Inclusion of children with autism: a study of social interactions within the school context
Emellyne Lima de Medeiros Dias LemosI; Nádia Maria Ribeiro SalomãoII; Cibele Shírley Agripino-RamosIII
IPsicóloga da Clínica Neuroatividade, Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba - emellyne@gmail.com
IIProfessora Doutora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba - UFPB e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba - UFPB - nmrs@uol.com.br
IIIMestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba -cibeleagripino@yahoo.com.br (Autora responsável pela troca de correspondências)
IIProfessora Doutora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba - UFPB e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba - UFPB - nmrs@uol.com.br
IIIMestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba -cibeleagripino@yahoo.com.br (Autora responsável pela troca de correspondências)
RESUMO
O espectro autista é caracterizado por prejuízos desde os primeiros anos de vida nas áreas de interação social, comunicação e comportamento. Os aspectos relacionados à etiologia, às possibilidades terapêuticas e à inserção em escolas regulares não são conclusivos, dado que evidencia a importância de estudos na área. O presente estudo tem como objetivo analisar as interações sociais de crianças com espectro autista nos contextos de escolas regulares, considerando a mediação das professoras. Participaram deste estudo 42 crianças, das quais quatro crianças têm o diagnóstico de espectro autista, entre três e cinco anos de idade, e quatro professoras de duas escolas regulares particulares. Os resultados demonstraram que a mediação das professoras se caracterizou pelo uso de diretivos linguísticos e apoio físico. A participação das crianças com espectro autista em termos interacionais se caracterizou por comportamentos mais frequentes de olhar pessoas, iniciativa dirigida à ação,resposta adequada e sorriso. Nesse sentido, compreender como as crianças com espectro autista interagem com as pessoas e objetos em ambientes escolares e como são realizadas as mediações pelas professoras nesses momentos são aspectos de grande relevância para a elaboração de estratégias de intervenção que favoreçam a interação social e o processo de inclusão escolar.
Palavras-chave: Educação Especial. Autismo. Inclusão Escolar. Interação Social.
ABSTRACT
The autistic spectrum is characterized by losses beginning in the early years of life in the areas of social interaction, communication and behavior. Aspects related to the etiology, therapeutic possibilities and inclusion in regular schools are not conclusive, which shows the importance of studies in the area. This study aims to analyze social interactions of children with autistic spectrum disorders in mainstream school contexts, considering the mediation of teachers. The participants were 42 children, of whom four children had been diagnosed with autistic spectrum disorder, between three and five years old, and four teachers from two regular private schools. The results showed that the mediation of the teachers was characterized by the use of linguistic directives andphysical support. The participation of children with autistic spectrum disorder in interactional terms was characterized most frequently by behaviors such as looking at people, initiative directed to action, appropriate response and smile. In this sense, understanding how children with autistic spectrum disorders interact with people and objects in school settings and how mediations are conducted by teachers in such moments is highly relevant for elaborating intervention strategies to promote social interaction and the process of school inclusion.
Keywords: Special Education. Austistic Spectrum Disorders. School Inclusion. Social Interaction.
1 INTRODUÇÃO
O autismo infantil consiste em um transtorno do desenvolvimento de etiologias múltiplas, definido de acordo com critérios eminentemente clínicos. As características são muito abrangentes, afetando os indivíduos em diferentes graus nas áreas de interação social, comunicação e comportamento. Atualmente, utiliza-se o termo "espectro autista" tendo em vista as particularidades referentes às respostas inconsistentes aos estímulos e ao perfil heterogêneo de habilidades e prejuízos (HÖHER CAMARGO; BOSA, 2009; SCHWARTZMAN, 2011).
Embora as crianças com espectro autista apresentem dificuldades em comportamentos que regulam a interação social e a comunicação, podendo ter pouco ou nenhum interesse em estabelecer relações apresentando diferentes níveis de dificuldades na reciprocidade social e emocional (GÓMEZ; TORRES; ARES, 2009; NOGUEIRA, 2009), concorda-se com autores como Garton (1992), Seidl-de-Moura (2009) e Salomão (2012), que consideram em suas pesquisas a importância da interação social para o desenvolvimento humano e o conceito de bidirecionalidade caracterizado pela ênfase na reciprocidade e na adaptação mútua entre os parceiros levando em conta suas características individuais.
