Natal e réveillon são datas de comemoração, uma época de alegria, paz, esperança e gratidão, celebrada em reuniões alegres, na companhia de pessoas que amamos. Ou pelo menos seria bom que fosse assim. Mas nem sempre é tão simples. Para alguns, esse é um dos períodos em que mais afloram angústias. O balanço do ano que terminou e as perspectivas para o próximo costumam despertar apreensões, ainda que mescladas com esperança.
Parece lógico que para uma pessoa deprimida os feriados possam ser especialmente difíceis – com uma dose a mais de estresse, sentimentos de solidão e lembranças tristes de entes queridos que já se foram. Não é de estranhar, portanto, que tanta gente acredite que os índices de suicídio crescem nos dias próximos ao Natal. Entretanto, dados de pesquisa realizada revelam uma história diferente. Estudos recentes de vários países mostram que os índices de suicídio em dezembro – e no Natal em particular – tendem a ser os menores do ano, mas nos outros feriados há uma ascensão, especialmente no ano-novo.
Em um desses estudos, os índices de suicídio na Inglaterra sofriam uma queda consistentemente no Natal e uma ascensão no ano-novo durante o período de estudo de 15 anos, segundo o artigo publicado em junho no Journal of Affective Disordersof Public Health. Os pesquisadores relataram um pico geral na primavera e os índices diários mais elevados foram observados nas segundas-feiras.
Um estudo menos recente relatou um declínio semelhante no dia do Natal nos Estados Unidos, com índices até 15% mais baixos do que a média naquele dia. As descobertas relatadas em 2015 no mesmo periódico coincidem, revelando cerca de 25% menos suicídios por volta da época do Natal na Áustria. Os índices lá eram especialmente baixos no dia 24 e permaneciam assim até
1º de janeiro, quando ocorria o maior número de suicídios em relação a qualquer outro dia do ano. Os autores observaram também maiores índices nas segundas e terças-feiras, assim como durante a semana após a Páscoa.
1º de janeiro, quando ocorria o maior número de suicídios em relação a qualquer outro dia do ano. Os autores observaram também maiores índices nas segundas e terças-feiras, assim como durante a semana após a Páscoa.
No entanto, há exceções a essa tendência. Austrália e México mostram índices ligeiramente elevados tanto no dia de Natal quanto no ano-novo (assim como no Dia das Mães e no dia da independência mexicana). Mas a maioria das nações acompanha o padrão que coloca o mito em xeque: os índices de suicídio são mais baixos do que a média próximo ao Natal. “Muitas pessoas acreditam que as taxas de suicídio são mais altas nessa época do ano, o que pode deixar as pessoas mais alertas para situações em que há risco de suicídio, o que também poderia influenciar na diminuição das taxas de suicídio nesse período do ano”, diz a psiquiatra Joana Silveira Pargendler, da Associação Catarinense de Psiquiatria, coordenadora do Setembro Amarelo 2016 (campanha de prevenção ao suicídio).
Segundo ela, são registrados, em média, 24 suicídios por dia, o equivalente a 9 mil mortes por ano no Brasil. Os dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) sugerem que existe sazonalidade nas taxas de suicídio semelhante à encontrada em países de clima temperado, apenas na região Sul do Brasil, e não é possível identificar o mesmo fenômeno em outras regiões do país. Um estudo mostrou que as maiores taxas de suicídio nessa região ocorreriam na primavera, e não no inverno, como ocorre em países de clima temperado. A psiquiatra ressalta que, independentemente da época do ano, é fundamental falar a respeito do suicídio no Brasil e principalmente sobre sua prevenção. “Combater o preconceito ligado aos transtornos mentais é um passo importante que pode salvar vidas; se ideias de suicídio passam pela cabeça de alguém, é importante que se procure ajuda especializada para avaliação do risco.” A médica ressalta ainda que, na grande maioria dos casos, a pessoa que apresenta esses pensamentos tem algum transtorno mental que precisa ser tratado.
SÍNDROME DE DOMINGO
De acordo com o psicólogo clínico Martin Plöderl, coautor do estudo austríaco na Universidade Médica Paracelsus, em Salzburgo, há tipicamente mais conexão social para muitas pessoas próximo ao Natal, o que é um fator protetor estabelecido para suicídio. As entradas em hospital psiquiátrico também diminuem durante esse período.
Então, por que a ascensão no ano-novo? Os pesquisadores sugerem que o “efeito da promessa não satisfeita” pode explicar esse fenômeno, assim como os aumentos após a Páscoa e fins de semana. “Muitos de nós estamos familiarizados com os sentimentos após os feriados; há uma sensação de vazio, como a ‘síndrome do domingo à noite’, em que muita gente se sente bastante angustiada – é como se pairasse no ar uma pergunta: ‘Então era só isso?’. Em geral esperamos nos divertir e relaxar mais; de repente, nos damos conta de que não foi tão bom quanto queríamos e no dia seguinte temos de voltar para rotina”, diz Plöderl. “Para pessoas deprimidas, a promessa não cumprida do Natal e o ano em branco à sua frente aumentam a desesperança e, dessa forma, o risco de suicídio.”
O consumo maior de álcool que ocorre na véspera e no dia de ano-novo pode também desempenhar um papel no rebaixamento de inibições. “Algumas pessoas podem postergar sua morte planejada para que suas famílias e amigos possam aproveitar o Natal ou para se darem uma última chance”, acredita o pesquisador.
Embora esses achados não sugiram nenhum risco de suicídio de um indivíduo em particular, trazem implicações importantes para a política pública e profissionais de saúde. Os Centros Americanos para Controle e Prevenção de Doenças advertem em seu website que perpetuar o mito do suicídio no Natal pode afetar a prevenção e os esforços de conscientização pública. “Além disso, essa percepção equivocada pode se traduzir em um planejamento de alta dos cuidados psiquiátricos menos favorável”, diz Plöderl. “Pode ser bom para alguns pacientes deprimidos estar em casa durante os feriados, mas, à medida que janeiro se aproxima seria interessante que tivessem mais apoio.”
Saiba mais sobre o assunto na edição de dezembro de Mente e Cérebro, disponível na Loja Segmento: http://bit.ly/2guA4d3
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