Há necessidade de uma revisão na consideração da natureza da obrigação do médico, adequando-a à sua verdadeira natureza, sob o ponto de vista científico;isto é, o resultado dependerá também de fatores relacionados ao próprio paciente....
1. DA OBRIGAÇÃO MÉDICACIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA E A OBRIGAÇÃO DE MEIO: NECESSIDADE DE REVISÃO DE POSICIONAMENTO
A obrigação divide-se em prestações, estas podem deter apenas o elemento subjetivo, ou seja, dever de ação ou abstenção, e/ ou o elemento objetivo, ou seja, a obtenção de um resultado.
A obrigação de meio possui apenas o elemento subjetivo, já a obrigação de resultado detém o elemento subjetivo e o objetivo.
Diversos critérios já foram utilizados para a identificação de obrigação de meios, figurando a vontade das partes e a área da atividade como os mais relevantes.
Pablo Rentería acrescenta,
Inicialmente sustentou-se que o critério de classificação era a vontade expressa ou provável das partes, mas essa metodologia demasiadamente voluntarista logo se mostrou insuficiente. Defendeu-se em seguida, com grande entusiasmo, que o critério se identificaria com a álea, de sorte que a obrigação é de meio quando o êxito do devedor no desempenho da atividade prometida depender de muitos fatores aleatórios..[1]
A obrigação médica, regra geral, é tida como de meio, por diversos fatores, como: a álea da atividade (infinitas possibilidades de intercorrência); complexidade do seu objeto (enfermidade, organismo humano, e interações entre a enfermidade e o enfermo); o contrato possui obrigações bilaterais, o paciente tem obrigações que irão ter consequências no tratamento.
O médico possui obrigação de atuar conforme a sua "lex artis", com zelo e diligência em busca de um resultado favorável, o não alcance do resultado não caracteriza inadimplemento. A obrigação é de meio pois o alcance do resultado não depende apenas do médico, mas sim da vontade das partes e da álea da atividade. Neste tipo de obrigação o credor não se obriga ao resultado pois o êxito depende de muitos fatores aleatórios, como na relação entre médico e paciente, o êxito depende também da conduta da paciente, há necessidade de participação ativa e passiva.
Em razão disso, conclui a professora Hildegard:
A nosso ver deveria ser óbvio que, quando a prestação obrigacional se desenvolvesse em um campo aleatório, sua conceituação deveria situar-se dentro da categoria de uma obrigação de meio, já que não seria razoável garantir um resultado em seara onde o fator álea estivesse presente, o que, conseqüentemente, propiciaria algo imprevisível.[2]
Dessa forma, tendo em vista que a ciência médica ainda não conseguiu desvendar certos segredos ligados à natureza humana, ficam os profissionais da medicina impossibilitados de prometer um resultado certo e determinado ao seu paciente. Há outro aspecto a militar em favor da inserção da obrigação como de meio e não de resultado: "[...] o papel ativo do credor na execução da obrigação, que pode ser representado por sua participação ou pelo estado de dependência do devedor em relação ao credor."[3]
A vontade da partes é um dos fatores que coloca a obrigação médica como de meio, ora, o bom resultado de um tratamento médico depende diretamente da vontade do paciente, ou seja, depende da conduta do paciente frente as recomendações médicas.
O fator álea da atividade também é preponderante, ora, o organismo humano, a interação dele com a doença, são fatores que fogem do controle do médico. Assim, a doutrina tipifica a obrigação de meio como uma obrigação de diligência.
Assim a álea da atividade médica é fator preponderante para a atribuição de obrigação de meio, contudo há entendimentos jurisprudenciais que tipificam algumas especialidades como obrigação de resultado, como a cirurgia plástica meramente estética, a anestesia, análises clínicas e radiologia.
Atribuir ao médico a obrigação de resultado, e por consequência a culpa presumida, não condiz com a proteção inserida na Constituição Federal da dignidade da pessoa humana, pois reduz suas chances de bom combate na lide. Ora, a interpretação dos dispositivos legais devem se dar em acordo com os Princípios Constitucionais e com a eticidade e boa-fé introduzidos pelo Código Civil de 2002. Ora, pela álea da atividade médica não é justo e nem ético atribuir ao médico a presunção de culpa, o médico deve ser responsável pelo que depender dele exclusivamente e não pelas respostas do organismo do paciente e nem pelas limitações naturais da medicina.
