A presente pesquisa tem por objetivo, apresentar, de forma clara e sucinta a questão da EUTANÁSIA E RESPONSABILIDADE MÉDICA, buscando uma melhor compreensão, sobre a relação ética, jurídica e profissional entre esses institutos, visto que a responsabilidade médica é de suma importância quando se trata o tema eutanásia.
A questão da eutanásia, desde os tempos remotos, motiva e preocupa médicos, filósofos e juristas, tornando o presente tema, uma questão bastante polêmica. A relação entre médicos, paciente e familiares neste crucial momento se fixa no critério da confiança, neste sentido se faz mister, sobre a óptica deste tema, buscaremos uma analise mais acentuada sobre a responsabilidade médica em face do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que se percebe uma carência de normas especificas, no que tange o tratamento da questão da Eutanásia.
Diante da real situação brasileira em que vivemos, onde o capitalismo e o jogo de interesses se sobrepõe à responsabilidade, percebe-se que a uma grande discriminação no âmbito hospitalar, em face da cor, raça e principalmente pela condição financeira do paciente. Desta forma, o crime de eutanásia acontece de forma indiscriminada.
A grande dificuldade esta em definir a extensão do crime cometido pelo profissional que praticou a eutanásia, uma vez que na esfera penal o delito é passível de vários questionamentos em face de se apurar a culpa, já na esfera civil o grande obstáculo está em medir a extensão dos danos causados a terceiros e por ultimo dentro do campo ético, o qual é instituído pelo Código de Ética Médica.
O médico que mata o doente por "compaixão" comete crime de homicídio, respondendo também na esfera civil e ética, mas na maioria das vezes o médico somente responde pelos seus atos quando a questão é pressionada pela mídia.
A carência de normas especificas para o crime de eutanásia, torna esta conduta cada vez mais impune, saindo lesado somente os familiares e amigos da vítima. Talvez pela dificuldade de se equiparar o médico como um criminoso que mata alguém de outra forma, praticando o homicídio propriamente dito.
Neste sentido, espera-se que a presente pesquisa seja de fundamental importância e que tenha um relevante valor jurídico e social, na busca de uma possível solução, ainda que provisória no sentido de responsabilizar o médico pela pratica da eutanásia, visto que esta conduta acontece no Brasil de forma indiscriminada e na maioria das vezes ficando o responsável impune.
Destarte, a pesquisa não pressupõe uma solução definitiva para a questão apresentada, mas sim, uma analise valorativa para uma melhor compreensão da responsabilidade médica em face da eutanásia.
CAPÍTULO I - EUTANÁSIA
1. Origens e conceitos da palavra
A palavra Eutanásia é de origem grega e significa "morte doce, morte calma".
Do grego eu e thanatos, que tem por significado "a morte sem sofrimento e sem dor", para outros a palavra eutanásia também expressa: "morte fácil e sem dor", "morte boa e honrosa", "alívio da dor", "golpe de graça", "morte direta e indolor", "morte suave", dentre outros.
Foi empregada pela primeira vez, pelo filósofo inglês FRANK BACON, (século XVII, herança dos gregos), que defendia a prática da eutanásia pelos médicos, quando estes não mais dispusessem de meios para levar à cura um enfermo atormentado. Neste sentido argumentava que:
"o médico deve acalmar os sofrimentos e as dores não apenas quando este alívio possa trazer a cura, mas também quando pode servir para procurar uma morte doce e tranqüila".
JOSÉ ILDEFONSO BIZATTO, (2000,p.15) em sua obra "Eutanásia e Responsabilidade Médica", cita Morselli, assim definindo eutanásia:
"A eutanásia é aquela morte que alguém dá a outrem que sofre de uma enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, para abreviar agonia muito grande e dolorosa".
Nas palavras de Pinan Y Malvar, apontado na obra de EVANDRO CORRÊA DE MENEZES, (1977,p.39/40), cujo tema se define em "Direito de Matar", o conceito de eutanásia, assim se identifica:
"A eutanásia é aquele ato em virtude do qual uma pessoa dá morte a outra, enferma e parecendo incurável, ou a seres acidentados que padecem dores cruéis, a seu rogo ou requerimento e sob impulsos de exacerbado sentimento de piedade e humanidade".
LUIZ JIMENEZ DE ASÚA, (1928, P.185), renomado professor espanhol, em sua obra "Liberdade de Amar e Direito de Morrer", define a eutanásia como:
"morte que alguém proporciona a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a que tende a extinguir a agonia demasiado cruel ou prolongada".
O ilustre doutrinador espanhol acentua que esse é o sentido verdadeiro da eutanásia, compatível com a finalidade altruística da mesma.
Já num conceito um pouco mais atual, a eutanásia propriamente dita, é assim classificada pelo ilustre autor ANTÔNIO FERNANDEZ RODRIGUEZ (1990,p.59), em sua obra "Como Vivem os Espíritos":
"morte misericordiosa ou piedosa, é a que é dada a uma pessoa que sofre de uma enfermidade incurável ou muito penosa, para suprimir a agonia demasiado longa e dolorosa".
Esta é a verdadeira eutanásia para Antonio Fernandez Rodriguez, inspirada na piedade ou compaixão pelo doente, não se propõe puramente a causar a morte.
A eutanásia é uma polêmica que envolve entendimentos múltiplos, cujas opiniões são respeitadas e merecem nossa consideração. De qualquer modo, seja qual for a definição da palavra eutanásia, mister se faz, dizer que muitos a definem de acordo com suas concepções, pois indiferente dos procedimentos aplicados, o resultado é sempre o mesmo; a morte.
Logo, observa-se que, a morte constitui-se no mais profundo dos mistérios e por mais que se invista neste terreno, tudo não acaba passando de simples indagações sem resposta, destarte, as pessoas sempre se atemorizam diante dela, e, muito particularmente, diante do sofrimento.
Tudo o que representa dor, traz desespero interior, mais especificamente quando não se pode vencê-la ou curá-la.
2.Evolução histórica
A eutanásia não é prática recente, nem tampouco aparece com a Idade Moderna, mas pode-se buscá-la no começo da civilização, mais precisamente na Grécia e em Roma.
Certo é que não há provas concretas, nem vestígios bastantes que comprovem a prática da eutanásia, no sentido que hoje se entende legítimo e verdadeiro, entre aquelas civilizações antigas.
Porém, conclui-se que, sem dúvida alguma, a eutanásia, mesmo em seu verdadeiro sentido de morte piedosa, não foi de todo estranha para os gregos, tendo sido estes a lhe darem o nome.
A eutanásia que os gregos conheceram, praticaram e da qual se tem provas históricas é a que se chama "falsa eutanásia", ou seja, a eutanásia de fundamento e finalidade "puramente eugênica".
Em Atenas, 400 anos a.C., Platão pregava no terceiro livro de sua "República" o sacrifício de velhos, fracos e inválidos, sob o argumento de interesse do fortalecimento do bem-estar e da economia coletiva. Platão e Sócrates advogavam a "morte serena".
E muito antes, Licurgo, ordenava matar as crianças aleijadas ou débeis que, impiedosamente, eram imoladas em nome de um programa de salvação pública de uma sociedade sem comércio, sem letras e sem artes e trabalhada apenas pelo desígnio único de produzir homens robustos e aptos para a guerra.
Os romanos também praticaram a falsa eutanásia, mas há notícias de que conheciam a morte piedosa. Theodoro Hommsen, romanista alemão citado por Lameira Bittencourt, apresenta sua obra "Direito Penal Romano" com provas concretas da prática da eutanásia. O ilustre jurista alemão refere-se à lei Cornélia que definia o homicídio, considerando-se este, inclusive, o movido por compaixão, e exemplificando com o médico que matava o enfermo para pôr fim às suas dores. Todavia, os romanos denominavam tal situação de homicídio benigno ou tolerável, e a lei dava a este tipo de homicídio tratamento especial e mais brando, tendo em vista atos generosos e nobres que o inspiravam. Os magistrados julgadores e os tribunais do povo consideravam a diferença entre o homicídio e a eutanásia não apenas para as decisões de culpabilidade, como também para graduar a pena.
Ainda entre os povos antigos, tem-se notícia de que os germanos matavam os enfermos incuráveis; estes, na Birmânia, eram enterrados vivos juntamente com os velhos; os eslavos e os escandinavos também apressavam a morte de seus pais quando estes sofriam de mal incurável, irreversível; os celtas tinham por hábito que os filhos matassem os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes.
A discussão sobre o tema, prosseguiu o longo da história da humanidade, com a participação de Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (On suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia) e Schopenhauer. No século passado, o seu apogeu foi em 1895, na então Prússia, quando, durante a discussão do seu plano nacional de saúde, foi proposto que o Estado deveria prover os meios para a realização de eutanásia em pessoas que se tornaram incompetentes para solicitá-la.
A BÍBLIA (II Samuel, I), no "Velho Testamento", traz um caso típico de tentativa de suicídio seguido de morte eutanásica:
Saul, tendo se ferido em batalha contra os Filisteus e temendo ser capturado por estes, pediu ao seu escudeiro que o matasse. Negando-se o escudeiro a matá-lo, Saul atirou-se sobre a própria espada, ferindo-se gravemente. Não tendo encontrado a morte, apesar disso, chamou um amalecita e pediu-lhe que o matasse, visto não mais suportar o sofrimento, e foi atendido. David, ao receber a notícia da morte de Saul, contada pelo amalecita que o matara a seu pedido, não o perdoou e mandou puni-lo com a morte.
Na Índia os doentes incuráveis eram levados até a beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca obstruídas com o barro e uma vez feito isto, eram atirados ao rio para morrerem.
Na Idade Média, sabe-se que, durante as guerras, era usado entre os soldados um punhal pequeno e afiado, denominado "misericórdia", com o qual se livravam dos sofrimentos os mortalmente feridos. Foi durante a Idade Média que ocorreram inúmeras epidemias e pestes. Nesses tempos era comum a prática da eutanásia, uma vez que as doenças alastravam-se com maior facilidade, devido ao grande estado de miséria em que se encontrava a população durante o período de decadência do feudalismo.
Nos tempos modernos convém lembrar o pedido feito por Napoleão, na campanha do Egito, ao cirurgião Degenettes, de matar com ópio todos os soldados atacados de pestes, respondendo esse a que isto se negava, porque a função do médico não era matar e sim curar.
Ensina a história que o objetivo de Napoleão era matar os enfermos irremediavelmente perdidos e já moribundos, a fim de que não caíssem vivos em poder dos turcos, uma vez que não mais podiam seguir a campanha.
No século XX, esta discussão teve um de seus momentos mais acalorados entre as décadas de 20 e 40. Foi enorme o número de exemplos de relatos de situações que foram caracterizadas como eutanásia, pela imprensa leiga, neste período. O Prof. Jiménez de Asúa catalogou mais de 34 casos.
Na Europa, especialmente, muito se falou de eutanásia associando-a com eugenia. Esta proposta buscava justificar a eliminação de deficientes, pacientes terminais e portadores de doenças consideradas indesejáveis. Nestes casos, a eutanásia era, na realidade, um instrumento de "higienização social", com a finalidade de buscar a perfeição ou o aprimoramento de uma "raça", nada tendo a ver com compaixão, piedade ou direito para terminar com a própria vida.
Em 1931, na Inglaterra, o Dr. Millard, propôs uma Lei para Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Esta sua proposta serviu, posteriormente, de base para o modelo holandês. Durante os debates, em 1936, o médico real, Lord Dawson, revelou que tinha "facilitado" a morte do Rei George V, utilizando morfina e cocaína.
O Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código Penal, através da possibilidade do "homicídio piedoso". Esta legislação uruguaia possivelmente é a primeira regulamentação sobre o tema. Vale salientar que esta legislação ainda continua em vigor. A doutrina do Prof. Jiménez de Asúa, penalista espanhol, proposta em 1925, serviu de base para a legislação uruguaia.
Em outubro de 1939 foi iniciado o programa nazista de eutanásia, sob o código "Aktion T 4". O objetivo inicial era eliminar as pessoa que tinham uma "vida que não merecia ser vivida". Este programa materializou a proposta teórica da "higienização social".
Em 1954, o teólogo episcopal Joseph Fletcher, publicou um livro denominado "Morals and Medicine", onde havia um capítulo com título "Euthanasia: our rigth to die". A Igreja Católica, em 1956, posicionou-se de forma contrária a eutanásia por ser contra a "lei de Deus". O Papa Pio XII, numa alocução a médicos, em 1957, aceitou, contudo, a possibilidade de que a vida possa ser encurtada como efeito secundário à utilização de drogas, para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportáveis, por exemplo. Desta forma, utilizando o princípio do duplo efeito, a intenção é diminuir a dor, porém o efeito, sem vínculo causal, pode ser a morte do paciente.
