Definição: A artrite séptica decorre de uma reação inflamatória resultante de uma invasão direta da articulação por microorganismos patogênicos. Pode simular o princípio de uma artrite reumatóide em alguns casos. Acomete principalmente a articulação do joelho, do quadril e do tornozelo, mas qualquer articulação do corpo pode ser afetada. A artrite séptica não-gonocócica atinge mais o sexo masculino e extremo das idades, acomete mais o joelho e quadril com padrão monoarticular e o S. Aureus é o principal agente etiológico. Já a artrite séptica gonocócica acomete mais o sexo feminino e pessoas sexualmente ativas, atinge mais punhos e articulações metacarpofalangeanas com padrão poliarticular. O tratamento é semelhante para ambos os casos, com melhor prognóstico nos casos de artrite séptica gonocócica.
Diagnóstico: É fundamental fazer uma cultura do fluido sinovial e para avaliar melhor a extensão da infecção, podem ser necessários testes como exames de sangue e radiografias. Avaliar bem os sintomas de dores intensas na articulação acometida, febre, inchaço e vermelhidão podem direcionar melhor o diagnóstico. Vale lembrar que o reconhecimento precoce da infecção é o passo mais importante no controle da artrite séptica.
Principais agentes causadores: Os principais agentes responsáveis pela infecção são as bactérias (gonocócicas e não-gonocócicas), responsáveis pela grande maioria dos casos, os vírus e, raramente, por fungos e protozoários.
Patogenia: Uma vez que o agente microbiano penetra no espaço da articulação, ele inicia uma série de reações inflamatórias que podem levar a destruição e permanente dano da articulação. Microorganismos viáveis e ou seus produtos ativam a liberação de citocinas proinflamatórias, como o TNF-alfa e a interleucina 1, e enzimas proteolíticas, tais como metaloproteinases e outras enzimas colágeno-degradantes. Essas substâncias podem induzir proliferação da membrana sinovial, granulação tecidual, neovascularização, e infiltrações por células polimorfonucleares e pode resultar, se não tratada, na destruição do osso e da cartilagem. O dano articular pode progredir mesmo depois da erradicação dos microorganismos, pois a persistência dos antígenos bacterianos e metaloproteinases dentro da articulação continuarão a promover uma resposta inflamatória.
Tratamento e Prognóstico:
Artrite Séptica não-gonocócica
O tratamento da artrite séptica segue dois pilares básicos: a antibioticoterapia e a
drenagem articular. O tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível, logo que a avaliação clínica for realizada e as culturas apropriadas forem coletadas. Assim, na presença de uma forte suspeita clínica de infecção articular, o tratamento deve ser iniciado mesmo antes do resultado das culturas e mesmo com a bacterioscopia negativa. A escolha do antibiótico inicial deve seguir o resultado da bacterioscopia. Caso este seja negativo, ou na impossibilidade de sua realização, a escolha deve ser baseada na idade e fatores de risco. Em algumas situações, localizar a fonte de bacteremia pode ajudar na escolha do antibiótico mesmo com a bacterioscopia negativa. A via de administração do antibiótico deve ser parenteral, podendo ser mudado para esquema oral desde que os parâmetros clínico-laboratorias como febre, mobilidade articular,VHS e celularidade tenham melhorado, e a cultura sinovial negativado. Deve-se ter cuidado para garantir que níveis satisfatórios do antibiótico atinjam a articulação, nem que seja necessário sua dosagem no sangue ou líquido sinovial. Doses de beta lactâmicos por via oral são em geral 2 a 3 vezes maiores que as utilizadas para infecções cutâneas e mucosas. Além disso, o tratamento pode ser modificado baseado no resultado da cultura e antibiograma. Não há necessidade do uso de antibiótico intra-articular, além do risco de causar sinovite. O tempo de antibioticoterapia vai depender principalmente da resposta clínica do paciente. Em geral, o que se orienta é de 2 a 4 semanas de tratamento. O uso de antibiótico parenteral por 7 dias ou menos seguidos por mais 3 semanas por via oral tem-se mostrado uma terapia segura em crianças com boa evolução do quadro e sem comorbidades. Os esquemas antibióticos consistem basicamente na associação de penicilina antiestafilocócica, como nafcilina e oxacilina, com uma cefalosporina de 3a geração, como ceftriaxona e cefotaxime. Este esquema cobre cocos gram positivos, em especial S. aureus e Streptococcus spp., e bacilos gram negativos. Em pacientes previamente hígidos, no entanto, pode-se omitir a cefalosporina de 3a geração e cobrir apenas cocos gram positivos com uso de cefalosporina de primeira geração ou penicilina com resistência a penicilinase. Pacientes em risco de MRSA devem receber vancomicina. O mesmo se aplica para Streptococcus pneumoniae com resistência alta a penicilina. Se houver história de alergia à penicilina pode-se usar clindamicina ou vancomicina. A clindamicina também pode ser utilizada em casos de suspeita de infecção por anaeróbios. Associação de ampicilina com sulbactam pode ser aplicada quando há história de mordedura por cão, gato ou ser humano. Aminiglicosídeos podem ser usados para cobertura de gram negativos, no entanto tem uma atividade reduzida em ambientes de baixo oxigênio e pH, que é o caso da infecção articular. Kingella kingae pode ser tratada com cefalosporina de 2a ou 3a geração, penicilina cristalina ou ampicilina, sendo pouco sensíveis a oxacilina e vancomicina.
