quarta-feira, 23 de agosto de 2017

O mundo alterado pela física quântica


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Num livro lançado em Brasília e no Rio na primeira quinzena de outubro, Homens que nos ensinaram a concepção do mundo, o eminente físico brasileiro Roberto Salmeron explica a certa altura, no capítulo em que trata de Einstein, que “em mecânica quântica não podemos fazer a afirmação categórica que fazemos em mecânica clássica, somente podemos saber a probabilidade para que um efeito se produza. É, portanto, uma forma de abstração” (página 182). Isso, ele nos conta, foi logo compreendido por Bohr, que com tal compreensão deu grande impulso à mecânica quântica – e terminou por entrar em divergência com Einstein. O famoso cientista, “paradoxalmente, apesar de sua inteligência e sua cultura científica, não deu o passo para assimilar essa abstração da mecânica quântica”.
Digamos, amparados por esse comentário do professor Salmeron, que se mesmo Einstein manteve-se fechado a essa abstração, muitas décadas depois a física quântica se apresenta como praticamente impenetrável para os não especialistas – ou seja, a esmagadora maioria dos que estudaram física só no curso médio e com âncoras bem fincadas no território que Newton estabeleceu. Justamente isso transforma a necessidade e a vontade de reportar avanços do conhecimento em física quântica, de forma clara e consistente, num desafio formidável para o jornalista de ciência. De um lado, há as insuficiências da formação do próprio jornalista para entrar e transitar nesse universo quântico. De outro, admitindo-se que tal insuficiência foi, se não vencida, pelo menos temporariamente contornada ou atravessada, há as gigantescas dificuldades para se construir uma narrativa acessível a não especialistas a partir de experiências em que a ideia de concretude dos dados ou de relação direta entre causa e efeito parece tão rarefeita, senão francamente inexistente.
Como falar, reportando e explicando experiências científicas, e não transcendentais ou religiosas, de um campo em que um ente pode ser imaginado simultaneamente morto e vivo, sobreposição que é um completo contrassenso, ou estar em mais de um lugar do espaço ao mesmo tempo? Não é tarefa simples e isso só amplia o mérito de nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto, na elaboração da reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, que aborda estudos que têm feito avançar a física quântica e detalha especialmente um experimento com partículas de luz, realizado meses atrás por um grupo de físicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresentado em 12 de outubro passado na Physical Review Letters, e que conseguiu demonstrar que nem sempre a informação quântica que chega ao ambiente é perdida para sempre. Os físicos entendem que no dia a dia não se notam propriedades estranhas das partículas atômicas (como estar em mais de um lugar ao mesmo tempo) porque o ambiente em que elas estão imersas, muito complexo, absorve essas características (quânticas) e as dissipa – e aí os componentes mais elementares da matéria passam a se comportar de forma convencional. Mas o grupo do Rio, conforme o relato de Zorzetto, está dizendo que a tal perda não é total. E isso pode ser interessante tanto para os computadores quânticos quanto para se compreender mais as fronteiras entre a mecânica quântica e a mecânica clássica, newtoniana. Tanto para o mundo prático quanto para a ciência básica, em suma. Vale muito a pena ler – e mesmo se deliciar com as estranhezas do mundo quântico.
Quero destacar também aqui a reportagem que abre a seção de humanidades, do editor Carlos Haag. Percorrendo alguns trabalhos recém-lançados, como o livro José Bonifácio, de Miriam Dolhnikoff, e outros mais antigos, ele traz à cena um vigoroso homem de ciências e ecologista avant la lettre que a historiografia tradicional ocultou atrás do festejado Patriarca da Independência. Bonifácio via as ciências como fundamentais para o desenvolvimento do Brasil, Haag relata, e foi por essa visão que “projetou a criação de universidades, de escolas de minas, expedições científicas e sociedades econômicas e científicas”. Na citação de Dolhnikoff, Bonifácio “acima de tudo foi um cientista, formado pela Ilustração” Acreditava “numa ciência com sentido propositivo e prático”. A rigor, a maneira como pensou a nação brasileira teria sido “determinada pela formação de cientista”. A proposição pode, é claro, provocar alguma polêmica, o que é bom para o processo do conhecimento. Boa leitura!

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