Tendo em vista o termo espectro autístico, que compreende diferentes graus de comprometimento, cita-se Höher Camargo e Bosa (2009), ao afirmar que a noção de uma criança não comunicativa, isolada e incapaz de demonstrar afeto não corresponde às observações atualmente realizadas. Concorda-se com autores como Nogueira (2009) e Orrú (2007) quando destacam, em seus estudos, as potencialidades dessas crianças, apesar de considerarem as dificuldades centrais do espectro autista.
Considerando a influência de autores como Vygotsky (2007) e Tomasello (2003) e dos estudos na perspectiva da interação social dos estudiosos da linguagem, Salomão (2012) destaca que a relevância dos aspectos sociais da interação para o processo de aquisição da linguagem é indiscutível, tendo em vista que o desenvolvimento da comunicação é fundamentalmente interacional, sendo de grande importância os comportamentos verbais e gestuais.
A partir da perspectiva da interação social dos estudiosos da linguagem, Garton (1992) pontua a importância do ambiente interpessoal para a aquisição de habilidades comunicativas, ressaltando o suporte do adulto, uma vez que, sensível às necessidades conversacionais da criança, é capaz de adequar suas contribuições às capacidades dessa última, ou seja, o adulto adapta seu comportamento comunicativo para obter respostas das crianças. Nesta mesma linha de pesquisa, são estudados aspectos facilitadores da fala dirigida à criança, os estilos de fala materna (diretivos, informações e feedbacks, por exemplo), os quais podem expressar uma ampla variedade de intenções comunicativas e funções nas trocas linguísticas. Esses estilos linguísticos foram estudados por diferentes autores, sendo conceituados neste trabalho a partir de Salomão (2012), Fonsêca e Salomão (2006), Borges e Salomão (2003) e Braz e Salomão (2002).
Autores como Silva e Mulick (2009) abordam a importância de um diagnóstico precoce, considerando que a idade em que a criança começa a receber intervenções apropriadas representa um dos elementos essenciais para um melhor prognóstico em termos de seu desenvolvimento. Sobre o tratamento dessas crianças, Choto (2007) destaca a fusão entre a terapia e a educação, pontuando a interdisciplinaridade como um elemento indispensável para obtenção de melhores resultados. Ademais, a autora discorre a respeito da integração de métodos pedagógicos e psicológicos como sendo fundamental para obtenção de avanços na intervenção terapêutica, apontando melhor socialização e desenvolvimento geral da criança.
Tendo em vista os aspectos abordados, entende-se que as áreas de interação social, comunicação e comportamento se articulam intimamente no desenvolvimento humano desde a mais tenra idade. Considerando que os indivíduos com autismo apresentam prejuízos nessas áreas, cabe aos profissionais, que com eles trabalham, utilizarem estratégias que contemplem a aquisição de habilidades que são pré-requisitos para que outras se efetivem. As ideias desta pesquisa se apoiam na relevância dos modelos de desenvolvimento para orientar a realização de intervenções mais eficazes, possibilitando uma melhoria nas habilidades sociais, tendo em vista que os resultados demonstram uma capacidade parcial de realização social por parte das crianças autistas.
Nesse sentido, destaca-se a escola como um dos espaços que favorecem o desenvolvimento infantil, tanto pela oportunidade de convivência com outras crianças quanto pelo importante papel do professor, cujas mediações favorecem a aquisição de diferentes habilidades nas crianças. De acordo com Höher Camargo e Bosa (2012), o contexto escolar oportuniza contatos sociais, favorecendo o desenvolvimento da criança autista, assim como o das demais crianças, na medida em que convivem e aprendem com as diferenças. Silva e Facion (2008) afirmam que os demais alunos irão se enriquecer por terem a oportunidade de conviver com o diferente. Já Fiaes e Bichara (2009) pontuam a escola regular como um contexto no qual a criança com dificuldades encontra modelos mais avançados de comportamentos para seguir.
