Operação Lava Jato, que investiga o maior escândalo de corrupção da história do País, completa um ano. O esquema que desviava dinheiro da Petrobras por meio de contratos superfaturados com empreiteiras. Empresários e políticos estão entre os principais investigados e denunciados em uma sangria dos cofres públicos que passa de R$ 2 bilhões, mas que pode ser ainda maior.
Grandes empreiteiras atuavam em um cartel, chamado de Clube, no qual dividiam as obras da estatal. Eles possuíam inclusive regras claras para distribuir as obras com a ajuda de funcionários do alto escalão. As propinas variavam de 1% a 5% e passavam por um esquema de lavagem para depois abastecer os bolsos de políticos e campanhas eleitorais.
A operação está em sua 10ª fase, chamada “Que País é Esse”, deflagrada na segunda-feira cumprindo seis mandados de prisão e 12 de busca e apreensão.
Veja números e curiosidades da Lava-Jato:
NÚMEROS DA OPERAÇÃO LAVA JATO | |
1% a 5% | Era o percentual da propina com base no valor dos contratos das empreiteiras com a Petrobras |
20 | Ações criminais já foram propostas |
103 | Pessoas são julgadas em ações criminais |
485 | Pessoas são investigadas |
69 | Mandados de prisão foram cumpridos |
12 | Envolvidos aceitaram a delegação premiada colaborando com as investigações e devolvendo dinheiro |
R$ 319 milhões | É o valor que a investigação pede que seja ressarcido por meio de cinco ações de improbidade administrativa contra os envolvidos |
R$ 959 milhões | É o valor das multas a serem aplicadas em ações judiciais |
R$ 3,19 bilhões | São pedidos como indenização por danos morais coletivos |
R$ 4,47 bilhões | É o valor total da condenação pecuniária (em dinheiro) proposto nas ações |
R$ 182 milhões | É o valor recorde repatriado ao País em casos de corrupção. O dinheiro estava em contas no exterior do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco. |
De onde veio o nome Lava Jato
A operação começou investigando crimes de lavagem de dinheiro, inclusive do tráfico internacional de drogas, praticados pelo doleiro Carlos Habib Charter. Ele tinha como base de operações um posto de gasolina, conhecido como Posto da Torre, em Brasília. Lá, funcionavam várias lojas: uma lavanderia, uma casa de câmbio, mas nada de lava jato. De qualquer forma, foi vasculhando os negócios do doleiro que a Polícia Federal chegou a pessoas como Alberto Yousseff, que trabalhava para Paulo Roberto Costa no esquema de desvio de recursos da Petrobras.
Lindberg Farias, o Lindinho
Para registrar e controlar os repasses de dinheiro, os investigados usavam um sistema de códigos no controle de contabilidade. As empreiteiras, por vezes, mascaravam o dinheiro de propina com doações oficiais para campanhas. Um dos casos relatados pelos delatores foi o do senador Lindberg Farias, eleito pelo PT do Rio de Janeiro, que teria procurado Paulo Roberto Costa para pedir R$ 2 milhões para sua campanha ao Senado. O pagamento teria sido feito pela empresa Queiroz Galvão. Em um dos documentos apreendidos no escritório da empresa, consta uma anotação "Lindinho" e a quantia de "200", indicativo de que se refere a R$ 200 mil para o senador Lindberg Farias, segundo os investigadores.
Paulo Roberto Costa conta que em 2010 teve reunião com Eduardo da Fonte (PP), um dos líderes políticos do esquema, e com o senador Sérgio Guerra, então presidente do PSDB (morto em março do 2014). Costa estranhou a presença do tucano, já que se tratava de um político de oposição. Os parlamentares disseram a ele que o Tribunal de Contas da União (TCU) tinha apurado irregularidades na Refinaria Abreu e Lima e que uma CPI investigando a Petrobras não seria algo muito bom.
Costa avisou Armando Tripoli, chefe de gabinete de Sergio Gabrielli (ex-presidente da Petrobras), e foi determinado que a CPI deveria ser barrada, principalmente por se tratar de um ano eleitoral.
Em outro encontro dos políticos com Costa, foi ventilado que o PSDB queria R$ 10 milhões para barrar a investigação. Costa entrou em contato com as empresas Queiroz Galvão e Iesa, empresas responsáveis pelo consórcio da Abreu e Lima, que teriam ficado a cargo do pagamento da propina.
No auge do esquema, o volume de dinheiro era grande por conta dos investimetnos realizados pela estatal e o fluxo de pagamento era contínuo. Os políticos do Partido Progressista (PP) envolvidos na fraude se mostravam muito felizes com a atuação de Paulo Roberto Costa à frente da diretoria de Abastecimento da Petrobras.
Como forma de demonstrar o reconhecimento, em 2011, Costa foi homenageado por deputados do PP durante um jantar em um restaurante em Brasília. Nesse encontro, ele foi presenteado com um relógio Rolex por ser “o homem do partido dentro da Petrobras”.
Remédios para pagar tratamento de hepatite C
Ao falar sobre o pagamentos de mesadas – com valores que iam de R$ 10 mil a R$ 500 mil por semana ou a cada 15 quinzena para a bancada do Partido Progressista (PP) – o doleiro Alberto Yousseff diz que autorizou por conta própria a liberação de R$ 150 mil do caixa da propina para uma causa nobre: o pagamento do tratamento de hepatite C para o deputado federal Carlos Magno (PP-RO).