Conforme brilhante ensinamento de RUY ROSADO o acerto está aos que atribuem a obrigação como de meios, pois a álea está presente em toda a intervenção cirúrgica, e imprevisível são as reações de cada organismo à agressão do ato cirúrgico. Mesmo que por ventura um cirurgião plástico venha a assegurar um resultado, isso não define a natureza de sua obrigação, não altera sua categoria jurídica, que continua sempre a prestação de um serviço que traz consigo riscos, para o autor, na verdade deveríamos examinar nestes casos apenas com mais rigor a culpa.[4] Entender que a obrigação do médico seria de resultado, é julgá-lo como Deus, ora, responsabilizar um médico pelas reações orgânicas de um corpo humano é extremar sua responsabilidade, ignorando a falibilidade da própria medicina e do próprio profissional que pode contar exclusivamente com seu conhecimento técnico. Sendo, ainda, uma afronta ao próprio diploma do CDC, que determina que a responsabilidade do profissional liberal será apurada mediante verificação de culpa.
2. DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL: OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
Há entendimento inserido pela doutrina e jurisprudência classificando de algumas especialidades como obrigação de resultado, como as cirurgias plásticas estéticas, anestesias, análises clínicas e etc.
No que toca à cirurgia plástica estética, sustenta a maioria da doutrina que neste caso o facultativo contrai uma obrigação de resultado perante o paciente, sendo que tal característica, conforme assinala Gerson Luiz Carlos Branco,
se deve ao fato de que a motivação moral para sua intervenção para a sua realização, embora seja socialmente aceita, não tenha a mesma relevância da intervenção para o salvamento da vítima ou para eliminação da dor. A questão é extremamente delicada na medida em que na generalidade das vezes a cirurgia estética tem como objeto pessoa sã, sem nenhuma enfermidade, não podendo a intervenção cirúrgica alterar este quadro.[5]
Estas novas interpretações de nossos julgadores tem efeito reprodutivo, sendo verdadeiros engessadores jurisprudenciais, não se atentando para a evolução da medicina e nem do direito. Os julgadores infelizmente interpretam legislações exorbitando competências sempre em desfavor do médico. Há infelizmente um sentimentalismo exagerado no entusiasmo de proteger a todo custo o paciente/consumidor.
Ora, a álea da atividade médica é comum a todas as especialidades, não é justo e nem ético atribuir ao médico responsabilidade por fatores que fogem de seu controle. Dessa forma, tendo em vista que a ciência médica ainda não conseguiu desvendar certos segredos ligados à natureza humana, ficam os profissionais da medicina impossibilitados de prometer um resultado certo e determinado ao seu paciente.
Parece-nos sensato este pensar, pois não se pode olvidar que as mesmas intercorrencias que estão expostos em outros tratamentos, quer terapêuticos quer cirúrgicos como na plástica. Ora, a álea é a mesma, há exposição a fatores aleatórios, como a rejeição do organismo, reações intrínsecas individuais de cada paciente, o não cumprimento pelo paciente de prescrições e recomendações.
O cirurgião plástico assim como qualquer outro médico não esta isento de intercorrencias.
A. DO HISTÓRICO DA DIVISÃO DAS OBRIGAÇÕES
Os autores Couto Filho e Souza, em citação brilhante explanação o histórico do entendimento,
No campo da saúde por exemplo a posição sobre obrigação de meio ou de resultado nos chega ao legado de R. Demogue, produzido na França, em começo do século XX, com um quadro do sistema de saúde completamente diverso do nosso e, hoje, naquele país, a doutrina já não mais sobrevive com a maioria dos aplausos de juristas franceses. Portanto, pretender impingir esta doutrina como fonte do direito peca pela ignorância dos modelos de saúde dos Países em comparação.[6]
A distinção entre obrigação de meio e de resultado é questão meramente doutrinária, não há tipificação legal desta distinção.
Contudo, doutrinadores e julgadores aceitam e utilizam esta distinção iniciada na França.
Afirmamos a inadequação de importação de teorias de outros países. Contudo, a teoria da distinção de obrigação médica de meio e de resultado fora disposta na França, no começo do século XX.