Vygotsky, em seus estudos sobre defectologia, já afirmava os benefícios da inserção de crianças com deficiência mental em grupos homogêneos, podendo as crianças mais capazes atuarem como mediadoras no processo de aprendizagem (Momberger, 2007). Tais trocas remetem ao conceito de mediação, que, segundo Vygotsky (2007), desempenha um papel fundamental, em que as trocas que a criança estabelece com outras crianças e com os adultos exercem funções importantes para o desenvolvimento e a aprendizagem.
Sobre a inclusão escolar dessas crianças, embora haja vasta literatura, alguns autores (BOSA, 2002; HÖHER CAMARGO; BOSA, 2012; LAGO, 2007) apontam que a ênfase dada aos prejuízos e limitações inerentes às características da síndrome torna esta prática questionável, e historicamente essas características têm sido utilizadas como justificativa para a não inserção escolar de tais crianças. Em concordância com autores (BAPTISTA; BOSA, 2002; FIAES; BICHARA, 2009; HÖHER CAMARGO; BOSA, 2012; LAGO, 2007; LIRA, 2004; ORRÚ, 2007; SERENO, 2006), parte-se da ideia de que, embora seja uma prática difícil, é também realizável e possível, considerando os benefícios das vivências escolares tanto em termos de interações sociais quanto do desenvolvimento de habilidades cognitivas nas crianças do espectro autista.
Em face da importância e da influência que os contextos situacionais e interacionais podem exercer nas diferentes pessoas do espectro autista, este trabalho se propõe a analisar as interações sociais entre as crianças com espectro autista nos contextos de escolas regulares da cidade de João Pessoa-PB, considerando a mediação das professoras.
2 MÉTODO
2.1 Participantes: participaram deste estudo quatro professoras de duas escolas regulares particulares da cidade de João Pessoa-PB, que tinham em suas salas uma criança com diagnóstico de espectro autista, totalizando quatro crianças autistas com idades variando entre três e cinco anos, de classe socioeconômica média. Essas crianças apresentavam quadros entre leve e moderado, de acordo com a escala CARS (Childhood Autism Rating Scale), sendo que três delas eram não verbais. Todas as crianças autistas recebiam atendimento de diferentes profissionais, entre eles fonoaudiólogos e psicopedagogos. Além das professoras, participaram do estudo 42 crianças. O critério de escolha desses participantes foi amostragem acidental ou por conveniência, cuja característica é a seleção, por parte do pesquisador, de membros da população mais acessíveis (RICHARDSON et al., 1985).
2.2 Instrumentos: foram realizadas observações no contexto escolar, registradas através de uma câmera de vídeo digital. Este recurso possibilita o registro em detalhes da situação observada, assim como a revisão das cenas, oportunizando a análise de comportamentos não observados a priori (KREPPNER, 2001). Tendo em vista a heterogeneidade dos sintomas apresentados pelas pessoas do espectro autista em diferentes áreas, também foi utilizada a escala de avaliação CARS com o objetivo de caracterizar as crianças deste estudo. Cabe ressaltar que foram encontradas evidências de validação da CARS para uso no Brasil a partir do estudo realizado por Pereira, Riesgo e Wagner (2008). Os resultados indicaram que a metodologia utilizada e os cuidados no processo de tradução permitem concluir que esse é um instrumento válido e confiável para avaliação da gravidade do autismo no Brasil.
2.3 Procedimentos para coleta dos dados: inicialmente, entrou-se em contato com os pais das crianças do espectro autista a fim de obter a permissão para a participação no referido estudo. Posteriormente, foram contatados os diretores das escolas visando ao esclarecimento da pesquisa, assim como para obter a autorização para a realização do estudo com as professoras da instituição. Na sequência, entrou-se em contato com todos os responsáveis pelas demais crianças inseridas na sala de aula observada, obtendo a autorização para participação das crianças na pesquisa. Após consentimento das famílias, das escolas e das professoras, foi iniciada a etapa de observações. As filmagens foram realizadas em 20 minutos, sendo transcritos e analisados 10 minutos de cada situação. O presente estudo passou pela apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal da Paraíba, do qual recebeu aprovação sob o protocolo de número 480/10.
