segunda-feira, 2 de março de 2015

Mulheres adultas com acne apresentam maior risco de elevação de triglicerídeos ao uso de isotretinoína oral




Juliano Vilaverde SchmittI; Mariana TavaresII; Felipe Bochnia CerciIII
IEspecialista; médico dermatologista do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba - Curitiba (PR), Brasil
IIMédica estagiária da Fundação Pró-Hansen (FPH) - Curitiba (PR), Brasil
IIIMédico residente da Fundação Pró-Hansen (FPH) - Curitiba (PR), Brasil



RESUMO
A isotretinoína apresenta restrições relacionadas a efeitos no perfil lipídico. Revisaram-se 90 pacientes tratados, em busca de fatores predisponentes a essas alterações. Houve elevação significativa do colesterol e triglicerídeos. Os pacientes em que estes últimos mostraram essa alteração foram, em sua maioria, do sexo feminino, predileção que não ocorria com as alterações iniciais. Mulheres com acne persistente talvez representem população de risco para tais efeitos colaterais.
Palavras-chave: Acne vulgar; Hiperlipidemias; Isotretinoína; Mulheres; Retinoides



A acne é uma das principais queixas na clínica dermatológica e, apesar de ser autolimitada, na maioria dos casos, causa significativo impacto psicossocial, além de, potencialmente, deixar cicatrizes inestéticas permanentes.1 A isotretinoína oral (ITO) é reconhecida como a única medicação capaz de abortar essa patologia, porém apresenta restrições relacionadas, principalmente, a efeitos hepáticos e mudanças no perfil lipídico, além da teratogenicidade.2,3 Na clínica diária, apesar de raramente ser motivo de interrupção do uso dessa medicação, a elevação dos triglicerídeos (TG), não raro, gera preocupação, levando à redução das doses utilizadas até a normalização laboratorial. Em vista disso, realizou-se uma breve revisão dos tratamentos efetuados na Fundação Pró-Hansen, sediada em Curitiba (PR), na busca de fatores que pudessem indicar a predisposição a alterações de lipídeos séricos após início do uso da ITO.
Revisaram-se, retrospectivamente, os dados constantes nos prontuários médicos dos pacientes aos quais foi indicado ITO para o tratamento de acne, entre 2005 e 2009, naquela fundação. Avaliaram-se: a idade de início do uso da medicação, o tempo de evolução da acne, o sexo, o peso, a dose prescrita durante a realização dos exames de lipídeos séricos, a presença de outras patologias, a utilização de outras medicações, o grau clínico da acne no momento da indicação da ITO, os valores séricos do colesterol total (CT) e TG antes do início da medicação e os maiores valores dos respectivos lipídeos registrados no prontuário médico em até nove meses após o início da medicação. Foram considerados anormais valores de TG maiores que 150mg/dl e CT maiores que 200mg/dl. Nas análises bivariadas, utilizaram-se os testes exato de Fischer, qui-quadrado, T de Student e Mann-Whitney, dependendo do tamanho da amostra e da anormalidade das distribuições, segundo o teste de Lilliefors (p<0,05). Realizou-se análise de covariança (Ancova) tomando-se como variável dependente os maiores valores de TG registrados durante o tratamento e considerando-se apenas os pacientes sem dados faltantes em todas as variáveis incluídas no modelo - sexo, idade, dose diária por peso de ITO e valores prévios de TG.
Incluíram-se no estudo 90 tratamentos, havendo cinco retratamentos (6%). A idade mediana foi 19 anos, com quatro anos de doença, sendo 66% homens. A dose mediana por peso foi de 0,60mg/kg/dia, sendo significativamente superior para as mulheres. O grau clínico mais comum foi o III, sendo o grau IV mais frequente nos homens e o grau II, nas mulheres. Do mesmo modo, as mulheres apresentaram idades maiores ao início do tratamento (Tabela 1).
Houve diferença significativa, antes e depois da medicação, nas seguintes medidas: CT (152[32] x 174[39]mg/dl; médias[DP]; p<0,01 - T de Student) e TG (72[42] x 102[92]mg/dl; medianas[DIQ]; p<0,01 - Wilcoxon). Entre os que apresentavam índice normal de TG, inicialmente, 28% desenvolveram alteração, o que ocorreu com 13% para o CT.
Os pacientes com TG e CT alterados durante o tratamento eram, em sua maioria, do sexo feminino, o que não ocorria em relação às anormalidades prévias ao início da ITO. A diferença entre os gêneros quanto à frequencia dos TGs alterados durante o tratamento se manteve, ao se analisarem apenas os pacientes com idades acima de 17 anos, porém não foi significante no subgrupo dos mais jovens (Tabela 1). Em análise multivariada por Ancova observou-se correlação positiva dos valores máximos de TG registrados durante o tratamento com os valores iniciais (p<0,01) e com o sexo feminino (coeficiente=32,37; p=0,04). A última associação pareceu reforçar-se ao se analisarem apenas os pacientes com mais de 17 anos de idade (coeficiente=49,51; p=0,02).
Os dados corroboram observações prévias sobre os efeitos da ITO nos lipídeos séricos, indicando que os valores iniciais são os maiores determinantes dos alcançados durante o tratamento, mas sugerem maiores elevações nas mulheres com acne.2,4 As mulheres apresentaram quadro mais tardio, representando, possivelmente, acne da mulher adulta em parte dos casos. Talvez as mulheres com acne persistente representem uma população mais suscetível a tais efeitos da ITO. Sabe-se que os receptores nucleares de retinoides RXR atuam no controle metabólico celular, já tendo sido implicados na síndrome metabólica e no desencadeamento da síndrome dos ovários policísticos.5,6 Rodondi et al. identificaram uma propensão ao desenvolvimento da síndrome metabólica em pacientes que tiveram elevação pronunciada de TG durante o uso de ITO, sugerindo a participação de fatores genéticos.7 Essas correlações podem ajudar a explicar a aparente propensão feminina à elevação de TG identificada no presente trabalho, em particular, nas mulheres adultas com acne persistente. A possível obtenção errática dos dados inerente a estudos retrospectivos pode ter interferido nos resultados; além disso, este estudo não conseguiu avaliar o papel dos anticoncepcionais hormonais, frequentemente utilizados em conjunção com a ITO, nas alterações laboratoriais identificadas. De qualquer forma, novos estudos com desenhos mais robustos devem considerar e investigar a observação aqui apresentada. 