Como ressalta ANTÔNIO FERREIRA COUTO E ALEX PEREIRA SOUZA
Diante das leis brasileiras, em especial o Código Civil Brasileiro, os julgadores no papel de Estado- Juiz, estão aprisionados nas questões ético-brasileiras, por isso a inadequação do direito comparado, pois se por um lado, para gerar nossas legislações internas, ele se torna fonte de consulta segura e indispensável, por outro lado, uma vez definidas as nossas regras éticas, segundo nossas condições sociais, culturais, antropológicas e até fisiológicas, teremos que dispensar essa comparação, pois não mais haverá grau de comparação entre os povos; aliás, nessa direção o papel principal passa a ser do direito consuetudinário interno, sob pena de estarmos exigindo comportamento ético de forma desajustada e curiosamente descomprometida com o nosso viver brasileiro[7].
A cópia do entendimento Francês não se adéqua a realidade e nem mesmo às legislações brasileiras.
Contudo, há que destacar que mesmo na França doutrina percussora da divisão este entendimento encontra-se em desuso e ultrapassado. Como comenta Vera Jacob de Fradera:
Há anos venho me dedicando ao estudo e à prática da responsabilidade civil como um todo... onde, efetivamente, secundada pela melhor doutrina, nacional e estrangeira daquela época, afirmava que a cirurgia plástica, meramente estética, gera obrigação de resultado.
Em razão da necessidade de permanente atualização, requerida pela Advocacia e pelo magistério ... tomei conhecimento de uma decisão da Corte de Cassação francesa) , comentada por François Chabas, que produziu uma reviravolta na concepção anterior, pois alterava a classificação da obrigação do cirurgião plástico, puramente estética, para obrigação de meios.
As palavras do professor francês, reproduzindo a decisão mencionada, foram textualmente as seguintes: "toda intervenção sobre o corpo humano é aleatória, as reações do corpo são imprevisíveis; ninguém pode prever, por exemplo, como ocorrerá uma cicatrização...[2] a tal ponto que pensamos que incidiria ipso facto em erro o cirurgião plástico que assumisse um resultado, porque ele não poderia ignorar o caráter falacioso da sua promessa".
Em razão da necessidade de permanente atualização, requerida pela Advocacia e pelo magistério ... tomei conhecimento de uma decisão da Corte de Cassação francesa) , comentada por François Chabas, que produziu uma reviravolta na concepção anterior, pois alterava a classificação da obrigação do cirurgião plástico, puramente estética, para obrigação de meios.
As palavras do professor francês, reproduzindo a decisão mencionada, foram textualmente as seguintes: "toda intervenção sobre o corpo humano é aleatória, as reações do corpo são imprevisíveis; ninguém pode prever, por exemplo, como ocorrerá uma cicatrização...[2] a tal ponto que pensamos que incidiria ipso facto em erro o cirurgião plástico que assumisse um resultado, porque ele não poderia ignorar o caráter falacioso da sua promessa".
Entre nós, já houve uma decisão neste mesmo sentido, prolatada no Paraná (recurso nº 34834-1, juiz Abrahão Miguel, 20 de junho 1995, em matéria de cirurgia plástica estética, qualificando a obrigação do médico como de meios e incumbindo à vítima a prova da culpa do médico; no TJRS, em voto vencido, o desembargador Alfredo Guilherme Englert assumiu posição idêntica à da corte francesa ( 5ª Câmara Cível, apelação nº 597083948, 18 de setembro de 1997). [8]
Conforme cita Couto Filho e Souza
Impor à cirurgia plástica estética a precha de obrigação de resultado é, ao nosso ver, grande preconceito, existente em tempos longínquos, além de negar o próprio sistema biológico de cada ser humano que, por vezes se mostra rebelde, seja numa simples cauterização de uma verruga ou na cirurgia de mama para colocação de prótese, com a finalidade de aumentá-la de tamanho.[9]
B- OBRIGAÇÃO DE RESULTADO: CULPA PRESUMIDA
A distinção entre obrigação de meio e de resultado tem consequência no aspecto processual, na distribuição do encargo probatório.
Na obrigação de meio caberá ao paciente comprovar que o médico não agiu com a diligência que se esperava, pois o simples não alcance do resultado não é rotulado como inadimplemento, sendo necessária a prova da culpa para ter direito a reparação. Já na obrigação de resultado, caberá ao paciente somente comprovar a não obtenção do resultado, assim a culpa do profissional será presumida, cabendo ao médico a prova negativa que não atuou culposamente.
