segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Físicos medem a antimatéria em experimento pioneiro com laser

No que pode ser considerada uma proeza técnica, físicos conseguiram realizar as primeiras medidas de como átomos de antimatéria absorvem a luz. 


Pesquisadores do CERN, o laboratório europeu de física de partículas localizado em uma região de Genebra, focalizaram um laser ultravioleta num átomo de anti-hidrogênio, o átomo de antimatéria equivalente ao hidrogênio. Eles mediram a frequência de luz necessária para mover um pósitron — um antielétron — da sua camada de energia mais baixa para a próxima camada superior, e não encontraram discrepâncias com a transição de energia correspondente do hidrogênio comum.

O resultado nulo ainda é muito animador para os pesquisadores, que trabalham há décadas em direção da espectroscopia de antimatéria, o estudo de como a luz é absorvida e emitida pela antimatéria. A esperança é que o campo possa fornecer um novo teste de uma simetria fundamental das leis conhecidas da física, chamada de simetria CPT (carga-paridade-tempo).

A simetria CPT prevê que os níveis de energia da antimatéria e matéria devem ser os mesmos. Mesmo a menor violação dessa regra exigiria repensar seriamente todo o modelo padrão da física de partículas.

Randolf Pohl, espectroscopista da Universidade de Johannes Gutenberg, em Mainz, Alemanha, mal podia conter sua animação. “Depois de todos esses anos, esses caras finalmente conseguiram fazer uma espectroscopia óptica em anti-hidrogênio. Isso é um marco na investigação de átomos exóticos.”

“É incrível que alguém possa controlar a antimatéria a ponto de ser possível fazer isso,” afirma Michael Peskin, físico teórico do Centro de Aceleração Linear de Standford, em Menlo Park, Califórnia.


Anti-hidrogênio frio

O estudo da antimatéria é extremamente difícil porque ela se extingue sempre que entra em contato com a matéria normal. Em 2010, o experimento ALPHA, uma colaboração internacional localizada no CERN, demonstrou como prender anti-hidrogênio em uma armadilha magnética — e, desde então, vem trabalhando no estudo de suas interações com a luz.

A cada 15 minutos, aproximadamente, o grupo ALPHA pode produzir cerca de 25.000 átomos de anti-hidrogênio. Para fazê-los, os físicos combinam pósitrons, emitidos por uma substância radioativa, com antiprótons, produzidos por um acelerador de partículas e então desacelerados quando resfriados.

A maior parte desses átomos são muito “quentes” — se movem muito rapidamente, e estão em um estado de energia muito alto — para estudos de espectroscopia. Então os pesquisadores precisam deixá-los escapar da armadilha magnética, deixando apenas alguns dos átomos mais lentos e menos energizados de anti-hidrogênio. Aperfeiçoar essa técnica levou anos, afirma o representante do ALPHA, Jeffrey Hangst. “Produzir anti-hidrogênio é relativamente fácil; produzir anti-hidrogênio frio é muito difícil,” ele diz.
Finalmente, a equipe do ALPHA conseguiu enxergar se, quando os pesquisadores faziam um laser brilhar em uma frequência específica, os átomos de anti-hidrogênio agiam como seus correspondentes de hidrogênio. O grupo afirmou que sim: a transição de energia é consistente e com precisão de 2 partes em 10 bilhões, relataram na Nature no dia 19 de dezembro.

"Você coloca tanto esforço em um projeto, e ele finalmente dá certo. Quase não há palavras para descrever,” diz Hangst.

Agora, os pesquisadores esperam sondar o anti-hidrogênio com uma ampla variação de energias de laser. Isso poderia fornecer um teste de matéria mais rigoroso – equivalência de antimatéria e simetria CPT.

Muitas teorias, como a teoria das cordas, que se aventuram além do modelo padrão ao combinar a gravidade com as três outras forças fundamentais da física subatômica, envolvem alguma violação do CPT, diz Peskin. “Então não é claro se a CPT é a simetria verdadeira da natureza,” ele diz.

Dois outros experimentos no CERN — chamados de ATRAP e ASACUSA — competiam com o ALPHA para medir a espectroscopia da antimatéria. Gerald Gabrielse, líder do ATRAP e físico da Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts, diz que ele propôs pela primeira vez medir a energia de transição específica do anti-hidrogênio que a equipe do ALPHA relatou 30 anos atrás. “Nós começamos dez anos antes e eles chegaram a esse resultado primeiro,” ele afirma. “Parabéns para a ALPHA.”


Davide Castelvecchi


Esse artigo foi reproduzido com permissão e foi publicado originalmente na Nature no dia 19 de dezembro de 2016.

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