quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Limites e possibilidades à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos no Brasil



A aplicação das Normas Consumeristas, em se tratando de serviços públicos, haverá de observar contornos específicos, próprios, sem que se olvide que a lógica dos serviços públicos difere da lógica de mercado – lógica onde, por excelência, incide o campo de proteção do Código de Defesa do Consumidor.


Em 1990 veio a lume a lei 8.078/1990, instituindo as normas de defesa do consumidor, reconhecendo esse diploma que o mesmo é vulnerável e que não poderia ficar à mercê das regras usuais de mercado. Tal marco representou a resposta mais incisiva do legislador no que se refere à concretização do previsto no art. 5°, inciso XXXII, da Constituição Federal, segundo o qual o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
INTRODUÇÃO

No entanto, desde o início de vigência deste diploma, há certa controvérsia quanto à sua aplicabilidade aos serviços públicos.
Como se abordará no decorrer do trabalho que se segue, os serviços públicos possuem como nota primordial a essencialidade, na acepção de que os indivíduos, independentemente de suas condições pessoais, devem usufruir dos mesmos. A prestação dos serviços caracterizados como públicos não se passa do mesmo modo quanto aos serviços decorrentes de atividades econômicas em sentido restrito.
Daí porque a cautela diante da análise da aplicabilidade do Código a serviços tão essenciais à população. Disso decorre a importância de estabelecer-se um critério para que seja possível a incidência do Codex Consumerista nas relações envolvendo a prestação de serviços caracterizados como públicos.

1 - FUNÇÃO ADMINISTRATIVA PRESTACIONAL.

 

1.1. DISTINÇÃO ENTRE SERVIÇOS PÚBLICOS E ATIVIDADE ECONÔMICA EM SENTIDO RESTRITO.

Dentre as atividades prestacionais a cargo da Administração Pública, diferenciam-se o serviço público e a exploração direta de atividade econômica em sentido próprio pelo Estado.
Essa diferenciação entre serviço público e atividade econômica em sentido restrito se fundamenta na Constituição Federal. Trata-se de duas formas de intervenção direta do Estado na Ordem Econômica.  Pode-se afirmar que as duas atividades são espécies do gênero “atividade econômica em sentido amplo”.  Por conseqüência, tanto serviço público como a atividade econômica em sentido restrito são manifestações de cunho econômico, na acepção de que diz respeito à organização de recursos escassos para a satisfação de necessidades. Convém agora distinguir essas duas espécies. [1]
 A Constituição consagrou a Livre Iniciativa e a Propriedade Privada (art.170), o que representa a escolha por uma economia de mercado de natureza capitalista[2]. Assim, a assunção de atividades de exploração econômica em sentido próprio (ou seja, de forma direta) pelo Estado somente poderá acontecer de forma excepcional. Este é o teor do art.173 da Constituição, que afirma, ao ressalvar os casos previstos na própria Carta Magna (que consistem, basicamente, na previsão de seu art.25, §2° e os casos de monopólio da União previstos no art.177), que esse tipo de atividade só poderá acontecer por imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, definidos em lei. Mais ainda, preocupou-se a Constituição em assegurar o regime da Livre Concorrência ao estatuir que tanto as empresas públicas como as sociedades de economia mista, que explorem atividade econômica em sentido restrito, “não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado” (art.173,§2°).
Enfim, o Estado não está livre para agir como agente explorador de atividade em concorrência com os particulares. Trata-se da consagração da excepcionalidade da exploração direta de atividade econômica pelo Estado, que somente poderá ocorrer quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou em caso de relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art.173).
Por outro lado, e é bom que se ressalte, a livre iniciativa não pode representar o abuso de mercado. É dizer, a livre iniciativa e a liberdade de mercado não são absolutas e irrestritas[3]. No caput do art.170, o constituinte deixou claro a opção de que a ordem econômica tem por fim “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Além disso, “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (174, §4° da CF).

É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial  a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só   intervirá na economia em situações excepcionais. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia  diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano  de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos  seus artigos 1º, 3º e 170. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa,  mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da ‘iniciativa do Estado’; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa(...)
[4] (Grifado).Aliás, colhendo-se jurisprudência recente do STF, parece estar sedimentado o entendimento segundo o qual:
Em outros termos, segundo o entendimento esposado pelo STF, a intervenção do Estado na economia dá-se de forma ativa, sempre que necessário aos fins constitucionais.
     Observe-se que isso não contradiz o anteriormente afirmado, ou seja, a excepcionalidade da exploração direta de atividade econômica pelo Estado. A afirmativa do Supremo Tribunal acerca da não excepcionalidade de intervenção estatal na economia, por óbvio, leva em conta que o Estado não apenas intervém de forma direta, mas também indiretamente, nos termos, é bem de ver, do art.174 da CF.
Agora, no que diz respeito às atividades prestacionais caracterizadas como serviços públicos, há para elas a exclusão dos princípios informadores que regem as atividades econômicas em geral, quais sejam a livre iniciativa e a livre concorrência[5]. A titularidade de tais serviços seria, em princípio, de incumbência do Estado. Um aspecto marcante para caracterização da atividade como serviço público é sua essencialidade.
Pela importância do regime caracterizador do serviço público no estudo proposto, far-se-á sua análise com mais vagar.

1.2 – OS SERVIÇOS PÚBLICOS

 

1.2.1 NOTAS INICIAIS

Ressalte-se, inicialmente, que o conceito de serviço público, no Brasil, é fortemente influenciado pela noção francesa sobre o tema. Neste último país, tradicionalmente, serviço público é noção ampla, que alberga inúmeras atividades estatais.
No Brasil, emprega-se o termo de forma mais restrita, geralmente sob o enfoque constitucional dado à matéria. É bem de ver, de outra banda, que os países da Common Law desconhecem a figura. Como informa ALMIRO DO COUTO E SILVA – referindo-se especificamente aos EUA[6]: “Nos Estados Unidos inexiste o conceito de serviço público e praticamente toda a atividade econômica é deixada ao setor privado, sendo pouquíssimos os casos em que o Estado dela se desincumbi.” [7]
Ressalte-se, a mais, que a defesa do consumidor ganha importância nas economias de mercado. O fundamento e origem de defesa do consumidor reportam-se aos países da commom Law, que, como afirmado, desconhecem o instituto do serviço público[8].
Portanto, é necessário fazer-se essa incursão sobre as características (atuais) do serviço público no Brasil, e, de outra parte, analisar-se seu ponto de contato com a filosofia da proteção ao consumidor.           