A autora Hidelgard, cita, o aspecto processual equivoco quanto ao ônus da prova, pois para ela a inversão é diferente da culpa presumida. Ora, presunção de culpa é para a responsabilidade objetiva, onde há a inversão automática, a presunção da culpa para os médicos seria uma exorbitação de competência do interprete, pois estaríamos criando uma nova classe de responsabilidade dos profissionais liberais, função privativa do Congresso Nacional, artigo 2 e 60, p. 4 da Constituição Federal.
Lembra-se ainda que a conduta do paciente pode interferir negativamente. A vontade da partes é um dos fatores que coloca a obrigação médica como de meio, ora, o bom resultado de um tratamento médico depende diretamente da vontade do paciente, ou seja, depende da conduta do paciente frente as recomendações médicas. E dificilmente o médico conseguirá fazer prova da desídia da própria paciente, por isso o absurdo da tipificação de especialidades como obrigação de resultado. Ressalta-se ainda, que o CPC tem como princípio norteador da busca da verdade real por todos os litigantes, sendo assim, todos tem a obrigação de contribuir com todos os meios de prova para auferir a verdade real.
Assim conclui a autora:
Entendemos que do simples fato de ocorrer a inversão do ônus da prova não decorre a presunção de culpa. Nas obrigações de resultado essa inversão é automática e, no entanto, não se pode falar aí em culpa presumida, pois esta presunção pertence à responsabilidade objetiva.[10]
Assim, tendo em vista que o legislador considerou a responsabilidade dos profissionais liberais como subjetiva, não há como se falar em culpa presumida nas obrigações prestadas pelos médicos, mas sim inversão automática do ônus da prova, uma vez que aquela pertence à responsabilidade objetiva.
Porém este não é o entendimento majoritário dos tribunais e da doutrina, com a tipificação da obrigação de resultado, há a inversão do ônus da prova em desfavor do médico, e por consequência sua culpa é presumida, assim, caberá ao profissional a prova negativa de sua não-culpa.
Couto Filho e Souza asseveram
Partir da ideia de que o cirurgião plástico já tem, intrinsecamente, em caso de alegação do paciente de mal resultado, culpa no suposto evento danoso (culpa presumida) é colocar sobre seus ombros um fardo muito pesado, totalmente desvirtuado da realidade e do bom sensu.
... apenas enfocamos neste tópico, repita-se, que se consubstancia em fardo extremamente pesado e injusto imprimir à cirurgia plástica obrigação de resultado, e conseguintemente, culpa presumida[11].
C- DA CONFUSÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
Em diversas doutrinas e até mesmo em julgados é fácil nos depararmos com a confusão no momento de se estabelecer obrigação de resultado aos médicos.
A confusão reside na modificação da natureza da responsabilidade médica. Muitos confundem a tipificação da obrigação de resultado com a responsabilidade objetiva. Assim ao analisar a responsabilidade de um cirurgião plástico o julgador atribui ao médico a responsabilidade objetiva.
Lembre-se a obrigação de resultado não tem o condão de modificar a natureza da responsabilidade médica, conforme tipificado nas legislações tal responsabilidade é subjetiva.
Com a tipificação da obrigação de resultado há apenas uma inversão do ônus da prova de culpa, esta passará a ser presumida, mas pode o médico provar que agiu conforme a sua "lex artis"com prudência e zelo, afastando a culpa e consequentemente afastando a responsabilidade.
Ora, a responsabilidade médica depende da culpa, não se pode atribuir ao facultativo a responsabilidade objetiva onde não se analisa o elemento culpa.
A atribuição de obrigação de resultado apenas inverte o ônus da prova de culpa, mas não a exclui. Assim caberá ao médico a prova de sua "não-culpa".
