sexta-feira, 30 de maio de 2014

Fechamento de colostomias: com ou sem estudo do cólon?



Colostomy closure: with or without pre-operative colon study


Hernán Augusto Centurión SobralI; Rodrigo Britto de CarvalhoI; Juliana Barreto SalemI; Letícia SarmanhoI; Idblan Carvalho de AlbuquerqueII; Galdino José Sitonio FormigaIII
IEx-Médicos Residentes do Serviço de Coloproctologia do Hospital de Heliópolis, FSBCP
IIMédico Assistente do Serviço de Coloproctologia do Hospital de Heliópolis, TSBCP
IIIChefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital de Heliópolis, TSBCP



RESUMO
O estudo pré-operatório do cólon para fechamento de colostomias em alça devido a trauma vem perdendo importância nos últimos anos. A necessidade de se avaliar as alterações anatômicas pós-traumáticas do cólon vai de encontro aos custos, desconforto e morbidade dos exames.
OBJETIVO: analisar a real necessidade do estudo prévio do cólon no fechamento de colostomia pós-trauma.
MÉTODO: foram analisados, retrospectivamente, 98 prontuários de pacientes, no período de janeiro de 2004 a janeiro de 2006, portadores de colostomia em alça confeccionada após traumatismo e que foram alocados em dois grupos: grupo A, composto de 32 casos com estudo do cólon e o grupo B, 66 casos sem estudo colônico prévio.
RESULTADOS: 94,9% dos pacientes eram do sexo masculino e a média de idade foi de 27 anos. O tempo de permanência da colostomia foi, em média, 32,8 meses, sendo o flanco esquerdo a localização mais comum em ambos os grupos. A morbidade geral foi de 7,1%, sendo 3,1% de complicações no grupo A e 9,1% no grupo B (p=0,16) e sem mortalidade. A complicação mais freqüente foi hematoma da parede abdominal em cinco casos (5,1%), e apenas um caso de infecção de ferida operatória (1%), e mais um de deiscência de anastomose (1%).
CONCLUSÃO: o estudo pré-operatório do cólon para fechamento de colostomia feita após trauma colorretal é dispensável.
Descritores: Colostomia, alça, fechamento de colostomia, enema opaco, colonoscopia.

ABSTRACT
The pre-operative study of the colon before loop colostomy closure in trauma patients has been loosing its importance since last few years. The need of evaluating the pos-traumatic anatomic alterations of the colon goes against the costs and morbidity of the examinations.
OBJECTIVE: to analyze the real necessity of the colon study before colostomy closure in trauma patients.
METHODS: a retrospective study of 98 patients submitted to colostomy closure after trauma, from January of 2004 to January of 2006 was carried out. They were divided in two groups: group A, composed of 32 patients with previews colon study and group B, composed of 66 patients without it.
RESULTS: 94.9% of all patients were male and the average age was 27 years old. The time interval between colostomy and its closure was in average 32.8 months. The left side location was the most common sight. Overall morbidity was 7.1%, being 3.1 % in group A and 9.1% in group B (p=0,16). The operative mortality was zero in both groups. The most common complication was wound haemathomas (5,1%) and only one case of wound infection. Anastomosis dehiscence occurred also in only one case, from group B.
CONCLUSION: the pre-operative study of the colon for loop colostomy closure in trauma patients is not necessary.
Key words: Colostomy closure, loop colostomy, barium enema, colonoscopy.



INTRODUÇÃO
A partir da Segunda Guerra Mundial a confecção de colostomias temporárias vem sendo utilizada como tratamento para ferimentos traumáticos colorretais1. Apesar de o fechamento de colostomia ser caracterizado como procedimento de fácil execução, a literatura relata taxas de morbidade que variam de 10 a 49%2,3, portanto, o uso do estudo pré-operatório do cólon, com enema opaco ou colonoscopia, acabou se tornando um dogma cirúrgico. Contudo, Demetriades e cols, em 1988, e Sola e cols, em 1994, questionaram sobre a real necessidade destes exames 4,5.
O objetivo deste trabalho é verificar a real necessidade do estudo do cólon pré-operatório para o fechamento de colostomia em alça realizada após traumatismo colorretal.

