sexta-feira, 23 de maio de 2014

Democracia e direitos fundamentais. Propostas para uma jurisdição constitucional democrática‏

Propõem-se medidas para manter a jurisdição constitucional no caminho da proteção dos direitos fundamentais, sem tirar do povo, concedente do poder judicial, a controlabilidade das decisões provenientes de uma função estatal que é concessionária de um poder que não lhe pertence.
SUMÁRIO: 1. Democracia e direitos fundamentais. 2. A função antimajoritária da jurisdição constitucional. 3. Nossa jurisdição constitucional é democrática? 4. Judicialização e ativismo judicial. 5. Propostas de limitação democrática da jurisdição constitucional. 5.1. Judicial self-restraint. 5.2. Limitação da jurisdição constitucional pela própria Constituição que lhe cabe guardar - a vinculação constitucional. 5.3. Respeito judicial à abertura do sistema de controle de constitucionalidade. 5.4. Fundamentação jurídica das decisões judiciais de controle de constitucionalidade. 6. Notas finais. 7. Referências bibliográficas.
RESUMO: Há, contemporaneamente, uma constante colisão entre democracia e direitos fundamentais, ante a função antimajoritária destes últimos; colisão esta que acarreta questionamentos quanto à legitimidade democrática da jurisdição constitucional responsável pela proteção daqueles direitos fundamentais, em caso de sua inobservância espontânea pelo Poder Público. Isso porque, em última medida, estará uma decisão política normatizada pelos representantes do povo sendo afastada por um órgão jurisdicional não detentor de representatividade popular e, ainda que seja a própria CF/1988 que estabeleça a legitimidade abstrata da jurisdição constitucional, isso não afasta eventuais críticas de ausência de tal legitimidade diante da falta de controle democrático popular de suas decisões a posteriore - mais pela imposição de uma contemporânea postura ativista do Poder Judiciário do que propriamente pelo sistema de controle de constitucionalidade vigente. Sob tais premissas, o objetivo do presente trabalho é propor algumas medidas que podem manter a jurisdição constitucional no caminho da proteção dos direitos fundamentais, sem tirar do povo, concedente do poder judicial, a controlabilidade das decisões provenientes de uma função estatal que não pode ser, obviamente, incontrolável, mas que é, em essência, concessionária de um poder que não lhe pertence.

PALAVRAS-CHAVE: Democracia. Direitos fundamentais. Jurisdição constitucional. Legitimidade democrática.

1. Democracia e direitos fundamentais.

O Estado democrático constitucional de direito contemporâneo vive um instigante paradoxo: a proteção dos direitos fundamentais fixados em benefício do cidadão conduzem a uma constante restrição do poder político de titularidade do próprio povo; e, em enorme medida, tal restrição do poder político, que é desempenhado em regra pelos representantes parlamentares dos próprios cidadãos, é feita através de um Poder que não dispõe de representatividade popular, o Judiciário.
Essa inexorável relação entre democracia e direitos fundamentais foi muito bem captada por Robert Alexy, para quem se há uma limitação do legislador através da fixação de um rol de direitos fundamentais que definem aquilo que o legislador pode ou não pode fazer - com a finalidade de retirar os direitos fundamentais das investidas das maiorias parlamentares que exercitam momentaneamente o poder político [1] -, então há uma constante colisão entre o princípio democrático e tais direitos fundamentais.
Constante colisão esta que, segundo o próprio autor, mostra-se como um “problema inevitável e permanente”, à medida que a própria Constituição distribui competências nesse campo tanto ao legislador com legitimação democrática direta e responsabilidade política – em razão da possibilidade de não-reeleição – quanto aos juízes constitucionais indiretamente legitimados e não destituíveis eleitoralmente [2].
Para Alexy, essa constante litigiosidade entre a democracia e o estabelecimento de direitos fundamentais demonstra uma natureza dúbia dos direitos fundamentais, sendo eles tanto democráticos quanto antimajoritários [3], pois, em essência, tais direitos de ordem constitucional estabelecem posições jurídicas subjetivas fundamentais dos indivíduos que não poderão ser decididas pela regra majoritária parlamentar [4].
De ver-se que a democracia atualmente desejada, portanto, é uma democracia constitucional [5], pluralista e tolerante em que, por meio dos direitos fundamentais [6] declarados para todos os indivíduos e organizações que compõem a sociedade, assegura-se uma “democracia de direitos” [7] que impede o esquecimento de lembranças históricas nem tão distantes de que “apesar do seu caráter fluido e aberto, a democracia (meramente representativa), paradoxalmente, traz em seu bojo a potencialidade da determinação social, da identificação do povo com o ‘povo uno’, o fantasma totalitário, o perigo de seu contrário” [8].
A colisão do monopólio do poder de conformar o direito através da função legislativa com os direitos fundamentais normatizados pela Constituição mostra-se, então, apenas aparentemente antidemocrática, eis que a função antimajoritária dos direitos fundamentais é justamente preservar o pacto democrático plural e tolerante estipulado constitucionalmente.