Em 1973, na Holanda, uma médica geral, Dra. Geertruida Postma, foi julgada por eutanásia, praticada em sua mãe, com uma dose letal de morfina. A mãe havia feito reiterados pedidos para morrer. Foi processada e condenada por homicídio, com uma pena de prisão de uma semana (suspensa), e liberdade condicional por um ano. Neste julgamento foram estabelecidos os critérios para ação do médico.
Em 1980, o Vaticano divulgou uma Declaração sobre Eutanásia, onde existe a proposta do duplo efeito e a da descontinuação de tratamento considerado fútil, VATICANO,(1980, CAP. I), "Declaration on Euthanasia":
Nada nem ninguém pode de qualquer forma permitir que um ser humano inocente seja morto, seja ele um feto ou um embrião, uma criança ou um adulto, um velho ou alguém sofrendo de uma doença incurável, ou uma pessoa que está morrendo.
O Princípio do Duplo Efeito está proposto no item III deste documento. É admissível utilizar medicação analgésica com o objetico de reduzir dor insuportável, mesmo que um efeito colateral não intencional seja a morte do indivíduo. O importante é caracterizar a intenção da ação. Esta colocação se baseia na Ética das Virtudes. Se vista dentro de uma perspectiva consequencialista a aplicação deste conceito poderia ser discutível.
Este documento da Igreja Católica admite que medidas extraordinárias, de acordo com o risco, sofrimento ou custo associado podem não ser implantadas em pacientes com morte iminente. Faculta, igualmente, a utilização e retirada de medidas experimentais, quando procedimentos terapêuticos usuais não estejam disponíveis.
Em 1990, a Real Sociedade Médica dos Países Baixos e o Ministério da Justiça estabeleceram uma rotina de notificação para os casos de eutanásia, sem torná-la legal, apenas isentando o profissional de procedimentos criminais.
Em 1991, houve uma tentativa frustrada de introduzir a eutanásia no Código Civil da Califórnia/EEUU. Neste mesmo ano a Igreja Católica, através de uma Carta do Papa João Paulo II aos bispos, reiterou a sua posição contrária ao aborto e a eutanásia, destacando a vigilância que as escolas e hospitais católicos deveriam exercer na discussão destes temas.
Em 1996, foi proposto um projeto de lei no Senado Federal (projeto de lei 125/96), instituindo a possibilidade de realização de procedimentos de eutanásia no Brasil. A sua avaliação nas comissões especializadas não prosperou.
Em maio de 1997 a Corte Constitucional da Colômbia estabeleceu que "ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por tirar a vida de um paciente terminal que tenha dado seu claro consentimento". Esta posição estabeleceu um grande debate entre as correntes favoráveis e contrárias. Vale destacar que a Colômbia foi o primeiro país sul-americano a constituir um Movimento de Direito à Morte, criado em 1979.
Em outubro de 1997, o estado do Oregon, nos Estados Unidos, legalizou o suicídio assistido, que foi interpretado erroneamente, por muitas pessoas e meios de comunicação, como tendo sido autorizada a prática da eutanásia.
Em novembro de 2000, a Câmara de Representantes dos Países Baixos aprovou, com uma parte do plenário se manifestando contra, uma legislação sobre morte assistida. Esta lei permitirá inclusive que menores de idade possam solicitar este procedimento. Falta ainda a aprovação pelo Senado, mas a aprovação é dada como certa. Esta lei apenas torna legal um procedimento que já era consentido pelo Poder Judiciário holandês. A repercussão mundial foi muito grande com forte posicionamento do Vaticano afirmando que esta lei atenta contra a dignidade humana.
Atualmente a prática da Eutanásia no Brasil é proibida, equiparando-se ao crime de homicídio.
A Constituição Federal Brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, dispõe em seu artigo 5º sobre, os direitos e garantias fundamentais, dentre estes, é assegurado o direito à vida, ou seja, a vida é um bem indisponível e inviolável, sendo então vedado ao ser humano, o direito de dispor da própria vida, uma vez que tem-se a proteção do estado desde a concepção até a morte.
O instituto da eutanásia, apesar de ser muito discutido, não se encontra presente de forma explícita, em nossa legislação penal.
Assim o Código Penal brasileiro, acabou por encaixar a eutanásia na figura típica do homicídio por "compaixão" em seu artigo 121, mesmo se diferenciando deste pela falta do animus necand, ou seja, intenção de matar, assim a pessoa ou o médico que mata (ativa ou passivamente) por "compaixão" comete crime de homicídio.
3. Tipos de Eutanásia
A eutanásia assume várias classificações em face do critério utilizado. Logo, se faz necessário, uma análise por um ângulo que aparentemente apresenta uma estrutura de mais fácil compreensão.
3.1. Quanto ao tipo de ação:
- Eutanásia ativa: o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos.
- Eutanásia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento.
- Eutanásia de duplo efeito: quando a morte é acelerada como uma conseqüência indireta das ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal.
3.2. Quanto ao consentimento do paciente:
- Eutanásia voluntária: quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente.
- Eutanásia involuntária: quando a morte é provocada contra a vontade do paciente.
- Eutanásia não voluntária: quando a morte é provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela.
Esta classificação, quanto ao consentimento, visa estabelecer, em última análise, a responsabilidade do agente, no caso o médico. Esta discussão foi proposta por Neukamp, em 1937.
Vale lembrar que inúmeros autores utilizam de forma indevida o termo voluntária e involuntária no sentido do agente, isto é, do profissional que executa uma ação em uma eutanásia ativa. Voluntária como sendo intencional e involuntária como a de duplo-efeito. Estas definições são inadequadas, pois a voluntariedade neste tipo de procedimento refere-se sempre ao paciente e nunca ao profissional, este deve ser caracterizado pelo tipo de ação que desempenha (ativa, passiva ou de duplo-efeito).
3.3. Classificações Históricas
Historicamente, a palavra eutanásia admitiu várias classificações. Destaca-se então, a título de curiosidade, a classificação proposta na Espanha, por Ricardo Royo-Villanova, em 1928:
- Eutanásia súbita: morte repentina;
- Eutanásia natural: morte natural ou senil, resultante do processo natural e progressivo do envelhecimento;
- Eutanásia teológica: morte em estado de graça;
- Eutanásia estóica: morte obtida com a exaltação das virtudes do estoicismo;
- Eutanásia terapêutica: faculdade dada aos médicos para propiciar um morte suave aos enfermos incuráveis e com dor;
- Eutanásia eugênica e econômica: supressão de todos os seres degenerados ou inúteis (sic);
- Eutanásia legal: aqueles procedimentos regulamentados ou consentidos pela lei.
No Brasil, também em 1928, o Prof. Ruy Santos, na Bahia propôs que a eutanásia fosse classificada em dois tipos, de acordo com quem executa a ação:
- Eutanásia-homicídio: quando alguém realiza um procedimento para terminar com a vida de um paciente, podendo ser por parte do médico ou de algum familiar.
- Eutanásia-suicídio: quando o próprio paciente é o executante. Esta talvez seja a idéia precursora do suicídio assistido.
Finalmente, o Prof. Jiménez de Asúa, em 1942, propôs que existem, a rigor, apenas três tipos:
- Eutanásia libertadora: que é aquela realizada por solicitação de um paciente portador de doença incurável, submetido a um grande sofrimento;
- Eutanásia eliminadora: quando realizada em pessoas, que mesmo não estando em condições próximas da morte, são portadoras de distúrbios mentais. Justifica pela "carga pesada que são para suas famílias e para a sociedade";
- Eutanásia econômica: seria a realizada em pessoas que, por motivos de doença, ficam inconscientes e que poderiam, ao recobrar os sentidos sofrerem em função da sua doença.
Estas idéias bem demonstram a interligação que havia nesta época entre a eutanásia e a eugenia, isto é, na utilização daquele procedimento para a seleção de indivíduos ainda aptos ou capazes e na eliminação dos deficientes e portadores de doenças incuráveis.
4. Vida, Morte e Dignidade Humana
Após tecer as considerações acerca do instituto da eutanásia, apontando situações a partir de diversos aspectos da consciência e inconsciência do paciente, abordaremos então, o tema em tela.
A eutanásia, não está ligada só a morte, mas também à vida e à dignidade humana.
Complicado saber até que ponto o ser humano pode dispor de sua vida, buscando a morte quando sofre uma doença incurável e também quando busca soluções pela prática da eutanásia. Dentro dessa questão, surgem grandes dúvidas, que esbarram em elementos jurídicos, éticos, religiosos, além de outros campos diversos.
É uma trivialidade pensar que as pessoas vivem a vida inteira sobre a sombra da morte.
É também verdade que se morre na sombra das próprias vidas, mas com certeza, o pior da morte, é sem dúvida, o esquecimento.
Não se pode compreender o que a morte significa para as pessoas, porque alguns preferem estar mortos a viver permanentemente sedados ou incapazes, por outro lado, outros gostariam de continuar lutando, até mesmo sob grande dor ou quando estiverem inconscientes e não puderem apreciar a luta .
Somente seria possível entender a morte, se algum falecido voltasse para nos contar sobre esta experiência, logo, se torna impossível entender tal instituto.
Até onde se sabe, Sócrates foi o primeiro filósofo a questionar eminentemente a respeito de como viver bem, mas, podem apontar diferentes posições para esta questão:
Sócrates disse que a vida se consiste de autoconhecimento; Aristóteles disse que se consiste de aperfeiçoamento da habilidade e talento; já os filósofos católicos, dizem que ela consiste na devoção e amor divino. O certo é que cada um se orgulha de uma determinada coisa.
Segundo o renomado professor espanhol, LUIS JIMENEZ DE ASÚA, (1929,p.146), em sua obra "Liberdade de amar e direito a morrer":
"De Deus e da morte não se tem contado senão histórias, e esta são mais uma delas."
Mais do que direito a uma vida em condições de desenvolvimento das potencialidade do indivíduo enquanto ser humano, a questão da dignidade refere-se mais proximamente, no que concerne ao problema das pessoas cuja capacidade de responder por si próprias é debilitada, ao direito de não sofrer indignidade. É o direito de não serem tratadas de qualquer forma que, dentro dos padrões daquela sociedade, demonstrem desrespeito.
O direito a condições dignas de vida é reclamado, por exemplo, aos prisioneiros, mesmo àqueles que tenham praticados delitos mais severamente reprovados por uma sociedade, não se desejando permitir a confusão entre o direito social de punir e a idéia de desumanidade.
Segundo o autor LUCIEN ISRAEL, ( 1993,p.59), em sua obra "O argumento da dignidade humana", defini-se dignidade sendo:
A dignidade humana está sempre acompanhada de perto pelo respeito, pela honra, pela consciência que cada um de nós tem do seu próprio valor enquanto cidadão e ser humano , detentor de uma vida e de uma individualidade, bem como portador de características únicas que fazem dele um ser sem igual. A Dignidade Humana comporta também, no seio da sua essência, os valores de uma sociedade. No entanto, e no caso de um ser humano em estado terminal que peça a Eutanásia, a sua dignidade passa pelo direito a ser tratado como qualquer ser humano saudável e não a ser tratado como se já estivesse sem vida.
Desta forma, o direito à dignidade deve ser garantido aos indivíduos mentalmente e fisicamente debilitados, e ainda sobre este prisma, a manutenção do direito à dignidade e de todos os cuidados dele decorrentes seriam movidos por mero sentimentalismo, ou respeito direcionado na verdade, às pessoas ligadas ao paciente e a ele mesmo.
CAPÍTULO II – ASPÉCTOS JURÍDICOS
O instituto da Eutanásia é um tema muito polêmico, o que gera diversos posicionamentos a respeito de sua prática.
Deve-se analisar o direito à vida, como o mais primordial dos direitos que está assegurado pela nossa Constituição Federal como garantia fundamental.
Dentro deste direito, a vida deve ser analisada em um sentido amplo, merecendo total atenção desde sua formação uterina, ao estado de pré-morte, devendo ser protegida de toda e qualquer ameaça, que tenha por fim violar este direito.
O nosso ordenamento jurídico prevê esta garantia e tem como principal objetivo preservar a vida de todo ato que contra ela atentar. Dessa forma, o direito à vida deve ser protegido pelo Estado, detentor do dever fundamental de zelar pela vida de todos os cidadãos, em face de quem quer que seja.