MÉTODO
Estudo retrospectivo de 98 prontuários de enfermos com colostomia em alça por ferimento traumático colorretal do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis São Paulo – SP, entre janeiro de 2004 e janeiro de 2006, separados em dois grupos: grupo A formado por 32 casos com estudo pré-operatório do cólon por enema opaco ou colonoscopia, e grupo B com 66 pacientes sem estudo colônico prévio.
O exame físico admissional era caracterizado por avaliação da colostomia e pelo exame proctológico. Os exames pré-operatórios realizados foram: hemograma, coagulograma e radiografia simples do tórax.
Em todos os doentes foi realizado o preparo intestinal misto, com ingestão de solução de manitol a 10% e irrigação do intestino excluso com solução glicerinada a 12%, na véspera da cirurgia, por via retal ou via colostomia. A antibioticoprofilaxia, administrada 30 minutos antes da indução anestésica, consistia em 0,5g de metronidazol, 1g de amicacina e 1g de ampicilina.
As variáveis estudadas foram idade, sexo, tipo do trauma colorretal, localização e avaliação do ostoma, tempo de permanência da colostomia, além da técnica cirúrgica e evolução clínica pós-operatória.
Os dados obtidos foram inseridos no programa Epi info 3.2.2, e submetidos aos testes estatísticos do Qui-quadrado e T-students, com p estatisticamente significante quando menor que 0,05.

RESULTADOS
A idade variou de 13 a 57 anos com média de 27 anos, sendo a maioria (94,9%) do sexo masculino. O tipo do trauma que levou à realização da ostomia foi ferimento por arma de fogo (FAF) em 92 pacientes, empalamento em quatro, e ferimento por arma branca (FAB) em dois casos. (Figura 1)


O flanco esquerdo (FE) foi à localização mais freqüente da ostomia em 58 casos (59,2%), seguido por 16,3% no hipocôndrio direito (HD), 11,2% na fossa ilíaca esquerda (FIE), 7,1% no hipocôndrio esquerdo (HE), 4,1% no flanco direito (FE) e 2% na fossa ilíaca direita (FID). (Figura 2)


As complicações tardias da realização da ostomia mais prevalentes foram procidência e hérnia para-colostômica, em 17,3 % e 26,5% dos casos, respectivamente.
O tempo de permanência da colostomia variou de um mês a dez anos, com média de 32,8 meses.
Todos os pacientes que tinham estudo do cólon (grupo A), não apresentavam alterações morfológicas que contra-indicassem o procedimento cirúrgico.
Quanto à técnica cirúrgica, foi feito fechamento da colostomia em 26 doentes com anastomose em plano único extramucoso com pontos contínuos ou separados de fio inabsorvível (nylon, polipropileno ou algodão 3-0), ou em dois planos, sendo o primeiro muco-mucoso contínuo com fio absorvível (poliglactina 4-0), e o segundo plano conforme descrito anteriormente em 72 casos. Houve necessidade de ressecar pequeno segmento intestinal em torno de 5cm em 16 pacientes (16,3%), devido à desproporção das bocas a serem anastomosadas ou por lesão inadvertida durante a dissecção por intensa fibrose peri-colostômica, e pontos de fixação aponeuróticos.
A maioria dos casos (64,3%) recebeu dieta no primeiro dia de pós-operatório, seguida de trinta (30,6%) no segundo, e cinco (5,1%) no terceiro. A dieta foi introduzida na ausência de vômitos, presença de ruídos hidroaéreos propulsivos e eliminação de gases ou fezes.
Apenas sete complicações imediatas foram observadas, totalizando 7,1% (grupo A: 3,1% e grupo B: 9,1%p=0,16) da amostra, sendo cinco hematomas de parede abdominal, uma infecção de ferida operatória, e uma deiscência de anastomose em paciente sem estudo intestinal prévio, que foi abordada cirurgicamente. Não houve mortalidade. (Figura 3)


A alta hospitalar foi concedida após boa aceitação dietética e funcionamento intestinal adequado. Desta forma, 85,7% de todos os pacientes (grupo A: 87,5% e grupo B: 84,8%) receberam alta entre o 3º e 5º pós-operatório (PO), e apenas 13,3% (grupo A: 9,4% e grupo B: 15,2%), após o 5º PO. (Figura 4)


