Os vazamentos e prisões desnecessárias prejudicam a investigação que parece ser a mais relevante da história contra a corrupção
Marcelo Camargo / ABr
No meu entender, se equivocam, na melhor das intenções democráticas, diga-se, os que atribuem à Operação Lava Jato um caráter de “golpismo”, terceiro turno ou algo do gênero.
A Lava Jato, por tudo o que já vazou e foi noticiado pela mídia em geral, é o mais relevante caso de combate à corrupção de nossa história, em especial por atingir gente de alto coturno do meio político e empresarial.
O que cabe à sociedade cobrar é que eventuais equívocos das autoridades e agentes incumbidos das investigações e processos, sejam do MP, sejam do Judiciário ou da PF, não comprometam a eficiência e a legalidade do caso.
Diferentemente do caso chamado de “mensalão”, que a meu ver foi apresentado em juízo de forma inconsistente no campo probatório para suportar boa parte das acusações, gerando ilegítima condenação de alguns dos réus, a Operação Lava Jato parece ser produto de investigação muito bem conduzida pelos profissionais da PF, gerando tantas provas que levou à realização de uma série de delações premiadas e, parece, vai gerar mais delas.
O relevante aí não são as delações, mas o fato de terem sido obtidas por conta de farta prova de fatos delituosos, apurados pelos agentes policiais, por conta do trabalho eficiente e em equipe com o MP, e com o respaldo do Judiciário.
Se, por um lado, tal trabalho merece os maiores elogios pelo que produziu até o momento, por outro, não há de se deixar de observar certos equívocos na condução das investigações, que podem prejudicá-las.
O primeiro grande problema é corrente em quase todos os casos judiciais que têm repercussão na mídia, qual seja o vazamento de informações e documentos sigilosos.
De plano é bom salientar que nada há de ilegítimo no fato de a mídia noticiar documentos e informações a que teve acesso. Ilícita é a conduta do agente público que fornece tais documentos e informações.
Tal vazamento gera dois tipos de problemas diversos. De um lado, é feito seletivamente, visando construir um clima social de condenação prévia dos réus, que deu margem em nossa história recente para que muitas injustiças fossem praticadas, reputações de inocentes destruídas e o princípio da presunção da inocência, essencial numa sociedade civilizada, fosse para o ralo.
Além de prejudicar terrivelmente inocentes, o vazamento vem em benefício de culpados.
Numa investigação relevante como esta, que envolve pessoas de muito poder e/ou dinheiro, o vazamento prejudica antes de tudo a própria investigação, permitindo aos investigados saberem do que não deveriam saber, possibilitando a adoção de medidas contrárias ao conhecimento dos fatos pelas autoridades.
Por conta desse prejuízo que ocasiona a própria investigação, o vazamento deve levar ao afastamento dos agentes que a conduzem, e sua substituição por outros. Não como sanção a estes mesmos agentes, o que deve ser apurado com mais dilação, mas como forma de cautela da higidez das apurações.
Por outro lado, há que se estancar a banalização de prisões temporárias e preventivas que sempre acontecem nesse tipo de investigação, mais em favor do espetáculo do que da lei. Prender alguém temporariamente para prestar um depoimento que este alguém já havia se oferecido voluntariamente a prestar é absurdo. Afronta os direitos fundamentais garantidos em nossa Constituição prender preventivamente para forçar confissões ou delações.
De constitucionalidade duvidosa, as prisões cautelares devem ser medidas de uso em último caso e quando estritamente necessárias e nunca forma de justiçamento ou pressão psicológica para obtenção de auxilio do investigado para fazer prova contra si ou contra outros.
Quando realizada com o acompanhamento da mídia, com indevida e inconstitucional exposição dos investigados detidos, a prisão cautelar que deveria se dar em sigilo realiza-se com evidente vazamento criminoso de sua realização.
A inação das autoridades que comandam as instituições envolvidas quando ocorrentes os tais vazamentos, mantendo na função investigativa agentes suspeitos de vazar informações sigilosas, é injustificável e vem em prejuízo dos valores republicanos e democráticos que devemos ter como baliza.
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