O autor Thiago Henrique Fedri Viana faz esta confusão em seu livro o Erro Médico,
Especificamente, na hipótese de cirurgia estética, conforme dito, o médico trem a "obrigação de resultado", no sentido de atribui embelezamento ao corpo feminino, todavia, se a intervenção cirúrgica gera defeito ou dano estético,(....), a responsabilidade civil do médico é objetiva.[12]
Infelizmente tal confusão tem sido comum, agravando a responsabilidade do profissional médico e lesando regra tipificada no CDC e no Código Civil. Como vemos a seguir:
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - CIRURGIA PLÁSTICA EMBELEZADORA - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO - DEVER DE INDENIZAR - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - RECURSO DESPROVIDO. I - No caso de cirurgia estética, que visa aprimorar a aparência física da paciente, o médico assume obrigação de resultado, vinculando-se à melhora esperada. II - Frustrada a cirurgia, pela não obtenção do resultado esperado, o médico é obrigado a indenizar a paciente pelo não cumprimento da avença.
(TJ-PR - AC: 3536421 PR 0353642-1, Relator: Luiz Lopes, Data de Julgamento: 31/08/2006, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 7209)
RESPONSABILIDADE CIVIL - Erro médico - Cirurgia plástica embelezadora - Obrigação de resultado - Partes que não deixaram documentalmente incontroversa a distribuição de responsabilidades - Responsabilidade objetiva - Condenação da primeira contratante e do hospital - Apelo provido em parte apenas para reduzir a condenação pecuniária.
(TJ-SP - APL: 9074967872005826 SP 9074967-87.2005.8.26.0000, Relator: Roberto Solimene, Data de Julgamento: 20/10/2011, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/11/2011)
3. CIRURGIÃO PLÁSTICO: OBRIGAÇÃO DE MEIO
A autora Hidelgard critica a tipificação da obrigação de resultado aos cirurgiões plásticos, fundamentando que estas são fruto de julgamentos de efeito reprodutivo engessadores jurisprudenciais, não atentando para a evolução da medicina e do direito, nas especialidades tipificadas pela jurisprudência como de resultado há os mesmo fatores aleatórios como a imprevisibilidade das reações orgânicas e psíquicas. Ainda conclui que tal tipificação afronta a legislação em especial o Código de Defesa do Consumidor, pois o artigo 14, p.4, expressamente prevê que a responsabilidade depende de culpa provada, e ainda ressalta que o resultado final do tratamento depende também da atuação do paciente.[13]
Antônio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza criticam tal distinção e a tipificação de algumas especialidades médicas como sendo de resultado, para eles a obrigação de resultado para os médico fere a dignidade da pessoa humana deste, ainda lesa a ampla defesa e o contraditório, princípios constitucionais. E ainda, alertam para a álea da atividade médica, assim, não seria nem justo e nem ético atribuir ao médico uma obrigação de resultado. Ressaltando que com o advento do Código Civil de 2002, a eticidade e a justiça devem fazer parte de toda fundamentação jurídica[14].
Eduardo Dantas e Marcos Coltri, citam a ilegalidade na tipificação de algumas responsabilidades como obrigação de resultado, como a cirurgia plástica meramente estética, no entender dos autores, é um grande absurdo interpretes e julgadores conceituarem a cirurgia plástica meramente estética como obrigação de resultado, para os autores, o argumento de que nestes casos não há nenhuma doença que mereça ser curada é leviano, pois segundo a OMS- Organização Mundial de Saúde, a definição de saúde é "situação de perfeito bem estar físico, mental e social". Ora quem busca a cirurgia plástica tem uma insatisfação pessoal com sua aparência física, insatisfação essa que arruína sua auto-estima, culminando com abalo moral inegável, a pessoa está sim doente, e um profissional capacitado pode tratá-la .[15]
Os autores ainda citam que muitas situações em que a pessoa se submeteu a cirurgia o resultado foi o melhor possível. Entretanto em razão de problemas emocionais, sociais ou até mesmo familiares, o indivíduo questiona o resultado alegando erro. A cirurgia puramente estética se submete aos mesmos fatores de qualquer outro procedimento, há questão intrínsecas e individuais do organismo humano que por vezes são incompreensíveis e imprevisíveis.[16]
Ora, a obrigação do médico em qualquer especialidade tem por objeto a assistência ao paciente, comprometendo a empregar todos os recursos a seu alcance, atuando conforme literatura médica, com zelo e cuidado. mas no entanto não pode garantir sucesso, pois a álea da atividade médica é comum a todas as especialidades. Todos os fatores aleatórios já citados são os mesmos encontrados por qualquer especialidade médica. O cirurgião neste ramo da cirurgia plástica não tem como prever muitos dos resultados, pois eles são também oriundos das condições multifárias do organismo humano.