2. A função antimajoritária da jurisdição constitucional.

A harmonização do tênue equilíbrio constitucional entre a representatividade majoritária ocasional da sociedade e o consenso democrático específico de maior grau qualitativo decorrente da Constituição é atribuída ao controle de constitucionalidade, especialmente à jurisdição constitucional [9], como uma decorrência natural do caráter jurídico-vinculante das Constituições contemporâneas, em que estas se caracterizam como um conjunto de normas de maior hierarquia formal e de maior densidade político-jurídica, que, caso não observadas espontaneamente, deve ser imposto mediante coercibilidade pelos órgãos constitucionais responsáveis pelo controle de constitucionalidade, especialmente pelos juízes constitucionais.
Cabendo à jurisdição constitucional, como “condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito”[10], impor a rule of law capitaneada pela Constituição quando ela é inobservada pelos detentores do poder político, somos apresentados a um arranjo político-constitucional em que se faz uma complexa combinação entre a proteção de direitos fundamentais, a supremacia da Constituição, o império da lei e mecanismos institucionais de controle de constitucionalidade [11].
Portanto, quando em uma democracia baseada em direitos fundamentais humanistas [12] não há a observância espontânea de tais direitos, a função de sua garantia cabe especialmente à jurisdição constitucional, a qual terá a dura missão de equilibrar, como dois lados da mesma moeda desejável ao fortalecimento da vida em sociedade, o exercício do poder político por meio da regra da democracia e a manutenção de direitos fundamentais que devem proteger pluralmente não só a maioria dos cidadãos, mas todos os cidadãos, inclusive os que compõem grupos sociais minoritários, pois o objetivo do constitucionalismo é harmonizar esses ideais de democracia e direitos fundamentais “até um “ponto ótimo” de equilíbrio institucional e desenvolvimento da sociedade política, sendo tal ponto a medida de sucesso de uma Constituição” [13].

3. Nossa jurisdição constitucional é democrática?

Mesmo diante da consagração contemporânea dos direitos fundamentais e do constitucionalismo, ainda existem questionamentos se a jurisdição constitucional realizada por agentes públicos que não se submetem a um processo de escolha democrática majoritária e por um Poder não sujeito aos critérios tradicionais de controle democrático [14] goza de legitimidade democrática para rever atos normativos produzidos pelos representantes do próprio povo.
E até que são questionamentos teoricamente plausíveis se considerarmos aquele aparente paradoxo democrático, sob o qual uma Constituição democrática, a um só tempo, legitima tanto a prevalência de direitos fundamentais como limites ao exercício do poder político como o monopólio da produção do direito positivado pelo legislador democraticamente eleito [15].
Sabe-se que existem diversas teorias quanto à legitimidade democrática da jurisdição constitucional, graduando-se as diversas posições doutrinárias sobre o tema desde a total rejeição de tal legitimidade ao judicial review [16] até o amplo incentivo à realização da jurisdição constitucional, sob um nítido fomento à adoção de posturas ativistas pelo Poder Judiciário.
Nesse último campo, em nossa realidade constitucional [17], seria possível estipular que os principais fundamentos empregados para uma total rejeição da jurisdição constitucional, como via democrática de controle da constitucionalidade dos atos produzidos pelo legislador brasileiro, recaem sobre o processo não majoritário de escolha de nossos juízes constitucionais e a ausência de regular controle democrático posterior sobre suas decisões. 
Quanto à caracterização não majoritária do processo de escolha de nossos juízes constitucionais, parece-nos que tal crítica não seja acertada quando se percebe que a jurisdição constitucional deve ser considerada sob a ideia de que a vontade da maioria ocasionalmente detentora do poder político não pode prevalecer sobre as escolhas político-jurídicas feitas durante o consenso democrático privilegiado responsável pela Constituição.
É que se um dos fundamentos do controle de constitucionalidade, e consequentemente da jurisdição constitucional, é justamente impedir que a vontade da Carta seja modificada pelo legislador ordinário ou pelo próprio legislador constituinte derivado, neste caso além dos limites especificamente postos pela própria Constituição, e se isso importa que o controle seja exercido mediante a adoção de posturas contramajoritárias à vontade do legislador ordinário e das entidades governamentais com interesse nas medidas que violem a Constituição [18], não se deve estipular a escolha dos juízes constitucionais por um processo majoritário em que os mesmos sejam submetidos a todas as espécies de pressões e lobbys idênticos aos que normalmente ocorrem na escolha dos membros eleitos dos Poderes Executivo e Legislativo.
Na verdade, esse processo antimajoritário de escolha dos membros do Poder Judiciário revela-se como um importante mecanismo de manutenção da jurisdição constitucional como contraponto antimajoritário à vontade do legislador ocasional em nossa realidade [19], pois, ao contrário dos agentes políticos que compõem os demais Poderes, os agentes responsáveis pela jurisdição constitucional não são obrigados a “jogar para a galera” [20].
Não por outro motivo foi esse processo antimajoritário de escolha dos nossos juízes constitucionais fixado pelo mesmo pacto popular democrático que originou a CF/1988, pois é intenção da Constituição que a jurisdição seja uma garantia efetiva de proteção contramajoritária dos direitos fundamentais e de controle judicial dos atos produzidos pelo Poder Público.
Essa opção constitucional - e popular – por um sistema de controle de constitucionalidade baseado na jurisdição constitucional é decisiva para afastar eventuais alegações de deficit de legitimidade democrática à atribuição do controle do poder político pela jurisdição no Brasil, pois como o exercício de tal função pelo Poder Judiciário e o processo de escolha formal dos juízes constitucionais é expressamente prevista em nossa Constituição, “discussões quanto à inexistência da jurisdição constitucional, no Brasil, ou são fúteis, ou são de lege ferranda” [21].

