 7/STJ.
5. Agravo regimental não provido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, AgRg no AREsp 183812/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 06/11/2012, p. DJE 12/11/2012)
RECURSO INOMINADO. INDENIZATÓRIA. QUEIMA DE APARELHOS EM FUNÇÃO DA INEFICIÊNCIA DO SISTEMA DE PROTEÇÃO DA REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. APLICAÇÃO DO CDC. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO, NOS TERMOS DO ART. 37, § 6, DO CDC. RESPONSABILIDADE DA CONCESSIONÁRIA EM FORNECER O SERVIÇO DE FORMA EFICIENTE, SEGURA E ADEQUADA. RECURSO SOMENTE COM RELAÇÃO AOS DANOS MORAIS. DANOS MORAIS INOCORRENTES.
Embora seja manifesta a conduta ilícita da ré, a má prestação de serviço, por si só, não foi capaz de ensejar a configuração dos danos morais. Ainda que inegável o aborrecimento do autor com o fato, a situação vivenciada não teve o condão de gerar abalo de natureza extrapatrimonial, pois não foi comprovado que a conduta da ré tenha maculado a sua dignidade humana, nem mesmo lesado seus direitos de personalidade, não passando de meros incômodos inerentes à vida cotidiana, sob pena de banalizar o instituto.
RECURSO PROVIDO.
(Recurso Cível Nº 71004817177, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Silvia Muradas Fiori, Julgado em 11/06/2014).
(TJ-RS - Recurso Cível: 71004817177 RS , Relator: Silvia Muradas Fiori, Data de Julgamento: 11/06/2014, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/06/2014).
Apelação. Concessionária do serviço público de águas e esgotos. Cedae. Submissão às normas do CDC. Instalação de primeiro hidrômetro. Dever da concessionária, em lho sendo requerido. Cobrança por estimativa. Abusividade. Aplicação da tarifa mínima. Interrupção do serviço. Débito antigo e consolidado. Súmulas nº 152, 194 e 254-TJERJ.
1. "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor à relação jurídica contraída entre usuário e concessionária" (Súmula 254-TJRJ).
2. Nos termos da Súmula nº 194 desta Corte, é "incabível a interrupção de serviço público essencial em razão de débito pretérito, ainda que o usuário seja previamente notificado". De fato, a suspensão do serviço para cobrança de dívida antiga e consolidada desvirtua a finalidade do art. 6º, § 3º, inciso II, da Lei nº 8.987/95, para transmutar-se em meio abusivo de cobrança, em detrimento do devido processo legal e em afronta à garantia do art. 42, caput, do CDC.
3. "A cobrança pelo fornecimento de água, na falta de hidrômetro ou defeito no seu funcionamento, deve ser feita pela tarifa mínima, sendo vedada a cobrança por estimativa" (Súmula nº 152-TJRJ).
4. Decorre dos princípios gerais do direito das obrigações que o devedor faça jus à prestação de contas regular daquilo que lhe é cobrado; qualificado, ainda, como direito basilar do consumidor à informação clara e adequada acerca do produto ou serviço, seu preço, quantidades e características, conforme art. 6º, inciso III, do CDC, ratificado pelo art. 7º, caput e inciso II, da Lei de Concessões (Lei nº 8.987/95). Nesse prisma, a instalação de aparelho medidor do real consumo do usuário de serviços de água e esgoto não constitui nenhuma benesse generosa do fornecedor, nem tampouco um serviço anexo e supérfluo pelo qual deva pagar. Não podem socorrer a concessionária disposições vetustas de decretos estaduais, anteriores não só à Lei nº 8.078/90, como à própria Carta de 1988, que, em seus arts. 5º, XXXIII, e 170, V, alçou a proteção jurídica do consumidor ao nível de garantia fundamental e princípio da ordem econômica.
5. Negativa de seguimento.
(TJ-RJ - APL: 00861238120098190001 RJ 0086123-81.2009.8.19.0001, Relator: DES. MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES, Data de Julgamento: 31/03/2014, VIGÉSIMA SÉTIMA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, Data de Publicação: 11/04/2014 14:25)
Na verdade, aprofundando um pouco mais o debate, poder-se-ia dizer que o STJ faz uma diferenciação entre serviços públicos próprios e impróprios. Aqueles são gerais, devendo ser financiados por tributos. Estes são individuais e remunerados por tarifa, o que autoriza a incidência do CDC. É o que se depreende a partir da leitura da ementa do seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO – ENERGIA ELÉTRICA – INADIMPLÊNCIA.