2.4 Procedimentos para análise dos dados: após as transcrições, os comportamentos foram analisados considerando categorias encontradas na literatura (BORGES; SALOMÃO, 2003; BRAZ; SALOMÃO, 2002; CHIANG, 2009; MENEZES; PERISSINOTO, 2008; MIILHER; FERNANDES, 2006; SALOMÃO, 1996; SANINI et al., 2008; SILVA, 2010) e categorias elaboradas pelas autoras a posteriori, considerando, além da literatura na área e os objetivos do estudo, os comportamentos das crianças do espectro autista e das professoras durante os episódios interacionais. Destaca-se que a análise dos sistemas de categorias baseou-se em uma categorização mutuamente exclusiva. As categorias mencionadas são apresentadas no Anexo A.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicialmente, são apresentadas, na Tabela 1, as frequências das categorias comportamentais das professoras e das categorias comportamentais das crianças com espectro autista, elaboradas considerando o fluxo das interações estabelecidas nos contextos escolares. Em seguida, os resultados das categorias são discutidos de forma articulada, abordando os comportamentos das crianças autistas e das professoras nos episódios interacionais analisados.
Em relação aos comportamentos de observar a criança autista, as professoras, de uma maneira geral, estavam sempre dirigindo atenção às crianças da sala individualmente ou dando instruções coletivas. Autores como Rocha (2006) abordam a importância de que o adulto demonstre mais comportamentos dedicados à atenção ao que a criança está fazendo, bem como no que ela consegue ou não fazer nesses contextos, com vistas a realizar intervenções mais favoráveis ao desenvolvimento da criança.
De maneira geral, as professoras apresentaram poucos comportamentos de observar (21). Este resultado era esperado na medida em que, em seus discursos, diziam frases do tipo "como eu não tenho só ele...", evidenciando dificuldades em realizar observações e intervenções diferenciadas pelo fato de terem que atender aos demais alunos. A baixa frequência desses comportamentos consiste em um aspecto negativo em termos do processo de inclusão escolar, tendo em vista que, de acordo com Lira (2004), o professor precisa traçar e reformular planejamentos individuais, além de adaptar recursos de ensino tradicionais e criar estratégias orientadas nas necessidades do educando. Para tanto, é preciso observar os comportamentos das crianças no sentido de apreender detalhes da criança que servirão como indicativos de sua zona de desenvolvimento, podendo, assim, ajudá-la em seu processo de aprendizagem.
De acordo com Silva (2010), aproveitar a atenção e a iniciativa de crianças com autismo para explorar determinados objetos e utilizar esta iniciativa como via para estabelecer e manter as trocas de ações com essas crianças pode ser uma alternativa frutífera para enriquecer o contato social delas com outras pessoas, tanto com adultos como também com outras crianças.
Nesse sentido, ao analisar as crianças autistas, observou-se que seus comportamentos de iniciativa foram dirigidos mais frequentemente às ações (129) do que às pessoas (23), e, em segundo lugar, em termos de frequência, foram observadas iniciativas dirigidas a objetos (70). Portanto, para que a criança autista participe mais ativamente das interações que permeiam a rotina escolar, é preciso que a professora antes de tudo observe, para assim adotar estratégias que favoreçam a interação social e, sobretudo, os comportamentos de iniciativa.
Ademais, Sanini et al. (2008) pontuam que a análise direcionada às condutas de iniciativa da criança autista apenas exacerba as diferenças em relação às demais crianças, devendo, portanto, considerar os comportamentos em termos de frequência e de respostas ao adulto. Destarte, os comportamentos de olhar objetos (149) ereposta adequada (108) revelam a participação da criança autista em termos interacionais, dado que suas ocorrências se dão a partir de comportamentos iniciados pela professora, sejam eles de mostrar objetos ou de solicitar que a criança realize algum comportamento relacionado à dinâmica que está sendo estabelecida no contexto escolar.