1.2.2 SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL. DELIMITAÇÃO.

Tal como já afirmado, um aspecto marcante da atividade caracterizada como serviço público diz respeito à sua essencialidade. Justamente por isso, tais atividades não poderiam ficar sujeitas às regras usuais de mercado.
Resta responder o questionamento sobre qual seria essa essencialidade apta a marcar a atividade e a qualificá-la como serviço público. Pode-se aduzir a existência de duas correntes.

1.2.2.1 SERVIÇOS PÚBLICOS POR INERÊNCIA CONSTITUCIONAL E LEGISLATIVA.

Segundo comumente se sustenta, a própria Constituição teria selecionada certas atividades como inerentemente serviços públicos. É o caso, por exemplo, do serviço postal e do correio aéreo nacional, atividades previstas no inciso X, art.21 da Lei Maior; os casos previstos no art.21, XI e XII. Além dos serviços de educação, saúde, previdência e assistência social.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, por exemplo, expõe as seguintes hipóteses de tratamento quanto aos serviços públicos derivados da constituição: a) serviços de prestação obrigatória e exclusiva do Estado: seria o caso do art.21, X - serviço postal e correio aéreo nacional[9]b) serviços de prestação obrigatória do Estado e em que é também obrigatória outorgar em concessão a terceiros: cita os serviços de radiofusão sonora ou de sons e imagens (art.203); c) serviços de prestação obrigatória pelo Estado, mas sem exclusividade: são os serviços de educação, saúde, previdência social, assistência social e também os de radiofusão sonora e de sons e imagens; d) serviços de prestação não obrigatória pelo Estado, mas não os prestando é obrigado a promover-lhes a prestação, tendo, pois que outorgá-los em concessão ou permissão a terceiros: nessa rubrica enquadram-se os demais serviços, em especial os arrolados no art.21, XI e XII.
As hipóteses previstas na constituição, obviamente, não são taxativas, lembrando o autor ainda que o Poder Legislativo pode erigir ou não em serviço público determinada atividade, desde que respeitadas as balizas constitucionais.[10]
Para DINORA ADELAIDE MUSETTI GROTTI a “definição constitucional de determinada atividade como serviço público afasta qualquer dúvida que se pudesse opor à sua caracterização com tal.”.[11]
Também nessa diretriz, afirma JOSÉ AFONSO DA SILVA:
O serviço público é, por natureza, estatal. Tem como titular uma entidade pública. Por conseguinte, fica sempre sob o regime jurídico de direito público. O que, portanto, se tem que destacar aqui e agora é que não cabe titularidade privada nem mesmo sobre os serviços públicos de conteúdo econômico, como são, por exemplo, aqueles referidos no art.21, XI e XII (...)[12]
Por derradeiro, essa orientação também parece ser seguida HELY LOPES MEIRELLES[13] e MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO.[14]
Trata-se nessa corrente de privilegiar o enfoque formal da atividade como apta a caracterizá-la como serviço público.
 

1.2.2.2 SERVIÇOS PÚBLICOS SEGUNDO A NATUREZA DA ATIVIDADE.

Segundo essa corrente, a importância para a qualificação de determinada atividade prestacional como serviço público diz respeito à sua natureza.
MARÇAL JUSTEN FILHO, por exemplo, leva em consideração a referibilidade da atividade em relação à satisfação dos direitos fundamentais. Segundo essa tese não se qualificaria automaticamente como serviço público as hipóteses previstas na Constituição.
Assim, as atividades do art.21 seriam qualificadas (legislativamente) como serviços públicos acaso outros requisitos fossem preenchidos; portanto, não seriam, por inerência, serviços públicos. Esse entendimento leva em conta inclusive o tratamento dado a atividades de grande relevância, que são a assistência à saúde, à previdência e à educação: hipóteses em que a própria constituição reconhece autonomia aos particulares para o desenvolvimento dessas tarefas.
Trata-se de visualizar o tema sob o enfoque material.
Enfim, para esse autor:
o serviço público surge como instrumento para promover a satisfação de necessidades relacionadas direta e imediatamente com os direitos fundamentais quando o funcionamento normal e espontâneo da livre iniciativa for incapaz de promover essa solução.[15]
Então, pode-se concluir, a transformação de certa atividade econômica em serviço público só ocorreria se os mecanismos da livre iniciativa não se mostrassem capazes de satisfazer adequadamente os direitos fundamentais.

 

1.2.3 O REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS. OS PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO.

     Incidem, obviamente, os postulados do regime jurídico administrativo aos serviços públicos. É dizer, aplicam-se os princípios e regras que marcam o direito administrativo e lhe dão identidade.
     Para CELSO A. B. DE MELLO, tal regime jurídico trata da consagração normativa da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.[16]
     Isso explica porque pode o Estado intervir na empresa concessionária a fim de assegurar a adequada prestação do serviço; também explica o controle das tarifas cobradas dos usuários pela prestação do serviço; a vedação, em certos casos, da interrupção de tais serviços etc...[17]
     Convém mencionar o que previu o art.6, §1° da Lei 8.987/95 (Lei das concessões e permissões, que adiante analisar-se-á): “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia em sua prestação e modicidade das tarifas.”.   
Com efeito, como afirmado, o serviço público caracteriza-se por sua essencialidade. Por tal razão sua prestação exige constância, continuidade. Por outro lado, a incidência do regime jurídico administrativo faz com que sua prestação seja mutável, tudo visando a melhor prestação possível. Ademais, o serviço há de ser genérico, abranger o maior número possível de sujeitos e garantindo-lhes o devido acesso, mediante tarifas módicas.
Exsurge, pois, reconhecer ao serviço público uma nota essencial, que é a solidariedade. Há o reconhecimento de que o maior número possível de pessoas devem ter acesso a tais serviços essenciais[18], independentemente de sua condição pessoal; o atendimento da necessidades básicas das pessoas deve ser garantido.
Ademais disso, o reconhecimento da solidariedade exclui noções individualistas, o que aconteceria acaso cada usuário individualmente buscasse o máximo benefício para si, em detrimento dos demais utentes.