1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica.
2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos.
3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio.
4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95. Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão.
5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta).
6. Hipótese em que não há respaldo legal para a suspensão do serviço, pois tem por objetivo compelir o usuário a pagar multa por suposta fraude no medidor e diferença de consumo apurada unilateralmente pela Cia de Energia.
7. Recurso especial improvido.
(STJ, T2 - Segunda Turma, REsp 793.422/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 03/08/2006, p. DJ 17/08/2006).
Coerente com a diferenciação conceitual operada entre serviços públicos próprios (gerais) e impróprios (individuais), o STJ tem reconhecido que nem todas as atividades prestadas pelo Estado atraem a incidência das normas do CDC. Assim, sempre que se verificar que determinado serviço público é geral, o usuário que se sentir prejudicado não poderá reivindicar proteção à luz das normas consumeristas. Tal é o caso dos serviços públicos de saúde, para a regência dos quais é inaplicável o CDC, haja vista sua remuneração decorrer das receitas tributárias. Colaciono alguns precedentes do Tribunal Superior a apontar para essa conclusão (grifos meus):
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE REMUNERAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO-CONFIGURADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. Hipótese de discussão do foro competente para processar e julgar ação indenizatória proposta contra o Estado, em face de morte causada por prestação de serviços médicos em hospital público, sob a alegação de existência de relação de consumo.
2. O conceito de "serviço" previsto na legislação consumerista exige para a sua configuração, necessariamente, que a atividade seja prestada mediante remuneração (art. 3º, § 2º, do CDC).
3. Portanto, no caso dos autos, não se pode falar em prestação de serviço subordinada às regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, pois inexistente qualquer forma de remuneração direta referente ao serviço de saúde prestado pelo hospital público, o qual pode ser classificado como uma atividade geral exercida pelo Estado à coletividade em cumprimento de garantia fundamental (art. 196 da CF).
4. Referido serviço, em face das próprias características, normalmente é prestado pelo Estado de maneira universal, o que impede a sua individualização, bem como a mensuração de remuneração específica, afastando a possibilidade da incidência das regras de competência contidas na legislação específica.
5. Recurso especial desprovido.
(STJ, REsp 493.181/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Denise Arruda, j. 15/12/2005, p. DJ 01/02/2006).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. HOSPITAL DA POLÍCIA MILITAR. ERRO MÉDICO. MORTE DE PACIENTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. FACULTATIVA.
1. Os recorridos ajuizaram ação de ressarcimento por danos materiais e morais contra o Estado do Rio de Janeiro, em razão de suposto erro médico cometido no Hospital da Polícia Militar.
2. Quando o serviço público é prestado diretamente pelo Estado e custeado por meio de receitas tributárias não se caracteriza uma relação de consumo nem se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes.
3. Nos feitos em que se examina a responsabilidade civil do Estado, a denunciação da lide ao agente causador do suposto dano não é obrigatória. Caberá ao magistrado avaliar se o ingresso do terceiro ocasionará prejuízo à celeridade ou à economia processuais. Precedentes.
4. Considerando que o Tribunal a quo limitou-se a indeferir a denunciação da lide com base no art. 88, do CDC, devem os autos retornar à origem para que seja avaliado, de acordo com as circunstâncias fáticas da demanda, se a intervenção de terceiros prejudicará ou não a regular tramitação do processo.
5. Recurso especial provido em parte.
(STJ, RESP 1.187.456/RJ, T1 - Primeira Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 15/12/2005, p. DJe 01/12/2010).
2 – APLICABILIDADE DO CDC AOS SERVIÇOS, PRODUTOS E CONTRATOS BANCÁRIOS
A atividade principal dos bancos se desenvolve nas chamadas operações bancárias, consistentes em conceder empréstimos, receber valores em depósitos, descontar e redescontar títulos, abrir créditos, enfim, na realização da série de atos próprios para a consecução de sua finalidade econômica.
Todas as suas operações, como desconto, antecipação de crédito, empréstimos, são realizados constante e uniformemente, sendo a razão de ser dos bancos, e não esporadicamente, à semelhança do que acontece com as pessoas físicas. O banco exerce profissionalmente tais funções, eis que atua na intermediação do crédito como profissão.
As atividades inerentes à função bancária consideram-se atos de comércio, porquanto envolvem intermediação, a habitualidade e o lucro, elementos tipificadores da atividade mercantil. Tanto isto que o banqueiro é chamado comerciante do crédito, eis que seu negócio consiste em intermediar, com recursos obtidos de terceiros, operações em que é usado o crédito.