Em relação às respostas adequadas demonstradas pelas crianças autistas, é preciso considerá-las em termos de avaliação e intervenção, pois se concorda com Silva e Mulick (2009) ao enfatizarem a importância de identificar essas respostas, bem como de analisar em que contexto elas ocorrem e quais estímulos as antecedem, por exemplo. Posto isto, são obtidas informações acerca do funcionamento cognitivo e adaptativo da criança, aspectos essenciais para a formulação de um plano de intervenção individualizado.
As professoras observadas no presente estudo se utilizavam mais frequentemente de diretivos (132) nas verbalizações dirigidas às crianças autistas. Em relação ao uso de diretivos, não há consenso na literatura, pois, de acordo com Borges e Salomão (2003), o uso de diretivos tem sido alvo de debates e investigações quanto à sua função no desenvolvimento da linguagem infantil. Segundo Sigolo (2000), a diretividade pode ser uma variável que promove o desenvolvimento infantil, dependendo do significado que assume na relação, mas não deve ser a única dimensão determinadora da qualidade do estilo interativo.
Destaca-se que poucos foram os comportamentos de apontar/mostrar (20) objetos às crianças autistas. Este é um aspecto relevante em termos de desenvolvimento, de acordo com Baron-Cohen (2008), devendo ser trabalhadas com as crianças autistas, além das palavras e habilidades verbais, habilidades sociais como atenção compartilhada (apontando e observando o outro), em que a criança e o adulto estabelecem um foco de atenção em comum num objeto. Nessa direção, Nogueira e Seidl-de-Moura (2007) enfatizam que as crianças autistas, ao olharem objetos mostrados pelos adultos, demonstram pré-requisitos para o estabelecimento de uma atenção compartilhada.
Além desse aspecto, os comportamentos de apontar/mostrar objetos parecem ser mais ajustados às habilidades das crianças autistas, pois estas, conforme observado no presente estudo, interagem mais frequentemente a partir de comportamentos como iniciativa dirigida à ação e iniciativa dirigida a objetos, olhar pessoas e olhar objetos, resposta adequada e interação passiva, por exemplo. Nesse sentido, mais especificamente em termos de intervenção, Menezes e Perissinoto (2008) afirmam que, a partir da interferência de um interlocutor, sujeitos com autismo são capazes de modificar seus comportamentos positivamente, pois consideram que a habilidade de atenção compartilhada, apesar de estar severamente comprometida, não está totalmente ausente.
Nessa direção, destaca-se que o comportamento de olhar objetos (149) caracteriza a participação das crianças autista nas interações estabelecidas no contexto escolar, dado que olhavam os objetos manipulados durante as atividades propostas pelas professoras. Um resultado que se contrapõe à literatura refere-se às maiores frequências dos comportamentos de olhar pessoas (176) por parte das crianças autistas, quando comparadas às frequências de olhar objetos (149) e olhar ações (35). Contudo, cabe ressaltar que, das quatro crianças analisadas, há em comum entre as duas crianças que apresentaram as maiores frequências desse comportamento as pontuações na escala CARS um pouco mais baixas, evidenciando casos mais leves, e as idades um pouco mais elevadas, além de estarem recebendo atendimentos especializados há mais tempo. Esse dado também pode sugerir que os sintomas do autismo podem se tornar mais leves com as intervenções precoces.
Os dados supracitados corroboram as ideias de Nogueira (2009) ao afirmar que as crianças autistas, apesar de demonstrarem tendências a evitar contatos visuais com outros parceiros, demonstram ser possível o seu estabelecimento, mesmo que de forma breve. Nesse sentido, as crianças do presente estudo demonstraram comportamentos de olhar pessoas, muito embora, na maioria das vezes, por intervalos muito curtos, considerando em termos de segundos.
De maneira geral, as profissionais analisadas demonstraram maiores frequências de comportamentos de apoio físico (48). No que se refere a este comportamento, destaca-se a importância da sua utilização no processo de aprendizagem de crianças autistas. O estudo realizado por Silva (2010) evidenciou que aproximadamente 90% das mães se utilizaram da combinação de uma ação motora com uma verbalização para chamar atenção da criança autista para o objeto foco da troca interacional entre ambas.