A partir do momento em que, através de suas práticas, causar dano ao paciente, deverá ser responsabilizado, podendo sê-lo nas esferas civil, penal e ética. Ética de acordo com o previsto em seu Código de Ética, sendo julgado pelo Conselho regional de Medicina. Penalmente, quando sua atividade estiver inserida em algum delito tipificado em nosso Código penal, sendo no caso da eutanásia, imputando o crime de homicídio privilegiado. Já civilmente, será punido com penas pecuniárias.
1. Eutanásia no Brasil
A eutanásia é enquadrada dentro do direito brasileiro como homicídio privilegiado art. 121, parágrafo 1º do CODIGO PENAL BRASILEIRO, (2005,p.697), isto é, um tipo de homicídio em que a lei prevê uma redução da pena de um sexto a um terço, assim dispõem a lei:
"se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima".
Um exemplo da aplicação desta lei na prática ocorre quando o médico tira a vida de um paciente a pedido deste ou de sua família e acaba sendo privilegiado com os atenuantes previstos em lei.
O ilustre autor PAULO JOSÉ JÚNIOR COSTA, (1988,p.464) em sua obra "Comentários ao Código Penal"; Parte Especial, entende que:
"o valor social ou moral, que deverá ser relevante, há de ser considerado objetivamente, segundo os padrões da sociedade e não conforme o entendimento pessoal do agente".
Complementando sua explicação, assim conclui:
"a prática da eutanásia ativa depende do concurso de dois médicos, um que ateste a inevitabilidade e a iminência da morte, e outro que pratique a "boa morte", sendo assim de concurso necessário".
O jurista supra citado foi muito feliz em sua argumentação, já que o agente ativo praticante da eutanásia, necessariamente, precisa ser impelido por um motivo relevante não só de seu ponto de vista, mas, para que toda a sociedade corrobore este motivo.
Como podemos ver em nosso Código Penal, apenas a eutanásia ativa, aplicada por médicos em doentes terminais, faz parte de nosso ordenamento jurídico, sendo considerada um crime com atenuante e passível de redução de pena, devido ao seu valor social ou moral.
Já, as espécies selecionadora e econômica, são definidas em nosso código penal como homicídios qualificados, com intenção de matar, sem qualquer piedade, e quem a praticar, sofrerá pena de reclusão, sendo alijado do convívio na sociedade.
Vale salientar que essas duas espécies de eutanásia se confundem, pois visam interesses econômicos ou seletivos da raça humana, o que, por si só, já caracteriza a prática de um homicídio qualificado nos termos da lei.
Assim, observa-se que, a palavra eutanásia tem um sentido meio contraditório, pois, mesmo significando literalmente "boa morte", verifica-se que algumas de suas espécies demonstram totalmente o contrário, existindo, a título de exemplo, a chamada eutanásia selecionadora, que não passa de um verdadeiro homicídio qualificado.
Após esta analise das situações em tela, pode-se também afirmar que a prática de eutanásia no Brasil é crime, mesmo em sua forma ativa (quando o médico, através de fármacos, tira a vida do paciente), onde o doente pede para morrer, pois já não agüenta mais sofrer, passar por angustiantes dores e a morte se aproxima com uma lentidão cruel.
Somente a eutanásia passiva, a qual, consiste em "deixar morrer", não é enquadrada dentro da legislação brasileira e, ao nosso ver, deveria ser a única forma permitida de eutanásia, já que consiste em deixar o doente em estado terminal morrer, sem prolongar seus sofrimentos e de seus familiares, quando se sabem serem comprovadamente inúteis os meios empregados para mantê-lo em vida puramente vegetativa. Em suma, não há porque manter a pessoa viva por intermédio de aparelhos médicos quando se sabe serem inócuas as esperanças do enfermo em retomar sua vida normal, pois este fato só faz aumentar o sofrimento do paciente e da família que está a acompanhar seu drama e sofrendo junto com o moribundo.
As espécies de eutanásia selecionadora e econômica não merecem maiores comentários, pois, conforme foi explicitado anteriormente, elas não passam de homicídios qualificados, visando apenas interesses de melhoria da raça humana ou puramente econômicos.
Em síntese, não se deve confundir a eutanásia, que propicia morte aos doentes incuráveis, com homicídio por interesse ou por compaixão, que visa a eliminação de seres inúteis para o trabalho ou ao convívio para com a sociedade.
Neste sentido, entende-se que, apenas a eutanásia terapêutica - nas formas ativa e passiva - deve ser considerada como tal e as outras duas espécies - selecionadora e econômica - não deveriam nem sequer enquadrar-se como espécies de eutanásia.
2. A Eutanásia na reforma do Código Penal Brasileiro
Em 1984, o Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do CÓDIGO PENAL BRASILIRO, (artigo 121, § 3°) , disciplinou a eutanásia, ao isentar de pena o médico, assim dispondo:
"o médico que, com o consentimento da vítima, ou, na sua possibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, antecipa morte iminente e inevitável, atestada por outro médico".
Porém, houve a reforma da Parte Geral da atual legislação penal, sem que a parte especial chegasse a ser realizada.
Atualmente, em tramitação perante o Congresso Nacional, o Projeto de reforma do Código Penal, disciplina a eutanásia, dentre – Dos crimes Contra a Vida- Homicídio em seu Art. 121 [...], da seguinte forma:
"§ 3°. Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:
Pena — reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos".
Apresentando também a possível Exclusão de Ilicitude:
"§ 4°. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão".
Observa-se, desta forma, que se aprovada a reforma proposta, a eutanásia passará a configurar uma causa de diminuição de pena do homicídio.
Mister se faz, salientar que, quanto à Ortotanásia, o projeto de reforma do Código Penal atribui uma causa de exclusão da antijuricidade, ao determinar em seu artigo 12, §4° que:
"não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, desde que a morte iminente e inevitável seja testada por dois médicos e haja consentimento do paciente ou de familiares".
Tramita no Senado Federal, um projeto de Lei 125/96, elaborado desde 1995, porém nunca foi votado, tal projeto estabelece critérios para a legalização da "morte sem dor".
O projeto prevê a possibilidade de que as pessoas com sofrimentos físicos ou psíquicos possam solicitar que sejam realizados procedimentos que visem a sua própria morte.
A autorização para estes procedimentos será dada por uma junta médica, composta por cinco membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante. Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização.
Observa-se que projeto de lei é bastante falho na abordagem de algumas questões fundamentais, tais como o estabelecimento de prazos para que o paciente reflita sobre sua decisão, sobre quem será o médico responsável pela realização do procedimento que irá causar a morte do paciente, entre outros itens.
CAPÍTULO III – DA RESPONSABILIDADE MÉDICA
1. Responsabilidade Médica
Partindo de um tema como a Eutanásia, torna-se impossível não abordar a responsabilidade do médico. Quando fala-se em atos ilícitos, deve-se lembrar de que um fato ilícito pode gerar efeitos civis e penais, além de outros.
Um ato ilícito gera efeitos civis e criminais. A conduta do médico que prática a eutanásia pode ser ativa ou passiva, por ação ou omissão e gerará a responsabilidade civil ou criminal, ou ambas, como também na esfera ética.
Ambas têm pontos parecidos, pressupõem um resultado danoso, uma ação ou omissão em relação de causalidade.
O ser humano sempre esteve sujeito a dores e enfermidades. Dessa forma, para preservar sua saúde e, igualmente, para evitar doenças, mantendo-se físico e mentalmente sadio, recorre à figura do médico.
Desde o início da vida em sociedade, e logicamente, desde que o homem passou a assimilar técnicas de cura e diagnósticos dos males que atormentam a sua vida e a de seu semelhante, o ser humano passou a encontrar na figura do médico um verdadeiro Deus, cuja responsabilidade era a de livrar o mundo dos males que o afligem e de devolver a paz, a segurança e, finalmente, a saúde perdida.
Seria, pois, o guardião da vida, bem maior assegurado ao ser humano, sendo seus deveres ser correto, dedicado, respeitar a vida, devendo agir sempre com cautela, diligência, evitando que seu paciente seja conduzido ao sofrimento, à dor, à angustia e a perdas irreparáveis.
Para o mestre AFRANIO PEIXOTO, (1920, p.26), em sua obra "Sorriso da Sociedade", o respeito para com o médico perante a sociedade assim se define:
"o respeito que a sociedade deve à profissão médica só continuará justificado se, além de a sentir capaz, a souber responsável".
A Medicina busca prevenir os males, mas também quer encontrar melhorias dos padrões de saúde e de vida da coletividade, como indica o artigo 1º do Código de Ética Médica. Exercendo sua profissão, o médico sempre deve zelar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão, em obediência a princípios éticos norteadores de sua atividade.
Infelizmente, observa-se um acentuado crescimento de falhas médicas, ocasionadas não somente pelas atividades do próprio médico, ma também pelo quadro degenerado do sistema de saúde do país. A péssima remuneração dos médicos e a falta de condições ideais de trabalho são os principais motivos apontados e que os levam a se tornarem mais suscetíveis a falhas e cometimentos enganosos.
Conseqüentemente, os pacientes acabam sendo vítimas dessas deficiências, não sendo raro observar casos de doentes que foram vítimas de erros médicos, caracterizando, sem dúvidas, violações aos direitos da personalidade humana e sancionáveis em diferentes níveis.
Desta forma, dentre o exercício profissional ligado ao campo da medicina, apenas uma única falha pode acarretar conseqüências irremediáveis, já que a vida uma vez perdida, é irrecuperável. Nesse sentido, o profissional acaba sendo responsabilizado pelas suas atividades, sendo certo que a sua responsabilidade pode gerar efeitos nas esferas ética, cível e criminal.
De acordo com o ilustre jurista JOSÉ ILDEFONSO BIZATTO, (2000,p.69) em sua obra "Eutanásia e Responsabilidade Médica":
"a obrigação inerente a cada um dos profissionais, que no seu oficio, obrar com imprudência, imperícia ou negligencia ou dolo, causando prejuízos a outrem".
Para existir a possibilidade de atribuir ao médico a responsabilidade de um ato danoso necessário se faz que ele tenha deixado de cumprir com seus deveres, que são o dever de informar e aconselhar, dever de assistir e dever de prudência, a serem analisados posteriormente. O profissional da Medicina não pode praticar atos profissionais danosos ao paciente que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência. Essas modalidades de culpa podem ser aferidas pelo Conselho Regional de Medicina, como falta ética, na Justiça Cível, para fins de indenização ou na Justiça Criminal para enquadrara conduta a um tipo penal.
Logo, ao agir de forma incorreta, o medico deverá ser responsabilizado. A responsabilidade se faz em três campos, a saber, o penal, cível e ético. No campo penal, o médico será processado e terá suas funções suspensas temporariamente, sendo-lhe também, no caso da eutanásia, imputando o crime de homicídio, de acordo com o previsto no artigo 121 do Código Penal. No campo cível, o profissional deverá indenizar o paciente ou os familiares por ocasião de dano causado e cujo valor vai depender do grau de lesão ao direito deste. Já no campo ético, cabe ao Conselho Regional de Medicina tomar as providencias cabíveis.
A responsabilidade médica seria uma obrigação do profissional em sofrer as conseqüências das faltas por eles cometidas no exercício da sua especialidade, ao trazer danos, lesões para o seu paciente.
Atualmente, a responsabilidade médica tem os seus fundamentos não só na legislação, mas também na moral. Moralmente, os seus alicerces são a consciência e a observância à lei natural, sendo a consciência conceituada como sendo a capacidade de autocrítica moral que preside a elaboração dos critérios de conduta, de ação, e de julgamento dos valores.
Um elemento que é sempre destacado quando se fala de responsabilidade medica, é o erro médico.
GENIVAL VELOSO DE FRANÇA, (1987, p.19), em sua obra " Comentários ao Codigo de Ética Médica", define o erro medico como sendo:
"a conduta profissional inadequada que supõe uma observância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligencia".
Também pode-se conceituá-lo como sendo o mau resultado ou resultado adverso decorrente de ação ou omissão do médico. É, portanto, uma conduta involuntária do médico, mas de caráter culposo, conseqüência de imperícia, imprudência ou negligencia.
De acordo com JOSÉ ILDEFONSO BIZATTO, (2000,p.398) em sua obra "Eutanásia e Responsabilidade Médica", o erro médico é:
"a falha do profissional no exercício da profissão, levado pela imprudência, negligencia ou imperícia".
Resumidamente pode-se dizer que imprudência é quando o médico age sem a cautela necessária, tendo sempre caráter comissivo. É toda e qualquer conduta caracterizada pela intempestividade, precipitação, insensatez ou inconsideração. Já a negligencia médica ocorre quando há falta de observância aos deveres que a situação pede, exige, sendo, portanto, um ato omissivo.