4. Judicialização e ativismo judicial.

Mas, exatamente porque a jurisdição constitucional é essencial à manutenção da democracia e dos direitos fundamentais, é necessário questionar se, por ser fruto de um ideal democrático, a jurisdição constitucional não deve se submeter à ideia de democracia que a legitima?
Ainda que de resposta aparentemente óbvia, tal pergunta é extremamente pertinente, porque nem mesmo o estabelecimento de um sistema constitucional de controle judicial é suficiente para afastar a constatação de que as decisões proferidas pela jurisdição constitucional, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), não tem sido suscetíveis de regular controle democrático a posteriore, parecendo-nos esse o “calcanhar de Aquiles” de um sistema que se pretende legitimamente democrático.
Especialmente se consideramos uma realidade institucional em que nosso STF tem se autodenominado como o “árbitro definitivo da constitucionalidade das leis” [22], como o único Poder da República brasileira que pode errar por último [23], como o Poder que sua “função institucional de "guarda da Constituição" (CF, art. 102, "caput") confere-lhe o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental” [24].
Daí será possível fazer outra pergunta: se essa é a posição institucional dos juízes constitucionais, especialmente do STF, quando a jurisdição decidir contra a Constituição, quem ou o quê poderá nos salvar?
Ora, trata-se de uma pergunta plausível! Afinal, a jurisdição, como qualquer função estatal, está exposta – ainda que em muito menor grau do que as funções estritamente políticas - a arroubos de arbítrio no uso do poder, sendo perfeitamente possível supor que os mesmos juízes que deveriam guardar a Constituição possam algum dia atentar contra ela [25].
Sim, porque se por um lado a jurisdição constitucional pode conferir eficaz proteção do Estado constitucional democrático de direito, por outro lado ela também poderia – como bem nos ensina a história antiga e recente de várias nações - ser um instrumento de aparelhamento da ordem democrática pelos detentores do poder político [26], servindo apenas para “legitimar” constitucionalmente arroubos e práticas nefandas do poder público intentadas contra a própria Carta e contra os direitos e liberdades mínimas dos cidadãos.
Essa possibilidade extrema de que os juízes constitucionais voltem-se contra a própria Constituição, somada a um forte incremento na participação do Poder Judiciário na vida institucional brasileira [27], pode representar um risco de que “o destino de toda e qualquer lei deixe de depender da própria vontade legislativa, passando a ser decidida pelos magistrados, com base em suas próprias preferências quanto ao assunto encampado pelo ato normativo contestado” [28], tornando plausível o receio de que, mais do que uma judicialização da política e/ou das relações sociais, a aceitação de uma ampla e irrestrita participação do Poder Judiciário na definição de todas as questões político-constitucionais possa estar gerando uma completa “politização da justiça”, tornando ainda maiores as chances de que o guardião da Constituição entenda-se como o seu único e exclusivo “Senhor” [29].
Essa “politização da justiça” decorrente de uma super-expansão da jurisdição constitucional [30] [31] pode sugestionar aos juízes constitucionais que eles podem deixar de realizar julgamentos jurídicos necessariamente calcados em argumentos e parâmetros de validade de natureza jurídico-constitucional para decidirem com base nos seus critérios pessoais e/ou sob critérios eminentemente políticos de atuação que não lhe são conferidos pela Constituição, passando-se, então, a defrontarmo-nos não mais com a judicialização das relações sociais, mas com fenômeno distinto denominado como ativismo judicial [32].
Ativismo judicial esse que, quaisquer que sejam suas intenções, pode representar um risco democrático, vez que, enquanto a judicialização decorre naturalmente de um arranjo institucional estipulado pela própria Constituição com base no judicial review, o ativismo judicial decorre de uma opção política do Poder Judiciário, em que este, ao invés de submeter-se ao direito vigente, entende-se como capaz de criar livremente o direito que lhe cabe aplicar, retirando da atuação do Poder Judiciário a margem de controlabilidade desejada pelo ideal constitucionalista na realização de qualquer função estatal [33] [34].
Sob a percepção ativista do Poder Judiciário, teremos, então, ao invés da preponderância dos juízos jurídico-constitucionais dos juízes constitucionais sobre as opções feitas pelos demais Poderes e órgãos constitucionais sob um prisma eminentemente circunstancial e excepcional, uma preponderância política do Poder Judiciário baseada na constante substituição de juízos políticos, morais, sociológicos e técnicos do legislador e do administrador pelos juízos de mesma ordem dos juízes [35].
Ora, se é minimamente exigível que o exercício do poder político-jurídico conferido pela própria Constituição aos juízes para protegê-la seja limitado e controlado pelo “senhor” do poder, o povo, não se pode admitir o exercício da jurisdição constitucional ao largo de critérios jurídicos de conformação de validade de suas decisões, pois estas, como qualquer outra espécie de decisão estatal, deve basear-se na ideia de direito reinante sob a Constituição vigente [36], sob pena de que, sob a alegação de proteger-se direitos fundamentais, realize-se, na verdade, supressões indevidas do exercício do poder político pelos órgãos a quem a própria Constituição – ou melhor, o próprio povo - conferiu poder para tanto [37].
Essa percepção é referendada por um argumento muito simples: um dos fundamentos do judicial review é que justamente o Poder Judiciário seria o mais bem aparelhado e especializado para decidir questões político-jurídicas de cunho constitucional, justamente porque tal Poder possui características de atuação que o afastam do padrão de decisões baseadas em critérios de mera oportunidade e conveniência política.
Se assim o é, como se pode pretender que os juízes constitucionais possam furtar-se a decidir questões constitucionais sob critérios jurídicos de interpretação e sob pressupostos jurídicos que confiram limites de validade a sua função estatal de prestar jurisdição [38] [39]?
Não se pode, pois decisões judiciais baseadas no enfrentamento estritamente político ou pessoal de questões constitucionais afastam a função jurisdicional dos parâmetros político-jurídicos fixados pela própria Carta vigente e faz com que juízes e Tribunais acreditem ser legítimo autodenominarem-se como os únicos órgãos constitucionais com o poder de afirmar os padrões morais desejados pela Constituição, pelo que poderiam intervir até mesmo em decisões a que a própria Constituição e a legislação não lhe atribuem a última palavra [40].