Há varias classificações para as operações bancárias. Podemos, por exemplo, classificá-las em fundamentais ou precípuas e acessórias. São ditas fundamentais, a intermediação do crédito, isto é, o recolhimento de dinheiro de uns e a concessão a outros, mediante juros maiores que os pagos na captação (aqui está um dos principais momentos de lucro).
Acessórias são as funções que não implicam nem na concessão de crédito, nem no recolhimento de dinheiro, ou seja, as operações não relacionadas à função precípua dos bancos, as quais revelam mais um cunho de prestação de serviços secundários, tendo como objetivo maior a atração de clientes. Como exemplos, podemos citar a cobrança de títulos, a custódia de valores, as caixas de segurança e a venda de seguros ou produtos do gênero.
No Direito brasileiro, as operações bancárias não são reguladas especificamente, submetendo-se às determinações emanadas de resoluções e circulares do Banco Central, que após a lei 4595/64 vem sendo o grande responsável pela disciplina dessas operações. No Código Comercial, as operações bancárias aparecem como atos de comércio. O novo Código Civil, Lei 10.406/2002, trata das várias figuras, como o depósito bancário e o financiamento bancário, porém, a disciplina detalhada, como já assinalamos, vem sendo atribuída ao Banco Central.
Ora, os bancos são mediadores de crédito, realizando operações ditas ativas, quando se obrigam a uma prestação consistente em conceder o crédito, e passivas quais sejam as operações em que o cliente é que dá o crédito.
Sendo assim, não há mais dúvidas quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, introduzido pela Lei 8.078, de 11.09.1990, aos contratos bancários, o que se pode observar qualquer por vários enfoques ou ângulos distintos e mutuamente encaixados, reforçando-se um a um e conferindo coesão ao sistema e solidez à conclusão.
Quando nos preocupamos com a configuração dos bancos no signo fornecedor delineado pelo próprio CDC, verificamos em suas operações o fornecimento de produtos e/ou serviços, esbarramos no texto expresso do art. 3°, que define fornecedor como sendo toda pessoa física ou jurídica que desenvolve atividades de distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, e combinando com o § 2° desse mesmo artigo, que define serviço, neste incluindo as operações de natureza bancária, financeira, de crédito, temos que os bancos são realmente fornecedores, não restando a menor dúvida.
Evidente que há relação de consumo no fornecimento do crédito, onde o princípio da autonomia da vontade fica reduzido à mera aceitação do conteúdo do contrato. Daí, sem dúvida, enquadrar-se como hipossuficiente o aderente, posto que obrigado a aceitar cláusulas aleatórias, abusivas, unilaterais, como a que permite ao banco optar unilateralmente por índice de atualização monetária que quiser, sem consultar o consumidor; a que possibilita ao mesmo banco utilizar a taxa de mercado por ele praticada; aquela que autoriza o vencimento antecipado do contrato em caso de protesto ou execução judicial de outras dívidas; a cláusula que impõe a eleição do foro de comarca diferente ou daquela onde foi celebrada a operação; e a relativa à outorga de mandato ou poderes para o credor contra ele emitir título de crédito, dentre inúmeras outras.
Os bancos vêm perdendo essa batalha, eis que se formou jurisprudência maciçamente dominante no sentido da aplicabilidade do CDC aos contratos bancários.
Demonstrando tal assertiva, temos que, após reiteradas decisões, em primeiro e segundo graus, e após chegarem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) um sem número de processos, em que as instituições financeiras tentavam afastar de si a incidência do CDC, nosso STJ editou a Súmula 297, publicada no DJ 09.09.2004, que proclama, literalmente: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras."
Entretanto, a questão foi levada, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, ao STF, por meio da ADI 2591, cuja relatoria coube ao Min. Carlos Velloso. Esse julgamento transitou em julgado em 27/04/2007, conforme segue:
Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF contra a expressão constante do § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei 8.078/90) que inclui, no conceito de serviço abrangido pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (Lei 8.078/90: "Art. 3º ... § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.") - v. Informativos 264, 417 e 425. Entendeu-se não haver conflito entre o regramento do sistema financeiro e a disciplina do consumo e da defesa do consumidor, haja vista que, nos termos do disposto no art. 192 da CF, a exigência de lei complementar refere-se apenas à regulamentação da estrutura do sistema financeiro, não abrangendo os encargos e obrigações impostos pelo CDC às instituições financeiras, relativos à exploração das atividades dos agentes econômicos que a integram - operações bancárias e serviços bancários -, que podem ser definidos por lei ordinária. Vencidos, em parte, os Ministros Carlos Velloso e Nelson Jobim, que julgavam o pedido parcialmente procedente para emprestar interpretação conforme a CF ao § 2º do art. 3º da Lei 8.078/90, respectivamente, no sentido de excluir da sua incidência a taxa dos juros reais nas operações bancárias, ou a sua fixação em 12% ao ano, e no de afastar da sua exegese as operações bancárias.