Finalmente, a imperícia é a falta de análise das normas, por despreparo ou por insuficiência de conhecimentos.
Dentro da eutanásia, todavia, a figura do erro médico não é elemento fundamental, uma vez que esta não é tipificada pela legislação. Não se pode falar em erro médico para uma conduta não prevista de forma explícita em lei. Se a eutanásia já fizesse parte da legislação brasileira, como previam as reformas no Código Penal Brasileiro, conforme elucidado, pode-se-ia falar em erro médico.
Tão somente assim haveria a possibilidade de se responsabilizar o médico por um erro médico quando se tratasse da prática da eutanásia.
Entretanto, mesmo com a eutanásia já tipificada, seria quase impossível haver um erro médico em sua aplicação, visto que, se observados os requisitos apresentados por JOSÉ ILDEFONSO BIZATTO, (2000,p.453) em sua obra "Eutanásia e Responsabilidade Médica",, conforme exposto, assim:
"qualquer erro médico seria facilmente detectado antes da efetiva realização da eutanásia em si, pois outros profissionais, como o promotor de Justiça, iriam barrar a prática, já que algum requisito não foi observado".
Dessa forma, e sabendo que a eutanásia não está tipificada na legislação brasileira, deve-se simplesmente levar em consideração o ato ilícito em si, ou seja, a figura do "homicídio", os danos causados e, logicamente, o nexo causal entre esses dois elementos, para caracterizar, pois, a responsabilidade do médico.
Quando se fala em eutanásia, a responsabilidade médica, somente vai existir quando o médico praticar a mesma, configurando-se o delito como homicídio para em face do Código penal atual e conseqüentemente responsabilizado-se pelos danos resultantes do ato em questão.
2. Médico e Paciente Terminal
A relação entre médico e paciente deve estar sempre baseada na confiança, dessa forma, ele deve ter a responsabilidade de garantir que seu paciente com doença fatal tenha as melhores condições enquanto houver possibilidades.
A Resolução do Conselho Federal Medicina de número 1246, datada de 08 de janeiro de 1988, conhecida como Código de Ética Médica, trata da relação do paciente e familiares para com o médico no seu Capítulo V, dos artigos 56 ao 71.
É importante deixar claro que quaisquer condutas realizadas pela equipe médica devem ser discutidas com a família e, quando possível, com o próprio paciente, dando noção do que é melhor para assisti-lo. O consentimento do paciente ou de seus representantes legais é basilar na relação com o médico. O profissional deve discutir, pois, a utilização de recursos considerados inúteis e capazes, por igualdade, de causar dores e desconforto para o paciente em estado terminal, com o mesmo ou com seus familiares.
Paciente terminal, é o doente portador de uma doença incurável que o levará, em um prazo mais ou menos curto, ao óbito, ou seja, não existem esperanças de vida. O artigo 56 da supra citado legislação declara que é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnosticas ou terapêuticas.
Sabe-se que, atualmente, os profissionais da área médica não medem esforços para salvar ou aliviar a dor dos doentes, mesmo que seja necessária a aplicação, por exemplo, de narcóticos que diminuam suas dores. O próprio CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, (2005,p.12) indica, em seu artigo 57, que é proibido:
"Art. 57 - deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente".
Independente da situação, não esconder a verdade do paciente e, muito menos, de seus familiares é a melhor saída. Uma vez que o profissional observa que não há chances de cura e que os recursos possíveis já se esgotaram, ele não deve alimentar as esperanças do moribundo. Utilizar-se de métodos considerados desproporcionais, ou seja, aplicar a distanásia é um grande problema, pois não haverá o prolongamento da vida propriamente dita, mas sim do processo de morrer, acarretando cada vez mais, e por mais tempo, problemas e sofrimento não só para o paciente, mas também para os seus familiares.
Com a morte já declarada, sendo que há exclusivamente a sustentação de uma vida vegetativa por meios artificiais, o médico deve somente acompanhar o "paciente doente" e não a "doença do paciente". Dessa forma, a idéia mais sensata seria a suspensão dos meios artificiais e supérfluos para se esperar que a morte ocorra no seu devido tempo, momento no qual o médico, juntamente à família, deve estar ao lado do paciente dando-lhe necessário conforto e assistência.
O profissional da Medicina não deve mentir aos familiares do paciente terminal e também a este. A verdade somente pode ser omitida quando eles não estão preparados psicologicamente para receber a notícia. Portanto, o oportuno é que o médico, depois de analisar o comportamento e a efetividade dos parentes, dê conhecimento dos fatos a eles, para que tomem as providências cabíveis no caso em tela.
Assim, pode-se dizer que o médico, diante de um paciente terminal, pode optar pela manutenção do tratamento até o ultimo sopro de vida; abandoná-lo à própria sorte, o que vem a ser omissão de socorro, ou de utilizar-se de todos os recursos disponíveis da ciência médica ou, então, praticar a eutanásia. Em quaisquer situações, o médico deve estar consciente de que será responsabilizado pelos seus atos, tentando tratar seu paciente sempre da melhor maneira possível.
A prática da eutanásia, por exemplo, pode até ser realizada, mas o médico deve ter plena consciência de que é condenada pelo CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA,(2005, p.14), ao indicar em seu artigo 66 que é vedado:
"Art.66 - utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal".
Sabe-se que é muito freqüente os médicos acabarem demonstrando apego ou frieza diante de um paciente terminal, haja vista ser uma forma dele tentar se proteger contra o trauma de perder um paciente e enfrentar situação tão complicada.
Porém, é fato que o profissional médico deverá agir dentro dos limites da medicina e tomar decisões sempre com a prévia consulta ao paciente, quando possível, ou aos seus familiares, para que não surjam eventuais discussões. Em qualquer circunstância, a regra é respeitar a moral do paciente, dentro dos limites estabelecidos pela lei e na defesa, sempre intransigente, da dignidade humana. Maior que todas as questões é não se esquecer da dignidade do paciente terminal.
3. Deveres do Médico
O médico na realização de suas funções possui deveres e, logicamente, direitos. Dentro do estudo proposto, os deveres do profissional da Medicina, sem dúvida, possuem maior necessidade de pesquisa, tendo, pois, que se destacar quais as obrigações do médico para com o seu paciente.
Logo, são obrigações basilares do médico o dever de informar, o dever de atualização, o de abstenção do abuso e o de vigilância, valendo lembrar que todos estão descritos no texto do Código de Ética Médica.
O dever de informar consiste na necessidade plena e contínua do médico de deixar informado seu paciente, e também familiares, sobre todo o processo em questão, uma vez que só assim é possível um consentimento esclarecido, obtido por meio de uma linguagem adequada e compreensível. Veda-se, através do artigo 41 do Código de Ética Médica, qualquer falta de esclarecimento do médico para o paciente sobre as determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença.
Igualmente, o médico deve sempre se aprimorar, buscando conhecimento recente da profissão, técnicas de exames e tratamentos novos, para, assim, exercer suas atividades sempre da melhor maneira possível.
Obrigação essencial do médico é a da abstenção de abuso. Sempre é importante observar se o profissional trabalhou com os devidos cuidados e, portanto, descaracterizado de precipitação ou de insensatez, para evitar, pois, quaisquer danos aos bens protegidos.
O médico jamais pode se exceder em medidas arriscadas e desnecessárias, o que caracteriza abuso em sua profissão, é claro que a medicina está amparada em riscos e que estes acabam sendo necessários e inadiáveis em certas situações, mas o médico deverá ponderar muito bem esses riscos em qualquer prática para que não haja problemas, danos futuros. Por fim, o médico é obrigado a ser diligente, agindo com todo o cuidado e atenção, com a finalidade de evitar danos que venham a ser apontados como negligência ou incúria.
O médico tem o dever de lutar pelo perfeito desempenho ético da medicina, pelo prestígio e bom conceito da profissão, como declara o artigo 4º do CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, (2005, p.3):
"Art. 4° - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão".
Acima de qualquer ação, o médico deverá manter absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefícios do paciente como prescreve o artigo 6º do CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, (2005, p.4):
Art. 6° - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Respeitar as crenças de seus pacientes, tolerando-lhes seus caprichos e fraquezas, evitando alarmá-los por gestos, atos e palavras também é papel fundamental do homem profissional médico. O artigo 1º do CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, (2005, p.2), proclama que:
Art. 1° - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza.
O respeito pela religião do paciente é de extrema importância na eutanásia. Sabe-se que a religião é item essencial na sua decisão, sendo a eutanásia condenada pela grande maioria dos religiosos. O consentimento do paciente, ou de sua família quando for o caso, é necessário sempre, e neste contexto, a figura da religiosidade exerce grande barreira para a prática de certos atos na Medicina, o que ocorre não só com a eutanásia, mas também nos caso de transfusão de sangue em testemunhas de Jeová.
É dever do médico responsabilizar-se por seus atos em relação aos seus pacientes, assim como prescreve o artigo 32 do CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, (2005, p.8):
"Art. 32 - Isentar-se de responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que este tenha sido solicitado ou consentido pelo paciente ou seu responsável legal".
Mesmo com o consentimento, a prática da eutanásia não é permitida e o médico irá responder por isto, independentemente de consentimento anterior.
Por fim, observa-se que, ao atender seus pacientes, o médico deverá exercer, obrigatoriamente e ao mesmo tempo, seus direitos e deveres. Suas obrigações para com o paciente são apenas obrigações de meios, de zelo e de prudência de resultado. Portanto, buscar os verdadeiros fins da Medicina através de suas funções é papel fundamental do médico para com o seu paciente, amparando-se no Código de Ética Médica.
4. Pressupostos da Responsabilidade Médica
São pressupostos para que se configure a responsabilidade civil do médico o comportamento próprio, ativo ou passivo, e que tal comportamento viole o dever de atenção e cuidados próprios da profissão médica, tornando-se, pois, antijurídico. A conduta também deve ser imputada subjetivamente ao médico, a título de culpa ou dolo, sendo necessário que haja um resultado danoso, podendo ser material ou moral. Por fim, deve existir uma relação de causalidade entre o ato médico e o dano sofrido, elemento basilar para a caracterização da responsabilidade médica em, primeiramente, a existência de um comportamento danoso, a produção de um dano, o nexo causal entre conduta e dano, e, finalmente, a culpabilidade do autor do dano.
O dano é um requisito muito importante, um a vez que não existe dever de reparar ou indenizar sem a existência de um prejuízo. Pode ser conceituado como sendo o abalo sofrido pela vítima. Se este abalo for de ordem econômica, tem-se o dano patrimonial, mas se atingir a ordem psíquica da vítima, temos um dano moral.
Dano, na lição da ilustre jurista MARIA HELENA DINIZ, (200,p.198), em sua obra "Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil", pode ser definido como:
"a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral."
Para a responsabilização não é suficiente a existência do inadimplemento de uma obrigação ou a comprovação de culpa, há que se existir, em regra, um dano. Os danos representam lesões aos interesses juridicamente protegidos, atingindo direta ou indiretamente o patrimônio de terceiro ou a sua moralidade.
É importante deixar claro que o fato que ocasionou o dano na vítima tem que ter origem na ação positiva ou negativa desencadeada pelo ofensor. É esta ligação, este liame que é chamado nexo causal, ponto basilar dentro da responsabilidade. Trata-se de uma relação existente entre o evento danoso e a ação que o produziu, relação esta necessária para a imputabilidade da culpa ao autor do dano.
Para caracterizar o nexo de causalidade, deverá ser demonstrado o vínculo entre o dano suportado ou sofrido e a conduta comissiva ou omissiva do agente responsável, sendo essencial para a devida responsabilização do médico. Não é, portanto, suficiente, para que seja exigível a responsabilidade civil, que o demandante tenha sofrido um prejuízo, nem que o demandado tenha agido com a culpa. Deve existir um vínculo de causa e efeito entre a culpa e ao dano, é necessário que o dano sofrido seja conseqüência da culpa cometida
Excetuando-se os casos da responsabilidade objetiva, a regra geral menciona que cabe à vítima a comprovação não só da culpa, mas também da ligação entre esta e o dano, ou seja, do nexo causal.
5. Responsabilidade Civil Médica e a Eutanásia
Medicina e Direito são responsáveis pela guarda de valores sociais absolutos como vida e liberdade. A relação médico-paciente exige irrenunciavelmente, a confiança.
O Código de Hamurabi é o começo da regulamentação jurídica da profissão do médico. Ele prevê em seu bojo, penas severas desde a proibição do exercício profissional, até a amputação da mão do médico imperito ou mesmo desafortunado.
Tais sanções eram aplicadas quando da morte ou séria lesão do paciente, sendo previsto inclusive o ressarcimento quando mal curado um animal ou escravo.
