sábado, 3 de maio de 2014

Como se vigia os vigilantes: o controle da Polícia Federal sobre a segurança privada


Watching over watchmen: Federal Police control over private security guards

Comment on surveiller les surveillants : le contrôle de la Police Fédérale sur la sécurité privée


Cleber da Silva Lopes



RESUMO
O aparecimento da segurança privada e de organizações e policiamento privado que provêem policiamento de maneira informal colocam novos problemas para a efetivação dos direitos civis na sociedade brasileira. Frente a isso, o trabalho analisa o controle estatal sobre a segurança privada exercido pela Polícia Federal no período 1996-2006. Tendo como referência o modo como esse controle é realizado em outros países e a partir do estudo dos documentos legais e entrevistas com os atores diretamente envolvidos no controle da segurança privada, são analisados: os instrumentos legais disponíveis à Polícia Federal para o controle da segurança privada; os mecanismos que incentivam o controle interno e o controle externo da segurança privada; e a fiscalização exercida sobre a segurança privada e demais organizações e agentes particulares que provêem policiamento de maneira informal.
Palavras-chave: segurança privada; direitos civis; Polícia Federal; fiscalização; agentes.

ABSTRACT
The emergence of private security guards and organizations that supply informal policing poses new problems for civil rights in Brazilian society. This paper analyzes State control over private security, through a focus on Federal Police activity during the 1996 -2000 period. Taking the way this control is dealt with in other countries as a crucial reference and using analysis of legal documents as well as interviews with those who are directly involved in the control of private security, we examine the following phenomena: the legal instruments that the Federal Police has at its disposal for the control of private security; the mechanisms that encourage internal and external control over private security and the watch that is kept over private security and other organizations and agents which engage in informal forms of policing.
Keywords: Private Security; Federal Police; Fiscalization; Agents.

RESUMÉS
L'apparition de la sécurité privée et des organisations et agents particuliers qui fournissent de la surveillance de manière informelle, pose des nouveaux problèmes pour la concrétisation des droits civils dans la société brésilienne. Dans ce contexte, le document analyse le contrôle de l'Etat sur la sécurité privée exercé par la Police Fédérale entre 1996 et 2006. En ayant comme référence la façon dont ce contrôle est réalisé dans d'autres pays et à partir de l'étude des documents juridiques et des entretiens avec les acteurs directement liés au contrôle de la sécurité privée, on analyse: les instruments juridiques disponibles à la Police Fédérale pour le contrôle de la sécurité privée; les mécanismes qui stimulent le contrôle interne et le contrôle externe de la sécurité privée; et la fiscalisation exercée sur la sécurité privée et sur d'autres organisations et agents particuliers qui fournissent de la surveillance de manière informelle.
Mots-clés: la sécurité privée; les droits civils; la Police Fédérale; la fiscalisation; les agents.



INTRODUÇÃO
A pergunta "mas quem vigiará os vigias?" do satirista romano Juvenal sintetiza o dilema político relacionado às organizações e agentes que, em sociedades democráticas, exercem policiamento, entendido como a atividade que visa manter a segurança de uma ordem social particular ou da ordem social geral através da vigilância e ameaça ou uso de sanções (SHEARING, 1992; BAYLEY & SHEARING, 1996; REINER, 2004). Os agentes de policiamento estão autorizados a distribuir sanções (especialmente com força física) para protegerem direitos civis, mas nessa distribuição de sanções os direitos civis podem ser violados. As sociedades democráticas vislumbram no controle2das organizações e agentes que exercem policiamento uma solução possível para esse dilema, que é de grande atualidade na sociedade brasileira, cujas organizações policiais têm notabilizado-se historicamente pelo elevado grau de autonomia e arbitrariedade com que atuam (PINHEIRO, 2001). O crescimento do policiamento privado, executado pelas empresas de segurança privada e por organizações e agentes informais, ocorrido no Brasil nas últimas décadas, deu novo significado ao dilema político implícito na pergunta de Juvenal. Como se controla a segurança privada e os demais provedores particulares de policiamento que atuam na informalidade tornou-se tema relevante para as agendas política e acadêmica brasileiras.
A necessidade de controle público sobre a segurança privada em vista dos riscos potenciais que esses serviços representam para os direitos civis e para a ordem democrática foi apontada por quase todos os autores brasileiros que escreveram sobre o tema (MATHIAS, 1990; PAIXÃO, 1991; HERINGER, 1992; SILVA, 1992; MUSUMECI, 1998; CUBAS, 2002; CALDEIRA, 2003). Contudo, foram poucos os autores que realizaram estudos específicos sobre o modo como o controle é feito, com destaque para Zanetic (2006), Coelho (2006) e Ricardo (2006), que deixaram lacunas importantes para serem preenchidas. Os dois primeiros privilegiaram a análise do marco regulatório em detrimento do estudo da fiscalização e do incentivo estatal a formas de controles não-estatais sobre a segurança privada. Ricardo objetivou estudar a regulamentação, fiscalização e controle da segurança privada no Brasil com o intuito de identificar problemas e propor aperfeiçoamentos, mas não realizou pesquisa de campo junto aos órgãos de controle e nem entrevistou os agentes que fazem esse trabalho, produzindo assim uma análise que precisa ser aprofundada.
Este artigo traz uma contribuição para essa literatura através de um estudo exploratório sobre o controle da segurança privada exercido pelo Estado brasileiro no período 1996-2006. Desde 1996 a agência estatal responsável por vigiar os "vigilantes"3 que proliferaram na sociedade brasileira nas últimas décadas é a Polícia Federal, que desempenha o papel de agência reguladora, controladora e fiscalizadora da segurança privada em todo o país. O objetivo geral deste artigo é explorar como a Polícia Federal desempenha esses papéis com vistas a assegurar a responsabilidade pública das empresas e agentes de segurança privada. Para a consecução desse objetivo, além de levantamento de dados para caracterizar o universo do policiamento privado no Brasil, foram pesquisados documentos legais referentes à segurança privada (leis, decretos, portarias, pareceres, jurisprudências, decisões de tribunais etc.) e foi realizada observação das rotinas de trabalho de dois órgãos de controle, bem como 19 entrevistas semi-estruturadas, feitas entre novembro de 2006 e janeiro de 2007, com os atores diretamente envolvidos no controle da segurança privada.
Na literatura internacional de língua inglesa, o controle da segurança privada - ou polícia privada, como muitos preferem - tem sido abordado por duas perspectivas teóricas que divergem quanto à melhor forma de obter condutas adequadas de empresas e profissionais de segurança privada. De uma perspectiva, entende-se que o controle depende fundamentalmente do Estado (REYNOLDS, 1996; LOADER, 2000; BAYLEY & SHEARING, 2001; BURBIDGE, 2005), ao passo que outra perspectiva sustenta que a segurança privada está submetida a outras formas de controle além do estatal-formal, algumas das quais supostamente mais efetivas em termos de gerar adequação do policiamento privado aos interesses e normas públicas: o controle realizado pela própria empresa sobre os seus funcionários (controle interno) e os controles externos provenientes dos clientes, das associações de classe, do mercado competitivo, de grupos de pressão, da imprensa e de pessoas descontentes que movem processos para responsabilizar civil e/ou criminalmente empresas e profissionais de segurança privada (STENNING, 2000; 2006; The Public Accountability of Private Police, 2000). A análise aqui desenvolvida parte do pressuposto de que essas perspectivas teóricas não são conflitantes. Ainda que o Estado não seja a única ou mesmo a mais importante fonte de controle direto da segurança privada, é a instituição com maior capacidade de conduzir isso por pelo menos três razões. A primeira é que apenas o Estado pode impor regras válidas para todo o setor - diferentemente da regulação feita por associações de classe, restrita aos associados - em razão do caráter geral e coativo da regulação estatal. A segunda é que somente o Estado tem autoridade e potencial para exercer controle constante e próativo sobre as organizações de policiamento privado, intervindo de maneira corretiva quando os demais mecanismos de controle falham, e, sobretudo, no combate às organizações e agentes que exercem policiamento informalmente. Por fim, a terceira razão é que só o Estado pode criar um ambiente favorável à adequação do comportamento das organizações e agentes de segurança privada ao interesse público, o que pode ser feito mediante o alinhamento dos controles interno e externos. Como The Public Accountability of Private Police (2000) mostrou, o controle da segurança privada só pode existir de maneira efetiva se as empresas estiverem dispostas a controlar seus agentes tendo em vista o interesse público. E essa disposição está fortemente relacionada ao desejo dos clientes de que isso ocorra. O problema aqui, então, é criar incentivos e constrangimentos para que as empresas e/ou os clientes interessem-se e cobrem condutas adequadas e altamente profissionais dos agentes de segurança privada, problema que o Estado está em condições privilegiadas de equacionar.
Considerando esses três aspectos, pode-se afirmar que o controle efetivo da segurança privada requer: i) a existência de um marco regulatório que permita responsabilizar empresas e profissionais de segurança privada, ii) mecanismos de incentivo ao controle interno e aos controles externos não-estatais e iii) unidades de controle capazes de exercer fiscalização constante e proativa sobre a segurança privada e sobre o universo informal dos provedores particulares de policiamento. Investigar de que modo essas condições se realizam no Brasil é o que pretende este artigo, que para isso divide-se em três partes. A primeira apresenta o universo do policiamento privado formal e informal no Brasil. Optou-se por uma exposição mais abrangente a partir do conceito de policiamento privado. Ao proceder deste modo pretende-se não apenas apontar a necessidade, as dificuldades e desafios colocados para o controle da segurança privada no Brasil, mas também os limites do controle estatal exercido pela Polícia Federal face ao universo mais amplo do policiamento privado existente na sociedade brasileira. As duas partes seguintes analisam o modo como a segurança privada é controlada. A segunda parte situa-se em um plano mais geral, dedicando-se a descrever e caracterizar a estrutura normativa e organizacional que regula e controla a segurança privada no Brasil. A terceira e última parte analisa os instrumentos legais disponíveis à Polícia Federal para a responsabilização das empresas e agentes de segurança privada, os mecanismos de incentivo ao controle interno e controle externo não-estatal (principalmente o controle pelos clientes e pelas associações de classe), e a fiscalização sobre a segurança privada legal e sobre os provedores particulares de policiamento que atuam na informalidade. As considerações finais sumarizam as questões discutidas ao longo do texto, especialmente na última parte, e trata de algumas implicações para a pesquisa e para as políticas públicas decorrentes da análise aqui desenvolvida.