ADI 2591/DF, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 7.6.2006. (ADI-2591).
O código brasileiro de defesa do consumidor é importante conquista do cidadão em nosso ordenamento jurídico, sendo sua aplicação de absoluto interesse social, especialmente por seu moderna disciplina contratual, privilegiando a boa-fé objetiva, a equivalência material, o equilíbrio das relações e, porque não dizer, a justiça contratual entre partes tão díspares. Foi o que confirmou o STF, com sua decisão pela improcedência quanto ao pedido de inconstitucionalidade formulado.
No Código de Defesa do Consumidor, estão referidos no art. 4º, princípios, não especificamente para os contratos, menos ainda regulamentos explícitos quanto às taxas de juros, mas princípios que são diretrizes do próprio sistema nacional das relações de consumo.
Ainda neste sentido, vejamos alguns julgados promovidos pelo Superior Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO BANCÁRIO. RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA 297-STJ. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. RELATIVIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. CONTRATAÇÃO DE SEGURO DE VIDA E TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO. VENDA CASADA. PRÁTICA ILEGAL. ART. 39, INCISO I, DO CDC. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RECURSO IMPROVIDO.
O CDC é aplicável aos contratos bancários, conforme pacificado pelo STJ através da Súmula 297. Sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, adequar-se-á o princípio pacta sunt servanda, tornando-o relativo, face a função social do contrato, proporcionando a defesa do consumidor em caso de pactos abusivos, sem que isso enseje insegurança jurídica. Comprovada a prática de venda casada de seguro e título de capitalização, é de se reconhecer a nulidade da avença e, consequentemente, o direito do consumidor à restituição dos valores indevidamente pagos.
(TJ-BA - APL: 00013171320118050073 BA 0001317-13.2011.8.05.0073, Data de Julgamento: 26/11/2013, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 29/11/2013; grifos adicionados)
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA DOS SÓCIOS. TRANSAÇÕES LIBERADAS PELO BANCO MEDIANTE UMA ÚNICA ASSINATURA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. APLICAÇÃO DO CDC. SÚMULA 297 DO STJ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. SÓCIO QUE DETERMINAVA AS OPERAÇÕES EM INOBSERVÂNCIA AO CONTRATO SOCIAL.
Aplicam-se às instituições bancárias as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor. Súmula 297 STJ e artigo 3º, § 2º, do CDC. Responsabilidade objetiva do banco, nos termos do artigo 14 do CDC. Havendo expressa previsão no contrato social, e em suas alterações, de que a administração da empresa é conjunta e que toda a transação financeira deve ser realizada mediante a assinatura de, pelo menos, dois sócios, é dever do banco observar a referida regra, sob pena de responder pelos prejuízos causados. Caso concreto em que o banco, agindo por solicitação de ex-sócio da empresa, operou transações mediante uma única assinatura, e das quais o referido ex-sócio se beneficiou. Apesar de o banco alegar que tais operações se realizaram porque havia uma autorização específica para aquelas movimentações, nenhuma prova trouxe aos autos, ônus que lhe competia, nos termos do artigo 333, II, do CPC. Dever de indenizar do banco reconhecido. Montante a ser apurado em liquidação de sentença. Com a procedência do pedido, deve ser julgada parcialmente procedente a denunciação à lide, na medida em que o ex-sócio igualmente deu causa a realização das operações mediante uma única assinatura, devendo ressarcir o banco em 50% do que este vier a pagar, a fim de quitar a condenação.
Sentença modificada. Sucumbência redimensionada.
APELO PROVIDO. UNÂNIME.
(Apelação Cível Nº 70036118057, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 12/12/2013; grifos adicionados)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APLICAÇÃO - EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - JUROS REMUNERATÓRIOS - LIMITAÇÃO A 12% AO ANO - IMPOSSIBILIDADE - ABUSIVIDADE CONSTATADA - APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DO BACEN - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - ORIENTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - LEGALIDADE - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS - VEDAÇÃO. SÚMULA 472 DO STJ - REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ - NÃO CABIMENTO - SÚMULA 159 DO STF.