A responsabilidade civil começa a nascer, a partir do Direito Romano, e na atualidade observa-se a possibilidade de o médico ser responsabilizado por seus atos na atuação junto ao paciente, com repercussões legais que podem se situar na área jurídica da responsabilidade civil.
Neste sentido, se faz necessário analisar as formas de responsabilidades inerentes ao médico:
A moral, se baseia no pecado, é estranha ao Direito e não vai nos interessar aqui. O agente pode se sentir "obrigado moralmente" a restituir um dano. Mas apenas por sua consciência ou convicções religiosas.
A administrativa ou disciplinar, é a que decorre da falta à norma ética inerente a uma profissão. Exemplo: Código de Ética Médica (Resolução 1.246 de 26.02.1988 do CFM).
A penal, é o resultado da conduta tipificada como delito, punindo o agente nos casos previstos em lei. Busca a manutenção da ordem social.
A responsabilidade civil pode ser classificada em: responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva. A primeira independe de culpa, a segunda só se faz presente provado a culpa lato ou stricto sensu. Abordaremos mais adiante essas duas formas de responsabilidade.
A eutanásia acaba não fugindo muito do que já foi indicado. O médico ao praticar a eutanásia age em desacordo com a lei, logo, ao produzir dano ao paciente, ou seja, sua morte, e também aos seus dependentes, neste caso de cunho moral, deverá ser responsabilizado pelos seus atos, tendo que, na esfera cível indenizar a família em questão.
Os pressupostos gerais da responsabilidade civil no caso da eutanásia se resumem na necessidade do dolo, uma vez que não se pode falar em eutanásia culposa; na ação ou omissão, exceto na hipótese da ortotanásia, e, finalmente a existência do nexo causal.
Em relação ao nexo causal, há vários questionamentos, sendo resolvidos pela Teoria da equivalência dos antecedentes do Direito Penal. de acordo com esta teoria, causa é todo antecedente sem o qual o resultado não teria ocorrido. Não sendo possível suprimi-la hipoteticamente, sem afetar o último, estamos diante de uma verdadeira causa, com a ação do médico que praticou a eutanásia. Ainda tem-se a teoria da causalidade adequada, indicando que causa é o fato que, abstratamente considerado, produziria ordinariamente a conseqüência.
Logo, os efeitos extraordinários se subtraem do nexo causal. Entretanto, a lei penal optou pela primeira, de acordo com o previsto no artigo 13 do Código Penal, assim aplica-se esta teoria do Direito Penal no âmbito civil, pode-se dizer que agente é aquele que originou o resultado em conformidade à presente teoria, e que a superveniência de uma causa relativamente independente, que provocar desvio extraordinário no curso do desdobramento causal, acabará por romper o nexo.
Uma vez sabendo que a eutanásia é encaixada dentro da figura do homicídio, deve-se levar em consideração esta posição para efeitos dentro da esfera civil. Dessa forma, de acordo com o artigo 948 do NOVO CÓDIGO CIVIL (2005, p.291), podemos dizer que:
Art. 948 -No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I- No pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II- Na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando em conta a duração provável da vida da vítima.
O disposto no presente artigo vale, claramente, para o médico que, de acordo com o artigo 951 do Código Civil, no exercício de atividade profissional causar a morte de seu paciente. Portanto, deverá ser responsabilizado pelo pagamento das despesas com os tratamentos que foram realizados, bem como com funeral e luto da família, fato que pode ocorrer na eutanásia quando realizada pelo profissional da Medicina. Da mesma forma, pode ser o médico responsabilizado a prestar alimentos às pessoas que o paciente morto pela eutanásia os devia.
Resta claro que não se pretende tratar a dor como uma mercadoria, mas tão somente utilizá-la como parâmetro para a determinação do quantumdevido, proporcionando, aos atingidos, meios econômicos que propiciem o necessário à mitigação de seu sofrimento, serve, pois, para tranqüilizar os súditos do ordenamento jurídico, que têm por imprescindível a retribuição do mal causado.
As sanções no Direito Civil possuem natureza meramente pecuniária. Assim, o médico deverá reparar, financeiramente, os danos decorrentes de seus atos. Ao praticar a eutanásia, acaba por toda a estrutura da família do paciente, ainda mais quando não houve o consentimento. Dessa forma, a família, buscando reparar seus danos, a saber, morais, entra com uma ação em busca de responsabilizar o profissional médico pela sua prática.
Porém, no Brasil, é pequeno o número de médicos que acabam sendo condenados pela morte de seu paciente, uma vez que acabam utilizando a desculpa de que o paciente não suportou o tratamento, e estes vêm a praticar a eutanásia. No caso da eutanásia, leia-se "homicídio privilegiado", já que é assim que se trata este instituto na legislação até a presente data, muito dificilmente um médico será responsabilizado pelo exercício desta, pois sempre ocorre longe das vistas da Justiça, sendo que poucos casos acabando vindo à tona, isso quando a imprensa os divulga.
Portanto, mesmo sem estar expressa em lei, a prática da eutanásia deve ser colocada como responsabilidade do médico, podendo, em teoria, o profissional da Medicina ser responsabilizado nas esferas civil, penal e ética.
6. Responsabilidade Subjetiva e Objetiva
No campo da responsabilidade médica civil, pode-se abordar as espécies objetiva e subjetiva, analisaremos a seguir às seguintes situações, as quis são de suma importância na responsabilização deste profissional em tela.
6.1 Responsabilidade Civil Objetiva
A responsabilidade objetiva baseia-se na responsabilidade de reparar os danos, independente da comprovação de existência de culpa do agente.
O dano é circunstância elementar da responsabilidade civil não podendo haver responsabilização onde não há prejuízo.
A renomada doutrinadora MARIA HELENA DINIZ, (1994, p.356) em sua obra "Curso de Direito Civil Brasileiro" conceitua com precisão o dano:
O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo. Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar. Isto é assim porque a responsabilidade resulta em obrigação de ressarcir, que, logicamente, não poderá concretizar-se onde nada há que reparar.
Nesta situação, o ônus da prova é invertido, cabendo ao requerido provar que não há nexo de causalidade entre o dano e o ato ilícito ou que houve culpa exclusiva da vítima.
Imposta, na maioria das vezes, pela lei. Acaba por obrigar o médico a reparar um dano causado sem a necessidade da demonstração da culpa ou dolo, satisfazendo-se, pois, com o dano e o nexo causal.
A responsabilidade civil objetiva é sempre prevista em lei e foi consagrado pelo artigo 37, § 6°. Da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, (2005,p.55), "Vade Mecum", que prescreve:
Art. 37. § 6°. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pêlos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos caso de dolo ou culpa.
A teoria do risco busca justificar a responsabilidade objetiva, indicando que toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros e deve ser obrigada a repará-lo, mesmo que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil, nestes casos, desfoca-se da noção de culpa para focalizar tão somente a idéia de risco. Logo, é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável, existindo, assim, o risco profissional.
6.2 Responsabilidade Civil Subjetiva
A responsabilidade civil subjetiva, também conhecida como Teoria da Culpa, pressupõe a culpa como fundamento para a responsabilidade civil. Sem a prova de culpa não há se falar em responsabilidade. É a teoria em que se assenta a responsabilidade médica.
O CÓDIGO CIVIL BRASIL (2005, p.214), "Vade Mecum", adotou a teoria subjetiva como padrão, é o que se pode observar no artigo 186 deste diploma:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
A responsabilidade subjetiva é regra, fundamentando-se na culpa lato sensu configurando-se com o dolo (vontade dirigida à prática do dano) ou com culpa stricto sensu (negligência, imperícia, imprudência), cabendo ao lesado comprovar a existência da ação ou omissão que causou o dano material e/ou moral.
A responsabilidade civil do médico está fundamentada no artigo 951 do CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, (2005, p.291), "Vade Mecum", que apregoa:
Art. 951. O disposto no artigo 948,949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agrava-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilita-lo para o trabalho.
Logo, surge a obrigação se indenizar, segundo o que disõe, CODIGO CIVIL BRASILEIRO, (2005, p.288) "Vade Mecum",em seu artigo 927, dispondo que:
" Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo".
Ou seja, toda pessoa que causar dano a outrem, pela prática de ato ilícito, será obrigada a reparar pelo dano.
Estabelece-se destarte, alguns pressupostos para o estabelecimento da culpa médica, tornando-se elementos constitutivos da responsabilidade civil subjetiva: o dano; a culpa lato sensu do agente e o nexo de causalidade entre o dano e o ato falho.
Trataremos aqui da culpa stricto sensu (sem intenção do agente), como fomentadora da responsabilidade civil do médico, deixando o dolo á parte.
Assim, para a comprovação da culpa médica faz-se necessário que aquele que sofreu o dano prove a negligência, imprudência e imperícia, institutos estes, os quais veremos mais adiante, detalhadamente.
É o elemento do ato ilícito, em torno do qual a ação ou a omissão leva à existência de um dano.
É claro que só existirá culpa se dela resulta um prejuízo, todavia esta teoria não responsabiliza aquela pessoa que se portou de maneira irrepreensível, distante de qualquer censura, mesmo que tenha causado um dano.
Aqui, argüir-se a responsabilidade do autor quando existe culpa, dano e nexo causal, logo, depende do comportamento do sujeito, não sendo suficiente o dano e o nexo causal para o surgimento da obrigação de reparar, é mister a comprovação do dolo ou culpa na ação do ofensor, sendo que esta comprovação deve ser realizada pela vítima.
Vale ressaltar que o Código Civil brasileiro adere à teoria da responsabilidade subjetiva ao se destacar a necessidade de se observar o dolo e a culpa como fundamento para a existência da obrigação de reparar o dano.
Entretanto, em certos dispositivos esparsos, tem-se a adoção da responsabilidade objetiva. A partir do momento em que a teoria subjetiva for insuficiente para atender às necessidades encontradas, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar independentemente daquela noção.
7. Modalidades da Responsabilidade Médica
7.1. Negligência
Derivada do latim, negligentia caracteriza-se por um descuido, desleixo, falta de diligência própria, desatenção, desídia, falta de cuidado. Está atrelada a uma idéia de omissão, de "deixar de fazer" alguma coisa que os pares fariam. No caso médico, atrela-se ao deixar de usar procedimentos padrões de acuidade profissional.
São exemplos de negligência, entre outros, esquecer pinça cirúrgica na barriga de um paciente após o término de uma cirurgia, demora de encaminhamento a especialista, descaso no pós-operatório, uso de instrumentos não esterilizados.
A omissão de tratamento e abandono de paciente, são consideradas formas graves de negligência pelo Código de Ética Médica, pois o direito do médico escolher seus pacientes não é absoluto.
Veja o que diz o artigo 7°. do CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (2001,p.4):
Art. 7°. O médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não sendo obrigado a presta serviços profissionais a quem ele não deseje, salvo na ausência de outro médico, em casos de urgência, ou quando sua negativa possa trazer danos irreversíveis ao paciente.
7.2. Imprudência
É a falta de cautela, descuido, ação irrefletida, impensada ou precipitada, resultante de imprevisão do agente em relação ao ato que podia e devia pressupor, ou ainda quando o médico age com excesso de confiança, desprezando regras básicas de cautela.
Normalmente a imprudência caracteriza-se por um fare (ato comissivo) enquanto a negligência se caracteriza por um non fare (ato omissivo).
São exemplos de imprudência: a operação de um paciente sem seu devido e adequado preparo; a prescrição de medicamentos por telefone; a execução de procedimentos sem o devido esclarecimento e consentimento prévio ao paciente, entre outros.
Veja o exemplo do que está incito no artigo 36 do CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, (2001, p.16):
É vedado ao médico:
Art.36. Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado do atendimento de seus pacientes em estado grave.
7.3. Imperícia
Do latim, imperitia, referente ao instituto da imperícia, que esta ligada à ignorância, incompetência, inabilidade, inerentes a prática de determinados atos, no exercício de uma profissão que exige conhecimento específico. É a falta de prática ou ausência de conhecimento que se mostram necessários ao exercício de uma profissão.
Pratica atos de imperícia, o profissional que delega atos a pessoas não habilitadas para exercer a Medicina, ou é conivente com atos ilícitos.
Alguns autores entendem que não pode ser imperito um médico diplomado, e muito menos o que tenha especialização. Posto que passado foi, pelo exame de proficiência.
Entende-se que o exame de proficiência e especialização "habilita" o profissional para a laboração da atividade, para o exercício da profissão, qualificando-o para tal em sentido lato sensu, estando a imperícia atrelada ao fato concreto em que o profissional atuou, perfazendo sua conduta stricto sensu, derivando daí sua maior ou menor participação no resultado danoso sem desqualificá-lo da atividade como um todo.
