O autor aponta os defeitos do mau redator jurídico. Em seguida, apresenta algumas recomendações que deveriam ser seguidas por todos os profissionais do Direito que pretendem escrever bem.
Recentemente, uma colega de profissão adentrou o gabinete onde trabalho, a pedir-me que avaliasse um voto que ela redigira. O voto havia sido qualificado de "fraco" pela Desembargadora que ela assessora. Então a colega decidiu pedir a opinião de um analista externo, alguém em quem ela tivesse confiança intelectual, e foi ter comigo.
Li o voto. Com muita sinceridade, avaliei-o e disse à minha interlocutora que não o considerava "fraco". Antes o contrário: julguei-o excelente, pois primava pela objetividade, a valer-se duma linguagem jurídica clara, direta, didática até. Então ela me mostrou o voto de uma assessora que a Desembargadora tem em "alta conta". Achei o voto horrível. Mal escrito, estava cheio de jargões técnicos desnecessários, expressões de latim jurídico pinçadas ao léu (algumas escritas com a ortografia errada), com dezenas de ementas de julgados repetidos à exaustão (quando bastaria trazer uma ou duas ementas recentes para provar a atualidade da tese). O voto continha ainda as brejeirices típicas do mau escritor jurídico (existe algo mais patético que se referir às ideias de alguém, adjetivando o autor como "saudoso", "festejado", "amado mestre", "Sua Excelência que tanta falta nos faz"? Direito é ciência ou é poesia laudatória do pior quilate?). Isso sem falar nas citações doutrinárias em profusão, que mais confundiam que ajudavam, enxertadas no texto gratuitamente para demonstrar "erudição".
Diante disso, apresentei minha conclusão à colega: o problema não estava com ela, mas com a Desembargadora. Ela estava a lidar com uma operadora do Direito de pensamento mumificado, que tem uma visão anacrônica acerca da qualidade de um trabalho jurídico. Para pessoas com esse perfil ultrapassado, a atividade forense é como trabalhar em um "açougue das palavras": quanto mais o redator fica enchendo linguiça, tanto melhor é o seu trabalho. Portanto, a meu sentir, estava clara a preferência da Desembargadora pelo voto prolixo, de discurso longo, denotativo de um "juridiquês" reprovável. Trata-se de postura que, bem lá no fundo, só quer disfarçar o vazio intelectual de quem, pela falta de ideias, precisa ficar enrolando ao escrever. Numa palavra: quer-se vencer o leitor pelo cansaço mental, submetendo-o ao esforço excruciante de atravessar aquele "mar de lama" em que termina por converter-se a redação jurídica.
Infelizmente, profissionais que pensam como a Desembargadora citada, isto é, que confundem "qualidade" com "quantidade", ainda são muito comuns na vida forense. São pessoas de perfil conservador, que creem que um voto de trinta laudas, quando seria suficiente escrever apenas cinco, revela "esmero" do redator. Há também o potencial estelionato intelectual diante do leigo, que, ao ver uma petição imensa (ou um voto imenso, como no exemplo da minha colega), deixa-se impressionar diante da extensão do escrito. Mal ele sabe que, espremidas aquelas peças volumosas, salvar-se-ia tão só uma dúzia de páginas de conteúdo verdadeiramente importante para a resolução da lide.
Em sentido contrário, creio que a prolixidade daqueles que atuam na área jurídica revela - isto sim - a incompetência de quem é incapaz de perceber que a era dos anacronismos, do rebuscamento exagerado, das petições em formato de livros ficou para trás. Hoje o que o Judiciário deve buscar é a eficiência na entrega do bem da vida, garantindo-se a razoável duração do processo. E ser eficiente, em tempo razoável, passa também pelo esforço em escrever de forma clara, direta, objetiva, sobretudo quando as estatísticas comprovam que a intensa judicialização de demandas assoberbou o Poder Judiciário, o que tem forçado muitos juízes a proferirem dezenas de sentenças por dia.
Logicamente, nada impede que algumas manifestações nos autos exijam um empenho maior e mais cuidadoso, sobretudo quando se trata de exposição de tese inovadora à luz da jurisprudência. Mas esses deveriam ser casos excepcionais, e não a regra de atuação no sistema, cujos operadores - de modo incompreensível! - parecem envaidecer-se diante daquilo que deveria ser considerado um defeito do mau escritor, isto é, a prolixidade vazia que só quer "encher linguiça" gratuitamente.
Sendo assim, deixo a proposta ao leitor: da próxima vez que for redigir qualquer manifestação nos autos de um processo (petições, sentenças, recursos, etc.), lembre-se de que a objetividade do redator jurídico só traz benefícios, pois é muito mais fácil alguém se interessar pela leitura de um texto simples, escrito de maneira clara e objetiva, a um texto longo e repetitivo. É bom para o juiz, que assim decide mais rápido; é bom para a parte, que assim compreende o conteúdo do decidido; é bom até para o meio ambiente, pois se economiza papel.
Quanto à Desembargadora do meu exemplo, bem, dada a sua visão mumificada e conservadora da vida jurídica, tão envelhecida que parece exalar o odor forte da naftalina dos séculos, talvez seja a hora de cogitar seriamente a aposentadoria...
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