São perfeitamente aplicáveis as disposições do CDC aos contratos de financiamento firmados com as instituições financeiras, questão inclusive já solidificada na Súmula 297 do STJ, o que autoriza a revisão de cláusulas contratuais para afastar possíveis abusividades.
I - As taxas de juros, nos contratos bancários em geral, ficam subordinadas apenas à vontade das partes, expressa no instrumento contratual, bem como às regras de mercado, restringindo-se as hipóteses de limitação àquelas sujeitas à aplicação do Código de Defesa do Consumidor em que seja patente a abusividade do percentual de juros contratado; no caso, verificado que a taxa pactuada supera em muito a taxa muito a taxa média do BACEN para as operações semelhantes, imperiosa a sua redução.
II - Conforme orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, recentemente pacificada no julgamento do Resp nº 973.827 - RS, eleito como representativo da controvérsia nos moldes do art. 543-C do CPC, "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada", sendo que "A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada".
III - O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula de nº 472, consignando que a cobrança de comissão de permanência exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual, e seu valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato. Incabível a repetição em dobro do indébito, quando o valor pago indevidamente decorreu de obrigação assumida na contratação e quando não há prova de que a instituição financeira tenha agido de má-fé, conforme Súmula 159 do STF. v.v. JUROS REMUNERATÓRIOS - NÃO LIMITAÇÃO A 12% AO ANO - ABUSIVIDADE NÃO COMPROVADA - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS - IMPOSSIBILIDADE - ADMISSÃO APENAS NAS CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - LEGALIDADE - LIMITE - SOMATÓRIA DOS JUROS REMUNERATÓRIOS, JUROS DE MORA E MULTA CONTRATUAL - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 472 DO STJ - REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ - NÃO CABIMENTO - SÚMULA 159 DO STF.
Conforme orientação consolidada pelo STJ e nos termos da Lei 4.595/64, é livre a estipulação de juros remuneratórios nos contratos de empréstimo bancário e financiamento, aos quais não pode incidir a limitação prevista na Lei de Usura e no art. 591 c/c o art. 406 do CC de 2002, pois tais dispositivos limitam-se a tratar dos contratos de mútuo civil. Contudo, a revisão das taxas de juros remuneratórios pactuadas tem cabimento quando caracterizada a relação de consumo e demonstrada cabalmente a abusividade, mas o que não se deu no caso dos autos. Embora o art. 591 do CC/2002 tenha como legal a cobrança da capitalização anual dos juros, a capitalização mensal encontra-se vedada desde o ano de 1933, com a edição da Lei de Usura, ainda que tenha sido expressamente pactuada, nos moldes da Súmula 121, a qual somente é permitida nas cédulas de crédito bancário, dado o tratamento específico dispensado pela Lei 10.931/2004. Considerando o posicionamento firmado e confirmado pelo STJ, deve ser tida por lícita a
(TJ-MG - AC: 10024102033685002 MG , Relator: Arnaldo Maciel, Data de Julgamento: 10/06/2014, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/06/2014; grifos adicionados)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE, CONTRATOS DE MÚTUO E DE ABERTURA DE CRÉDITO E CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. COOPERATIVA DE CRÉDITO. APLICAÇÃO DO CDC. POSSIBILIDADE. EXEGESE DA SÚMULA 297 DO STJ. RECURSO DA COOPERATIVA DESPROVIDO.
"As cooperativas de crédito, por força do que dispõe o art. 18, § 1º, da Lei n.º 4.595/64, fazem parte do sistema financeiro nacional. Assim, estão sujeitas as regras gerais que disciplinam as instituições financeiras, (...)". (STJ, REsp 714286 / PR, Relator Ministro Castro Meira). Além do mais, os Autores, por terem adquirido serviços prestados pela cooperativa de crédito, consubstanciada em contrato de adesão e cujo objeto era a prestação de serviços típicos bancários, assumiram a condição de consumidores, consoante a redação do art. 2º do CDC. Portanto, indiscutível que as normas da Lei n. 8.078/90 são aplicáveis ao caso em tela, inclusive já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça no Enunciado 297. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. CONTRATOS CELEBRADOS NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DE CINCO ANOS ESTABELECIDO PELO ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL DAS AÇÕES PESSOAIS NO TOCANTE AOS EFEITOS PECUNIÁRIOS ADVINDOS DO PLEITO DECLARATÓRIO (ART. 177 DO CC/1916). RECURSO DA COOPERATIVA DESPROVIDO.