5. Propostas de limitação democrática da jurisdição constitucional.

Tal perspectiva estritamente política e incontrolável da jurisdição constitucional nos instiga a tentar identificar alguns limites legitimamente passíveis de serem impostos àqueles que exercem a jurisdição constitucional, desde já ressaltando que, em vista da necessidade de adaptação de determinadas posturas oriundas de teorias estrangeiras a nossa realidade político-institucional, haverá – quando necessário - uma certa dose de adaptação de proposições produzidas em países onde já se superou, há muito tempo, muitos dos problemas sociais, políticos e culturais pelos quais ainda passamos no Brasil.

5.1. Judicial self-restraint. 

Cabendo a cada órgão constitucional interpretar a Constituição e pautar sua atuação com base nela, ainda que, em caso de divergência, seja a palavra final do Judiciário, essa primazia não significa, porém, que toda e qualquer matéria só possa ser decidida pela jurisdição constitucional: ou porque não terá o Judiciário capacidade institucional para solucionar adequadamente determinadas questões que envolvam aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade que não têm no juiz o decisor mais qualificado ou porque ao Judiciário não é recomendável assumir o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis de sua decisão, pois, se de um lado, o juiz está preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça, não tem ele condições, muitas vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público [41] [42].

Devem, portanto, os juízes, ao exercerem o controle substantivo da Constituição, moderarem-se e respeitarem as decisões políticas produzidas pelo legislador nessas condições, pois, no campo da constante colisão entre direitos fundamentais e a responsabilidade legislativa para a adequada conformação político-jurídica de tais direitos, havendo um caso concreto de colisão entre direitos fundamentais em que inexista um estado de arte (elementos fáticos, científicos, sociais, econômicos, tecnológicos, dentre outros) suficiente a gerar um grau de certeza e correção quanto a uma única decisão judicial para o referido caso, é recomendável que seja o mesmo estipulado como um hard case em que seja adotada uma postura de judicial self-restraint [43] [44].
Entrementes, se a CF/1988 confere prioridade aos direitos fundamentais, estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento de nossa República e se nossa realidade institucional-constitucional ainda sequer conseguiu produzir a efetivação dos direitos de primeira dimensão, obviamente não estamos pregando que a adoção do judicial self-restraint aqui sugerido limite a função da jurisdição constitucional como desejam as teorias puramente procedimentalistas produzidas em outros países, sob conjunturas de desenvolvimento econômico, social, político e cultural completamente diversas de nossa realidade.
Ao contrário disso, nossa proposta é que o Poder Judiciário reconheça-se como limitado para decidir judicialmente questões estritamente políticas e/ou econômicas que pressupõem o conhecimento, a experiência e o manejo de informações e elementos que, naturalmente, escapam à função típica do Poder Judiciário e à formação profissional dos juízes.