8. Erro de diagnóstico e erro de conduta
O profissional médico não é obrigado a saber de tudo e pelo princípio da autonomia, possui total liberdade para empregar os meios necessários para tratar o paciente, logo, tem-se também o princípio da beneficência, segundo o qual o profissional deve procurar agir o melhor possível para proporcionar o bem ao seu paciente.
Ao fazer um diagnóstico equivocado comete um erro escusável, já que um mesmo sintoma pode estar ligado á várias doenças, algumas das quais com causas desconhecidas. O diagnóstico, portanto, tem uma probabilidade de estar errado.
Contudo, o que deve ser deixado claro é que o médico não pode errar a conduta. O médico deve corrigir sua conduta e ir alterando seus procedimentos de modo a encontrar a correia percepção do problema.
Tal conduta dependerá das respostas de cada procedimento, podendo o diagnóstico ser corrigido a cada passo, para que o desvio do alcance do objetivo se§a menor, possibilitando o retorno a verdadeira percepção real dos fatos e diagnóstico.
Veja como conclui HILDEGARD TAGGESELL, (2005, p.45),em sua obra "Erro médico à luz da jurisprudência comentada":
Do que se conclui que agirá o médico com culpa, não por ter errado o seu diagnóstico, mas por ter insistido em manter-se dentro de uma conduta não satisfatória e não adequada, não advindo daí nenhum benefício para o seu paciente e, por conta da qual não poderá este último apresentar progresso ou melhora em sua patologia.
9. Responsabilidade pelo fato da coisa
Vale também ressalvar, a importância do médico em saber manusear os equipamentos médico-hospilares, os quais, são de suma importância para o auxilio ao tratamento do enfermo em fase ou não terminal, pois um mero erro de operacionalização, pode acarretar uma situação irreversível.
No exercício da profissão, o médico muitas vezes, para melhor desempenhar sua atividade, utiliza-se de instrumentos ou aparelhos.
O uso de bisturis, aparelhos de hemodiálise, raios laser, raios X, aparelhos eletro-eletrônicos, bombas de cobalto, instrumentos ortopédicos e cirúrgicos, enfim, qualquer objeto que possa ser classificado como um aparelho médico-hospitalar pode gerar responsabilidade para o médico e/ou hospital. Assim, o mal uso de um instrumento - que o médico deveria saber como operar devidamente - se gerar dano para o paciente, dará razãoà responsabilização, já que o uso do objeto confunde-se com o ato médico.
De igual natureza, a ocorrência de um acidente, inaplicável ao médico, cuja causa esteja ligada a vício ou defeito no mecanismo do aparelho, poderá haver certa dose de responsabilidade para o médico, independente de se lhe atribuir culpa, pois ao usar aquele aparelho, estava ele garantindo contratualmente ao seu paciente, a segurança esperada.
Todavia cabe ao médico, ação de regresso contra o fabricante ou contra o importador do aparelho, cujas responsabilidades são tidas como objetivas e disciplinadas claramente no Código do Consumidor.
10. O Código de Defesa do Consumidor e a responsabilidade civil do Médico
A Lei 8.078/90 (CDC-Código de Defesa do Consumidor) aplica-se perfeitamente aos contratos médico-paciente, ou instituição médico-paciente, porque resultante de uma prestação de serviços.
O princípio da responsabilidade objetiva do prestador de serviços, consagrado no NOVO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, (2005, p.86) "Vade Mecum", parágrafo 4°. do art. 14, dispõe que:
"Parágrafo 4º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa".
Não se alterou, portanto, a concepção já consagrada em nosso direito. O CDC classificou os médicos (profissionais liberais) em instituições médicas e os pacientes como consumidores finais da prestação de serviços. No entanto, a exceção, aplica-se apenas ao próprio profissional liberal, não se estendendo às pessoas jurídicas que ele integre ou para as quais preste serviço.
Logo se o médico trabalhar para um hospital, responderá ele apenas por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital será apurada objetivamente. Se o profissional utiliza o hospital apenas para internar seus pacientes particulares, não mantendo vínculo empregatício com o estabelecimento, responde com exclusividade pêlos seus erros, afastada a responsabilidade do estabelecimento.
É importante destacar que também estão sujeitos a disciplina do CDC, com responsabilidade objetiva e de resultado, os laboratórios de análises clínicas, bancos de sangue e centros de exames radiológicos, como prestadores de serviços.
Veja o artigo 6 º, VIII do NOVO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, (2005, p.84) "Vade Mecum":
Art.6°. São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Conforme a lei, a critério do juiz, pode-se inverter o ônus da prova, isso decorre da discricionariedade do juiz ao verificar hipossuficiência do autor ou quando o juiz entender difícil a realização da prova pelo lesado, diante de um fato inconteste.
A regra para os profissionais liberais, por ser um contrato "intuitu persone", a responsabilidade civil é subjetiva, assim como já vimos, necessita da comprovação de culpa do profissional, não se aplicando tal procedimento às pessoas jurídicas.
É o que prescreve o NOVO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, (2005, p.86) "Vade Mecum", art. 14, dispondo que:
Art.14. O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição e riscos.
Parágrafo 4°. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Assim sendo, somente serão responsabilizados por danos quando ficar demonstrada a ocorrência da culpa subjetiva, em quaisquer das suas modalidades: negligência, imprudência ou imperícia.
Não é o caso dos serviços profissionais prestados pelas pessoas jurídicas, seja sociedade civil, seja associação profissional.
Pois propositalmente o Código de Defesa do Consumidor prevê, em todo seu sistema, uma única exceção ao princípio da responsabilização objetiva para acidentes de consumo: os serviços prestados por profissionais liberais - dentre eles o médico - para os quais manteve o sistema tradicional baseado na culpa.
Ou seja, se o médico trabalha para um hospital, com vínculo empregatício, responderá o médico, por culpa, enquanto a responsabilidade civil do hospital será apurada objetivamente.
Lembremos que o caput do artigo 14 do CDC condicionou a responsabilização do fornecedor de serviços à existência de defeitos relativos à prestação de serviços (faute du service).
11. Excludentes da Responsabilidade
O médico não poderá ser responsabilizado por dano ao seu paciente se, no curso de sua atuação profissional, configurar-se uma das excludentes de responsabilidade, a saber: o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima.
Funcionam como excludentes da responsabilidade médica, a conduta culposa da vítima, o fato de terceiros - caracterizado pela ação dolosa ou culposa de outrem alheio ao procedimento médico - o caso fortuito e a força maior, tais , as anomalias imprevisíveis.
Repare que a culpa deve ser exclusiva e não concorrente. Neste caso, se configuraria uma responsabilidade bipartida, onde cada uma das partes responderia pela parcela de culpa que lhe coubesse.
É sempre bom lembrar que a equação biológica vida e morte podem surpreender qualquer bom profissional.
Um médico não poderá ser responsabilizado se ao prescrever um medicamento de uso corrente, o resultado advindo for diferente do usual. Havendo coerência na conduta tomada pelo médico com a conduta padrão, profissionalmente estabelecida, não há falar-se em responsabilização pelo médico.
CONCLUSÃO
Feitas todas estas considerações, a eutanásia, portanto, é fator ímpar nas discussões atuais ao se questionar até quando o homem pode decidir sobre a própria vida ao enfrentar a morte, ou seja, até que situação valores éticos, morais e religiosos deverão influenciar na manutenção da vida de um moribundo de quadro irreversível. Logo, não consiste exclusivamente em um problema bioético, atingindo toda a sociedade e seus diversos segmentos.
É uma questão não muito recente, mas traz grandes dúvidas quando é colocada em tela.
Encontrar um conceito unânime de eutanásia é tarefa não muito fácil, já que os diversos autores a definem levando em consideração suas concepções religiosas, morais éticas e jurídicas. Podemos dizer que é a privação da vida de uma pessoa, tida como paciente terminal, a requerimento da própria, ao desejar pôr fim aos seus sofrimentos e dores.
A eutanásia põe em jogo o maior bem do homem, que é a vida. O direito à vida é pressuposto indispensável para a prática e aquisição de todos os outros. Sendo elemento primordial para a aquisição de todos os demais direitos, a vida está protegida pela nossa Constituição Federal.
De igual forma em que o homem tem direito a viver, o homem tem direito de morrer, a partir do momento em que sua vida não pode ser mais salva, ao estar sofrendo com fortes dores e moléstias. Entretanto, é importante deixar destacado que de nada vale viver, ou até mesmo morrer, sem se levar em consideração a dignidade, direito fundamental também amparado pela nossa Constituição Federal. É dever do Estado proteger o homem, dando-lhe respaldo para viver com dignidade.
O médico no campo de suas atividades, deve sempre se pautar nos princípios da Bioética, para assim, buscar o verdadeiro objetivo da Medicina. O princípio da autonomia, deve ser observado e imposto não só pelo médico, mas também pelo paciente , já que devemos considerar sempre o seu consentimento, sua opinião. Temos também o princípio da beneficência, segundo o qual o profissional deve procurar agir o melhor possível para proporcionar o bem ao seu paciente.
Ao acompanhar seus pacientes, o médico deverá agir da melhor forma possível, para não lhe causar danos e problemas. A partir do momento em que, através de suas práticas, causar dano ao paciente, deverá ser responsabilizado, podendo sê-lo nas esferas civil, penal e ética.
O presente trabalho não teve intenção alguma em demonstrar-se contra ou a favor da eutanásia. Seu escopo foi, apenas, traçar um panorama deste instituto para compreender, de forma mais clara, suas implicações.
A eutanásia até poderia ser tipificada, desde que houvesse discussões profundas para evitar, ou, ao menos, minimizar os questionamentos futuros, já que a morte sempre foi, e será, grande imprecisão para o ser humano. No caso de tipificação da eutanásia, dever-se-ia apresentar requisitos objetivos e procedimentos para que assim, em cada caso, fosse possível decidir pela sua aplicação ou não.
De qualquer forma, e finalizando, toda atividade do médico, e não só deste, deve ter como parâmetro de fundo a dignidade no que tange ao direito de morrer. Devemos respeitar o paciente, o seu direito de viver, fator que faz com que o médico tente de todas as formas salvar sua vida, bem como seu direito a morrer, porém, exaltando como requisito fundamental a dignidade deste ser tão maravilhoso.
ANEXOS
1. Jurisprudências
Estados Unidos
(Traduzido e editado)
Um caso precursor da eutanásia adveio de uma decisão judicial no caso Karen Quinlan, em 1976, no qual o desligamento da aparelhagem que mantinha artificialmente a vida vegetativa do paciente em coma profundo e internado em estabelecimento hospitalar, a pedido do pai e em nítida discordância com a equipe médica, ainda conservou a paciente viva por mais de dois anos, mesmo sem a referida aparelhagem. A decisão da Corte baseou-se na análise conjunta dos seguintes quesitos:
- Existe um direito de interromper o tratamento médico ?
- Quais os tipos de tratamentos que podem ser interrompidos ?
- Em que tipo de pacientes eles podem ser interrompidos ?
- Quem é competente para tomar esta decisão ?
- Quais são os critérios adequados para justificar a interrupção do tratamento?
As conclusões foram as seguintes:
A Corte de New Jersey reconheceu que o direito à privacidade incluía o direito de recusar tratamento médico.
A Corte deliberou que os pacientes nos quais não fosse possível jamais o retorno à uma existência cognitiva e sapiente, conforme a avaliação da comissão de ética hospitalar, poderiam ser candidatos a este procedimento.
Foi ainda decretado que, o parente mais próximo na função de garantidor, no caso seu pai, era competente para tal decisão, não dependendo de recurso judicial posterior.
No Brasil
Não houve aqui nenhum caso que fôra concedida a eutanásia.
A primeira Jurisprudência trata de uma mãe que pediu uma autorização judicial para a realização de aborto eugenésico, alegando ser o seu feto portador de anencefalia. O pedido foi indeferido e a mesma impetrou com mandado de segurança que também fôra negado pelo Desembargador Almeida Braga julgando extinto o processo sem apreciação do mérito. Uma vez que o aborto eugenésico não está previsto no nosso Código Penal entre os casos de aborto legal, o excelentíssimo desembargador tomou esta decisão com base no Código Penal título I, que trata "Dos crimes contra a pessoa" e no capítulo I, que dispõe sobre os "Crimes contra a vida"; Código Civil, art. 4º; Estatuto da criança e do adolescente, art. 7º e Constituição Federal art. 50, I e art. 227, afirmando ainda, que não há como autorizar a prática eutanásica mesmo quando o feto é portador de encefalia, porque o bem jurídico vida é tido como inalienável, indisponível e irrenunciável. E essa pretensão não pode ser havido como um direito, uma vez que conflita com preceitos da Constituição Federal.