As cláusulas abusivas inseridas em contratos bancários não são disposições anuláveis, mas de preceitos nulos, eis que vulneram normas legais de ordem pública, cujo reconhecimento não está sujeito a prazos prescricionais. Contudo, a imprescritibilidade ora mencionada refere-se tão-somente à declaração de nulidade do ato por violação ao art. 51 do CDC, enquanto que, no tocante aos efeitos pecuniários advindos do pleito declaratório, estes devem observar o prazo prescricional previsto para as ações pessoais (art. 177 do CC/2002). JUROS REMUNERATÓRIOS. PEDIDO DE EXIBIÇÃO DO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE (CHEQUE ESPECIAL) FIRMADO ENTRE AS PARTES. DOCUMENTO COMUM AOS LITIGANTES. OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL. INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 359 DO CPC. ADMISSÃO DA VERACIDADE DOS FATOS QUE OS AUTORES PRETENDIAM PROVAR. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS EM 6% AO ANO ATÉ A ENTRADA EM VIGOR NO NOVO CÓDIGO CIVIL, SENDO POSTERIORMENTE UTILIZADA A REGRA DO ART. 406 DO CC/02. RECURSO DOS AUTORES PROVIDO.
As instituições bancárias, como parte mais forte da relação de consumo, têm obrigação de apresentar sempre que solicitadas, todas as informações relativas aos documentos dos contratos firmados com seus clientes, por ser direito básico do consumidor. Assim, ante a insistente recusa da instituição financeira, quando devidamente intimada para tanto, em apresentar os instrumentos contratuais, que permitiria ao juízo equacionar com maior segurança a relação contratual sub judice, reputam-se como verdadeiros os fatos alegados pelo autor na exordial, a teor do disposto no art. 359 do CPC, pois não há como exercer julgamento objetivo das cláusulas contratuais frente à falta de parâmetros de abusividade e ausência de pactuação dos encargos. No em exame não se trata de hipótese de aplicação de opção política para definição de um paradigma definidor de abusividade na contratação de uma taxa de juros em contrato de adesão. Fere-se a aplicação do princípio inscrito no art. 359 do CPC, de presunção de veracidade de fato pela não exibição do instrumento da avença comprobatório da taxa de juros pactuada, sendo que a incidência do art. 591 em conjugação do art. 406, ambos do Código Civil de 2002, ou do art. 1.062 da Lei Civil de 1916, é a consequência prática daquele princípio. Ademais, é dos usos e costumes a pactuação de uma taxa de juros fixa ou do critério para a sua definição nos contratos bancários que a admitem variável, mas não é de se presumir que toda taxa contratada seja igual ou superior à praticada na média do mercado, a não ser que se queira revogar o inciso VI do art. 51 do CDC, que veda a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor. Em tal situação, deve ser mantida a limitação dos juros remuneratórios à taxa legal, conforme pleiteado na inaugural.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. PREVISÃO EXPRESSA NOS CONTRATOS DE MÚTUO E DE ABERTURA DE CRÉDITO E NAS CÉDULAS DE CRÉDITO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. INSTRUMENTOS FIRMADOS POSTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1.963-17, de 31.03.2000, REEDITADA SOB N.º 2.170-36/2001. RECURSO DA COOPERATIVA PROVIDO NESTE PONTO.
Com o advento da Medida Provisória n. 2.170-36, pelo disposto em seu art. 5º, nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é possível a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, desde que devidamente pactuada, nos contratos bancários celebrados após 31 de março de 2000.
MULTA MORATÓRIA. ARBITRAMENTO PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU EM 2%. MANUTENÇÃO. INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 52, § 1º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECURSO DA COOPERATIVA DESPROVIDO.
Como determina o art. 52, § 1º, do CDC, "as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão serem superiores a dois por cento do valor da prestação".
MORA. PLEITO DOS AUTORES PELA DESCARACTERIZAÇÃO SOB PRESSUPOSTO DE COBRANÇA DE ENCARGOS ABUSIVOS. IMPOSSIBILIDADE. INADIMPLÊNCIA SUBSTANCIAL DO DEVEDOR. MORA CONFIGURADA. RECURSO DOS AUTORES DESPROVIDO.