Em seu depoimento, Alberto Yousseff conta que deu o dinheiro para o deputado arcar com os cutos das vacinas em São Paulo antes de receber autorização do partido para tal. Isso porque havia uma "celeuma" dentro da legenda, uma vez que alguns políticos estavam enrolando para autorizar. Ainda de acordo com o doleiro, o dinheiro para o remédio não foi descontado da cota da propina a qual tinha direito no esquema.
Dinheiro emprestado para pagar parcelas de helicóptero
Em 2012, um dos políticos agora investigados na Operação, o deputado federal João Argolo (SD-BA), pediu dinheiro emprestado ao doleiro Alberto Yousseff para pagar as parcelas de um helicóptero Robson 44.
Yousseff não emprestou o dinheiro, mas fez uma contraproposta: assumia o resto do financiamento, mas ficava com a aeronave, que poderia ser usada até depois das eleições de 2014, sem receber de volta o que havia pagado e arcando com os custos de manutenção. Argolo teria aceitado. O doleiro pagou R$ 700 mil pelo helicóptero com recursos oriundos da empresa GDF, usada por Yousseff para lavar dinheiro da Lava Jato.
Os repasses de dinheiro da Petrobras eram operacionalizados pelo doleiro Alberto Yousseff, a mando do ex-diretor de Abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa. Mas apesar do esquema funcionar de forma azeitada, alguns parlamentares furavam a fila em busca de mais propina e quando ouviam um "não" do partido recorriam diretamente a Costa na Petrobras.
Um destes casos foi o do deputado federal Simão Sessim (PP-RJ), que, segundo os delatores, era beneficiado pelos repasses periódicos. Mas, mesmo assim, foi até a sede da Petrobras para pedir R$ 200 mil a Costa. O ex-diretor estranhou o pedido, uma vez que o parlamentar já recebia sua cota. No entanto, por conta da insistência e do valor, que considerou baixo, resolveu ceder.
Em seu depoimento, Alberto Yousseff disse que lembrava bem desse pagamento porque Paulo Roberto Costa tinha reclamado que “não aguentava mais os pedidos de Sessim”.
O ex-diretor disse ainda que, apesar da insistência dos políticos, depois que recebiam o dinheiro, eles eram discretos e não tocavam mais no assunto.
As empreiteiras que participavam do esquema de desvio de recursos atuavam em cartel chamado de “Clube”. De acordo com as investigações, o líder era o presidente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa. Ele organizava as reuniões, que muitas vezes ocorriam em escritórios de sua empresa, e teria sido o responsável por criar as regras do grupo - semelhantes as de um campeonato de futebol.
Por conta disso, ele era uma pessoa precavida. Tanto que quando foi ao escritório de lavagem de dinheiro em São Paulo, não permitiu que fossem tiradas fotos suas na recepção do prédio.
A mesma coisa acontecia nos escritórios de sua empresa no Rio de Janeiro e em São Paulo quando ocorriam os encontros das empreiteiras. Um funcionário esperava os representantes das outras empreiteiras na porta com o crachá para evitar que eles fossem identificados.
Regras do Clube de empreiteiras eram semelhantes as de um campeonato de futebol
A partir de 2004, o esquema estava consolidado. Por conta disso, os líderes do "Clube" criaram uma série de regras para organizar como seriam partilhadas as obras da Petrobras. Os encontros variavam de acordo com o cronograma de obras da estatal. Estas regras, semelhantes às de um campeonato de futebol, foram destruídas logo que a Operação Lava Jato vir à tona. No entanto, um dos delatores do esquema, o executivo Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, dono da Setal, relatou em depoimento como funcionava:
1 – As reuniões eram convocadas por telefone ou SMS pelas secretárias dos empresários.
2 – Cabia a um dos participantes o papel de coordenador. De acordo com os depoimentos, na maioria das vezes era Ricardo Pessoa.
3 – A periodicidade das reuniões variava de acordo com a disponibilidade de obras da Petrobras.
4 – O coordenador era o responsável por indicar o local, sendo que boa parte das reuniões ocorriam nos escritórios da UTC.
5 – Não era feito registro da entrada dos participantes no encontro. Um funcionário esperava na porta com os crachás e os encaminhava direto para o local da reunião.
6 – Eram formadas 16 equipes compostas por representantes das respectivas empresas.
7 – Cada uma das equipes dizia quais eram suas prioridades em relação as obras da Petrobras.
8 - Era elaborado um quadro com as prioridades de cada uma das equipes.
9 - Eram criados consórcios com as empresas visando uma distribuição igualitária dos valores que seriam pagos pelas obras.
10 – Em caso de conflito, era feita uma negociação realocando empresas para outras prioridades.
11 – Caso a negociação não desse certo, as demais equipes deveriam intervir em busca de uma alternativa que satisfizesse a todos.
12 – Cada equipe apresentava sua proposta de forma independente. Caso não se chegasse a um acordo sobre o valor, todos ficavam liberados para apresentar seu preço, como ocorreria em uma licitação normal.
13 – Cada equipe tinha a responsabilidade de elaborar as propostas dentro de preços competitivos, para que não ficasse muito fora dos padrões de mercado.
14 - Cada empresa tinha que informar aos demais os valores apresentados.
15 – Caso uma das equipes desistisse, deveria informar aos demais, que por sua vez ficavam liberados para apresentar a melhor proposta de forma independente. A empresa que abriu mão da obra, no entanto, continuaria em primeiro lugar na fila.
16 - Caso a equipe escolhida não saísse vencedora na rodada, ela voltava para o último lugar da fila e esperava enquanto as demais equipes participavam das rodadas seguintes.
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