Miguel Kfouri, pondera que mesmo a cirurgia estética, em geral "apresenta características comuns às demais cirurgias: as reações do organismo são imprevisíveis e consequências indesejadas podem sobrevir".[17]
Genival Veloso França adverte,
A obrigação do cirurgião plástico na ação reparadora ou reconstrutora é de meio porque o objeto do seu contrato é a própria assistência ao seu paciente, quando se compromete empregar todos os recursos ao seu alcance, sem, no entanto, poder garantir sempre um sucesso. Só pode ser considerado culpado se ele procedeu sem os devidos cuidados, agindo com insensatez, descaso, impulsividade ou falta de observância às regras técnicas. Não poderá ser culpado se chegar à conclusão de que todo empenho foi inútil em face da inexorabilidade do caso, quando ele agiu de acordo com a "lex artis", ou seja, se os meios empregados eram de uso atual é sem contra-indicações. Punir-se, em tais circunstâncias, alegando obstinadamente uma "obrigação de resultado", não seria apenas um absurdo: seria uma injustiça[18].
De maneira magistral a doutrinadora Hildegard,conclui,
A nosso ver deveria ser óbvio que, quando a prestação obrigacional se desenvolvesse em um campo aleatório, sua conceituação deveria situar-se dentro da categoria de uma obrigação de meio, já que não seria razoável garantir um resultado em seara onde o fator álea estivesse presente, o que, conseqüentemente, propiciaria algo imprevisível. [19]
A. DA ILEGALIDADE DA PRESUNÇÃO DE CULPA
Logo, uma vez que o MÉDICO assume perante o paciente uma obrigação de resultado, supondo-se o caso de não alcance do fim proposto consubstanciado na plena recuperação do cliente, resultaria automático o inadimplemento por parte do facultativo.
Diante da inexecução obrigacional do devedor, caberia ao credor (paciente) provar tão somente o aludido descumprimento, posto que, nesse caso, haveria presunção de culpa do devedor. Assim haveria inversão automática do ônus da prova da culpa.
Ora a inversão do ônus da prova não pode ser automática. Não há regulação de inversão "ex legis" para a responsabilidade civil subjetiva, ou seja, aquela que deriva da culpa comprovada. Em matéria de prova a presunção deve ser legal e há que se admitir, a respeito do CULPA inexiste tal previsão em nosso ordenamento capaz de modificar a distribuição do ônus probatório, figurando o tema como fruto de criação doutrinaria e jurisprudencial, que, com a devida vênia, há que admitir maior reflexão.
A inversão automática é prevista apenas na responsabilidade objetiva, ora, a presunção de culpa é uma exorbitação de competência do interprete, criando uma nova classe de responsabilidade dos profissionais liberais, função privativa do Congresso Nacional.
A obrigação do MÉDIO É SEMPRE DE MEIO , ora, o objeto do seu contrato é a própria assistência ao seu paciente, quando se compromete empregar todos os recursos ao seu alcance, sem, no entanto, poder garantir sempre um sucesso. Só pode ser considerado culpado se ele procedeu sem os devidos cuidados, agindo com insensatez, descaso, impulsividade ou falta de observância às regras técnicas. Não poderá ser culpado se chegar à conclusão de que todo empenho foi inútil em face da inexorabilidade do caso, quando ele agiu de acordo com a "lex artis", ou seja, se os meios empregados eram de uso atual é sem contra-indicações. Punir-se, em tais circunstâncias, alegando obstinadamente uma "obrigação de resultado", não seria apenas um absurdo: seria uma injustiça.[20]
Conforme citado pelos autores Couto Filho e Souza,
Muito antes de se imputar aos médicos predefinições ou separações casuísticas em grupos de meios e de resultados, é necessário verificarmos que a Lei 8.078/90, excepcionalmente, em seu p.4 do artigo 14, tratou a responsabilidade do profissional como subjetiva, exigindo a verificação de culpa, se coadunando, assim, com o inciso III do artigo 1 da Carta Política, vez que o profissional liberal precisa de proteção em sua dignidade enquanto pessoa humana, igualmente ao consumidor.[21]
Não se pode ser responsabilizado se o objeto não fora alcançado por razões alheias ao seu proceder, sendo certo que muitas vezes não há explicação científica. Em qualquer ramo da medicina há infinitas possibilidades de intercorrencias que estão além da compreensão da própria ciência, havendo ainda, aquelas que mesmo compreendidas, previsíveis mas que são inevitáveis.