1.2.4 FORMA INDIRETA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS: A CONCESSÃO E PERMISSÃO. LEI 8.987/1995.

     Imperioso agora analisar-se a disciplina legal dada às concessões e permissões de serviços públicos pela Lei 8.987/95. É sob a forma de prestação indireta de serviços públicos que o tema da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ganha maior relevância.
     Com efeito, nas palavras de JACQUES AMAR, citado pelo professor ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO:
a infiltração de uma lógica de mercado faz com que as  prestações dos serviços públicos também sejam analisadas à luz das expectativas dos usuários. Conseqüentemente, o surgimento de uma lógica de mercado (logique d échange) altera integralmente a lógica solidária (logique de non) próprio do serviço publico e o poder que era invocado como necessário para  alcançar o interesse público (...) Sob essa perspectiva, a aplicação dos Direito do Consumidor aos serviços públicos é indissociável dos debates contemporâneos sobre a posição e o papel do Estado na Economia, já que ela introduz a lógica de mercado onde outrora havia unicamente a lógica solidária[19]
     Como se sabe, o art.175 da CF prevê que a prestação de serviços públicos pode acontecer de forma direta ou indireta, nesse último caso a delegação faz-se por meio de concessão e permissão de serviço público. [20]
O art.2° da referida Lei de Concessões dispõe no seu inciso II que, por concessão de serviços públicos, deve-se entender:
a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consorcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.[21]
Como se vê, a prestação de serviços, nos casos de delegação, é feita por particular “por sua conta e risco”, como diz a lei. Ademais, o particular obtém sua remuneração por tarifa ou preço público, tendo ainda a garantia da intangibilidade da equação econômico-financeiro[22]. Enfim, a assunção de atividades delegadas pelo poder público ao particular acontece para que o mesmo a faça de forma empresarial. Assim, forçosa é a conclusão que o móvel principal do concessionário será o lucro obtido com a exploração da atividade, e não, em primeiro plano, o atendimento ao usuário em conformidade com os princípios informadores do serviço público – pelo menos essa tem sido a realidade prática em nosso país.
Por derradeiro, é preciso que se frise a existência de uma relação tríplice em se tratando de concessões de serviços a particulares, é dizer, trata-se de relação que envolve o Estado (poder concedente), o concessionário e o usuário. Mas a função e poderes de cada qual não são uníssonas. Ao revés, reconhece-se a existência de uma relação estatutária entre o primeiro e o segundo, e, entre este e o terceiro, a relação é marcadamente contratual, de natureza privada ou negocial. [23]
 

1.2.4.1 A FIGURA DO USUÁRIO (USUÁRIO VS CONSUMIDOR)

Questiona-se se a expressão usuário (do serviço público) é sinônima de consumidor (do serviço público).
Segundo entendimento que se adota, nem sempre as expressões coincidem. O usuário poderá ser enquadrado como consumidor ou não, a depender do caso. Sob tal ponto de vista, existiria a figura do usuário e a do usuário-consumidor, que podem ser perfeitamente distinguidas. Essa distinção decorre da própria previsão constitucional. Segundo o acima transcrito art.175, prevê-se em seu parágrafo único que a lei disporá sobre os direitos dos usuários. O art.27 da Emenda Constitucional n° 19 de 1998 estabeleceu que o Congresso Nacional deveria promulgar, dentro de 120 dias, “a lei de defesa do usuário de serviços públicos”, o que, acrescente-se, ainda não ocorreu. Tudo isso claramente demonstra a inviabilidade da aplicação irrestrita e direta da disciplina da Lei 8.078 – o CDC, que é de 1990, portanto, anterior a tais previsões normativas.
Mas o ponto não é despido de controvérsia. Há quem não faça distinção entre as figuras. Para João Batista de Almeida, por exemplo, o que a Constituição prevê é a edição “de legislação complementar que disporá sobre direitos dos usuários dos serviços (CF, art.175 parágrafo único, II)”. Ou seja, ao que parece, para esse autor, a eventual legislação acerca dos direitos dos usuários ocorrerá sem prejuízo do sistema de proteção do código do consumidor.
Ademais, a própria legislação não parece oferecer critério seguro, bastando demonstrar, por exemplo, que a Lei 9.427/96 – que trata do regime de concessões de serviços públicos de energia elétrica -, ao estabelecer o que se compreende dentro do regime econômico - financeiro da concessão de serviços de energia, previu: “a contraprestação pela execução do serviço, paga pelo consumidor final com tarifas baseadas no serviço pelo preço, nos termos da Lei 8.987/95” (art.14, I – grifado). Observe-se que o artigo faz clara alusão a consumidor final e não a usuário.[24]
Retornando-se à análise da figura do usuário, convém afirmar que a lei 8.987/95 conferiu posição especial ao mesmo. Talvez ele seja a figura mais importante no sistema das concessões. O capítulo III da Lei de Concessões, sob o título “Dos Direitos e Obrigações Dos Usuários”, prevê as seguintes normas:
Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:  I - receber serviço adequado;        II - receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou     coletivos;         III - obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha, observadas as normas do poder  concedente;        III - obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores  de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente.          IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço  prestado;        V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária  na prestação do serviço;        VI - contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.
 Art. 7º-A. As concessionárias de serviços públicos, de direito público e privado, nos Estados e no Distrito Federal, são obrigadas a oferecer ao consumidor e ao usuário, dentro do mês de vencimento, o mínimo de  seis datas opcionais para escolherem os dias de vencimento de seus débitos.” (destacado)
Como se vê, o transcrito art.7° dispõe acerca de alguns direitos e obrigações do usuário de serviço público, ressaltando expressamente a não exclusão da disciplina prevista pela lei 8.078/90 (CDC). Já o art.7°-A faz questão de frisar as duas expressões: consumidor e usuário, ao invés de empregá-las como sinônimas.

1.2.5 SERVIÇOS PÚBLICOS UTI UNIVERSI E UTI SINGULI. A QUESTÃO DA REMUNERAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS.

     É comum a classificação entre serviços públicos uti singuli, que são prestados de maneira divisível e individualmente mensurável  relativamente aos seus destinatários, e os serviços públicos uti universi, que alcançam a coletividade como um todo, de maneira indivisível.[25]
     Essa classificação possui utilidade já que o primeiro pode ser remunerado por taxa, e o segundo não. Isso porque, segundo o art.145, II da CF, as taxas podem ser instituídas pela “instituição, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Já os serviços com destinatários indeterminados e indivisíveis são usualmente financiados por impostos.[26]
     Ressalte-se que a presente orientação constitui-se em jurisprudência firme do Supremo Tribunal Federal (STF). A propósito de diversas tentativas de municipalidades instituírem taxas para o custeio de serviço de iluminação pública (serviço esse que não é divisível e específico), decidiu a Suprema Corte, pela súmula 670, que: “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.”.[27]
     Portanto, entende-se que só poderia haver concessão de serviços públicos cuja remuneração fosse viabilizada como decorrência da exploração da atividade pelo empresário - o que excluiria os serviços sem destinatários específicos, (ou seja, os uti universi) do campo dos serviços passíveis de concessão.[28]
     A maior dificuldade, porém, reside em apartar as figuras da taxa e do preço público.
 