II. SEGURANÇA PRIVADA E POLICIAMENTO PRIVADO INFORMAL NO BRASIL
Partindo da definição de policiamento tal como formulada por autores como Bayley e Shearing (1996; 2001) e Reinner (2004), os provedores particulares de policiamento que emergiram na sociedade brasileira nas últimas décadas podem ser divididos em dois grandes universos. De um lado, estão as empresas formalmente constituídas e autorizadas pelo Estado a executarem policiamento, a chamada segurança privada. De outro, há uma variedade de serviços protetores executados informalmente (sem autorização do Estado) e que extrapolam a definição legal de segurança privada, tornando problemática a delimitação da jurisdição de controle da Polícia Federal e a identificação dos alvos de suas atividades de fiscalização.
II.1. A segurança privada
O universo da segurança privada inclui tanto as empresas de capital privado que possuem concessão do Estado para comercializar serviços de proteção ao patrimônio e às pessoas (empresas de segurança privada especializadas), quanto as empresas e organizações das mais variadas que organizam departamentos internos para promoverem sua própria segurança (empresas com segurança orgânica).
O segmento comercial abrange as empresas especializadas que oferecem em bases contratuais os serviços de "vigilância patrimonial", "transporte de valores", "escolta armada" e "segurança pessoal privada". Inclui também os chamados "curso de formação", empresas cuja atividade-fim não é comercializar serviços de proteção e sim formar, especializar e reciclar a mão-de-obra que executará policiamento - os vigilantes. Já a segurança orgânica diz respeito às atividades de vigilância patrimonial e transporte de valores executadas por profissionais contratados diretamente pelos usuários dos serviços. Grosso modo, esses dois segmentos correspondem àqueles que as legislações de diversos países e a literatura sociológica tratam pelo termo "segurança privada"4. Grosso modo porque as leis de alguns países incluem na definição serviços de investigação particular e de segurança eletrônica. No Brasil, tais serviços não fazem parte do universo legal da segurança privada, portanto estão fora da jurisdição de controle da Polícia Federal.
Em 2004 havia no Brasil 1 523 empresas prestando regularmente serviços de segurança privada e outras centenas de empresas e instituições com serviços orgânicos de segurança (cf. FENAVIST, 2005). Essas empresas e organizações empregavam cerca de 450 000 vigilantes, efetivo superior ao das principais forças de segurança pública do país, como mostra o Gráfico 1. Observa-se no Gráfico 1 que a segurança privada estava mais concentrada nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste, sendo que nestas duas últimas superava os efetivos das Polícias Civis, Militares e Guardas Municipais. A região de maior destaque era o Sudeste, especialmente os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que, juntos, reuniam aproximadamente 39% do total de empresas de segurnaça privada especializadas e 53% do total de vigilantes (terceirizados e orgânicos). Somente o estado de São Paulo tinha cerca de 27% das empresas e 40% dos vigilantes do país (cf. FENAVIST, 2005).
Olhando para o local de atuação dos vigilantes patriminiais (Gráfico 2), descobre-se que a grande maioria (72%) atuava no setor público, de serviços e em bancos. Em outros termos, a maioria dos vigilantes patrimoniais realizava policiamento nos chamados "espaços comunais" - espaços de uso coletivo localizados no interior de propriedades fechadas (públicas ou privadas) que assumem a responsabilidade por sua própria segurança: repartições públicas, shopping centers, instituições de ensino, hipermercados, espaços recreativos etc.5.
Como o cidadão médio passa parte substantiva de seu tempo no interior desses espaços, pode-se afirmar que a vida pública é hoje tão ou mais policiada pela segurança privada do que pelas forças de segurança pública. Dado os poderes envolvidos nas atividades de policiamento privado, esse fato tem consequências para os direitos civis nas sociedades democráticas. Embora não contem com os mesmos poderes coercitivos especiais disponíveis aos policiais, profissionais de segurança privada detêm poderes consideráveis e potencialmente ameaçadores das liberdades civis. Treinados para utilizar força física e autorizados a portar armas, uniformes, insígnias de autoridade e sofisticados aparatos de vigilância, profissionais de segurança privada colocam à disposição dos que controlam propriedades poderes para investigar, fiscalizar, revistar, autorizar, proibir, obstruir e excluir que não estão submetidos às regras do devido processo legal, tal como estão os poderes da polícia pública (SHEARING & STENNING, 1981; 1983; PAIXÃO, 1991; STENNING, 2000).