A mera inserção de acessórios financeiros, em desacordo com o entendimento adotado sobre o tema por este órgão fracionário, não é circunstância apta, por si só, a afastar a mora, que resta caracterizada pela inadimplência substancial do devedor em relação aos deveres anexos e secundários decorrentes da contratualidade.
REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DECISÃO RECORRIDA QUE POSSIBILITOU A COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A MAIOR NA FORMA SIMPLES, A SER AFERÍVEL EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA, SE HOUVER. EXEGESE DO DISPOSTO NO ART. 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECURSO DOS AUTORES PROVIDO.
De acordo com o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, "a fim de evitar o enriquecimento sem causa, é possível a compensação de valores e a repetição de indébito, na forma simples, se verificado que alguém recebeu o que não lhe era devido, independentemente da comprovação do erro." (STJ, AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 706127/RS, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti). Todavia, "A repetição de indébito é admitida, em tese, na forma simples, independentemente da prova do erro (súmula 322/STJ), ficando relegado às instâncias ordinárias o cálculo do montante, a ser apurado, se houver (REsp n. 440718/RS)." (STJ, AgRg no REsp 539814/RS, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino).
(TJ-SC - AC: 252370 SC 2010.025237-0, Relator: Paulo Roberto Camargo Costa, Data de Julgamento: 02/02/2012, Terceira Câmara de Direito Comercial, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Tubarão; grifos adicionados).
CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CDC - SÚMULA 297 do STJ. . Nos contratos bancários, pode haver incidência do Código de Defesa do Consumidor (súmula 297 do STJ), inclusive para controle da legalidade das disposições contratuais. CONTRATO BANCÁRIO. CONTRATO DE DESCONTO DE DUPLICATAS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS ILEGALIDADE QUANDO NÃO PREVISTA NO CONTRATO E NÃO AUTORIZADA EM LEI ESPECIAL - SÚMULA 93 DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 121 DO STF. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - LEGALIDADE - LIMITAÇÃO À TAXA DO CONTRATO - NÃO CUMULAÇÃO COM OUTRAS VERBAS MORATÓRIAS.
Capitalização de juros verificada, justificando-sé a exclusão em relação ao contrato de conta-corrente ("cheque especial") que não é negócio bancário com autorização de lei específica para aquela modalidade de contagem de encargos. Incidência da súmula 93 do STJ. A comissão de permanência é legal, desde que limitada à taxa do contrato e não cumulada com outras verbas moratórias (juros de mora, correção monetária e multa). Sentença parcialmente reformada. Recurso parcialmente provido. .
(TJ-SP - APL: 7062842100 SP , Relator: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 29/08/2008, 19ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/03/2009)
CIVIL. CONSUMIDOR. REVISÃO DE CONTRATO. APLICAÇÃO DO CDC. SÚMULA N.º 297, DO STJ. CONTRATO DE ADESÃO. ANULAÇÃO DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS. POSSIBILIDADE. CAPITALIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170/200. COBRANÇA DA TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO E DA EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO. ABUSIVIDADE. AFRONTA AO ART. 51, IV, DO CDC. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO. PRECEDENTES.
Aplicabilidade do CDC. É possível a revisão judicial dos contratos bancários, de acordo com as normas insertas no Código de Defesa do Consumidor. - Capitalização dos juros. Esta Corte de Justiça firmou entendimento pela inconstitucionalidade do art. 5º da MP nº 2.170-36/2001 que permitia capitalização mensal de juros. Assim, à exceção dos casos expressamente permitidos por leis esparsas, a capitalização de juros é vedada. - Taxa de abertura de crédito e de emissão de boleto. Considera-se como abusiva a cobrança da tarifa pela emissão de boleto bancário, assim como a taxa de abertura de crédito ou tarifa de contratação, porquanto tais cobranças dizem respeito a despesas inerentes ao negócio desenvolvido pelas instituições financeiras.
(TJ-RN - AC: 121336 RN 2010.012133-6, Relator: Juiz Nilson Cavalcanti (Convocado), Data de Julgamento: 22/03/2011, 2ª Câmara Cível)
CONCLUSÃO
O Supremo Tribunal Federal consolidou uma jurisprudência de caráter notadamente ativista. Se entendermos o ativismo judicial qual uma mudança de postura, a conduzir a ampliação das missões tradicionalmente confiadas à jurisdição constitucional, observar-se-á uma ampliação no papel do Poder Judiciário enquanto instituição jurídica - na salvaguarda dos direitos fundamentais - e política - no controle de políticas públicas.