1.2.5.1 TAXAS VS PREÇOS PÚBLICOS (OU TARIFA)

Segundo entendimento que se afigura correto, o que distingue uma figura da outra é a diferenciação de seus regimes jurídicos.
Para a taxa o regime é de direito público; por ser tributo, há compulsoriedade, e, ademais disso, incidem os postulados que marcam o regime dos tributos, como a legalidade estrita (art.150,I, da CF) e a anterioridade (150, III, CF). Já o preço público, é receita originária, não se configurando como tributo, o que afasta a incidência dos princípios que marcam as limitações do poder de tributar; ademais, esse regime parece ser o que mais se amolda com a exploração de serviços por particulares, que devem ter por garantia a intangibilidade da equação econômico- financeira. [29] O regime estrito do direito tributário seria incompatível com a dinâmica da exploração empresarial pelo particular (que acontece, como diz a lei, “por sua conta e risco”).[30]
 Mas ainda há dificuldades de delimitação de uma e outra figura. O STF, por exemplo, já decidiu pela aplicação do regime de tarifa em serviço compulsório. O precedente referia-se ao fornecimento de água tratada.[31]
     A exposição feita até aqui, no que concerne a remuneração dos serviços públicos, servirá de base para as considerações que serão adiante tratadas   quando da caracterização da relação de consumo. Com efeito, para os fins do Código do Consumidor, prestação de serviço, a cargo do fornecedor, “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (art.3, §2° - grifado).

2 – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC) E OS SERVIÇOS PÚBLICOS

 

2. 1. ABRANGÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O fundamento da proteção ao consumidor decorre de exigência constitucional. Assim, prevê o art.5, inc. XXXII, que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. É bem de ver que essa proteção configura-se como direito fundamental. Já no art.170 aduz-se à “defesa do consumidor” como principio basilar da atividade econômica.
É, pois, o código do consumidor, lei com importante função: é instrumento de tutela dos direitos fundamentais e é alicerce, base, estrutura, que molda e caracteriza as atividades de mercado. Visou o código a funcionalizar, a socializar as relações de mercado, de maneira a vedar comportamentos puramente individualísticos em detrimento da massa de consumidores.
É o reconhecimento de que tais relações também são meios de realização do projeto constitucional.[32]
Portanto, as relações de mercado não podem se desvencilhar da noção de que o consumidor possui uma gama ampla de direitos que precisam ser observados. Em outras palavras, pela funcionalização, o próprio fundamento das relações de mercado é baseado na garantia à tutela do consumidor – o que estiver fora daí sequer pode ser considerado como tal.[33]
Por isso, que o Código de Defesa possui aplicação abrangente, ampla; onde houver relação de consumo, haverá incidência de suas normas.[34]
 

2. 2. INTEGRANTES DA RELAÇÃO DE CONSUMO

Não é qualquer relação jurídica que se qualifica como de consumo para fins de incidência do Código de Proteção ao Consumidor. Exige a lei, por exemplo que o sujeito que se utiliza do produto ou serviço seja destinatário final. A previsão normativa de que seja o consumidor destinatário final excluiriam de tal conceito aqueles que se utilizassem de bens e serviços como insumo para outras atividades, o que comumente ocorre com as pessoas jurídicas, máxime as empresas.
Deveras, a lei 8.078/90 estabelece e conceitua o que se deve entender por consumidorfornecedor e serviços. Segundo art. 2 da digitada lei, considera-se consumidor “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”[35]. Em seu art. 3°, há o conceito de fornecedor, considerado como tal: “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de (...) prestação de serviços” (grifado). Já o § 2° do artigo define serviço como:
qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

2.2.1 – O consumidor[36]

É o consumidor figura central de preocupação do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Reconheceu o legislador que o mesmo é vulnerável frente às práticas do mercado de consumo. Ademais, foi incumbido o Estado da criação e do desenvolvimento de uma Política Nacional de Relações de Consumo apta a garantir à figura mais fraca da relação consumerista a efetiva proteção à sua dignidade, saúde, segurança e melhoria da qualidade de vida.
Resta, agora, entender quem é essa figura estelar, que tanto se preocupou o Código.
Com efeito, a conceituação normativa de consumidor, por demasiada ampla, deixou a cargo da jurisprudência e doutrina a sua limitação.
 Na doutrina, digladiam-se a corrente finalista e a maximalista.
Para os chamados maximalistas, o art.2° do CDC deve ser interpretado de maneira ampla, de modo que seria consumidor o destinatário fático do produto. Assim, bastaria a retirada do bem do mercado de consumo (independentemente de se utilizar-se do mesmo como insumo em outra atividade produtiva), que haveria relação de consumo. [37]
No entanto prevaleca a corrente dita finalista. Para ela, consumidor é o destinatário final e econômico do produto ou serviço, o qual faz uso para atender necessidade própria e não os utilizando para outra atividade empresarial. Bem expõe CLÁUDIA LIMA MARQUES que subtrai-se do conceito de consumidor, via de regra, a figura do profissional, já que:
destinatário final é o Endverbrauchen, o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático) e não que  utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é  consumidor final, ele está transformando o bem, utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao cliente, seu consumidor[38]
Na opinião da autora, haveria contrato de consumo entre o fornecedor e o consumidor profissional quando o contrato em questão não visar ao lucro, não visar a sua atividade profissional.
Sobre o tema, JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO afirma que :
o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquirir bens ou então a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que  assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento  de uma outra atividade negocial.[39]
É de se ressaltar que a posição atual do Superior Tribunal de Justiça é pela tese finalista. No entanto, com um ponto peculiar: a de fazer incluir a proteção do Código para os casos em que se configurar, in concreto, o traço da vulnerabilidade da pessoa jurídica (mesmo que ela se utilize dos bens/serviços como insumo para suas atividades profissionais).[40]

2.2.2 O Estado como fornecedor de serviços?

Vista brevemente a figura do consumidor, parte-se de imediato ao questionamento acerca da possibilidade de o Estado figurar-se como fornecedor de serviços.
O art.3° do Código do Consumidor inclui no conceito de fornecedor a “pessoa física ou jurídica, publica ou privada”. Outrossim, um dos direito básicos do consumidor, consoante dicção do art.6° do Código, inciso X, consiste na “adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”. Ademais, o art. 22°, também do mesmo diploma legal, estatui:
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são  obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Tudo a demonstrar pela possibilidade efetiva de o Estado, por si, por meio de suas empresas que explorem atividade econômica ou por quem lhes faça as vezes – como é o caso dos concessionários de serviços públicos -, ser enquadrado como fornecedor de serviços para fins do Código Consumerista (CDC).
A questão que se deve pôr, no entanto, diz respeito à remuneração de tais serviços para fins de enquadramento ou não da relação de consumo. Com efeito, “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração (...)” - §2° do art.3° do Diploma (grifado).
E esse é um dos pontos que parece residir um critério chave da possibilidade ou não de inclusão das normas do Codex do Consumidor aos serviços públicos.