O fato acima aponta para a relevância do tema do controle, que ganha importância ainda maior no contexto da sociedade brasileira, onde se verifica a existência de um amplo universo integrado por agentes não-estatais (ou que agem nessa condição) provendo policiamento sem a autorização do Estado.
II.2. O policiamento privado informal
O universo informal dos provedores particulares de policiamento abrange todas as organizações e pessoas que executam policiamento sem estarem legalmente autorizados para tanto. Trata-se de um universo bastante heterogêneo. De um modo geral, inclui: i) empresas juridicamente constituídas como de segurança privada em juntas comerciais ou com registro em outros órgãos públicos, porém não autorizadas a prestarem serviços de segurança privada; ii) empresas que prestam serviços típicos de segurança privada sob a fachada de empresas juridicamente constituídas para atuarem em outras áreas - conservação e limpeza, administração de condomínios, portaria, promoção de eventos etc.; iii) organizações juridicamente inexistentes ou simplesmente pessoas associadas que prestam serviços de vigilância patrimonial intramuros ou em vias públicas, segurança em eventos, serviços de proteção às pessoas, cargas etc.; iv) "seguranças autônomos" que prestam serviços como freelancerpara pessoas ou propriedades variadas. No limite, esses agentes e organizações podem assumir a forma de justiceiros, esquadrões da morte e milícias urbanas ou rurais.
A quantidade de organizações e agentes na informalidade é uma das características que distingue o policiamento privado no Brasil daquele existente na América do Norte e Europa. A presença de agentes de segurança pública da ativa exercendo atividades informais de policiamento privado é outro aspecto que parece singularizar a realidade brasileira6.
Por se tratar de um universo informal é difícil avaliar com precisão o seu tamanho. As suposições oscilam muito. As entidades patronais e laborais do setor de segurança privada estimam que, para cada vigilante regularizado, haja de três a cinco informais. Portanto, em 2004 havia no Brasil pelo menos 1,5 milhão de pessoas envolvidas em atividades informais de policiamento privado7. As autoridades envolvidas no controle da segurança privada também concordam que o universo informal é maior do que o formal. Levantamento realizado em 2005 pela Delegacia de Controle de Segurança Privada (Delesp) do Rio de Janeiro estimou que as atividades clandestinas representavam 60% da segurança privada no estado.
Não se sabe ao certo qual o número de pessoas envolvidas em atividades informais de policiamento privado, mesmo porque há dúvidas em se categorizar determinadas atividades como de policiamento e conflitos de normas que tornam algumas atividades ilegais sob um ponto de vista e legais sob outro. Esse é o caso das atividades de vigilância comunitária realizada em vias públicas, seja por organizações ou por indivíduos autônomos8. As normas federais que regulam a segurança privada no Brasil não permitem esse tipo de atividade. Em princípio, nenhuma outra lei poderia permitir porque o art. 144, § 5º, da Constituição Federal de 1988 reserva às polícias militares a competência para exercer policiamento ostensivo em áreas públicas (cf. BRASIL, 1988). Assim, aqueles que provêem policiamento em vias públicas incorreriam em crime de usurpação de função pública.
Contudo, tem havido algumas tentativas de regulamentar as atividades de vigilância comunitária. O estado de São Paulo, por exemplo, editou em dezembro de 2002 a Lei n. 11 275, que reconhece e determina o registro na Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) de "Guardas Noturnas Particulares"9, "Agentes de Segurança Noturno" e "Agentes de Segurança Comunitária para Guardas de Rua" que atuam no estado. Essa lei está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), mas até junho de 2010 estava em vigor. A Câmara Legislativa do Distrito Federal também baixou, em 2001, lei que regulamentou serviços de vigilância em vias públicas (Lei n. 2 763, de 16 de agosto de 2001). A atividade, chamada de "Serviço Comunitário de Quadra", podia ser exercida por pessoas físicas ou jurídicas. Entretanto, a lei que regulamentou tais serviços foi anulada pelo STF, que a julgou inconstitucional especialmente no que feria o art. 144, § 5º, da Constituição Federal de 1988 (cf. BRASIL, 1988).
Outro ponto a ser considerado é que há dúvidas quanto a se caracterizar determinadas atividades de vigilância comunitária como policiamento privado. Alguns dos agentes que atuam na vigilância de bairros residenciais talvez sejam mais bem definidos como "sentinelas" do que como agentes de policiamento privado. O termo sentinela faria jus àqueles que se dedicam explicitamente à atividade de vigilância, porém sem mobilizarem sanções.
Policiamento privado ou não, as atividades de vigilância em vias públicas compreendem um universo bastante amplo e do qual não se sabe praticamente nada. Como informou Khan (1999), aproximadamente 29% da população da cidade de São Paulo reconheciam ter vigia ou guarda de segurança em casa. Segundo os presidentes da Associação e do Sindicato dos Vigilantes Noturnos Autônomos, havia 170 mil vigilantes autônomos credenciados no estado de São Paulo e estimava-se a existência de mais de 130 mil irregulares do ponto de vista da lei estadual. Não foram encontradas estimativas para outros estados, mas acredita-se que os números também sejam elevados.
Dificuldades à parte para mensurar o tamanho do mercado marginal de policiamento privado, parece certo que ele conta com a ampla presença de profissionais de segurança pública, especialmente policiais civis e militares. Em uma pesquisa realizada em 1992, sobre o perfil dos policiais militares do estado de São Paulo, Gullo (1992) constatou que 33% dos policiais tinham algum trabalho remunerado fora da Polícia Militar (PM), proporção que era tanto maior quanto menor o posto ou graduação. Não foi possível aferir ao certo quantos desses 33% trabalhavam com policiamento privado, mas estimou-se que a maioria. Outra pesquisa, realizada no mesmo ano pelo jornal O Globo, com 886 policiais militares de todo o Brasil, concluiu que 66% deles possuíam um segundo emprego, 36% na área de segurança comercial (HERINGER, 1991, p. 56). No estado do Rio de Janeiro, tanto em 1991 quanto em 1997, cálculos da imprensa estimavam que 70% dos policiais civis possuíam outras atividades, principalmente com o policiamento privado (MUSUMECI, 1998, p. 16). Segundo o Jornal do Brasil, 20 das 36 empresas de segurança operando clandestinamente no estado de Mato Grosso, em 1995, eram de propriedade de oficiais da PM que recrutavam para mão-de-obra soldados que trabalhavam sob seu comando, além de "pistoleiros tradicionais" (MUSUMECI, 1998, p. 16). Mais recentemente, em outubro de 2005, o Presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM de São Paulo declarou ao jornal Folha de S. Paulo (É MELHOR BICO DO QUE ROUBO, 2005) que cerca de 80% dos policiais da corporação faziam algum tipo de bico, a maioria na segurança irregular de estabelecimentos comerciais10.
A grande quantidade de pessoas, muitas das quais agentes de segurança pública, atuando na promoção de segurança de maneira informal, representa riscos consideráveis para os direitos civis e problemas adicionais para o controle dessas atividades, como será mostrado mais adiante. Somente na cidade de São Paulo, entre janeiro de 2001 e setembro de 2003, a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo registrou 7 377 ocorrências criminais envolvendo pessoas que se auto-identificaram como 'seguranças", vigilantes', 'vigias' e 'guardas noturnos". O gráfico 3 e a tabela 1 mostram, respectivamente, como as ocorrências distribuíram-se entre as profissões auto-declaradas e a natureza dos crimes.




Embora os dados da Tabela 1 não permitam distinguir se os crimes ocorreram quando os indivíduos promoviam a segurança de alguém ou algo, a natureza das ocorrências mais expressivas leva a crer que isso tenha acontecido, já que os crimes de ameaça, lesão corporal dolosa, porte de arma de fogo, ofensas verbais e vias de fato são típicos de atividades que precisam recorrer à ameaça ou uso de força física para impor normas de conduta. É preciso ponderar ainda que as estatísticas geradas pela Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo não permitem discriminar com precisão os agentes formais e informais de policiamento privado. Todavia, o fato de o gráfico 3 mostrar que a maioria das ocorrências envolveram pessoas que se auto-declararam "seguranças", "vigias" e "guarda noturno" (62%) sugere fortemente que os crimes estão concentrados no universo informal do policiamento privado, pois na legislação da segurança privada essas categorias não existem formalmente. Os profissionais regulares de segurança privada são denominados vigilantes. Não haveria razão para esses profissionais identificarem-se de outra maneira que não fosse como vigilantes, tendo em vista que formam uma categoria profissional com direitos e identidade bem-definida. O contrário já não é tão provável. Os indiciados que se auto-identificaram como vigilantes podem perfeitamente não integrar o universo formal da segurança privada. Na cidade de São Paulo, por exemplo, existem os autodenominados "vigilantes autônomos". A categoria 'vigilante' registrada pela Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo pode incluir esses profissionais, que nada têm a ver com os vigilantes regulados pelas leis federais da segurança privada.
É preciso observar ainda que na zona de intersecção entre policiamento público e privado há uma área crítica para os direitos civis. Casos conhecidos mostram que graves transgressões e violações de direitos humanos estão associadas à venda de proteção informal - individual ou organizadamente, mas em grande parte feita por policiais civis e militares - para esquemas criminosos ou clientes que percebem a ação da polícia como insuficiente para a proteção de sua integridade e propriedade. Sob a fachada de empresas de segurança privada, serviços informais de policiamento privado têm sido prestados a latifundiários com propriedades rurais em disputa, grupos criminosos, comerciantes e outros segmentos sociais interessados em promover a "faxina social" da periferia violenta dos grandes centros urbanos. Nessa mancha mais cinza é difícil distinguir as fronteiras entre policiamento público, policiamento privado e banditismo, colocando assim desafios sérios do ponto de vista de quais órgãos devem combater tais atividades. Como será mostrado na seqüência, a Polícia Federal tem grandes limitações para atuar nessa área de intersecção.