5.2. Limitação da jurisdição constitucional pela própria Constituição que lhe cabe guardar - a vinculação constitucional.

Ainda que possa parecer uma enorme obviedade a pretensão de que o Poder Judiciário se submeta à Constituição no exercício de suas funções, especialmente quando esta função seja a de guardar a própria Carta, parece de enorme atualidade a orientação de Alexander Hamilton de que o poder de controlar a conformação de validade constitucional pelo Poder Judiciário não atribuiria a este a condição de ser superior ao Poder Legislativo, pois ambos os Poderes devem submeter-se às determinações constitucionais à medida que “o poder do povo (que institui a Constituição) é superior a ambos (os Poderes)” [45].
Há muito já se sustentava que cabendo às Cortes enunciar o sentido da Constituição, não poderia o Poder Judiciário apresentar “sua vontade” ao invés do seu julgamento [46], pois isso seria o mesmo que substituir as pretensões normativas do legislador constituinte originário pelas suas próprias pretensões judiciais, o que, obviamente, não pode ser o desejo da Constituição quando confere ao legislador o poder privativo de inovar a ordem jurídica positivada para concretizar suas “promessas constituintes”.
Esse antigo ensinamento é de extrema atualidade, por que se tem alegado que diante da necessária característica político-jurídica da jurisdição constitucional [47] e de toda a diversidade e complexidade que marca a contemporânea aplicação do direito pelo juiz haveria que se suportar uma certa discricionariedade judicial sobre as regulações do legislador para o alcance da vontade constituinte.
Ao contrário! Obviamente, a Constituição não confere liberdade ao magistrado para atuar arbitrariamente em substituição ao legislador; primeiro, porque é o legislador o natural detentor da função constitucional de inovar a ordem jurídica; segundo, porque  se de um lado a proteção da Constituição e toda a gama de “casos difíceis” que são submetidos à decisão do juiz exige-lhe postar-se como co-criador do direito a ser aplicado em cumprimento aos preceitos constitucionais vigentes, não se pode olvidar, por outro lado, que a atuação jurisdicional deve pautar-se por parâmetros jurídicos impostos pela própria Constituição criadora do direito justo [48].
Sim, porque conferir à jurisdição constitucional a competência de controlar o exercício do poder político não significa atribuir ao juiz constitucional o poder de realizar funções estritamente políticas, pois tal função de natureza jurisdicional deverá ser sempre realizada “de acordo com parâmetros materiais fixados nas normas e princípios da Constituição” à medida que só quando existem parâmetros jurídico-constitucionais de conformação do poder político podem os Tribunais apreciar a violação desses parâmetros [49].
Até porque a pretensão de um juiz ou Tribunal de, no exercício da função jurisdicional, atuar sob critérios eminentemente políticos, sem submeter-se aos ônus impostos pela Constituição aos agentes estritamente políticos – submissão a eleições, perda de mandato, impecheament, dentre outros – importaria em evidente violação ao sistema político-jurídico instituído pela Constituição vigente, pois esta não admite que o juiz, sob uma suposta aplicação criativa do direito, substitua as escolhas estritamente políticas feitas por outros órgãos constitucionais pelos seus próprios critérios pessoais de justiça ou por seus sentimentos de escolhas sociais mais adequadas [50].
Parece-nos correto, portanto, entender que o dever da jurisdição constitucional em decidir contra legem ou praeter legem - quando a lei ou a sua falta estejam em desconformidade com as determinações constitucionais -, não importa em conferir discricionariedade ao juiz, nem mesmo a uma Corte Constitucional, para decidir afastando-se da Constituição que fundamenta o direito vigente, sempre buscando neste os fundamentos para suas decisões, porque é um “direito fundamental do cidadão que o Estado cumpra a Constituição” [51], sendo obviamente aplicável essa aspiração constitucionalista de todo cidadão também ao Poder Judiciário.
A atribuição de controle de constitucionalidade ao juiz não importa em conferir-lhe liberdade para atuar ao largo do direito vigente, especialmente da própria Constituição, pois “a decisão e determinação do juiz, como decisão e determinação do Poder Judiciário do Estado, deve estar de acordo com o direito”[52] e, diferentemente da função legislativa strictu sensu sob a qual se pode revogar uma norma positivada por meros juízos de discricionariedade, conveniência e/ou oportunismo – opa, oportunidade - política, “a atividade dos juízes constitucionais é uma atividade técnica de verificação da regularidade normativa segundo a Constituição” [53] para corrigir a disfunção verificada no sistema jurídico com a produção de atos normativos e/ou concretos  em desconformidade com a Carta.
Ou será que porque uma Corte tem o poder de “dizer o que é a Constituição” [54], teriam os juízes o poder para “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa” [55] em relação aos enunciados normativos fixados na Constituição positiva, criando uma Constituição paralela e desvirtuada das escolhas políticas feitas pelo legislador constituinte originário [56]?
Ou porque os juízes são os guardiões da Constituição não se deve mais deles exigir que eles se vinculem às normas constitucionais positivas que lhe cabem guardar?
Ou conceber ao Judiciário, e especialmente ao STF a última palavra a respeito da interpretação e aplicação da CF/1988 implica em uma opção por tornar suas decisões infalíveis, sem que ao povo, o legítimo detentor do poder conferido aos juízes, seja conferida a possibilidade de exercer o seu poder legítimo e constitucional de contestar suas decisões?
Ou se responde contrariamente a tais questionamentos ou se torna tabula rasa a premissa constitucionalista de que é justamente essa vinculação [57] ou esse pré-compromisso constitucional [58]que não permite que se decida em qualquer direção no exercício do poder político, pois este é necessariamente passível de limitação pela própria Constituição.
Enfim, sejam quais forem as respostas que se confira aqueles questionamentos, uma coisa é certa: a atenção à vinculatividade do Texto Constitucional por parte de nossos juízes constitucionais evita questionamentos de legitimidade democrática nas decisões por eles proferidas, justamente porque assim o fazendo se impedem fissuras na institucionalidade constitucional vigente e evita-se que se decida contra a Constituição com o consequente esvaziamento de sua força normativa.   