 2.3 A QUESTÃO DA REMUNERAÇÃO E A FORMA DE PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS: LIMITES E POSSIBILIDADES À APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC) AOS SERVIÇOS PÚBLICOS.

 

2.3.1 prestação de serviços por particulares e as tarifas.

 

Como acima visto, há a possibilidade de os serviços públicos serem prestados por particulares. A exploração empresarial de tais atividades possibilitou o surgimento da delegação de serviços públicos aos particulares. Assim, ao empresário é deferida a prestação de tais serviços que, em contrapartida, terá direito a remunerar-se através das tarifas ou preços públicos.
Parece, portanto, nesse caso - particulares atuando na prestação -, que: (i) somente a exploração da atividade de forma empresarial é que possibilita a incidência do CDC aos serviços públicos; além do mais, faz-se imperiosa também (ii) a presença do regime remuneratório via tarifa ou preço público.
Se ao particular explorador é dada a possibilidade de lucrar com a atividade de exploração, de outra banda, ao usuário deve ser garantido seus direitos de consumidor. Isso deve se passar para que se equilibrem as forças dos interesses antagônicos entre ambos. Nem se argumente que as normas protetivas do Código do Consumidor, que prezam por compensar o usuário–consumidor de forma individualística, acarretariam em prejuízos aos demais usuários. Nesse caso, o prejudicado pelos maus serviços prestados seria diretamente o explorador. A aplicação do CDC serve como importante fator de coação ao prestador: na medida em que os serviços são inadequadamente prestados, os prejuízos daí advindos recaem sobre seu lucro.
Aliás, uma das formas de otimização de lucros para o explorador de serviços é justamente a apropriação de ganhos pela eficiência empresarial na prestação dos serviços.
Enfim, na medida em que a lógica de prestação de serviços se insere na lógica de exploração de mercado, faz-se necessário a contrapartida devida, que é a aplicação protetiva das Normas Consumeristas.
Tudo leva a crer, pois, que um critério diferenciador, a priori, reside na remuneração do serviço prestado e na forma de como o mesmo é prestado: se empresarialmente ou não. Se o regime tarifário é aquele que se refere à exploração de serviços públicos por particulares de forma empresarial, então estará aí presente uma forma de discriminação adequada apta a concluir pela aplicação ou não das   normas de defesa do consumidor a esses serviços. De outra banda, se a remuneração acontece por tributos, ou seja, taxas cobradas pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos, não há que se falar em relação de consumo (igual raciocínio aplica-se aos serviços remunerados por impostos).
O regime das taxas parece evidenciar que a prestação de serviços acontece de maneira a excluir benefícios individuais egoísticos, tal como presente na exploração que visa ao lucro. Há, aqui, um regime substancialmente diferente em comparação ao tarifário. O usuário, nos serviços remunerados por taxa, tem como garantia os direitos fundamentais que marcam a relação fisco x contribuinte. E mais, são levados em conta não o utente em si, mas sim a coletividade, a generalidade dos usuários. Exclui-se, pois, desse universo a incidência das normas do CDC: se cada usuário, individualmente, buscasse o máximo de benefícios, os atingidos diretamente seriam os outros usuários.
Sobre o tema, JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO bem esclarece que:
O que se pretende dizer é que o “contribuinte” não se confunde com o consumidor, já que no primeiro caso o que subsiste é uma relação de direito tributário, inserida a prestação de serviços públicos, genérica e universalmente considerada, na atividade precípua do Estado, ou seja, a persecução do bem comum
Imagine-se, por exemplo, em um determinado serviço remunerado por taxa, a hipótese de condenação do prestador de serviços à devolução em dobro de quantias indevidamente cobradas: isso por óbvio surtiria efeitos diretos aos demais usuários em proveito de um benefício individual que o código consagra.
Portanto, quando particulares, de forma empresarial, prestam, por delegação, serviços públicos cuja remuneração seja por tarifas, haverá a incidência do Código de Proteção ao consumidor.[41]
Enfim, e corroborando, tudo leva a crer que, todas às vezes que o serviço é prestado de forma empresarial e remunerado por tarifas, incidirão as normas protetivas do Código do Consumidor. Mas com algumas ressalvas, porém.
É que, mesmo aqui, essa aplicação não é irrestrita. Lembre-se que, mesmo quando explorado por particular de forma empresarial, o serviço em causa ainda é serviço público.
Assim, por exemplo, imagine-se a situação de determinado usuário insurgir-se contra cobrança de determinada tarifa cujo valor refere-se a subsídio para que outros usuários (carentes) tenham acesso ao mesmo serviço, hipótese essa conhecida como subsídio cruzado. Nos termos do Código do Consumidor, poder-se-ia considerar abusiva a cláusula que preveja remuneração por serviços não prestados. Mas, acontece que:
Analisarmos valores da tarifa de serviço do serviço público apenas sobre o ponto de vista da legislação do consumidor é desprezar o fato de que a tarifa não representa apenas a contraprestação das prestações recebidas pelo usuário, sendo, outrossim, um elemento fundamental da preservação do equilíbrio da política pública e do projeto de infra-estrutura consubstanciados na concessão, sendo muitas vezes o instrumento de um   subsídio cruzado ou subsídio interno[42]
Outra hipótese que afigurar-se-ia incompatível com a realidade do serviço público é a questão da desconsideração da personalidade jurídica, consoante delineado pelo sistema do Código de Defesa do Consumidor em seu art.28. Se admitida à hipótese o próprio serviço público correria sérios riscos em sua solução de continuidade. Ademais, seria conferir ao consumidor, individualmente considerado, poderes próximos ao ente concedente, pois, como é cediço, esse tem poderes de, inclusive, extinguir a concessão antecipadamente (encampação); mas, mesmo que o ente seja o titular do serviço em causa, tem de obedecer ao prévio procedimento administrativo e à necessidade de indenização prévia.
Em outras palavras, o que se defende aqui é a aplicação a priori das normas protetivas do consumidor se o serviço público é prestado por particulares empresarialmente e remunerado por tarifas. Essa aplicação, no entanto, não pode ser irrestrita e indiscriminada, sob pena de desvirtuamento das características do serviço público.
Seria, então, de se admitir a aplicação em bloco das normas previstas no código, sempre que possível. Tal tese é razoável na medida em que se admita a premissa, tal como exposta por Sérgio Cavalieri Filho, de que inaugurou o Código de Defesa do Consumidor um microssistema jurídico[43].