III. CARACTERÍSTICAS DA ESTRUTURA NORMATIVA E ORGANIZACIONAL DE CONTROLE
As normas que regem a segurança privada no Brasil e conformam as organizações de controle são compostas por três leis, dois decretos e dezenas de portarias, resoluções e outros expedientes normativos típicos de burocracias executivas. A norma-base é a Lei federal n. 7 102, de 20 de junho de 1983, regulamentada pelo Decreto n. 89 056, de 24 de novembro de 1983. Em meados dos anos 1990 essa lei foi modificada por duas outras, a Lei n. 8 863, de 28 de março de 1994, e a Lei n. 9 017, de 30 de março de 1995. O Decreto n. 89 056/83 também foi reformulado pelo Decreto n. 1 595, de 10 de agosto de 1995.
O Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Polícia Federal (DPF), é responsável pela normatização, controle e fiscalização da segurança privada desde 1995, quando a Lei n. 9 017/95 atribuiu a ele tais funções e instituiu taxas para que a Polícia Federal prestasse os serviços. Isso possibilitou ao DPF criar em sua estrutura orgânica um setor especializado para exercer as novas atribuições, que se denominou Divisão de Controle de Segurança Privada (DCSP), órgão central que foi sediado em Brasília com a incumbência de regular, coordenar e controlar a segurança privada em todo o Brasil. Hoje esse órgão chama-se Coordenação-Geral de Controle de Segurança Privada (Cgcsp).
Junto com o órgão central foram criados órgãos executores específicos chamados Delegacias de Controle de Segurança Privada (Delesp), unidades regionais vinculadas às Superintendências Regionais de Polícia Federal nos estados e Distrito Federal, responsáveis pela fiscalização e controle da segurança privada no âmbito de suas circunscrições. As Comissões de Vistoria, que já existiam, foram mantidas nas Delegacias de Polícia Federal, descentralizadas das principais cidades do país com o objetivo de ajudar as 27 Delesp criadas a fiscalizarem e controlarem a segurança privada. Em 2006 havia no Brasil 82 Comissões de Vistoria (CV) distribuídas pelos 27 estados da federação, conforme o organograma do Quadro 1. Cada Comissão é também responsável pelo controle e fiscalização da segurança privada em uma circunscrição específica11.
Para colaborar com a normatização e controle da segurança privada, o Ministério da Justiça criou também um órgão colegiado incumbido de sugerir políticas para o setor e julgar processos punitivos instaurados pela Polícia Federal contra empresas de segurança. Além do representante do órgão estatal de controle, que o preside, esse colegiado foi composto por representantes de entidades das classes patronal e laboral do setor de segurança privada, bem como por representantes de órgãos públicos exercentes de atividades correlatas. Esse órgão denomina-se Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada (Ccasp) e em 2006 era composta por treze membros: Diretor-Executivo do DPF, dois representantes do poder público (Instituto de Resseguros do Brasil e Exército Brasileiro), quatro representantes do setor patronal (Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist), Associação Brasileira de Cursos de Formação e Aperfeiçoamento de Vigilantes (Abcfav), Associação Brasileira de Empresas de Transporte de Valores (ABTV) e Associação Brasileira de Empresas de Vigilância (Abrevis)), quatro do setor laboral (Confederação Nacional dos Vigilantes e Prestadores de Serviços (CNTV), Ftravest, Sindicato dos Empregados de Transportes de Valores e Similares do Distrito Federal (Sindvalores-DF) e Associação Brasileira dos Profissionais em Segurança Orgânica (ABSO)), além de um representante do setor financeiro (Federação Brasileira de Bancos (Febraban)) e outro dos trabalhadores bancários (Confederação Nacional dos Bancários (CNB)). O Quadro 1 resume essa estrutura.
A regulação e o controle da segurança privada no Brasil estão atualmente sob a égide das estruturas normativa e organizacional aqui descritas. Quatro aspetos podem ser evocados para caracterizar essa estrutura: a amplitude da regulação, sua extensão, o modo como o controle organiza-se no interior da unidade federativa e quem são os atores que conduzem a regulação e o controle.
A amplitude da regulação e controle diz respeito a quais atividades de policiamento privado são reguladas e controladas formalmente. A amplitude da regulação e do controle pode ser maior ou menor conforme o leque de atividades reconhecidas: vigilância patrimonial, patrulha de rua/bairro, transporte de valores, escolta, segurança pessoal, serviços de investigação particular, segurança eletrônica, brigada de incêndio, transporte de presos, segurança em presídios, segurança de dignatários, etc. Sob esse ponto de vista, o marco legal brasileiro apresenta amplitude limitada, pois regula apenas quatro atividades: vigilância patrimonial intra-muros, transporte de valores, escolta armada e segurança pessoal privada, além dos cursos para formação de vigilantes.
A extensão da regulação pode ser caracterizada em três níveis, tal como sugerido por Waard (1999): i) "não-intervencionista", quando não há marco legal específico e a responsabilidade de regulação é deixada para o mercado, que a realiza através de arranjos corporativistas; ii) "regulação mínima", situação em que o Estado introduz um marco regulador mínimo, ou seja, poucas regras e padrões genéricos para o funcionamento de empresas e contratação de trabalhadores; iii) "regulação abrangente", quando há normas estatais que visam aumentar o padrão e a qualidade dos serviços prestados pela indústria de segurança, mecanismos para proteger o público contra maus provedores e, às vezes, proteger empresas nacionais contra a competição de empresas estrangeiras12. O Brasil é um caso de regulação abrangente, pois conta com legislação específica que estabelece para as empresas de segurança privada uma série de condições operacionais relativas à mão-de-obra, treinamento dos profissionais, aquisição de armas e munições, infra-estrutura para a existência da empresa etc. A última parte deste artigo dá uma idéia mais clara a esse respeito.
A caracterização da estrutura organizacional para o controle da segurança privada relativa aos atores que fazem a regulação e o controle leva em conta a possibilidade de o processo ser conduzido de três maneiras: pelo Estado, pelo setor de segurança privada ou pelo Estado e setor de segurança privada em conjunto. O primeiro caso é o mais comum. Na maioria dos locais a regulação e a fiscalização da segurança privada são feitas por uma agência burocrática ligada ao setor administrativo (geralmente, Ministério do Interior) ou ligada ao setor de Justiça e Segurança (geralmente, uma força policial). Casos em que o mercado se auto-regula através de arranjos corporativos estabelecidos pela indústria são raros, mas a Inglaterra é um exemplo. A regulação e o controle também podem ser conduzidos através de um modelo misto ou "responsivo" em que o Estado regula e controla a segurança privada contando com a participação formal do setor de segurança privada e outros agentes no processo (PRENZLER & SARRE, 1998). A existência da Ccasp faz do Brasil um caso de estrutura institucional responsiva.
Por fim, a estrutura institucional para o controle da segurança também pode ser caracterizada em vista da possibilidade de ela organizar-se de maneira centralizada no governo federal, o que implica a existência de um padrão de regulação uniforme (válido em todo o país), ou descentralizada (sob a responsabilidade das unidades federadas), que, por sua vez, implica na existência de diversos padrões de regulação e controle dentro de um mesmo país. O Brasil e muitos outros países são exemplos de estruturas institucionais de controle centralizadas. Os Estados Unidos e o Canadá são casos de estruturas de controle descentralizadas.
As entrevistas realizadas com os atores diretamente envolvidos no controle da segurança privada e a leitura de documentos oficiais pertinentes revelaram que tanto a Polícia Federal quanto o setor de segurança privada (empresários e trabalhadores) estão comprometidos com a estrutura normativa e organizacional aqui descrita e caracterizada. Embora o setor de segurança privada e a Polícia Federal tenham críticas ao marco legal brasileiro, que não atende a todos os interesses dos atores envolvidos, as reivindicações por mudança não são pela alteração do padrão de regulação abrangente existente. Ao contrário, as mudanças desejadas são no sentido de tornar o marco legal ainda mais abrangente. Como órgão regulador e de controle, a Polícia Federal está naturalmente interessada em um marco legal que lhe permita realizar suas atribuições com a maior eficiência possível, para isso conta com o apoio do setor de segurança privada, interessado em um ambiente institucional regrado e controlado a ponto de melhorar as condições de oferta do problemático mercado brasileiro de segurança. Em um mercado com informalidade reduzida, a tendência seria haver posições divergentes em relação ao padrão de regulação ideal para a segurança privada. Nesse caso, a tendência seria que a Polícia Federal defendesse um marco legal abrangente e o setor de segurança privada, ao menos a parte empresarial, um marco legal mínimo, que é menos inter-vencionista. Mas não é o que ocorre no Brasil.
A característica responsiva e centralizada da estrutura organizacional para o controle da segurança privada existente no Brasil também encontra-se respaldada pelos interesses dos setores de segurança privada e da Polícia Federal. Da parte desta, apesar de aparentemente haver certo desconforto em relação ao amplo poder que o setor de segurança privada detém, via Ccasp, dentro do processo de regulação e controle, os dirigentes da Polícia Federal acreditam que a boa governança sobre as atividades de segurança privada não pode prescindir da participação e colaboração de empresários e trabalhadores do setor. Assim, a Polícia Federal vê com bons olhos a existência de uma estrutura institucional responsiva que permita envolver o setor de segurança privada no processo de regulação e controle, embora não pareça plenamente satisfeita com o formato que essa estrutura adquiriu no Brasil.
Já o caráter centralizado da regulação e controle da segurança privada é algo absolutamente pacífico. Da parte do setor de segurança privada, a defesa da centralização está associada ao fato de ela teoricamente gerar regras e procedimentos iguais em todo o país, o que permite a formação de um ambiente institucional homogêneo, algo fundamental para que os vigilantes tenham os mesmos direitos em todo o território e para que as empresas possam expandir-se e/ou operacionalizar seus negócios com mais facilidade. Do lado da Polícia Federal, a defesa desse modelo centralizado que atribui a ela o papel de agência reguladora e fiscalizadora da segurança privada parece estar relacionado a um comportamento considerado característico dos atores estatais: a ação no sentido de reforçar a autoridade, a longevidade política e o controle dos funcionários do Estado sobre a sociedade (SKOCPOL, 1989).
São basicamente esses os interesses que explicam a identificação existente no Brasil entre órgão regulador-controlador (Polícia Federal) e setor regulado-controlado (empresas e trabalhadores de segurança privada), ambos defensores do padrão institucional em vigor, caracterizado, por um lado, por uma estrutura normativa com regulação de tipo abrangente e, por outro lado, por uma estrutura organizacional de controle centralizada e responsiva.