Nesse sentido, é correto afirmar que o combate às omissões inconstitucionais também integra o ideário do ativismo judicial. Afinal, é incontestável que a inércia do Poder Público também viola a Constituição, na medida em que a conduta omissa impede o exercício de direitos constitucionais, máxime aqueles que dependem de lei regulamentadora.
Esse é o caso do usuário de serviços públicos no Brasil. Como a lei que viria a regulamentar sua defesa não foi elaborada, o entendimento pretoriano acabou por atenuar as consequências da inação legiferante. Com esse fim, consolidou-se a aplicação do CDC às relações que envolvam consumidor-usuário diante dos prestadores de serviços públicos. Porém, o microssistema jurídico consumerista, apesar do seu caráter garantista, não satisfaz em plenitude a proteção especial a que faz jus o usuário de serviços públicos. O fundamento é que nem todas as situações permitem a incidência do CDC (caso dos serviços públicos próprios gerais, por exemplo). Consequentemente, há hipóteses em que o usuário acaba por ver-se desprotegido ante a inertia deliberandi do legislador. Ao fim e ao cabo, tem-se aí inarredável lesão ao texto constitucional.
Por essa razão, entendo que o ativismo judicial na jurisprudência do STF tem se constituído em fator importante de garantia da supremacia e eficácia das normas da Constituição de 1988. Ao adotar postura mais rigorosa no combate a omissões inconstitucionais, inclusive a estabelecer prazo razoável para o legislador sanar sua omissão, tal como fez ao julgar a ADI 3682/MT, a Suprema Corte brasileira evidencia a importância da jurisdição constitucional para a sobrevivência do Estado Democrático de Direito, que, por ser um Estado Constitucional, não pode prescindir do asseguramento da força normativa da Constituição.
Do aqui exposto, se analisarmos a questão sob a ótica do enquadramento dos contratos bancários no signo contratos de adesão, veremos é comum as instituições financeiras usarem contratos que, em geral, obedecem a padrões prévios, não conferindo qualquer margem negocial, receados de cláusulas pouco compreensíveis, nada discutíveis e leoninas, limitando-se aqueles que necessitam de crédito a aderir ou não, sendo que, às vezes, o contrato é realmente indispensável e não há a quem recorrer.
Se verificarmos a configuração dos bancos no signo fornecedor, delineado pelo próprio CDC, verificando, em suas operações, o fornecimento de produtos e/ou serviços, esbarramos no texto expresso do art. 3°, que define fornecedor como toda pessoa física ou jurídica que desenvolve atividades de distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, e combinando com o § 2° desse mesmo artigo, que define serviço, neste incluindo as operações de natureza bancária, financeira, de crédito, portanto, temos que os bancos são realmente fornecedores, não restando a menor dúvida.
Evidente, pela conjugação destes dois aspectos, que há relação de consumo nos contratos bancários, tanto nas operações bancárias precípuas (intermediação do crédito), quanto nas assessórias (atividades bancárias, como fornecimento de cartões, caixas, descontos, etc), pois, em ambos os casos, o princípio da autonomia da vontade fica reduzido à mera aceitação do conteúdo do contrato. Daí, sem dúvida, enquadrar-se, como hipossuficiente, o aderente.
Parece-me, inclusive, que, nas chamadas operações bancárias típicas, a aplicação do CDC é ainda mais imprescindível, na medida em que é exatamente nessas que ocorrem os mais violentos danos aos consumidores, as maiores desproporções e desequilíbrios entre as prestações, com flagrantes afrontas aos princípios contratuais esboçados no Diploma Consumerista.
Portanto, na medida em que se tem, como preocupação central do CDC, a busca do equilíbrio contratual, da boa-fé, da vedação à onerosidade excessiva, há que se admitir sua aplicação aos contratos bancários, especialmente para dar ensejo à revisão do contrato e anulação das cláusulas abusivas, bem como interpretação e mesmo modificação contratual que conduza ao equilíbrio, impedindo o locupletamento ilícito dos bancos em detrimento dos consumidores.
Comungamos com a posição do STJ, já reiteradamente demonstrada, e com sua Súmula 297, que põe fora de dúvida, no entendimento desta Alta Corte, a aplicabilidade do CDC aos contratos bancários, privilegiando este importante instrumento jurídico de defesa do consumidor.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. TJ-MG - AC: 10024102033685002 MG , Relator: Arnaldo Maciel, Data de Julgamento: 10/06/2014, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/06/2014. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 13 de jul. 2014.
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