5.3. Respeito judicial à abertura do sistema de controle de constitucionalidade.

Existe nos Estados Unidos da América uma dualidade entre as teses por lá denominadas como “the final say” e “nonsupremacy”: enquanto na primeira entende-se que a Suprema Corte norte-americana deve, dentre suas funções, conferir a última interpretação da Constituição, coagindo os demais Poderes, na segunda corrente sustenta-se que a Corte deve respeitar as diversas interpretações produzidas pelos demais Poderes no âmbito de suas competências definidas pela própria Constituição, evitando-se com isso que o poder do povo de dispor sobre o direito possa ser cooptado por um possível despotismo do Judiciário [59].
Mesmo apesar de uma discussão de fundo a respeito das evidentes distinções existentes entre a Constituição norte-americana e a brasileira, parece-nos possível transplantar essa discussão tipicamente norte-americana para nossa realidade institucional quando verificamos que, apesar da CF/1988 reconhecer expressamente que a última palavra a respeito da interpretação e aplicação da Constituição é do STF, essa mesma Constituição, além de não estipular a Corte como um Tribunal exclusivamente constitucional - ao atribuir-lhe de forma apenas precípua a guarda da Carta [60] –, prevê vários outros meios de controle de constitucionalidade, inclusive de natureza não jurisdicional [61].
Portanto, se deve o STF ter a última palavra a respeito da interpretação e da aplicação da Constituição, não se pode pretender caracterizar a Corte como uma espécie de super-guardião exclusivo da constitucionalidade, eis que cabe à Corte respeitar a vontade constitucional de não lhe atribuir exclusivamente tal poder, quando a própria CF/1988 não o estipulou como um Tribunal exclusivamente constitucional e estabeleceu um sistema de controle de constitucionalidade nitidamente misto.
Seria legítimo, portanto, pretender-se que, sob tal normatização constitucional, devam os juízes constitucionais respeitar a competência de cada um dos demais órgãos constitucionais denominados como “fiscais” da Constituição e reconhecer os limites dos efeitos de suas decisões, tal como definidos pela própria Carta e pela legislação processual vigente, pois isto contribui consideravelmente para a manutenção da legitimidade democrática que a própria Constituição atribui-lhe como principais, mas não exclusivos guardiões da Constituição.
Aliás, esse entendimento pode fundamentar-se, inclusive, no fato de tanto o legislador constituinte originário, quanto as diversas manifestações do legislador constituinte derivado que o sucederam, nos termos do art. 102, §2º da CF/1988, terem estabelecido que a eficácia vinculante das decisões do STF limita-se, subjetivamente, aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública brasileira.
É que assim o fazendo, a Constituição deu liberdade ao legislador e afastou-o do “autoritarismo que consistiria na criação de um Estado judicial (Jursdiktionstaat)” [62] no Brasil, já que essa expressa definição dos limites da eficácia vinculante determinada pela CF/1988 deixou clara a pretensão de permitir-se um singular controle posterior da jurisdição constitucional pelos demais Poderes, seja através (i) da possibilidade de que o Poder Legislativo emende a Constituição, através do exercício do amending power [63] ou (ii) da possibilidade de que o Poder Legislativo e o Chefe do Poder Executivo - no exercício da função estritamente política de iniciativa legislativa - resistam às decisões proferidas pelos juízes constitucionais, através da edição de ato normativo idêntico ao que foi declarado inconstitucional, permitindo-se assim que cada órgão constitucional possua “a faculdade constitucional de persistir em sua interpretação constitucional, mesmo após decisão contrária do outro” [64].
Se, por um lado deve-se impedir que o Legislativo possa derrubar o poder dos juízes constitucionais mediante uma reforma meramente formal da Constituição, por outro lado “o peso do controle de constitucionalidade (por via judicial) deve ser compensado com o poder dos órgãos políticos de “responder” de algum modo aos juízes constitucionais, já que, de outro modo, a instituição do controle judicial perderia sua legitimidade” [65] por não respeitar a condição do Legislador como intérprete/aplicador da Constituição, cujas “escolhas no campo da concretização constitucional merecem ser respeitadas, desde que não ultrapassem os limites demarcados pela Lei Maior” [66].