IV. O CONTROLE DA POLÍCIA FEDERAL SOBRE A SEGURANÇA PRIVADA
IV.1. Dispositivos legais para controle
Em razão do seu caráter abrangente, o marco legal que regula a segurança privada no Brasil contém uma série de dispositivos que permitem, direta ou indiretamente, responsabilizar empresas e profissionais de segurança privada. Entre os dispositivos legais mais importantes para o controle da segurança privada, estão os que tratam dos temas: requisitos para a atuação de empresas e profissionais de segurança privada, treinamento, armas de fogo e uniforme e identificação visual dos agentes. Esses temas também estão presentes em diversas partes do mundo, sendo fundamentais para assegurar responsabilidade pública da segurança privada. Vê-se a seguir como eles apresentam-se no marco legal brasileiro e como foram regulados pela Polícia Federal no período 1996 a 2006.
Primeiramente, há o tema dos requisitos para empresas e vigilantes atuarem. Exigências desse tipo são importantes porque funcionam como uma espécie de filtro que visa garantir que somente pessoas idôneas, qualificadas e em condições de serem responsabilizadas civil e/ou criminalmente venham a entrar no universo da segurança privada. Trata-se de um tema presente em muitos contextos regulatórios (CUKIER, QUIGLEY & SUSLA, 2003). No Brasil essas exigências são rigorosas, com exceção do nível educacional exigido para tornar-se vigilante, que é apenas a 4º série do Ensino Fundamental. O Quadro 2 resume os requisitos básicos que empresas e vigilantes devem cumprir para serem autorizados a desempenhar atividades de policiamento privado nos termos da Lei n. 7 102/83.Embora de um modo geral os requisitos exigidos para empresas e vigilantes atuarem sejam rigorosos, problemas de ordem regulatória fragilizaram até recentemente duas das principais exigências para tornar-se vigilante: a comprovação de inexistência de antecedentes criminais e a necessidade de passar por testes de saúde física e mental. No caso dos antecedentes, até pouco tempo predominou o entendimento de que a exigência referia-se apenas aos antecedentes judiciais. Como a condenação na Justiça pressupõe uma sentença com trânsito julgado, pessoas que se encontravam respondendo a inquérito policial, mesmo que por crimes contra a vida ou o patrimônio, não podiam ser impedidas de ingressar ou manter-se na profissão de vigilante. O fato só foi alterado com a promulgação do Estatuto do Desarmamento, que, ao vetar a concessão do porte de arma a quem responde a inquérito policial, forçou a Polícia Federal a exigir dos vigilantes atestados de antecedentes policiais. Não obstante essa mudança, as entidades representativas dos trabalhadores do setor de segurança privada têm questionado judicialmente o entendimento de que pessoas que respondem a inquérito policial não podem exercer atividades de segurança privada. Segundo a liderança dos trabalhadores, essa interpretação abrangente do que vem a ser "antecedentes criminais" fere o princípio constitucional de presunção de inocência13.
Em relação à higidez física e mental dos vigilantes, problemas na normatização da matéria levaram à delegação das competências fiscalizadoras desses requisitos para o Ministério do Trabalho, o que, na prática, significou tornar a exigência inócua. O fato só foi parcialmente resolvido em agosto de 2006, quando a Polícia Federal promoveu uma reforma no marco regulatório com a edição de uma nova portaria - Portaria n. 387/06-DG-DPF (BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, 2006) - e trouxe para si a competência para normatizar e fiscalizar a aplicação dos exames psicológicos.
No que diz respeito às armas de fogo, a regulação brasileira está focada no produto arma, e não em quais atividades de policiamento privado podem fazer uso de armas. Isso ocorre menos por regulação indevida da Polícia Federal e mais pelo fato de o Brasil possuir um marco legal permissivo que não define ou permite que o órgão regulador defina quais atividades de segurança privada deverão ser executadas de maneira desarmada. Diferentemente do que ocorre em países da Europa, América do Norte e América Latina, que proíbem o uso de armas por agentes de segurança privada ou condicionam o seu porte a uma autorização prévia por parte do órgão regulador (COELHO, 2006), a legislação brasileira assegura a todo vigilante porte de arma quando em serviço, independente do tipo de serviço que ele venha a prestar. A lei define apenas quais atividades precisam ser executadas com armas - segurança bancária, transporte de valores e escolta armada. Nas demais atividades, a decisão sobre o uso de armas no policiamento privado cabe apenas ao prestador e ao contratante do serviço de segurança. Assim, o Estado não pode exercer controle público sobre uma decisão cujas conseqüências determinam em grande medida o potencial de ameaça que a segurança privada representa para os direitos civis.
Se a Polícia Federal não tem competência para decidir em quais situações a segurança privada pode usar armas de fogo, ela tem para regular quais armas podem ser usadas e em quais condições as empresas podem adquiri-las. Nesse sentido, a partir de 1997 ocorreram mudanças importantes na política de controle de armas implementada pela Polícia Federal, notadas principalmente no aumento do controle sobre esses insumos e na autorização para o uso de armas não-letais. O aumento do controle foi uma resposta a dois fatores. Primeiro, uma reação a diversos episódios envolvendo o extravio, furto ou roubo dos arsenais de empresas de segurança. Segundo, uma adaptação a políticas mais amplas empreendidas por sucessivos governos federais para aumentar o controle sobre a oferta, demanda e estoque das armas em circulação14. Já a inclusão de armas não-letais no universo da segurança privada é um processo mais recente e ainda em curso, portanto difícil de ser avaliado. De qualquer modo, trata-se de uma importante inovação com potencial para reduzir a capacidade ofensiva da segurança privada.
Quanto ao tema uniforme e identificação visual, do ponto de vista do controle, o que faz dele algo fundamental é o fato de os uniformes poderem facilitar ou dificultar a identificação de um agente de segurança privada e da empresa a qual se vincula em caso de desvio de conduta. A efetividade de controles externos, principalmente aqueles provenientes do público-alvo do policiamento privado (controle pela sociedade), depende em grande medida do modo como esse tema é regulado. No caso do Brasil, o marco legal manifesta a preocupação de que os vigilantes utilizem uniformes ostensivos, identificados e diferentes dos utilizados pelas Forças Armadas e Polícias Militares. Mas a regulação da "plaqueta de identificação do vigilante" não facilita a identificação visual dos agentes a uma distância razoável, colocando obstáculos para a efetividade do controle pela sociedade.
Por fim, o tema treinamento. Nesse assunto o Brasil também faz exigências rigorosas quando comparada às existentes em países da América do Norte e Europa, cuja regulação sobre treinamento varia enormemente, havendo desde casos em que não há nenhuma exigência até aqueles em que são exigidos cursos que variam de 32 a 280 horas (CUKIER, QUIGLEY & SUSLA, 2003, p. 246). O marco regulatório brasileiro exige o treinamento e o aperfeiçoamento contínuo dos profissionais que atuam em empresas de segurança privada, que devem fazer curso preparatório para tornar-se vigilante e reciclagens de dois em dois anos. Tanto os cursos preparatórios quanto as reciclagens são ofertados por cursos de formação e aperfeiçoamento de vigilantes autorizados pelo Ministério da Justiça-Polícia Federal. O tipo de treinamento oferecido por esses cursos sofreu mudanças significativas com a recente reforma do marco regulatório empreendida pela Polícia Federal, que aumentou a carga horária dos cursos, introduziu o princípio do uso proporcional da força, matérias relacionadas a direitos humanos e outras que visam melhorar a integração entre segurança pública e segurança privada. Essas mudanças foram apoiadas por empresários e trabalhadores do setor, mas contemplaram apenas uma parte das demandas do setor de segurança privada e da sociedade. Os trabalhadores e parte do empresariado, por exemplo, desejavam mudanças mais profundas através da regulamentação de módulos curriculares que oferecessem aos profissionais de segurança privada formação adequada para que pudessem atuar em áreas tão diversas quanto uma planta industrial, um condomínio, um hospital e uma escola15. Por outro lado, treinamento em técnicas de "desescalada" - judô verbal, negociação, administração da raiva (angry management) - e em resolução pacífica de conflitos, aptas a minimizar o uso da força por agentes de segurança privada16, também não foram contempladas na reforma curricular empreendida pela Polícia Federal, que optou por uma mudança de caráter mais incremental.