2.3.2 prestação de serviços pelo Estado e as tarifas. 

A conclusão acima – que leva em conta a remuneração do serviço –, aplica-se, a priori, também quando é o Estado o remunerado por tarifa na referida prestação.
Isso se passa, por exemplo, quando empresa pública ou sociedade de economia mista (entidades da administração indireta dotadas de personalidade de direito privado), são remuneradas pela prestação dos serviços públicos via tarifa.
Mas nessa hipótese, a aplicação do Código do Consumidor acontece não propriamente porque a atividade é exercida de maneira empresarial-lucrativa, tal como foi acima concluído em relação às concessionárias[44]. A aplicação do Código aqui, é a contrapartida que o usuário-consumidor tem em relação à maior agilidade que tais entidades da administração indireta possuem em seu regime operacional em comparação às entidades estatais de natureza jurídica não privada.
Porém, como igualmente concluído acima para os casos de prestação por particulares, na presente hipótese (prestação por parte da própria Administração), haverá maior cautela ainda quanto à aplicação das Normas Consumeristas para a relação que envolve o fornecedor governamental e o usuário
Uma delas consiste na seguinte ressalva: se o ente estatal em causa for considerado dependente, nos termos preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal, ter-se-á a proscrição da aplicação das normas do CDC.[45]
É que, em casos desse jaez, o ente é financiado por recursos provenientes do orçamento público[46], sendo certo que este orçamento é instrumento de financiamento de inúmeras outras necessidades sociais fundamentais.
Daí decorre que, se os benefícios individuais que sucedem da proteção do consumidor ocasionassem em elevação de repasses de recursos do ente   controlador à empresa dependente, quem certamente  seria atingido é a comunidade em geral, que já  sofre com os escassos serviços que o orçamento público destina ao atendimento de suas necessidades.
Mas há outro problema a ser enfrentado.
Pode acontecer de tais entidades estatais atuarem simultaneamente na prestação de serviços públicos e em atividades econômicas em sentido restrito. É o caso, por exemplo, da Infraero – Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeronáutica, que atua tanto prestando serviços públicos referentes à movimentação de aeronaves, como também de forma empresarial, atuando no comércio por via dos chamados “aeroshoppings”.
Questionar-se-ia, nesses casos, acerca da incidência ou não do Código de Defesa do Consumidor.
E a resposta não é simples.
Como bem conclui MARÇAL JUSTEN FILHO:
Uma alternativa simplista para superar essas dificuldades seria a vedação pura e simples de atuação de natureza heterogênea para empresas estatais. Mas uma solução dessa ordem não encontra respaldo na ordem jurídica, nem atende às necessidades geradas pela evolução da atuação estatal.
Por isso, o futuro poderá trazer a constatação de que a distinção entre entidades prestadoras de serviço público e exploradoras de atividades econômicas tratou a situação jurídica existente em certo momento histórico. A evolução dos fatos pode conduzir à superação dessa classificação, com surgimento de situações híbridas, dotadas de maior complexidade e demandando do estudioso a elaboração de novos instrumentos de análise, classificação e solução de problemas.[47]
Como se vê, o tema pode vir a se deparar com complexidades futuras, decorrentes da atuação cada vez mais dinâmica da Administração Pública.

CONCLUSÕES

A grande questão da análise sobre a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos serviços públicos passa pela complexidade que é a conciliação entre o regime administrativo, presente nos serviços públicos, e o regime privado, que marca as relações de mercado.
De uma perspectiva inicialmente distante da lógica de mercado, passou o serviço público, com o decorrer do tempo, a adotar formas de prestação diferenciadas, com modelos que se aproximam do regime de mercado.
De outro lado, são as normas protetivas do Código Consumerista instrumentos de abrigo do consumidor vulnerável, daqueles que ficam à mercê de fornecedores que procuram, a todo custo, maximizar seus ganhos.
Embora o surgimento e desenvolvimento de normas de proteção ao consumidor remonte aos países da Common Law, que desconhecem o instituto do serviço público, não parece correta a conclusão da total incompatibilidade entre a regulamentação dada pela Lei 8.078/90 e os serviço qualificados como públicos.
O que parece correto é que a aplicação das Normas Consumeristas, em se tratando de serviços públicos, haverá de observar contornos específicos, próprios, sem que se olvide que a lógica dos serviços públicos difere da lógica de mercado – lógica onde, por excelência, incide o campo de proteção do Código de Defesa do Consumidor.
Deverá, pois, o intérprete levar em conta, primeiramente, se o serviço público fornecido enquadra-se ou não como uma relação de consumo – dando-se  enfoque especial à questão da figura do consumidor como  destinatário final, tal como muito bem delineia o Superior Tribunal de Justiça.
Após, enquadrando-se a situação como tal, haverá de ser questionado se determinadas normas de proteção consumerista, acaso aplicadas, afiguram-se ou não aptas a desvirtuar a lógica do serviço público. Em caso afirmativo, estas mesmas normas devem ser afastadas, pois são os serviços públicos essenciais para toda a coletividade. Em caso negativo, nada impediria a aplicação das normas de defesa do consumidor.
Essa orientação parece ir ao encontro da chamada tese do diálogo das fontes, tal como defendido por parte da doutrina que versa sobre o tema, tudo a fim de se aplicar e conciliar estes dois institutos (serviços públicos e o Código do Consumidor).

