Pense em um porco. Talvez já esteja ficando com água na boca só de imaginar o bacon crocante, as costelas suculentas, o presunto saboroso e a linguiça apimentada. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) relata que a carne suína é comercializada em mais lugares no mundo do que qualquer outra, respondendo por 36% de todo o consumo carnívoro. O americano médio consome em torno de 23 quilos de carne suína por ano – e isso não é nada comparado à China, onde as pessoas consomem o dobro dessa quantidade.
Porém, em algumas comunidades, como as adeptas do islamismo e do judaísmo, o alimento é proibido. E algumas pessoas consideram o porco – particularmente a variedade de pequeno porte – um animal de estimação adorável. Sociáveis, afetivos e muito mais limpos do que sua reputação sugere, os animais são muito inteligentes e adoram carinho. Porcos brincam de correr atrás de pessoas e objetos, descobrem como operar termostatos em suas baias de confinamento e são capazes até de aprender jogos simples de computador. Um estudo de 2014 sobre cognição animal revelou que os porcos são capazes de compreender gestos humanos, como apontar, de modo semelhante aos cães.
Se neste ponto você está começando a se sentir pouco à vontade em relação ao seu sanduíche de bacon, saiba que não está sozinho. Esse desconforto se origina de um fenômeno que os cientistas apelidaram “o paradoxo da carne”. Ele surge quando pessoas que gostam de comer carne evitam pensar nos animais sofrendo – e morrendo para fornecê-la. “Se começarmos a cutucar o assunto, todos parecem sentir-se um pouco mal em relação ao hábito de comer carne”, comenta o psicólogo Brock Bastian, pesquisador da Universidade de Melbourne, na Austrália. Fundamentalmente, se você respeita o direito à vida de todas as criaturas que não lhe causam prejuízo, sejam elas grandes ou pequenas, a ideia de pactuar com sua morte apenas para satisfazer o prazer momentâneo de saborear sua carne deve ser pelo menos perturbadora. “Uma das preocupações morais mais enraizadas e de ampla aceitação é impedir danos. Se um animal morresse de causas naturais, duvido que haveria algum conflito em relação a comê-lo”, diz Bastian.
A percepção de que você pode ser apaixonado por bichos e ao mesmo tempo ser um carnívoro convicto deflagra o dilema. Dois fatos curiosos ressaltam isso: em um estudo realizado com moradores de Ohio, 81% disseram acreditar que o bem-estar dos animais de fazenda é tão importante quanto o de animais de estimação; outro: as pessoas gastam fortunas com seus animais peludos: em 2015, a estimativa nos Estados Unidos era de US$ 60 bilhões. Mesmo assim, isso não as impedia de consumir cerca de 9 bilhões de animais por ano. E, embora os dados sejam americanos, é muito provável que em grandes cidades brasileiras os resultados não fossem muito diferentes.
O paradoxo da carne é um bom caminho para compreender a dissonância cognitiva, um estado psicologicamente desagradável que vem à tona quando temos apreço por várias convicções mutualmente inconsistentes ou quando há uma lacuna entre nossas atitudes e nosso comportamento. O psicólogo Leon Festinger, professor da Universidade Stanford, descreveu o conceito pela primeira vez em 1957, mas o fenômeno só passou a ser estudado com mais profundidade recentemente. O paradoxo ficou mais nítido à medida que os psicólogos investigam as maneiras como formulamos nosso apetite por animais. Os estudos revelaram que utilizamos uma série de artifícios racionais para distinguir animais que consumimos daqueles que estimamos com o objetivo de tornar ideias não palatáveis mais fáceis de engolir. Em última instância, nos enganamos para atenuar a culpa.
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