Apesar do caráter incremental da mudança, ela foi suficiente para alterar o padrão de treinamento que vigorou no país entre 1995 e 2006, centrado na defesa do patrimônio e sem nenhuma preocupação com direitos humanos e uso adequado da força. Não por acaso, essa mudança é vista pela Polícia Federal como a mais importante inovação da política de controle do período 1996-2006. E, de fato, tal mudança é fundamental para o controle da segurança privada, já que vigilantes educados em direitos humanos e treinados para a utilização da força física de maneira progressiva e profissional estão, em tese, menos suscetíveis a desvios de conduta e comportamentos irresponsáveis.
IV.2. Instrumentos de incentivo aos controles interno e externo
Como alguns estudos de caso apontam (The Public Accountability of Private Police, 2000; STENNING, 2000), o controle estatal da segurança privada é mais eficiente quando capaz de incentivar as demais formas de controle, especialmente aquele realizado nas próprias empresas (controle interno) e pelos contratantes dos serviços de segurança (controle pelo cliente). Comprometer as entidades representativas do setor de segurança privada no controle da segurança (controle pelas associações de classe) também é fundamental para o controle estatal.
Um dos principais mecanismos disponíveis ao Estado para incentivar o controle interno é exigir que empresas de segurança privada enviem relatórios de suas atividades para as autoridades públicas ou mantenham-nos para revisão em caso de fiscalização. Exigências desse tipo estão presentes em diversos países da Europa e também em alguns locais da América do Norte. No Brasil, as empresas de segurança privada não estão obrigadas a manter ou apresentar periodicamente relatórios sobre suas atividades. Ao invés de relatórios sobre atividades cotidianas, a Polícia Federal cobra das empresas de segurança privada relatórios sobre produtos controlados e sobre a apuração de eventuais condutas criminais de vigilantes. Esses relatórios são importantes. Mas, no primeiro caso, o controle induzido é sobre o produto arma e demais acessórios relacionados. O segundo visa controlar comportamentos, mas está longe de ser um instrumento de supervisão constante e passível de controle público tal como são os relatórios de atividades exigidos em outros contextos regulatórios. Assim, o Brasil dispõe de poucos instrumentos para incentivar o controle interno da segurança privada com sentido público.
Em relação ao incentivo do controle externo, o Brasil dispõe de instrumentos que estimulam - ou permitem estimular - apenas o controle pelas associações de classe, e mesmo assim apresentam problemas. Um desses instrumentos está previsto no marco regulatório normatizado pela Polícia Federal, que permite aos sindicatos patronais e laborais realizarem supervisões, sob determinadas circunstâncias, sobre os cursos de formação de vigilantes. Além de limitado aos cursos, parece que os sindicatos não têm feito uso dessa prerrogativa, conforme apontou o presidente da Associação Brasileira dos Cursos de Formação (Abcfav): "Olha, eu estou aqui nesta empresa faz 15 anos. Nunca, em tempo algum, apareceu um dirigente sindical aqui pra me fiscalizar. Mesmo porque a própria Polícia Federal entende que para o cara vir aqui tem que telefonar, marcar hora. Ele não tem esse poder de polícia. E isso nunca aconteceu. E eu acho que eles não fazem isso em nenhum lugar. Talvez, se acontece eventualmente algum problema em uma empresa com algum vigilante deles, vigilantes sindicalizados, talvez aí eles possam ir na empresa. Agora, com relação aos cursos, eu nunca recebi ninguém aqui e não conheço nenhuma escola que tenha recebido" (entrevista realizada com o Presidente da Abcfav).
O principal instrumento de que a Polícia Federal dispõe para incentivar diretamente o controle das entidades patronais e laborais sobre a segurança privada é a Ccasp, órgão colegiado que incorpora as entidades de empresários e trabalhadores no processo de regulação e controle da segurança privada, atribuindo ao processo um caráter responsivo. Embora seja um espaço importante, a Ccasp não conta com a participação dos clientes (exceto o segmento financeiro), que segundo a literatura são os atores em condições de desempenhar o papel mais efetivo no controle externo da segurança privada (The Public Accountability of Private Police, 2000).
Outro problema relacionado à Ccasp é que as regras que regulam o órgão (portarias do Ministério da Justiça) permitem que uma parte importante do processo de controle - a punição das empresas de segurança que cometem infrações - fique sujeita às decisões dos próprios representantes dos empresários e trabalhadores da segurança privada, que formam maioria na Ccasp. Desse modo, o órgão permite a interferência de interesses privados em um aspecto fundamental do controle estatal, que é a punição das empresas infratoras. Assim, ao invés de uma divisão clara entre controle estatal e controle pelas associações de classe há no Brasil um amálgama problemático dessas duas modalidades de controle que, em algumas circunstâncias, resulta em prejuízos para o controle público.
IV.3. A fiscalização
Diferentemente de outros órgãos fiscalizadores, a Polícia Federal não exerce uma fiscalização por amostragem, e sim uma fiscalização extensiva a todo o setor de segurança privada. Isso porque a legislação determina que as empresas de segurança privada devam ser fiscalizadas ao menos uma vez por ano. Além dessa fiscalização obrigatória, Delesp e CV podem iniciar, a qualquer tempo, fiscalização de ofício, por solicitação da Cgcsp, do setor de segurança privada, dos órgãos de segurança pública ou ainda mediante denúncia de terceiros, desde que haja fundada suspeita de irregularidade em atividades típicas de segurança privada.
Em razão da obrigatoriedade de fiscalização anual sobre o setor de segurança privada, não existe propriamente uma política nacional de fiscalização cujas diretrizes partam do órgão central. Mas as lideranças empresariais pressionam a Cgcsp e, principalmente, a Delesp e a CV para que a fiscalização incida prioritariamente sobre as empresas que oferecem preços considerados inexeqüíveis no mercado de segurança privada17. Todavia, os delegados de Polícia Federal que atuam na Cgcsp revelaram nas entrevistas que a única orientação passada às Delesp e CV é para que não se restrinjam a punir, mas também orientem o empresariado de modo a prevenir irregularidades. O entendimento dos delegados era o de que a punição deve ser utilizada apenas como último recurso, dirigido àqueles que cometem irregularidades flagrantes às normas que regem a segurança privada.
Como não existe uma política nacional de fiscalização emanada da autoridade central de controle, Delesp e CV desfrutam de ampla autonomia para o planejamento de suas ações fiscalizadoras. Conseqüentemente, a fiscalização da segurança privada apresenta grandes variações regionais que são determinadas pelos diferentes graus de estruturação das Delesp e CV (recursos financeiros, materiais e humanos disponíveis) e pelas próprias características do mercado regional de segurança privada. Essas variações podem ser vistas no gráfico 4, que compara o número de penalidades aplicadas com o tamanho do mercado de segurança privada nos diversos estados da federação.Quanto ao desempenho geral da Polícia Federal no quesito fiscalização, os dados disponíveis sugerem um aumento da capacidade fiscalizadora de Delesp e CV a partir de 2003 (Gráfico 5), verificável pelo aumento considerável do número de autuações18. Esse incremento no número de penalidades aplicadas parece estar diretamente relacionado ao maior investimento em recursos humanos realizado na Polícia Federal. Segundo dados dos Relatórios Anuais da Polícia Federal, houve a partir de 2002 um acréscimo dos policiais de carreira, que saltaram de 6 915 em 2001 para 8 260 em 2004. Aumento ainda maior ocorreu com os funcionários administrativos, que eram 1 804 em 2003 e passaram a 3 204 em 2004 - crescimento de 77,6%. Não foi possível avaliar quantos desses novos servidores foram lotados em Delesp e CV19. Mas o aumento do número de servidores da Polícia Federal e o aumento do número de penalidades coincidem no tempo, sugerindo a hipótese de que a melhora da capacidade fiscalizadora das Delesp e CV deva-se fundamentalmente ao investimento em recursos humanos realizado pela Polícia Federal. Como o Gráfico 5 mostra, junto com o aumento das penalidades houve um aumento do número de arquivamentos, o que revela problemas na qualidade da fiscalização exercida por Delesp e CV. Em média, 21% dos processos julgados na Ccasp, entre os anos de 2002 e 2006, foram arquivados. Parte dos arquivamentos decorre da própria dinâmica do processo administrativo, mas, segundo os policiais federais entrevistados, grande parte está relacionada a dificuldades organizacionais que afligem as unidades de controle e fiscalização. Entre essas dificuldades, destaca-se a existência de um banco de dados sobre empresas e vigilantes pouco confiável, a alta rotatividade de funcionários, a ausência de uma política de qualificação profissional voltada especificamente para os servidores lotados em Delesp e CV e outros fatores que contribuem para a ocorrência de falhas na instrução dos processos punitivos, que por essas razões acabam sendo arquivados.