REFERÊNCIAS
1. Schmitt JV, Masuda PY, Miot HA. Padrões clínicos de acne em mulheres de diferentes faixas etárias. An Bras Dermatol. 2009;84:349-54.         [ Links ]
2. Zane LT, Leyden WA, Marqueling AL, Manos MM. A population-based analysis of laboratory abnormalities during isotretinoin therapy for acne vulgaris. Arch Dermatol. 2006;142:1016-22.         [ Links ]
3. De Marchi MA, Maranhão RC, Brandizzi LI, Souza DR. Effects of isotretinoin on the metabolism of triglyceride-rich lipoproteins and on the lipid profile in patients with acne. Arch Dermatol Res. 2006;297:403-8.         [ Links ]
4. Tallab T, Joharji H, Jazei M, Bahamdan K, Ibrahim K, Karkashan E. Isotretinoin therapy: any need for laboratory assessment? West Afr J Med. 2004;23:273-5.         [ Links ]
5. Vu-Dac N, Gervois P, Torra IP, Fruchart JC, Kosykh V, Kooistra T, et al. Retinoids increase human apo C-III expression at the transcriptional level via the retinoid X receptor. Contribution to the hypertriglyceridemic action of retinoids. J Clin Invest. 1998;102:625-32.         [ Links ]
6. Pham T, Scofield RH. 13-cis-Retinoic acid (isotretinoin) unmasking of clinical polycystic ovary syndrome. Endocr Pract. 2007;13:776-9.         [ Links ]
7. Rodondi N, Darioli R, Ramelet AA, Hohl D, Lenain V, Perdrix J, et al. High risk for hyperlipidemia and the metabolic syndrome after an episode of hypertriglyceridemia during 13-cis retinoic acid therapy for acne: a pharmacogenetic study. Ann Intern Med. 2002;136:582-9.         [ Links ]


 Endereço para correspondência:
Juliano Vilaverde Schmitt
Rua Estados Unidos, 1.454 - Ap. 1.202 - Bacacheri
82510-050 Curitiba - PR
E-mail: julivs@gmail.com

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