5.4. Fundamentação jurídica das decisões judiciais de controle de constitucionalidade.

Se não é mais admissível que se faça uma interpretação mecanicista da Constituição, também não será admissível que a interpretação político-jurídica da Constituição pelos juízes e Tribunais seja uma atividade essencialmente discricionária, pois elementos objetivos de interpretação apresentam-se como limites da interação entre os intérpretes e o Texto Constitucional e existem determinações constitucionais e processuais que impõem limites jurídicos ao exercício da função jurisdicional [67].
Nesse âmbito, a observância do direito processual constitucional vigente desempenha função de enorme relevância à legitimação da jurisdição constitucional [68] à medida que o procedimento de tomada de qualquer decisão estatal deve ser conduzido de acordo com o direito processual vigente, pois, como um dos modos normais de agir do Estado, tem o processo a responsabilidade de influir nas decisões do Estado-juiz através da procedimentalização e da racionalização que lhes são inerentes [69].
É por isso que o poder de prestar a jurisdição constitucional não outorga aos órgãos do Poder Judiciário qualquer afastamento não controlável e injustificável dos limites processuais que lhe são estabelecidos pela própria Constituição e pela legislação processual infraconstitucional que a complementa, já que, sob um Estado constitucional democrático de direito, é inconcebível imaginar que o juiz, impositor da eficácia constitucional, a ela não se submeta por descumprir os seus preceitos processuais, instalando assim o arbítrio no exercício de sua função jurisdicional.
Mesmo que todas as circunstâncias contemporâneas imponham ao juiz constitucional uma atuação criativa e compromissada com os valores sociais normatizados pela Constituição, tal situação não o afasta da sua subordinação ao direito processual vigente [70], visto que este se trata de uma imposição da própria Constituição para limitar a atuação do Poder Judiciário e impedir o trato meramente pessoal das questões constitucionais e legais a serem decididas pelo Poder Judiciário.
Exemplo categórico de tal delimitação processual-constitucional imposta aos nossos juízes e Tribunais é a plena fundamentação e a ampla publicidade que se deve conferir às decisões judiciais, ttendo a determinação processual contida no art. 93, IX da CF/1988 a óbvia finalidade de tornar possível às partes, e a qualquer cidadão ou instituição, averiguar se a atuação jurisdicional detém racionalidade jurídica e se encontra suporte no ordenamento jurídico vigente [71], o que, em grande medida, evita eventual atuação judicial arbitrária.
Essa exigência processual-constitucional de publicidade, racionalidade e fundamentação das decisões judiciais, como direito garantia fundamental de todo cidadão brasileiro, inegavelmente contribui para impedir que o Poder Judiciário possa proferir uma decisão única e exclusivamente baseada em critérios pessoais de justiça dos juízes, eis que objetiva despersonificação da decisão judicial [72] justamente para permitir a controlabilidade jurídica e crítica da decisão pelas partes e pelos demais cidadãos interessados.
É exatamente por isso que a decisão judicial de questões constitucionais somente encontrará legitimidade democrática se observados os preceitos constitucionais que determinam a adoção de um procedimento judicial decisório público, racional e fundamentado que permita a sua controlabilidade posterior e a ampla participação dos demais intérpretes da Constituição, estabelecendo assim um “diálogo em torno da Constituição” [73] através do fomento de uma “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição” [74].

5. Propostas de limitação democrática da jurisdição constitucional.

Tal perspectiva estritamente política e incontrolável da jurisdição constitucional nos instiga a tentar identificar alguns limites legitimamente passíveis de serem impostos àqueles que exercem a jurisdição constitucional, desde já ressaltando que, em vista da necessidade de adaptação de determinadas posturas oriundas de teorias estrangeiras a nossa realidade político-institucional, haverá – quando necessário - uma certa dose de adaptação de proposições produzidas em países onde já se superou, há muito tempo, muitos dos problemas sociais, políticos e culturais pelos quais ainda passamos no Brasil.