As falas a seguir, de policiais federais apontam para alguns desses problemas: "[...] o que acontece na prática (procedimentos equivocados adotados por policias federais que executam a fiscalização), via de regra, é provocado pela constante rotatividade existente na composição das Delesp e Comissões de Vistorias, que para um determinado funcionário assimilar todos os conhecimentos referentes à aplicabilidade da legislação requer tempo, que muitas vezes o funcionário é preparado, vem à sede da Divisão fazer estágio, outros são orientados constantemente por telefone, ou através de respostas a consultas formuladas por escrito e, quando está afinado com a legislação, logo, preparado para deslanchar, acaba sendo removido para outro setor da regional, ou deslocado para escalas de plantão, desfalcando o setor, provocando acúmulo de serviços" (fala do delegado que chefiava o controle da segurança privada em 2000, constante da ata da 30ª reunião da Ccasp). E, de acordo com o discurso de um policial federal, "[...] o elevado índice de ocorrência de 'falhas' na instrução dos processos prende-se ao fato de que os servidores, ao serem lotados no setor, quase não recebem treinamento específico, ou seja, aprendem os procedimentos à medida que vão tendo contato prático com o serviço" (entrevista com agente de polícia federal de Delesp).
Sendo os funcionários mais especializados e experientes substituídos constantemente por funcionários novos e com pouco treinamento e experiência, a continuidade e a qualidade do trabalho das Delesp e CV ficam comprometidas20. Assim, a rotatividade de funcionários, somada à inexistência de uma política de capacitação constante, acabam diminuindo a eficiência dos órgãos que fazem o controle e a fiscalização na ponta.
Outro problema associado à fiscalização e à política de controle da Polícia Federal, em geral, é o fato de os órgãos de controle não sistematizarem informações relativas às suas ações. A Cgcsp não produz estatísticas que lhes permita supervisionar e corrigir as ações fiscalizadoras de Delesp e CV. Não se sabe, por exemplo, qual é o índice de arquivamentos de cada Delesp e CV e como esse índice tem evoluído ano a ano. Tanto a Cgcsp quanto as Delesp e CV trabalham sem conhecer tais dados, o que prejudica o desempenho das unidades fiscalizadoras.
Se em meio às dificuldades ainda enfrentadas é possível notar avanços na fiscalização exercida pela Polícia Federal sobre o mercado legal de segurança, o mesmo não pode ser dito em relação à fiscalização do universo informal dos provedores particulares de policiamento. A capacidade de controle da Polícia Federal sobre esse universo é baixa e limitada.
Em primeiro lugar, a fiscalização da Polícia Federal está restrita à chamada "segurança privada clandestina", que não inclui o policiamento privado executado em vias públicas, exceto quando ele se relaciona ao transporte de valores, escolta armada e segurança pessoal privada. A Cgcsp entende que a vigilância patrimonial de áreas residenciais, realizada a partir de ruas e logradouros públicos, não é considerada irregular nos termos da legislação federal de segurança privada, já que esta legislação define vigilância patrimonial apenas como as atividades realizadas no interior de propriedades (vigilância intramuros). Segundo os delegados e agentes de Polícia Federal entrevistados, como não há tipificação para a vigilância patrimonial em vias públicas, não há irregularidade a ser combatida pela Polícia Federal.
Em segundo lugar, para além da retórica dos governos e autoridades públicas de que o combate à segurança privada clandestina é prioritário, não existia até 2006 uma política nacional voltada para o combate dessas atividades. Como o gráfico 6 mostra, os resultados da Polícia Federal no combate à segurança privada clandestina são pífios e oscilantes. Basta dizer que em 2006 havia 109 unidades de controle da segurança privada no Brasil (27 Delesp e 82 CV), mas foram encerradas somente 67 empresas clandestinas, ou seja, em média menos de uma empresa fechada por unidade de controle. Na ausência de uma política pública específica voltada para o controle da segurança privada clandestina, a fiscalização é realizada de maneira pontual por Delesp e CV, que têm autonomia para decidir quando e em quais circunstâncias a segurança privada irregular será alvo de fiscalização. Nesse sentido, Delesp e CV estão submetidas a fortes restrições decorrentes, de um lado, da carência de recursos materiais e humanos presentes, de outro, das pesadas exigências de controle sobre o segmento legal de segurança privada, que consome grande parte do trabalho das unidades de controle, conforme explica uma das autoridades responsáveis pela execução da fiscalização no Rio de Janeiro: "[...] [realizamos] por mês, em média, duas operações de repressão aos clandestinos, mas acontece que a Delesp-RJ não faz só isso, tem outras obrigações. Temos também que fiscalizar os planos de segurança de todas as agências bancárias, os cursos de formação e as empresas de segurança. Ao todo realizamos cerca de duas mil operações por ano, e cada uma gera um volume gigantesco de papéis. O trabalho não termina quando saímos do local. Precisamos dar continuidade e ir 'fechando' a operação e seus desdobramentos, o que depende de tempo" (entrevista com o chefe de operações e delegado substituto da Delesp-RJ apud DELESP-RJ FECHA O CERCO, 2006).
Além do grande volume de trabalho interno, os policiais lotados em Delesp e CV queixam-se também de estarem sujeitos a concorrerem às escalas de plantão, de sobreaviso, de segurança de dignitários e participação nas famigeradas operações especiais da Polícia Federal, o que reduziria ainda mais o tempo necessário para o planejamento e execução das operações de combate à clandestinidade.
Contudo, a principal reclamação dos policiais de Delesp e CV é quanto à ausência de instrumentos legais que permitam combater com eficiência o mercado clandestino de segurança privada. De fato, o marco legal da segurança privada não confere à Polícia Federal instrumentos legais que permitam combater a clandestinidade com eficiência. A repressão à segurança privada clandestina está circunscrita à esfera administrativa e restrita aos provedores, não alcançando os patrocinadores desse tipo de atividade. A empresa, pessoa ou grupo que provê irregularmente serviços de segurança é penalizado somente com o encerramento das atividades, não havendo multa ou qualquer outro processo de responsabilização pelo ato em si, a não ser que o autuado seja recalcitrante ou o serviço envolva o uso de armas. No caso de a segurança privada irregular ser desarmada, além de não estar prevista nenhuma pena para responsabilizar provedores e patrocinadores, há decisões de tribunais favoráveis a empresas que questionaram na Justiça as competências fiscalizadoras da Polícia Federal com base no argumento de que a Lei n. 7 102/83 legisla apenas sobre as atividades de segurança privada armada21. Finalmente, se os clandestinos forem agentes de segurança pública, especialmente, policiais civis e militares, à Polícia Federal resta apenas oficiar as Secretarias de Segurança Pública e respectivas organizações policiais e torcer para que haja a responsabilização dos envolvidos, o que raramente acontece.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo exploratório do controle estatal da segurança privada exercido pela Polícia Federal revela uma situação ambígua. Em relação aos dispositivos legais disponíveis para a responsabilização da segurança privada, nota-se que a regulação abrangente presente no Brasil contempla uma série de temas importantes para o controle. A análise focada nesses temas revela que a política regulatória empreendida pela Polícia Federal entre 1996 e 2006 promoveu melhoras significativas em alguns desses temas (caso dos requisitos para empresas e vigilantes atuarem, principalmente, treinamento), mas outros temas permanecem regulados de maneira permissiva (caso das armas de fogo) e deficiente (caso dos uniformes).
Outro problema observado no controle estatal da segurança privada é que os instrumentos disponíveis para incentivar o controle interno e o controle externo das empresas são frágeis. Em relação ao controle interno, a Polícia Federal não exige relatórios sobre as atividades das empresas de segurança, mecanismo que a literatura aponta como fundamental para incentivar o controle no interior das organizações. Em relação ao controle externo, não há mecanismos para incentivar o controle pelos clientes. O Brasil dispõe apenas de instrumentos que estimulam - ou permitem estimular - o controle pelas associações de classe, e mesmo estes apresentam problemas.
Finalmente, descobriu-se que a fiscalização exercida pela Polícia Federal sobre o mercado legal de segurança privada dá-se de maneira constante e extensiva a todo o setor. Nos últimos anos houve um aumento da capacidade fiscalizadora da Polícia Federal, aumento que não foi acompanhado por melhoras na qualidade da fiscalização. Contrastando com esse fato, observou-se que a capacidade de fiscalização da Polícia Federal sobre os provedores particulares de policiamento que atuam na informalidade é extremamente baixa e as tentativas de controle visam apenas a uma parte desses provedores.
Se em meio às dificuldades que persistem é possível notar avanços na regulação e fiscalização realizada pela Polícia Federal sobre o universo formal da segurança privada, o mesmo não pode ser dito em relação à fiscalização do amplo e problemático universo do policiamento privado informal. A fiscalização que a Polícia Federal exerce sobre esse universo é precária e limitada. Esse é o maior desafio colocado para a sociedade brasileira. Os poucos dados disponíveis indicam que os riscos mais sérios para os direitos civis estão associados ao universo do policiamento privado informal. As ocorrências criminais parecem concentradas nesse universo, que é também o terreno no qual floresce o policiamento privado executado por justiceiros, "milícias", esquadrões da morte etc. Isso aponta para a necessidade de políticas públicas voltadas especificamente para o controle dos provedores que se inserem nesse universo, seja estendendo a regulação estatal para algumas atividades - caso da vigilância comunitária, cujos agentes desarmados (isso é imperativo!), treinados em legislação penal, técnicas de observação e comunicação com a polícia podem tornar-se "sentinelas" aptas a auxiliarem a segurança pública22 -, seja controlando a arena em que o policiamento privado está em intersecção com o policiamento público e com a criminalidade, seja desestimulando a contratação de agentes e empresas de segurança privada irregulares.
Políticas desse tipo, por sua vez, dependem de um melhor conhecimento desse universo, sobre o qual não se sabe praticamente nada. É preciso conhecer quem são os provedores (e quantos são) e patrocinadores de policiamento privado informal, onde atuam, como o policiamento é executado, quais sanções utilizam, quais ameaças representam para os direitos civis, quais implicações têm para a segurança pública, como são controlados por aqueles que os empregam etc. Além dessas questões, no caso da vigilância comunitária realizada em vias públicas, é preciso saber se ela de fato tem sido considerada irregular e combatida pelas polícias estaduais, se há leis nas esferas locais regulando esse tipo de atividade, de que modo regula, quem as controla e como controla. A agenda de pesquisa é ampla e, embora o policiamento privado informal suscite as questões mais urgentes, inúmeras outras relacionadas à segurança privada legal também precisam ser compreendidas. No que diz respeito ao controle, é preciso entender como tem atuado as diversas formas de controle possíveis sobre a segurança privada - controle dos clientes, controle pelas associações de classe e controle social. É preciso saber também como essas diversas formas de controle articulam-se entre si e com o controle estatal, ou seja, qual a dinâmica das diversas formas de controle. Em que medida as várias formas de controle são capazes de gerar resultados também é outra questão a ser avaliada. Articular pesquisa empírica com as questões teórico-conceituais mais gerais é outro desafio. O caso brasileiro parece apresentar muitas particularidades em relação ao das democracias desenvolvidas, mas também guarda relações com o que tem ocorrido nesses países. É importante não perder de vista o debate na literatura internacional, que tem avançado na elaboração teórico-conceitual disso que tem sido chamado de "reestruturação", "pluralização" ou "multilateralização" do policiamento.
Diante de tantas questões a serem esclarecidas, uma coisa parece certa. O controle dos agentes e organizações informais de policiamento privado depende do controle das principais forças policiais do país, visto que parece ser intensa a participação de policiais civis e militares em atividades informais de policiamento privado. Os dilemas antigos e modernos a que Paixão (1991) referia-se no início dos anos 1990 estão articulados. O dilema político implícito na pergunta "mas quem vigiará os vigias?" com a qual se começou este trabalho permanece no ar.

