quarta-feira, 1 de março de 2017

A população deve participar do debate sobre modificações no código genético das linhagens germinativas

A Academia Nacional de Ciências dos EUA e a Academia Nacional de Medicina publicaram na última sexta-feira, 17 de fevereiro, um relatório intitulado “Edição do genoma humano: ciência, ética e governança”, o qual se posiciona quanto aos usos da manipulação de genes para propósitos de reprodução humana, uma perspectiva que veio à tona desde o surgimento de novas ferramentas biotecnológicas como o sistema de modificação gênica Crispr-Cas9. O relatório sugere limitações quanto ao uso da engenharia genética no genoma de células germinativas, espermatozóides e ovócitos, as quais são células capazes de transmitir informações às gerações subsequentes.

Entretanto, o relatório parece excluir o público de participar e conclui que “ensaios clínicos à base de células germinativas e derivadas que tenham sofrido edição gênica deveriam ser permitidos.” Não deveriam - não sem discussão pública e uma avaliação mais consciente sobre como isso impacta posições sociais, estigmas e identidades, questões éticas que cientistas costumam citar por formalidade e então rapidamente abafam.

A declaração é uma impressionante virada desde que, um ano atrás, em dezembro de 2015, quando a Cúpula Internacional sobre Edição Genética Humana foi realizada na Academia Nacional de Ciências em Washington D.C. - uma conferência na qual estive presente - também reunindo laureados do Nobel, legisladores e bioeticistas ao redor do mundo, e declarando que um “amplo consenso da sociedade” seria alcançado antes de se prosseguir com a alteração de código hereditário. Semanas após a Cúpula, legisladores norte-americanos adicionaram um adendo a um amplo projeto de lei de gastos para prevenir que o FDA, órgão do governo norte-americano responsável pelo controle de alimentos e medicamentos, gaste tempo ou dinheiro analisar as aplicações de modificação gênica no código hereditário.

Diferentemente de outros 40 países, e de um tratado internacional do Conselho da Convenção Europeia em Direitos Humanos e Biomedicina, os EUA não têm uma proibição legal de modificações de código genético, mas possui uma forte estrutura de regulação de medicamentos e as agências federais tratam o Crispr-Cas9 como uma droga. Contudo, as limitações no código hereditário estão apenas em efeito temporariamente, na medida em que os gastos estão restritos às aplicações que o FDA pode analisar.

Marcy Darnovsky, diretor do Centro para Genética e Sociedade observou que o relatório parece mandar aos legisladores um “sinal verde” dos cientistas “para proceder com esforços… para modificar os genes e traços que são passados às futuras crianças e gerações”, enquanto nota que isso “exclui o público da partição em decisões sobre a modificação de germinação humano ser aceitável ou não, em primeiro lugar.”


De fato, existe alguns argumentos críticos sobre como determinamos o que é aceitável. O primeiro é técnico. O campo da genética não está, de modo algum, consolidado. Um grupo chamado Consórcio de Agregação Humana revelou, no ano passado, que de 192 variantes de frequência genética as quais já foram consideradas patogênicas anteriormente, apenas nove podem provavelmente causar danos - um importante esclarecimento para qualquer um desejando recodificar seu genoma. A maioria das mutações tem efeitos muito pequenos em traços biológicos, e sabemos muito pouco sobre como as variantes genéticas aumentam ou diminuem outras variantes e diferem baseando-se em antecedentes genéticos.

Em segundo lugar, como Darnovsky e Hille Haker, bioeticista da Universidade Loyola em Chicago, apontaram, a modificação gênica combinada a tecnologias reprodutivas para gerar uma “crianças geneticamente aparentada” não é uma necessidade médica. Há uma diferença entre um direito negativo - que é uma “liberdade de” algum dano - e um direito totalmente positivo - que é uma “liberdade para” acessar ou ganhar alguns benefícios. Se uma criança editada geneticamente fosse um direito totalmente positivo, a sociedade seria requerida a pagar para que todos seus cidadãos tivessem filhos, aplicassem testes genéticos, modificações de gene e técnicas de fertilização in vitro para todos que desejassem. Cientistas que patenteiam sistemas de modificação gênica como o Crispr-Cas9 tem interesse em vendê-los o máximo que for possível, o que significa que eles não podem ser os únicos responsáveis por criar as estruturas morais - o público tem, hoje, um papel importante nessa questão mais do que nunca. Os debates estão ficando mais sofisticados e ganhando novas nuances, enquanto sistemas de edição gênica como o Crispr-Cas9 nos permitem fazer coisas como contornar o velho caso de alterar embriões humanos editando códigos hereditários em espermatozóides ou óvulos.

Nossos genomas estão constantemente sofrendo alterações e seria errado concebê-los como sacrossantos. Genes são misturados com cada nova geração, então é improvável que a edição gênica nos dê vantagens familiares permanentes. A teoria da evolução sugere que nos adaptamos às condições locais em vez de progredir para uma forma mais perfeita. Contudo, a modificação de genes põe em risco a “eugenia baseada no mercado”, o que significa colocar valores em certos traços e procurar eliminar alguns outros, quando variantes genéticas que contribuem para várias características - como autismo e distúrbios neuropsiquiátricos - poderiam ser menos uma doença e mais uma forma se existir no mundo.

A evolução não cria valores, nós o fazemos. E nós arriscamos transformar nossas crianças em mercadorias que gostaríamos de ter, aos invés de enfatizar as pessoas que eles podem se tornar. Darnovsky escreveu que o problema é “estigmatizar pessoas com deficiências, exacerbar as desigualdades existentes e introduzir novos abusos eugênicos. Estranhamente, não existe conexão aparente entre terríveis riscos e a recomendação de prosseguir.” O cientista filósofo Jean Rostand escreveu, uma geração através, que “a ciência fez de nós deuses antes mesmo de merecermos ser homens”. Mas esses são especialistas profissionais. É hora de ouvir mais a população sobre o que pensamos.

 

Jim Kozubek

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