Há muita controvérsia a respeito da melhor forma de drenar a articulação. As três modalidades utilizadas são a aspiração diária com agulha, astroscopia e a artrotomia cirúrgica. Um estudo recente levantou dados da literatura para avaliar se há ou não vantagem da drenagem cirúrgica sobre a aspiração diária com agulha e não encontrou vantagem de uma sobre a outra. Inclusive há estudos, apesar do número pequenos de pacientes, mostrando que o uso de aspiração diária com agulha em articulações como quadril e ombro, que são consideradas de difícil drenagem, é equiparado aos métodos cirúrgicos. Assim, o que se propõe é deixar o procedimento cirúrgico para algumas situações específicas pelo seu maior risco e recuperação mais prolongada. As situações em que advoga o procedimento cirúrgico (artroscopia e artrotomia) são o acometimento de quadril em crianças, uso de próteses (inclusive troca), trauma ou cirurgia prévia, osteomielite adjacente e, obviamente na falha de uma adequada drenagem usando agulha. A escolha entre a artroscopia e artrotomia depende principalmente da articulação envolvida e da experiência do serviço de ortopedia. O uso de artroscopia é bem documentado em joelho ou ombro por propiciar uma melhor visualização da articulação e melhor irrigação. A mobilização precoce da articulação, inicialmente passiva e após ativa, deve ser encorajada por evitar contraturas e promover nutrição à articulação acometida, mesmo após drenagem cirúrgica. O fator limitante é a dor, que pode ser aliviada com analgésicos para permitir uma melhor mobilidade articular. A imobilização pode ser utilizada com o intuito de promover conforto ao paciente.
Artrite Séptica gonocócica
Não é possível falar em tratamento sem comentar sobre a resistência da Neisseria gonorrhoeae aos antimicrobianos. Primeiramente é necessário questionar se as cepas de N. gonorrhoeae que causam IGD têm a mesma resistência que as cepas que causam infecção localizada. Esta é uma questão até o momento sem resposta. Wise et al.29 concluíram em seu trabalho que a incidência de resistência à penicilina em bactérias isoladas da mucosa genital aumenta em paralelo com as achadas em pacientes com artrite séptica. Bom, é sabido da resistência da N. gonorrhoeae a penicilina e a tetraciclina desde a década de 70, o que levou ao abandono destas drogas como terapia para gonorréia. A preocupação agora é com a resistência as fluoroquinolonas, em especial a ciprofloxacino. Altos índices de resistência têm sido reportado em algumas regiões dos Estados Unidos que pode chegar a 25% e sudeste da Ásia podendo alcançar mais de 50% das cepas testadas. Na Inglaterra e País de Gales a resistência total em 2002 foi de 9,8%. Além disso, a tendência é de aumento da porcentagem de cepas isoladas com resistência ao ciprofloxacino. É claro que as recomendações de tratamento têm sido alteradas nestas regiões e para pessoas provenientes delas. A hospitalização é recomendada para todo paciente com suspeita de artrite séptica gonocócica para confirmação diagnóstica, investigação de complicações sistêmicas (endocardite e meningite) e início de tratamento. Outros procedimentos além da antibioticoterapia são a drenagem articular para remover secreção purulenta, sendo raramente necessário drenagem artroscopia ou cirúrgica. É recomendado o tratamento presuntivo de infecção concomitante por Chlamydia trachomatis com azitromicina dose única de 1 g ou doxiciclina 100 mg 2 vezes por dia por 7 dias. Para gestantes é recomendado uso de eritromicina 500mg 4 vezes por dia por 7 dias. Os parceiros sexuais também devem ser contatados para avaliação e tratamento se necessário. Reculturas, para avaliar resolução da infecção, são recomendadas após 5 dias da última dose de antibiótico colhidas de todos os sítios previamente infectados. Os pacientes tendem a responder prontamente ao tratamento e raramente há dano permanente à articulação quando o tratamento é adequado e instituído sem demora. Condições que predispõem à necessidade de maior período de internação e prolongamento do tratamento antibiótico são a VHS alta na admissão, líquido sinovial com positividade na cultura e presença de comorbidades.