Referências Bibliográficas

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Notas

[1]  Como bem anotou Celso Antônio Bandeira de Mello: “A separação entre os dois campos – serviço público, como setor pertencente ao Estado, e domínio econômico, como campo reservado aos particulares – é induvidosa e tem sido objeto de atenção doutrinária, notadamente para fins de separar empresas estatais prestadoras de serviços públicos das exploradoras de atividade econômica, ante a diversidade de seus regimes jurídicos”. (Curso de Direito Administrativo, 25 ed. São Paulo: Malheiros editores, pg. 680).
[2]  Cf. SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p.799
[3]  Em termos mais precisos, a livre iniciativa só se afigura como tal acaso enquadrada dentro de seu contexto. Sobre o tema, bem delineia Ana Cecília Parodi: “Liberdade de iniciativa é um direito fundamental típico da ordem econômica capitalista, cuja autorização tem base teórica autorizadora e regulatória na Constituição Federal, mas que é exercido perante a sociedade através de suas obrigações e contratos – legalmente definidos no Código Civil e legislação infraconstitucional acessória – no paradigma funcional da responsabilidade, inclusão e sustentabilidade sociais.” (destacado). Trecho constante na tese de mestrado da citada autora: “Função Profilática da Responsabilização civil Consumerista e Desenvolvimento Sustentável”, p.63.
[4] ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-05, DJ de 2-6-06. Julgamento em que o Tribunal reputou legítima lei do Estado de São Paulo que garantia direito a meia-entrada para estudantes em casas de diversão, esporte, cultura e lazer e que isso não feriria a livre iniciativa.
[5] A filosofia do serviço público, em sua concepção tradicional, “representa a responsabilidade do poder público pelo bem estar colectivo. É a idéia de que a iniciativa privada e o mercado não podem responder a essas necessidades colectivas em termos satisfatórios, já porque não garantem sequer e existência dos serviços , já porque o não asseguram em termos de igualdade e acessibilidade  a todos os cidadãos. Trata-se, portanto, de uma obrigação  pública uma prestação administrativa fora do mercado.”(destacado pelo autor). Cf. MOREIRA, Vital. Os Serviços Públicos tradicionais sob o impacto da União Européia.
[6] Entender a sistemática deste país da América do Norte é importante haja vista a recente transformação do papel do Estado Brasileiro na economia, notadamente, no que diz respeito às recentes privatizações ocorridas no país, realizadas no bojo da chamada Reforma de Estado – influenciada, como é notório, pelos países de orientação liberalista. Enfim, assiste-se, aqui, a gradual passagem da posição do Estado em suas funções: a de agente prestador para agente regulador. E isso, sem dúvida, tem forte impacto na noção sobre serviços públicos.
[7]  COUTO E SILVA, Almiro. Privatização no Brasil e o novo exercício de funções públicas pelos particulares. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituo Brasileiro de Direito Público, n° 16, dezembro, janeiro, fevereiro, 2009. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/redae.asp>. Acesso em 06/11/2009.
[8]  Como precisamente anotou NELSON NERY JR.: “É preciso que se diga, por primeiro, que a defesa do consumidor é instrumento da livre iniciativa e só existe em países de economia de mercado. As economias estatizadas não se coadunam com defesa do consumidor. Nos países capitalistas, notadamente os mais industrializados (EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Suécia, Canadá, Austrália etc.) é que se tem desenvolvido com maior vigor a defesa do consumidor. O tema não tem, portanto, conteúdo político-ideológico comunista ou socialista” (in: Os princípios gerais do código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Revista do Direito do Consumidor. São Paulo, 1992. nº 03. Pág. 44-77).
[9] Na Argüição de Preceito Fundamental de N° 46, o STF confirmou a tese de que o serviço postal configura-se como serviço público e rechaçou a possibilidade de prestação de tal atividade pela iniciativa privada, sob o argumento de que a Constituição silenciou-se sobre isso, diferentemente do que fez em relação à saúde (art.199) e à educação (art.209), que, apesar de serem serviços públicos, poderiam ser prestados por particulares independentemente de concessão ou permissão, já que estariam excluídos da regra do art.175 da CF. Como se vê, parece que a tendência do STF é a adoção da tese da inerência de certas atividades, constitucionalmente delineadas, como serviços públicos, excluindo-as, a depender do caso, de sua exploração pela livre iniciativa privada.
[10]  BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, ob.cit, p. 676.
[11]  Teoria dos Serviços Públicos e sua Transformação, in Direito Administrativo Econômico, 1° Ed. Carlos Ari Sundfel (coord.), p.47.
[12]  Ob. cit., p. 798.
[13] Este autor afirma que “não é a atividade em si que tipifica o serviço público” e que “o que prevalece é a vontade soberana do Estado, qualificando o serviço como público ou de utilidade pública” (Direito Administrativo Brasileiro, 22° ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balstero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, p.297/298.
[14]  Direito Administrativo, 17° ed., São Paulo: Atlas, 2003.
[15]  Cf. Curso de Direito Administrativo, p.544, (grifos no original).
[16]  Ob cit., 55.
[17] MARIA SILVIA ZANELLA Di PIETRO, com apoio em doutrina francesa, aduz a existência de princípios inerentes aos serviços públicos, quais sejam: i) o da continuidade do serviço, ii) o da mutabilidade do regime jurídico e iii) o da igualdade dos usuários (Ob.cit., p 101).
[18]  A Lei 9.472/97, que versa sobre a organização dos serviços de telecomunicações, positivou, no Título dedicado aos serviços prestados em regime público, que: “Obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição sócio- econômica (...)”
[19]  ARAGÃO, Alexandre Santos de. In Serviços Públicos e Direito do Consumidor: Possibilidades e Limites de Aplicação do CDC. Revista Eletronica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasilerio de Direito Público, n° 15, agosto/setebro/outubro, 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/redae.asp>. Acesso em 01/11/2009.
[20]  Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de  concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre:I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial  de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização  e rescisão da concessão ou permissão;II - os direitos dos usuários; III - política tarifária;  IV - a obrigação de manter serviço adequado.
[21]  Já permissão de serviços públicos é a “delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feito pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho por sua conta e risco.” (art.2, inc. IV).
[22]  Art.9, §4° da L.8.987/95: “Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração.”
[23]   Tal assertiva é reconhecida em jurisprudência:  (...)2. O concessionário trava duas espécies de relações jurídicas a saber: (a) uma com o Poder concedente, titular, dentre outros, do ius imperii no atendimento do interesse público, ressalvadas eventuais indenizações legais; (b) outra com os usuários, de natureza consumerista reguladas, ambas, pelo contrato e supervisionadas pela Agência Reguladora correspondente.(...) REsp 976.836/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 05/10/2010
[24]  Ademais, parece ter incorrido em atecnia a referida lei na medida em que se referiu a “consumidor final” de forma indiscriminada. Por essa lógica seria “consumidor final” inclusive grandes empresas (às vezes de maior porte econômico que a própria concessionária) que se utilizassem do serviço de prestação de energia elétrica como insumo produtivo.