A segunda jurisprudência refere-se à uma ação ordinária com pedido de tutela antecipada, ajuizada por uma mãe contra um estabelecimento hospitalar, no qual a autora pede que o hospital-réu não desligue os aparelhos que mantém vivo o seu filho sem sua autorização e ainda forneça-a diariamente, cópia dos prontuários médicos relativos ao estado de seu filho. Foi decidido que o desligamento dos aparelhos não podia ser feito sem a autorização de quem quer que seja, sob as penas da lei, acrescentando para a ré a obrigação de liberar em vinte e quatro horas para a autora, contra recibo, os prontuários, fichas, exames, laudos de exames, para que a requerente possa enviá-los a outro país na tentativa de salvar a vida de seu filho. O estabelecimento hospitalar não satisfeito com a decisão obtida pela autora interpôs agravo de instrumento, no qual pediu efeito suspensivo e este foi indeferido, e ainda quanto à parte da decisão que proíbe o desligamento dos aparelhos, esta não pode ser alterada, negando portanto provimento ao recurso.
MANDADO DE SEGURANÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de MANDADO DE SEGURANÇA nº 376.036-3/3-00, da Comarca de ITAPECERICA DA SERRA, em que é impetrante SHEILA GOMES FERREIRA, sendo impetrado o MM JUIZ DE DIREITO DA SEGUNDA VARA CRIMINAL DE TABOÃO DA SERRA: (Voto nº 13500)
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria de votos, julgar extinto o processo sem julgamento do mérito, de conformidade com o relatório e voto do Relator designado, que ficam fazendo parte integrante deste presente julgado.
Participaram do julgamento os desembargadores ALMEIDA BRAGA, vencedor e EGYDIO DE CARVALHO, Relator sorteado, vencido, com declaração de voto.
São Paulo, 22 de abril de 2002.
SILVA PINTO, Presidente e Relator designado.
Voto
SHEILA GOMES FERREIRA requereu, perante o MM. Juiz de Direito da Segunda Vara Criminal da comarca de Taboão da Serra, autorização judicial para realização de aborto eugenésico, alegando ser o feto portador de anencefalia.
O pedido foi indeferido.
Contra tal decisão, impetrou mandado de segurança, por entender que a decisão feriu direito líquido e certo da impetrante.
Negada a liminar, prestou o d. magistrado as informações solicitadas.
Pela denegação é o parecer do d. Procurador de Justiça.
ESTE O RELATÓRIO.
Inviável a concessão da segurança.
Segundo a dogmática cristã, o feto adquire o estado de pessoa desde a concepção, ou seja, desde o surgimento do embrião (junção do espermatozóide com o óvulo). Há vida a partir desse momento.
Essa crença prevalece desde os primórdios do Cristianismo e restou preservado no correr dos séculos.
Pouco importa saber a idade do feto. Com mais tempo ou menos tempo de vida, considera-se, desde o início, como sendo pessoa dotada de um espírito semelhante ao do Criador.
E não é só o Direito Canônico que considera o feto como pessoa. Assim também o Direito Positivo Brasileiro.
Com efeito, o Código Penal classifica o aborto no título I, que trata "Dos Crimes Contra a Pessoa" e no capítulo I , que dispõe sobre os "Crimes Contra a Vida". O Código Civil, por seu turno, logo no início, "põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro"(art. 4º).
O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que sempre hão de ser tomadas medidas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso da criança (art. 7º).
O bem jurídico penalmente tutelado, no caso do aborto, é a vida. E Magalhães de Noronha esclarece que "em qualquer momento, o produto da concepção está vivo, pois cresce e se aperfeiçoa, assimila as substâncias que lhe são fornecidas pelo corpo materno e elimina os produtos de recusa; executa, assim funções típicas de vida" ("Direito Penal", Saraiva, 2ª ed., vol. 2, págs.61 e 62).
O feto, conseqüentemente, é um ser vital dotado de espírito.
Outrossim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) estabelece que "cada pessoa tem direito à vida..." e a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) diz que "a criança, em razão de sua imaturidade física e mental, necessita especial proteção e cuidado, incluindo adequada proteção legal tanto antes como depois do nascimento".
Relevante notar que o bem Jurídico primordial também é especialmente protegido pela Constituição Federal.
Começa estabelecendo ser inviolável o direito à vida (art. 5º, inciso I); insiste no mesmo tema, no art. 227, ao dar absoluta prioridade ao direito à vida.
Em face dos preceitos legais mencionados, infere-se que a autorização do aborto eugenésico, não contemplado por qualquer norma do direito infraconstitucional, resultaria em afronta à Lei Maior, o que se afirma sem negar o devido respeito aos que defendem teses opostas.
Não há como autorizá-lo mesmo quando o feto é portador de encefalia, porquanto o bem jurídico "vida" é havido como inalienável, indisponível e irrenunciável. Daí o repúdio à eutanásia.
Demais, o prognóstico no sentido de que seria o ente portador de tal anormalidade não se reveste da infabilidade. O parecer consta de simples atestado médico.
Pelos motivos apontados, Nelson Hungria, um dos mais respeitados penalistas do Brasil, com renome internacional, preleciona que "O Código não incluiu entre os casos de aborto legal o chamado aborto eugenésico, que, segundo o projeto dinamarquês de 1936, deve ser permitido quando existe perigo certo de que o filho, em razão de predisposição hereditária, padecerá de enfermidade mental, imbecilidade ou outra grave perturbação psíquica, epilepsia ou perigosa e incurável enfermidade corporal"("Comentários ao Código Penal", Forense, ed. De 1942, vol. V, pág. 275).
Devido às ponderações acima exposta, sólida Doutrina apregoa que não existe viabilidade jurídica para sustentar possa o juiz, mediante provocação da parte interessada, expedir autorização para prática de aborto (cf. artigo do Juiz Ovídio Rocha Barros Sandoval - in RT 739/497; artigo do Des. Walter Moraes in RJTJESP 99/209; artigo do Dr. Ricardo Henry Marques Dip in RT 734/537; artigo do Dr. Geraldo Baptista Siqueira - in "Aborto Humanitário: Autorização Judicial"- RT 675/301; artigo do Juiz de Direito Wanderley Hosé Federigh - publicado no jornal "O Estado de São Paulo"de 30 de março de 1986, pág.40; artigo do Dr. Louri Geraldo Barbiero - publicado na Revista "Justiça e Poder"- outubro de 2000, págs. 20 e 21.
Se a pretensão da impetrante conflita com preceitos da Constituição Federal, é lógico que não pode ser havido como um "direito". E, para argumentar, ainda que para os mais liberais, assim o fosse considerado não poderia ser havido como "líquido e certo" em face da grande polêmica que existe em torno da matéria.
Pelo exposto, julgam extinto o processo sem apreciação do mérito.
DECLARAÇÃO DE VOTO
VENCIDO DO DES.
EGYDIO DE CARVALHO
Trata-se de mandado de segurança impetrado sob a alegação de estar a paciente padecendo de constrangimento ilegal imposto pelo MM. Juiz de Direito da Segunda Vara Distrital de Taboão da Serra, Comarca de Itapecerica da Serra, consistente em haver indeferido sua pretensão pela realização de aborto de feto que se reputa de vida extra-uterina inviável, por anencefalia, nos autos do procedimento n. 115/2000.
O pedido é instruído com documentos de fls. 09/24.
Negada a medida liminar pleiteada, fls. 28.
Prestadas as informações de praxe, fls 30/32, e também acostadas com documentos de fls.33/34.
O Parecer da D. e I. Procuradoria, fls. 36/39. É pela denegação da segurança.
É o breve relatório.
A lei prevê no art. 128 do Código Penal que não se pune o aborto praticado por médico quando, "Se tratar de aborto necessário", ou então, "aborto no caso de gravidez resultante de estupro ou atentado violento ao pudor".
A doutrina e a jurisprudência são oscilantes e polêmicas em aceitar ou não o caso de aborto "eugênico", medida esta não prevista por lei, isto sem entrar no aspecto e questão religiosa do assunto.
Os autos retratam que a parturiente foi levada a exame pela Divisão de Clínica Obstétrica do Instituto Central e lá ficou assentado que "Atestamos para os devidos fins que examinamos a gestação de Sheila Gomes Pereira, dentro dos critérios de medicina fetal através de ultra-sonografia genética fetal nível IV e constatamos dentro de um trabalho de equipe médica da qual participaram a Dra. Maria de Lourdes Brizot, CRM 62.218, e Dra. Glaucia Rosana Guerra, psicóloga, CRP 06/48.475-3, que o feto possui idade gestacional de 28 semanas e apresenta um quadro de ANENCEFALIA (ausência de calota craniana e cérebro). A malformação acima mencionada é seguramente incompatível com a vida extra-uterina. Caso a gestação venha a prosseguir, todos os dados da literatura médica apontam para a morte do recém-nascido após o parto. A paciente encontra-se extremamente angustiada face a esta situação, sem prognóstico, mas mantém sua capacidade de crítica e decisão".
No mesmo sentido foi o resultado do exame ultra-sonográfico de fls. 13 dos autos e realizado pela Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas - FMUSP.
Como se vê, a parturiente não sofre risco de vida, mas sim o feto que terá provavelmente poucos dias de vida, se chegar a tal, e completamente deformado caso sobreviva, com a ausência da calota craniana e cérebro.
Como já dito linhas volvidas, a doutrina e jurisprudência são polêmicas sobre o assunto. Com relação à doutrina aproveitamos o ensinamento de Guilherme de Souza Nucci quando a respeito assinala que : "Entretanto, se os médicos atestarem que o feto é verdadeiramente inviável, vale dizer, é anencéfalo (falta-lhe cérebro), por exemplo, não se cuida de vida própria mas de um ser que sobrevive à custa do organismo materno uma vez que a própria lei considera cessada a vida tão logo ocorra a morte encefálica. Assim, a ausência de cérebro pode ser motivo mais do que suficiente para a realização do aborto, que não é baseado em características monstruosas do ser em gestação, e sim na sua completa invitabilidade como pessoa, com vida autônoma, fora do útero materno", in "Código Penal Comentado", Editora Revista dos Tribunais, edição 2000, pág. 335.
A propósito, outro não é o pensamento de parte da jurisprudência: "O aborto eugênico tem por fundamento o interesse social na qualidade de vida e independente de todo o ser humano, e não o interesse sem assegurar a existência de qualquer um desses seres e em quaisquer condições. O aborto eugênico traduz-se como as demais hipóteses do sistema de indicações, em causa excludente de ilicitude"(Aborto por indicação eu gênica - Alberto silva Franco, pág. 27).
O Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais de dezembro de 1993, n.2, enfoca artigo de autoria do Juiz Geraldo Francisco Pinheiro Franco, de São Paulo, sobre se "impossível a sobrevida do feto, deve ser autorizado o aborto. Aliás esse mesmo magistrado, em exercício no Departamento de Inquéritos Policiais - DIPO da Capital de São Paulo, deferiu recentemente, após rigorosa perícia médica, pedido de realização de aborto, autorizando-a para interrupção da gravidez, com segurança, longe da clandestinidade. Assim é a hipótese do aborto em que haja constatação da impossibilidade de vida extra-uterina do feto, por malformação física, como ocorre no caso da acrania - ausência de crânio", (in "Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial", Alberto Silva Franco e outros, 6ª ed., Editora Revista dos Tribunais, volume I, tomo II, pág. 2.128).
Temos, pois, que o feto se apresenta com malformação congênita inexistindo a possibilidade de vida extra-uterina, devidamente comprovada. O deferimento da medida se faz necessário para evitar sofrimento físico e psicológicos à mãe e familiares.
Outra conduta não se pode exigir da gestante, que não a interrupção do desnecessário e desumano sofrimento que chegaria a termo de uma gestação que já se sabe resultará na morte do neonato. Destarte, não pode e não deve a gestante ser obrigada a suportar o prosseguimento desta gestação deficiente, além do pior, que será presenciar a morte de seu filho que já antecipadamente sabe que virá a ocorrer. O sofrimento, portanto, seria desumano e inexigível, e o prolongamento desse quadro não traria à requerente nenhum benefício, mas ao contrário, prejuízo maior do que ela já vem sofrendo e certamente sofrerá com o abortamento que se faz preciso.
Por estas razões, de ordem doutrinária e jurisprudencial, independentemente de posições em contrário, inclusive de fundo religioso, ousei divergir da maioria, sendo meu voto no sentido de conceder-se a segurança para autorizar a interrupção da gestação da impetrante Sheila Gomes Ferreira .