Ora a ciência médica é limitada não é exata. E ainda, cumpre destacar que o organismo humano não é objeto inanimado. Ao contrário, interage o tempo todo, mesmo quando encontra-se sob um determinado procedimento.
CONCLUSÃO
Há necessidade de uma revisão na consideração da natureza da obrigação do médico, adequando-a à sua verdadeira natureza, sob o ponto de vista científico; isto é, o resultado dependerá também de fatores relacionados ao próprio paciente, além da técnica e preparo do médico.
Cabe ao judiciário e aos juristas a interação com o cenário atual. E a conscientização do verdadeiro fundamento da justiça, despedindo de pré-suposições perpetradas por nós juristas leigos em medicina, onde foram criadas teorias de culpa presumida, e outras formas de direito descomprometido com a justiça.
Entender que a obrigação do médico seria de resultado, é julgá-lo como Deus, ora, responsabilizar um médico pelas reações orgânicas de um corpo humano é extremar sua responsabilidade, ignorando a falibilidade da própria medicina e do próprio profissional que pode contar exclusivamente com seu conhecimento técnico. Sendo, ainda, uma afronta ao próprio diploma do CDC, que determina que a responsabilidade do profissional liberal será apurada mediante verificação de culpa.
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[1] RENTERÍA, Pablo. Obrigações de meios e de resultado: análise crítica. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.132.
[2] GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica: as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Curitiba: Juruá, 2004.p. 138e ss.
[3] Ibidem. p.140.
[4] AGUIAR JR., Ruy Rosado. Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 718, 1995. p.33 a 53.
[5] CARLOS BRANCO, Gerson Luiz. Responsabilidade Civil por Erro Médico: Aspectos. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 128-151, mar. 2000.
[6] COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. Instituições de Direito Médico. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010.p.37-49
[7] COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. op.cit.p.55
[8] FRADERA, Vera Jacob de. Necessidade de uma revisão na consideração da natureza da obrigação do cirurgião plástico.Disponível em: < http://www.espacovital.com.br/consulta/noticia_ler.php?id=14089>. Acesso em 01/11/2014.
[9] COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. op.cit.p.13
[10] GIOSTRI, Hildegard Taggesell. A Responsabilidade Médico-Hospitalar e o Código do Consumidor. Repensando o Direito do Consumidor. Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, p. 145-167, 2005.
[11] COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. op.cit.p.13e ss
[12] VIANA, Thiago Henrique Fedri. Erro Médico: Responsabilidade Civil dos Médico, Hospital e Plano de Saúde. Campinas, SP: Millennium Editora, 2012. p.37
[13] GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica: as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Curitiba: Juruá, 2004.p. 138e ss
[14] COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. Instituições de Direito Médico. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010.p.37-49
[15] DANTAS, Eduardo; COLTRI, Marcos. Comentários ao Código de Ética Médica. 2ed. Rio de Janeiro: GZ ed., 2010. p. 248.
[16] DANTAS, Eduardo; COLTRI, Marcos. Comentários ao Código de Ética Médica. 2ed. Rio de Janeiro: GZ ed., 2010. p. 248.
[17] KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: RT, 2003.p.131.
[18] FRANÇA, Genival Veloso. Cirurgia plástica: obrigação de meio ou de resultado? Disponível em:< http://www.malthus.com.br/artigos.asp?id=106>. Acesso em 01/02/2015.
[19]GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica: as obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação. Curitiba: Juruá, 2004. p.138
[20] FRANÇA, Genival Veloso. Cirurgia plástica: obrigação de meio ou de resultado? Disponível em:< http://www.malthus.com.br/artigos.asp?id=106>. Acesso em 01/02/2015.
[21] COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. Instituições de Direito Médico. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010.p.37-49
Leia mais: http://jus.com.br/artigos/36636/cirurgia-plastica-e-estetica-e-a-obrigacao-de-meio-necessidade-de-revisao-de-posicionamento#ixzz3Sy5StXve
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