Também cabe destacar a importância dos comportamentos de demonstração de afeto (20) por parte dos professores, tendo em vista que os comportamentos de apego das crianças com autismo caracterizaram-se muito mais pelas respostas às solicitações do que pela iniciativa (Sanini et al., 2008). Esses dados reforçam as ideias de que as características dos comportamentos das crianças autistas, mais especificamente a dificuldade no estabelecimento de interações sociais, não se equacionam à ausência destes comportamentos.
Sob uma perspectiva de intervenção desenvolvimentista, que parte de aspectos relacionados ao desenvolvimento típico de uma criança, destaca-se a importância dos comportamentos de modelo (4) e gesticular (19), no sentido de favorecer habilidades como imitação e compreensão de ações não verbais, por parte da criança autista, dado que essas são algumas das habilidades que antecedem o desenvolvimento linguístico.
No sentido de dar continuidade às ações iniciadas pela criança e de expressar quais os comportamentos delas esperados, ressalta-se a importância dos feedbacks. Nessa direção, Silva (2010) afirma que, quando a criança autista demonstra iniciativa em começar as trocas de ações, o adulto deve aproveitar essa iniciativa de maneira corregulada às ações da criança e dar continuidade a tais trocas, desenvolvendo uma atividade que envolva as ações da criança e suas ações. Autores como Menezes e Perissinoto (2008) arguem a importância do adulto, que aproveitará as pistas da criança para introduzir referências sobre o mundo, proporcionando a compreensão da intenção comunicativa e facilitando o compartilhamento da atenção.
Estes resultados reforçam a ideia de que os professores precisam ser mais bem instruídos quanto à utilização de estratégias referentes à comunicação tanto verbal quanto não verbal que favoreçam a aprendizagem das crianças autistas. No presente estudo, as professoras utilizavam poucos modelos, e menos ainda associados às dicas verbais, o que, de acordo com o estudo mencionado, poderia favorecer a aquisição da linguagem em crianças autistas, dependendo do seu nível de comprometimento.
É interessante notar que as crianças do presente estudo demonstraram frequências bem maiores de comportamentos que evidenciam diferentes tipos de participação nos contextos analisados, quando comparados a comportamentos como esquiva (36) ou isolamento (33). As crianças que demonstraram maiores frequências desses comportamentos foram aquelas que estavam há menos tempo na escola e nas intervenções terapêuticas.
Notou-se, a partir de comportamentos como interação passiva (65), que as crianças analisadas demonstraram estar bem adaptadas ao contexto escolar. É interessante notar que elas demonstravam suas características interacionais a partir de outros comportamentos associados à interação passiva, em que, embora não demonstrassem iniciativas ou respostas adequadas, dirigiam olhares e não se esquivavam das situações propostas. Nesse sentido, cabe ao professor que lida diariamente com a criança verificar o que ela demonstra quando está junto às demais crianças: se as crianças, por vezes, olham, perceber para onde olham; se iniciam comportamentos, verificar a que são dirigidos; ou, se sorriem, observar a partir de qual estímulo, por exemplo.
Por último, em relação aos comportamentos das crianças autistas, foram observados poucos comportamentos decarinho. Esse dado pode ser questionado a partir dos próprios relatos dos pais/mães e professores, que caracterizaram tais crianças como sendo carinhosas, a partir de suas vivências com elas. O mesmo ocorre em relação aos comportamentos de imitação, que praticamente não foram apresentados nas filmagens, mas nos relatos dos pais/mães e professores aparecem claramente.
Também foram pouco frequentes os comportamentos das demais crianças dirigidos às crianças autistas, que, de igual forma, a partir dos relatos dos pais/mães e professores, são frequentes as interações iniciadas por essas crianças, independentemente das mediações da professora, além de muitos comportamentos de carinho.