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 3118/99
RELATORA: DES. AUREA PIMENTEL PEREIRA
Agravo de Instrumento. Recurso interposto por estabelecimento hospitalar contra decisão que proibiu o desligamento dos aparelhos que mantêm paciente em estado de coma vivo, sem a autorização de quem de direito, ao mesmo tempo impondo ao referido estabelecimento a obrigação de fornecer a genitora do paciente cópias de prontuários e exames médicos. Acervo da decisão agravada revestida, ademais, de indiscutível conteúdo humanitário. Recurso desprovido.
Vistos e examinados estes autos de Agravo de Instrumento nº 3118/99, em que figuram, respectivamente, como agravantes: Sociedade Portuguesa de Beneficência de Niterói e Agravados: Lúcia Cunha de Carvalho.
ACORDAM os Desembargadores da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em, negar provimento ao agravo. Decisão Unânime.
Trata-se de agravo de instrumento, interposto pelo réu, contra decisão que, nos autos de ação ordinária, pela agravada ajuizada, concedeu adiantamento de tutela para compelir o réu a: primeiro se abster de proceder ao desligamento dos aparelhos que mantêm vivo o filho da autora, internado no hospital demandado, sem a autorização desta; segundo, fornecer à autora, diariamente, cópia dos prontuários médicos relativos ao referido paciente (fls.18).
Impede registrar que a decisão ora agravada foi parcialmente alterada por decisão posterior, que deixou claro que o desligamento dos aparelhos não podia ser feito "sem a autorização de quem quer que seja, sob as penas da lei", acrescentando para a ré a obrigação de liberar em 24 horas,, para autora, contra recibo, "os prontuários, fichas, exames, laudos de exames, para que a requerente possa enviá-los (...) ao 1o mundo na tentativa de salvar a vida de seu filho" (fls.29/31).
O despacho de fls. 78 v. da Relatora indeferiu o efeito suspensivo pedido pela agravante.
A agravada ofereceu contraminuta às fls. 83/86.
O Dr. Juiz a quo prestou informações no ofício de fls. 92/96, que veio acompanhado de peças do processo.
Diligências da Relatora, às fls. 123 e 130, devidamente cumprida às fls. 124/129 e 130v./131.
Isto Posto:
Como se lê da petição do agravo, a agravante se insurge contra o despacho por cópia, às fls. 24 posteriormente alterado, em parte, pelo que está, também por cópia, às fls. 29/31, que assegurou à autora de ação ordinária, aqui agravada, o direito de não ver desligados os aparelhos que mantêm vivo no hospital réu, seu filho, André Luiz Carvalho Vieira de Souza, e ao mesmo tempo receber, do mesmo réu, cópias de laudos, exames e prontuários médicos relativos ao citado paciente.
Como foi registrado no despacho da Relatora, (fls. 78v.), que indeferiu o efeito suspensivo pedido pelo agravante, a parte da decisão que determinou a liberação, em favor da ora agravada, de documentos médicos, já teve seus efeitos exauridos, de vez que a busca e apreensão dos referidos documentos já foi cumprida (fls.33/35), vendo-se das peças encaminhadas a esta Câmara, pelo Dr. Juiz a quo, com suas informações que a autora está, efetivamente, de posse dos originais de tais documentos (fls. 107).
Quanto à parte da decisão agravada que proíbe o desligamento dos aparelhos "sem autorização de quem quer que seja, sob as penas da lei"(fls.29), está agora em sintonia, com a liminar, pela Relatora concedida no Mandado de segurança nº 258/99, pela ora agravada impetrado - distribuído a esta Câmara, à mesma Relatora - em se que alveja decisão outra, proferida, no Juízo de primeiro grau, que ordenou a intimação da autora a assinar em 48 horas, na Secretaria do hospital demandado, termo de responsabilidade, pelo tratamento médico de seu filho, pena de transferência do mesmo para hospital público, transferência essa que se temeu pudesse ter lugar com o desligamento dos aparelhos.
O decisum proferido pela Relatora, quando da concessão da liminar, tem o seguinte teor, que merece ser transcrito para o conhecimento do que foi na referida liminar concedido.
"Em face da gravidade da situação e a urgência em que uma decisão seja proferida, defiro" sit et in quantum, a liminar, para suspender os efeitos da decisão alvejada pelo writ, para melhor exame do pedido, após as informações da autoridade impetrada. Deixo, todavia, consignado que, se a impetrante, como alegou, no item 12.12, da petição inicial: "Não pode assumir qualquer responsabilidade pela internação do filho", até porque foi o pai que inicialmente assinou o termo de responsabilidade, por ocasião da internação, deve-se abster de intervenções no tratamento, que está sendo dispensado ao paciente - que se encontra em estado de coma - intervenções essas que segundo informou o hospital, às fls. 9/10, estão transformando dito tratamento, com prejuízo do próprio paciente. Oficie-se, comunicando o ora decidido e solicitando-se informações " .
Nessa linha de entendimento, portanto, e tendo presente que, como já se registrou, a decisão recorrida, no ponto em que assegurou à autora, ora agravada, o recebimento de documentos médicos, já se encontra com seus efeitos exauridos, não há, na verdade, o que corrigir na referida decisão, quando proibiu o desligamento dos aparelhos, que mantêm vivo o filho da agravada, sem prévia autorização, não só desta última, mãe do paciente, como também "de quem possa validamente tal autorização dar".
A situação é realmente dolorosa, mas não pode ser alterada no momento.
Por tudo que foi exposto, portanto, nega a Câmara provimento ao recurso.
Rio de Janeiro, 30 de junho de 1999.
DESEMBARGADORA ÁURA PIMENTEL PEREIRA
PRESIDENTE / RELATORA
2 Reportagens
Jornal nacional de 26 de setembro de 2003
Título: Eutanásia em debate - na França, a morte de um jovem tetraplégico reabriu a discussão sobre a eutanásia.
Hoje os médicos anunciaram a morte de Vicent. Reconheceram que respeitando o desejo do jovem de 22 anos, limitaram a medicação e o rapaz faleceu.
Há três anos, Vicent sofreu um acidente de carro. Ficou tetraplégico, mudo e cego. E nesse calvário anunciou que queria morrer. Primeiro, pediu permissão ao presidente da França Jacques Chirac, que recusou. Depois quis viajar para outro país, onde a eutanásia é permitida. A mãe, Marie se mostrou pronta para levá-lo, mas não conseguiram. Ela dizia que queria ajudá-lo porque era inconcebível ver o filho sofrendo tanto.
Com apenas o leve movimento de um dedo, Vicent escreveu um livro chamado "eu vos peço o direito de morrer". A mãe todo dia visitava o filho. E de tanto ele pedir para morrer, ela mesma o atendeu. Na noite de quarta-feira Marie botou uma overdose de barbitúricos no soro que alimentava Vicent.
Uma tragédia anunciada aconteceu no dia em que o acidente de Vicent completava três anos. O pai disse que queria que o filho morresse em paz. O irmão disse que a mãe é a pessoa mais corajosa que ele conhece.
Marie a princípio foi presa. Depois foi levada para um hospital psiquiátrico. O advogado dela perguntou: qual seria a pena justa para ela? A lei diz que á crime. Mas como lidar com tanto sofrimento?
A morte de Vicent e o futuro de sua mãe, relançam esse debate na França. Pelas leis francesas, o presidente Jacques Chirac tem o poder de perdoar a mãe de Vincent.
Jornal Nacional de 30 de setembro de 2003
Título: Indiciada médica alemã simpatizante de eutanásia
Uma médica alemã foi indiciada, hoje, por ter provocado a morte de 76 pacientes num período de dez anos. Ela alega que pretendia aliviar o sofrimento dos doentes em estado terminal.
A médica trabalhava numa clínica particular em Hanover, Alemanha, e tinha sido suspensa há dois meses, quando surgiram suspeitas sobre as quantidades de morfina aplicadas aos pacientes com câncer. Segundo a promotoria, não há provas de que os pacientes estivessem sofrendo ou em estado terminal.
Jornal Nacional de 13 de outubro de 2003
Título: Mulher britânica teve negado o apelo à eutanásia
Uma mulher britânica vai recorrer à corte européia de direitos humanos para que possa cometer o suicídio.
Diane Pretty, de 43 anos, teve hoje negado pela câmara dos lordes o apelo pelo direito à eutanásia. Diane sofre de uma doença degenerativa, que aos poucos acaba com os movimentos do corpo.
Ela está paralisada do pescoço para baixo e diz que tem direito a uma morte digna. Mas os juízes da mais alta inst6ancia da Justiça na Grã-Bretanha entenderam que os direitos humanos existem para preservar a vida.
Jornal Nacional de 13 de Outubro de 2003
Título: Mulher ganha o direito de morrer na Grã-Bretanha
Uma mulher ganhou hoje na justiça o direito de morrer. Foi na Grã-Bretanha, onde a eutanásia não é permitida. A identidade da paciente foi mantida em sigilo. Ela é tetraplégica e só consegue respirar com a ajuda de aparelhos.
A lei britânica permite que um paciente recuse tratamento, desde que prove que está lúcido e ciente das conseqüências. Graças a um depoimento gravado no hospital, a paciente convenceu a suprema corte. Os médicos serão obrigados a desligar os aparelhos .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIZZATO, José Ildefonso. Eutanásia e Responsabilidade Médica. 2. ed. São Paulo: Editora de Direito, 2000.
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil, 05 de outubro de 1988. Atualizada até a Ementa Constitucional n. 52/2006. Vade Mecum, 2ª Edição. Editora Saraiva, 2.006.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Código de Ética Médica. Resolução CFM n. 1246/88. Rio de Janeiro: CFM, 1988
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1994.
ENCICLOPÉDIA MICROSOFT ENCARTA, Windows XP.
FIUZA, Ricardo. Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2005
FRANÇA, Genival Veloso. Direito de viver e direito de morrer. Porto Alegre: Fase. Ciências Penais, 1991.
FREITAS, João de . Bioética. Belo Horizonte: Interlivros, 1995.
GARCIA, Fernanda Urdiales. Do direito à vida - eutanásia. 2000.
GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico à luz da jurisprudência comentada. Curitiba: Juruá, 2005.
HORTA, Mareio Palis. Eutanásia: problemas da morte ou de morrer. Brasília: Bioética, 1999. 7v.
INTERNET. Saúde na Internet:
http://www.mni.pt/destaques/index.php?cod=2219&file=destaque&voto=6
INTERNET. Jus Navegandi - Doutrina: www.jus.uol.com.br/doutrina
JESUS, Damásio E. Temas de Direito Criminal 1. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1998.
JORNAL ESTADO DE MINAS, Direito e Justiça – Legalização da Eutanásia: Pg. 3, Segunda-feira, 7 de maio,2007
MENEZES, Evandro Corrêa de. Direito de Matar. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1977.
NORONHA, Edgar Magalhães. Direito Penal v. 2. São Paulo: Editora Saraiva, 1994.
PESSINE, Léo. Eutanásia e as Religiões. Bioética Conselho Federal de Medicina, v.7, 1999.
REVISTA SUPER INTERESSENTE, edição de mar. 2001, "Eutanásia", reportagem de Denis Russo Burgierman.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil - Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.
SÁ, Maria de Fátima Freire de. Tese Doutorado – Direito de Morrer: Belo Horizonte, Outubro 2000.
SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito e direito ao próprio corpo. Belo Horizonte: Del Rey,2000.
SACCONI, Luiz Antônio. Minidicionário Sacconi da Língua Portuguesa: São Paulo:Atual,1996.
SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade civil do médico e Erro de diagnóstico. Curitiba: E. Juruá, 2002.
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros Editoras Ltda, jan. 2001. 880 p.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por dar mais brilho a minha vida com a conclusão de mais uma etapa vencida.
À minha família, "célula mater", dádiva de Deus, base de sustentação e razão do meu existir.
À minha noiva Mayra Fernanda Silva, que sempre me deu forças no caminhar desta jornada.
À minha avó Ana do Rosário de Souza (in memorian), que sempre sonhou com este feito.
Ao meu tio Ernane Souza (in memorian), responsável pelo despertar deste tema; a saudade para sempre se habitou em nossos corações.
À ilustre orientadora Priscila Camões, seu estímulo, paciência, amizade e conhecimento foram fundamentais durante a fase de elaboração deste trabalho.
Não há razão para termos medo das sombras, pois apenas indicam que em algum lugar próximo brilha a luz.
Ruth Renkel
Éverton Gomes de Souza
Nenhum comentário:
Postar um comentário