DISCUSSÃO
Atualmente, o estudo intestinal pré-operatório radiológico ou endoscópico, sobretudo do segmento excluso, tem sido dispensado2,4,6,10,11. A utilização destes exames era recomendada para certificar-se da integridade intestinal, e avaliar a existência de alguma doença concomitante6-9. No entanto, enema opaco e colonoscopia, apesar de exames com morbidade baixa, ocasionam aumento dos custos, desconforto para o paciente e atraso para o fechamento da colostomia. Além disso, estes exames estão normais na sua maioria, não alterando a conduta terapêutica e, deste modo, vários autores têm sugerido não realizá-los de forma rotineira2,4,6,10,11.
Maximiano e cols, em 1995, ao estudarem 89 pacientes, encontraram anormalidades no enema opaco pré-operatório em apenas 4,5% dos casos que já tinham sido identificadas ao exame clínico11. Nenhum dos nossos 32 doentes que realizaram avaliação colônica prévia tinham alterações que impossibilitariam o procedimento cirúrgico. Outro fator relevante quanto à realização rotineira do estudo pré-operatório do cólon é o fato da amostra estudada ser jovem, com média de idade de 27 anos, onde a possibilidade de se encontrar doença colônica associada é baixa5.
O tempo de permanência da ostomia foi, em média, 32,8 meses, indo de encontro ao da literatura consultada, que variou de 5,7 a 9,8 meses4,11. Justifica-se o tempo prolongado de permanência da ostomia, por se tratar de pacientes oriundos de outros serviços de saúde, inclusive de unidades penitenciárias.
Foi verificada que a realização de preparo retrógrado com solução glicerinada a 12% nos dava noção da perviedade intestinal nos doentes sem estudo intestinal prévio.
A taxa de morbidade no grupo A foi de 3,1% e no grupo B, 9,1% (p=0,16), com índice total de 7,1% de complicações imediatas (sete casos). Houve cinco casos de hematoma de parede abdominal e um de infecção de ferida operatória, menor que a de autores que utilizaram em todos os doentes estudo do cólon, como Pokorny e Madiba, com morbidade de 15 e 14,5%, respectivamente6,12. O único caso de deiscência de anastomose (1%) do grupo estudado foi verificado em paciente sem estudo do cólon, que culminou com nova intervenção cirúrgica e colostomia a montante, uma vez que a anastomose já se encontrava bloqueada e integrada.
Apesar da idade do paciente, o motivo para confecção da colostomia, o local e o tempo de permanência do ostoma, bem como o uso de drenos serem considerados fatores relacionados com a morbidade operatória, é sabido que o único fator que reduz o índice de complicações pós-operatórias é a antibiótico-profilaxia5.
Concluímos que o estudo pré-operatório do cólon no paciente portador de colostomia em alça após lesão traumática colorretal, é perfeitamente dispensável.

REFERÊNCIAS
1. Garber HI; Morris DM; Eisenstat TE; Coker DD; Annous MO. Factors influencing the morbidity of colostomy closure. Dis Colon Rectum 1982;25(5):464-70.         [ Links ]
2. Garnjobst W; Leaverton GH; Sullivan ES. Safety of colostomy closure. Am J Surg 1978;136(1):85-9.         [ Links ]
3. Yakimets WW. Complications of closure of loop colostomy. Can J Surg 1975;18(4):366-70.         [ Links ]
4. Sola JE; Buchman TG; Bender JS. Limited role of barium enema examination preceding colostomy closure in trauma patients. J Trauma 1994;36(2):245-6.         [ Links ]
5. Demetriades D; Pezikis A; Melissas J; Parekh D; Pickles G. Factors influencing the morbidity of colostomy closure. Am J Surg 1988;155(4):594-6.         [ Links ]
6. Madiba TE; Mahomva O; Haffejee AA; Nene B. Radio-contrast imaging of the rectum prior to colostomy closure for rectal trauma - is routine use still justified? S Afr J Surg 2000;38(1):17-8.         [ Links ]
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11. Maximiano LF; Moron RA; Soh SW; Alves Jr A; Pires PWA; Bevilacqua RG; Biroloni D. Análise da necessidade do enema opaco como exame pré-operatório em fechamento de colostomias. Rev Col Bras Cir;1995;22(2):70-2.         [ Links ]
12. Pokorny RM; Heniford T; Allen JW; Tuckson WB; Galandiuk S. Limited utility of preoperative studies in preparation for colostomy closure. Am Surg 1999;65(4):338-40.         [ Links ]


 Endereço para correspondência:
Galdino José Sitonio Formiga
Hospital Heliópolis – Serviço de Coloproctologia
Rua Cônego Xavier, 276 – Vila Heliópolis
04231-030 – São Paulo-SP
Tel: (11) 2274-7600 (Ramal 244)

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