[25]  Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal possui diversos julgados que, valendo-se de classificação proposta por Roque Carraza, diferencia a possibilidade de o serviço ser remunerado ora por taxa ora por impostos. É o caso, por exemplo, da ADI 477 (voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 5-6-91, Plenário, DJ de 5-3-93). Destaca-se o seguinte trecho: “(...) Os serviços públicos, ensina Roque Carrazza, ‘se dividem em gerais e específicos’, certo que os primeiros, ou gerais, ‘são os prestados uti universi, isto é, indistintamente a todos os cidadãos’, alcançando ‘a comunidade, como um todo considerada, beneficiando número indeterminado (ou, pelo menos, indeterminável) de pessoas.’ (Ob. cit., pág. 243). Esses serviços não constituem fato gerador de taxa, não podem, portanto, ser custeados por meio de taxa, mas pelos impostos. ‘Já os serviços específicos’, acrescenta Carrazza, ‘são os prestados ut singuli. Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, pelo menos, determinável, de pessoas). São de utilização individual e mensurável. Gozam, portanto, de divisibilidade, é dizer, da possibilidade de avaliar-se a utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada(...)”
[26]  Ver nota acima.
[27]  É bem verdade que isso foi contornado pela Emenda Constitucional n° 39/2002, com a inclusão do art.149-A na Constituição.
[28]  Sobre o tema, consulte-se: JUSTEN FILHO, Marçal. Ob cit., capítulo que trata das Concessões de Serviços Públicos.
[29]  No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, colhe-se a seguinte jurisprudência (trechos): ”1.Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 2.Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto  na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços público.3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio.(...) (REsp 914828/RS, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/05/2007, DJ 17/05/2007 p. 232). Em igual sentido: (...)4. A relação jurídica existente entre a Concessionária e o usuário não possui natureza  tributária, porquanto o concessionário, por força da Constituição federal e da legislação aplicável à espécie, não ostenta o poder de impor exações, por isso que o preço que cobra, como longa manu do Estado, categoriza-se como tarifa.5. A tarifa, como instrumento de remuneração do concessionário de serviço público, é exigida diretamente dos usuários e, consoante cediço, não ostenta natureza tributária. (...)(REsp 976.836/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 05/10/2010)
[30] Há entendimento sumulado no STF que afirma: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.” (Súmula 545).
[31] Julgado com a seguinte ementa: ”Serviço de fornecimento de água. Adicional de tarifa. Legitimidade.Mostra-se coerente com a jurisprudência do Supremo, ao apontar que o ajuste de carga de natureza sazonal, aplicável aos fornecimentos de água pela CAESB, criada para fins de redução de consumo, tem caráter de contraprestação de serviço e não de tributo. Precedentes: ERE 54.491, RE 85268, RE 77.77.162 e ADC 09.” (RE 201630).
[32]  O fenômeno segundo o qual todo o ordenamento deve ser interpretado/aplicado à luz da visão constitucional vem sendo cunhado de Constitucionalização do Direito: “Sumularmente, constitucionalizar um sistema – seja o Direito Civil ou qualquer outra espécie normativa – significa ler, interpretar e aplicar seu tutelamento à luz da orientação principiológica constitucional.” (PARODI, Ana Cecília, ob. cit. p., 20).
[33]  Aliás e justamente por isso : “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art.173, §4°)
[34] No dizer de Sérgio Cavalieri Filho, o Código do Consumidor “criou uma sobre-estruta jurídica multidisciplinar, normas de sobredireito aplicáveis em toda e  qualquer área do Direito onde ocorrer relação de consumo (...) fez um corte horizontal  em toda a extensão da ordem jurídica, levantou o seu tampão e espargiu a sua disciplina por todas as áreas do Direito – público e privado, contratual e extracontratual, material e processual” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil,7.ed.São Paulo: Atlas, 2007, p.450.)
[35] A esse conceito de consumidor, deve ser acrescentado o preceituado no seu art. 2°, parágrafo único; art.17 e art.29, todos do mesmo Código – os chamados consumidores por equiparação.
[36]  A análise restringir-se-á a figura do consumidor stricto sensu, sem embargo da existência dos consumidores por equiparação, tal como apontou-se na nota acima
[37] A corrente maximalista peca pela grande abrangência, o que, ademais, representa um perigo para a tutela do consumidor. Como indaga ANTÔNIO HARMAM DE VASCONCELLOS E BENJAMIN: “ se todos somos consumidores (no sentido jurídico),inclusive as empresas produtoras, por que, então, tutelar-se, de modo especial, o consumidor? Também tem sido apontado na doutrina majoritária estrangeira que tão amplo conceito, de certo modo, desvia a finalidade do Direito do Consumidor, que é proteger a parte mais fraca ou inexperiente na relação de consumo” BENJAMIN, Antônio Hermam de Vasconcellos. O conceito jurídico de consumidor. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral dos Direitos do Consumidor, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Consumidor – UNIDERP/REDE LFG.
[38]Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais – 4° Ed, São Paulo: Editora RT, 2002, p.279.
[39]  GRINOVER, Ada Pellegrini et. al, Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p.27. Em igual sentido são as considerações de Marco Antonio Zanellato, expostas no artigo: Noção jurídica de consumidor. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral dos Direitos do Consumidor, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Consumidor – UNIDERP/REDE LFG.
[40] Confira-se: PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVA DE FORO.1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min.  Barros Monteiro, DJ de 16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor.2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.3. Nos presentes autos, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade econômica. 4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro.5. Negado provimento ao recurso especial (REsp 1010834/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 13/10/2010)
[41]  Nesse sentido parece ser a orientação do Superior Tribunal de Justiça, consoante se colhe das seguintes jurisprudências (trechos):
“Tratando-se de serviços remunerados por tarifas ou preços públicos, as relações entre o Poder Público e os usuários são de Direito Privado, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, ao identificarem-se os usuários como consumidores, na dicção do art. 2º do CDC. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.” (REsp 914.498/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2009, DJe 25/05/2009)
“Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 4. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços público. 5. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio. 6. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95. Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 7. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta). 8. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa parte, provido”. (REsp 1062975/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2008, DJe 29/10/2008)
[42]  ARAGÃO, Alexandre Santos de, ob.cit., p .18.
[43]  CAVALIERI FILHO, Sérgio,ob.cit. Ver as considerações do item 2.1.
[44]  Lembre-se, aqui, que a eficiência desses entes estatais não visa à maximização dos lucros.  Mas a questão ganha complexidade em relação às sociedades de economia mista que albergam, em seu capital, parte de recursos do setor privado.
[45]  Nos termos do art.2, III da Lei Complementar 101/2000: “empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária.”
[46] Como bem anotaram Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza “É como se o orçamento do ente político controlador se comunicasse com o orçamento da empresa controlada, havendo uma espécie de desconsideração da personalidade jurídica desta última. A empresa estatal dependente, ante o déficit em suas contas, busca socorro no orçamento alheio como se fora o seu, vale dizer, como se não houvesse distinção entre a sua personalidade e a de seu controlador” (Direito Administrativo: Introdução ao Direito Administrativo/Carlos Ari Sundfeld, Vera Monteiro coordenadores. – São Paulo: Saraiva, 2008 – (Série GvVlaw),


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