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Recebido em 18 de maio de 2010.
Aprovado em 18 de junho de 2010.
Cleber da Silva Lopes (cleber1lopes@hotmail.com) é Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Doutorando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).
1 O artigo é um resumo da dissertação de mestrado de mesmo título defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em abril de 2007 (cf. LOPES, 2007). Versão preliminar deste trabalho foi apresentada na mesa de "Políticas Públicas" do 6° Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), realizado na Unicamp entre os dias 29 de julho e 1° de agosto de 2008.
2 Entende-se por "controle" os mecanismos e ações que visam gerar adequação das empresas e profissionais de segurança privada às expectativas e regras públicas. O termo é utilizado ao longo deste artigo para referir-se, indistintamente, a duas formas de controle: controle sobre os procedimentos das organizações que provêem policiamento, também chamado "responsabilização"; e controle sobre a conduta dos agentes que fazem policiamento. Embora uma distinção entre esses dois tipos de controle seja possível, ela é pouco relevante porque ambos são interdependentes e complementares. Como notou Bayley, a "ação institucional se manifesta no modo como seus membros agem; o controle das instituições não existe se o comportamento de seus membros não é afetado. A responsabilização implica controle, e controle gera responsabilização" (BAYLEY, 2001, p. 174-175).
3 "Vigilante" é o termo que juridicamente designa os profissionais de segurança privada no Brasil.
4 Enquanto categoria sociológica, o termo "segurança privada" foi empregado por Shearing e Stenning (1981) para referirem-se às empresas formalmente constituídas que vendem serviços de vigilância ou equipamentos de prevenção no mercado (a chamada indústria da segurança), bem como às empresas e às organizações mais variadas que organizam divisões internas para promover sua própria segurança (segurança orgânica ou private security in-house).
5 A definição de espaços comunais é de Kempa et. al. (1999). Os dados sobre os setores em que os vigilantes atuam constam no II Estudo do setor de segurança privada (cf. FENAVIST, 2005).
6 Vale notar que a permuta de profissionais entre as organizações de policiamento público e privado não é uma exclusividade do Brasil. O intercâmbio de pessoal e serviços é um importante traço estrutural da segurança privada em vários locais (cf. SHEARING & STENNING, 1981; PAIXÃO, 1991). Particular ao Brasil parece ser o fato de essa permuta envolver predominantemente policiais civis e militares da ativa e ocorrer amplamente com o universo do policiamento privado informal.
7 Conforme entrevista com o Presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São Paulo (Sesvesp) publicada no jornal Folha de S. Paulo (PM NÃO É APTO PARA SER VIGIA, 2005).
8 Refiro-me aqui aos chamados "rondantes" - também conhecidos como "guardas noturnos", "agentes de segurança comunitária", "vigias noturnos", "vigilantes noturnos autônomos" ou simplesmente "vigias" ou "guardas de rua" -, pessoas que se dedicam à patrulha a pé, de bicicleta ou motorizada de ruas de bairros residenciais, muitas vezes iniciada sem a solicitação dos moradores, que posteriormente são impelidos ou achacados a pagarem pelos serviços. Muitos integram empresas ou cooperativas que se autodenominam empresas de vigilância comunitária ou guardas noturnas.
9 Essas guardas são definidas como entidades sem fins lucrativos mantidas por eventuais contribuições espontâneas dos beneficiários dos serviços de vigilância prestados.
10 Os policiais civis e militares não estão presentes apenas no universo informal do policiamento privado, mas também em empresas regulares, nas quais aparecem (explicita ou disfarçadamente) como instrutores, consultores, sócios ou executivos.
11 Essa estrutura organizacional foi criada pela Portaria n. 73, de 10 de dezembro de 1996. No intervalo de tempo entre a promulgação da Lei n. 9 017/95 e a Portaria n. 73/96 o controle da segurança privada ficou provisoriamente a cargo do extinto Departamento de Organização Política e Social (DOPS) do Departamento de Polícia Federal.
12 Waard (1999) combinou essa classificação com outras duas variáveis relacionadas à capacidade para implementar as regras fixadas no marco legal (capacidade regulatória limitada ou ampla), montando assim uma tipologia para enquadrar os vários contextos regulatórios existentes na Europa. Este artigo não leva em conta a variável "capacidade regulatória" pelo fato de ela inserir-se no plano do controle fático.
13 Conforme entrevista com o Presidente da CNTV.
14 Essa política começou com a criação do Sistema Nacional de Arma (Sinarm) no âmbito da Polícia Federal (Lei n. 9 473/97), passou pela promulgação do "Estatuto do Desarmamento" (Lei n. 10 826/03) e atingiu seu ápice com a campanha do desarmamento e referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munição no país.
15 Conforme entrevista com o Presidente da CNTV.
16 Conforme sugestão da Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo (CAP-SSP/SP) (cf. SÃO PAULO. SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA. COORDENADORIA DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2004).
17 Conforme entrevistas com as lideranças dos empresários que participam da Ccasp.
18 No período 2002-2006 o mercado de segurança privada cresceu a uma proporção muito menor do que a do número de autuações (cf. FENAVIST, 2005). Como é pouco provável que o mercado tenha se tornado mais problemático neste período, certamente o que ocorreu foi um aumento considerável da capacidade de controle da Polícia Federal.
19 Tentou-se fazer esta avaliação, mas há inúmeras dificuldades envolvidas em um levantamento desta natureza. O DPF em Brasília faz a alocação de servidores de acordo com a demanda das Superintendências Regionais. A lotação de funcionários nas Delesp e CV compete às superintendências regionais (SR), que são quem tem ascendência administrativa sobre as delegacias especializadas e delegacias descentralizadas. Portanto, as informações sobre lotação dos servidores encontram-se descentralizadas, isto é, de posse das 27 superintendências regionais. Mas a dificuldade principal para fazer esse levantamento se deve ao fato de haver uma rotatividade de funcionários dentro da estrutura orgânica do DPF que torna extremamente difícil obter dados precisos
20 Segundo os delegados entrevistados, o prazo de permanência em uma delegacia especializada do DPF é indeterminado e não existe regra para alterações. Pode ser por vontade própria do policial, por necessidade e demanda de trabalho ou, ainda, por determinação da administração. Mas há dificuldades em lotar servidores para Delesp e CV, porque essa área é considerada pouco atrativa na estrutura orgânica da Polícia Federal.
21 Para uma análise e defesa desse ponto de vista, ver Coelho (2006).
22 Há alguns anos o jornal Folha de S. Paulo (VIGIAS AUXILIAM POLÍCIA, 2006) noticiou um projeto desenvolvido pela Polícia Civil na costa sul de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, que registrava vigilantes e oferecia treinamento de duas semanas para que aprendessem a comunicar corretamente um crime à polícia, técnicas de observação e uso de rádio do tipo HT, que eram suas ferramentas de trabalho. Polícia e moradores estavam satisfeitos com o projeto, que segundo a matéria estava trazendo bons resultados para a segurança local.

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