Ao considerar os dados supracitados, entende-se que, de certa maneira, a presença de um pesquisador pode influenciar os comportamentos dos participantes do estudo. Assim, mesmo estabelecendo como critério a transcrição dos dados após cinco minutos, tempo comumente utilizado em estudos dessa natureza para que os participantes se habituem à presença do pesquisador, destaca-se a importância de realizar um número maior de observações, inclusive em diferentes períodos, como um mês após a entrada na escola, seis meses e nove meses após a entrada dessas crianças na escola, por exemplo.
Nessa direção, destaca-se a abrangência de fatores que envolvem as ações humanas, bem como as várias habilidades imbricadas nesse processo, sobretudo, por tratar do espectro autista em face da variabilidade na manifestação dos sintomas nas diferentes fases da vida das pessoas autistas. Ademais, é preciso entender a influência de inúmeros fatores na interação social dessas crianças, no que diz respeito ao tipo de contexto em que a interação ocorre, à participação do outro (seja adulto ou criança) e ao nível global de desenvolvimento de cada criança - características da síndrome, peculiaridades do desenvolvimento, QI, nível linguístico e simbólico, temperamento e gravidade dos sintomas (NAPOLI; BOSA, 2005; RIVIÈRE, 2006; SILVA; MULICK, 2009).
Conhecer os comportamentos da criança autista, bem como suas frequências e em que contextos ocorrem, é de grande relevância para as práticas dos professores no cotidiano escolar. Concorda-se com Orrú (2007) quanto à importância da sensibilidade e perseverança do educador, no sentido de procurar compreender quais são e como se dão as competências dessas crianças, que precisarão ser sustentadas na relação com elas. Conforme a autora, não perceber tais aspectos implica a diminuição das oportunidades de estabelecer e desenvolver a comunicação com seus alunos, levando-os a um isolamento ainda maior.
Mesmo com um número reduzido de crianças, foi possível observar que a maioria das crianças autistas, quanto mais livres fossem, mais dificuldades apresentavam em engajar-se nas situações sociais, devido às peculiaridades na comunicação e na interação social que minimizam os comportamentos de iniciativa. Os dados desta pesquisa reforçam a importância do professor no desenvolvimento de uma criança autista. Somando-se a isto, este estudo oferece possibilidades de compreender os comportamentos de uma criança com autismo considerando suas características, seu grau de comprometimento e, sobretudo, o tempo de escolarização e intervenções terapêuticas.
4 CONCLUSÕES
Destaca-se a importância de se analisar as interações sociais nos contextos escolares, verificando a participação das crianças autistas e considerando a mediação das professoras e das demais crianças. Compreender que os comportamentos das crianças com espectro autista podem ser influenciados considerando os contextos interativos, a mediação do adulto e, sobretudo, as particularidades de cada criança é fundamental no desenvolvimento de estudos nesta área.
Além desses aspectos, sugere-se a realização de estudos que considerem os comportamentos interacionais das crianças com autismo em termos de tempo de duração e não apenas de frequência, considerando que a baixa ocorrência não equivale à ausência desses comportamentos, mesmo porque muitos desses comportamentos ocorrem de forma breve, como o olhar, por exemplo.
Em relação à aplicabilidade dos resultados do presente estudo, em termos de intervenção, evidencia-se que as estratégias adotadas pelas professoras são, na maioria das vezes, baseadas na intuição, com pouco respaldo teórico e pouca orientação de profissionais capacitados. Nesse contexto, destaca-se o papel do psicólogo enquanto agente de mudanças no processo de inclusão escolar e, considerando o impacto positivo que as intervenções propostas pelo psicólogo podem exercer no processo de inclusão escolar, sugere-se a realização de pesquisas envolvendo esses profissionais, analisando suas práticas na área de inclusão escolar, bem como suas concepções. Nesse sentido, destaca-se a importância de um número maior de estudos que possam subsidiar orientações a pais e profissionais, principalmente no que se refere à inclusão escolar de crianças autistas.
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Recebido em: 30/04/2013
Reformulado em: 15/11/2013
Aprovado em: 02/02/2013
Reformulado em: 15/11/2013
Aprovado em: 02/02/2013
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