5.1. Judicial self-restraint. 

Cabendo a cada órgão constitucional interpretar a Constituição e pautar sua atuação com base nela, ainda que, em caso de divergência, seja a palavra final do Judiciário, essa primazia não significa, porém, que toda e qualquer matéria só possa ser decidida pela jurisdição constitucional: ou porque não terá o Judiciário capacidade institucional para solucionar adequadamente determinadas questões que envolvam aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade que não têm no juiz o decisor mais qualificado ou porque ao Judiciário não é recomendável assumir o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis de sua decisão, pois, se de um lado, o juiz está preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça, não tem ele condições, muitas vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público [41] [42].

Devem, portanto, os juízes, ao exercerem o controle substantivo da Constituição, moderarem-se e respeitarem as decisões políticas produzidas pelo legislador nessas condições, pois, no campo da constante colisão entre direitos fundamentais e a responsabilidade legislativa para a adequada conformação político-jurídica de tais direitos, havendo um caso concreto de colisão entre direitos fundamentais em que inexista um estado de arte (elementos fáticos, científicos, sociais, econômicos, tecnológicos, dentre outros) suficiente a gerar um grau de certeza e correção quanto a uma única decisão judicial para o referido caso, é recomendável que seja o mesmo estipulado como um hard case em que seja adotada uma postura de judicial self-restraint [43] [44].
Entrementes, se a CF/1988 confere prioridade aos direitos fundamentais, estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento de nossa República e se nossa realidade institucional-constitucional ainda sequer conseguiu produzir a efetivação dos direitos de primeira dimensão, obviamente não estamos pregando que a adoção do judicial self-restraint aqui sugerido limite a função da jurisdição constitucional como desejam as teorias puramente procedimentalistas produzidas em outros países, sob conjunturas de desenvolvimento econômico, social, político e cultural completamente diversas de nossa realidade.
Ao contrário disso, nossa proposta é que o Poder Judiciário reconheça-se como limitado para decidir judicialmente questões estritamente políticas e/ou econômicas que pressupõem o conhecimento, a experiência e o manejo de informações e elementos que, naturalmente, escapam à função típica do Poder Judiciário e à formação profissional dos juízes.

5.2. Limitação da jurisdição constitucional pela própria Constituição que lhe cabe guardar - a vinculação constitucional.

Ainda que possa parecer uma enorme obviedade a pretensão de que o Poder Judiciário se submeta à Constituição no exercício de suas funções, especialmente quando esta função seja a de guardar a própria Carta, parece de enorme atualidade a orientação de Alexander Hamilton de que o poder de controlar a conformação de validade constitucional pelo Poder Judiciário não atribuiria a este a condição de ser superior ao Poder Legislativo, pois ambos os Poderes devem submeter-se às determinações constitucionais à medida que “o poder do povo (que institui a Constituição) é superior a ambos (os Poderes)” [45].
Há muito já se sustentava que cabendo às Cortes enunciar o sentido da Constituição, não poderia o Poder Judiciário apresentar “sua vontade” ao invés do seu julgamento [46], pois isso seria o mesmo que substituir as pretensões normativas do legislador constituinte originário pelas suas próprias pretensões judiciais, o que, obviamente, não pode ser o desejo da Constituição quando confere ao legislador o poder privativo de inovar a ordem jurídica positivada para concretizar suas “promessas constituintes”.
Esse antigo ensinamento é de extrema atualidade, por que se tem alegado que diante da necessária característica político-jurídica da jurisdição constitucional [47] e de toda a diversidade e complexidade que marca a contemporânea aplicação do direito pelo juiz haveria que se suportar uma certa discricionariedade judicial sobre as regulações do legislador para o alcance da vontade constituinte.
Ao contrário! Obviamente, a Constituição não confere liberdade ao magistrado para atuar arbitrariamente em substituição ao legislador; primeiro, porque é o legislador o natural detentor da função constitucional de inovar a ordem jurídica; segundo, porque  se de um lado a proteção da Constituição e toda a gama de “casos difíceis” que são submetidos à decisão do juiz exige-lhe postar-se como co-criador do direito a ser aplicado em cumprimento aos preceitos constitucionais vigentes, não se pode olvidar, por outro lado, que a atuação jurisdicional deve pautar-se por parâmetros jurídicos impostos pela própria Constituição criadora do direito justo [48].
Sim, porque conferir à jurisdição constitucional a competência de controlar o exercício do poder político não significa atribuir ao juiz constitucional o poder de realizar funções estritamente políticas, pois tal função de natureza jurisdicional deverá ser sempre realizada “de acordo com parâmetros materiais fixados nas normas e princípios da Constituição” à medida que só quando existem parâmetros jurídico-constitucionais de conformação do poder político podem os Tribunais apreciar a violação desses parâmetros [49].
Até porque a pretensão de um juiz ou Tribunal de, no exercício da função jurisdicional, atuar sob critérios eminentemente políticos, sem submeter-se aos ônus impostos pela Constituição aos agentes estritamente políticos – submissão a eleições, perda de mandato, impecheament, dentre outros – importaria em evidente violação ao sistema político-jurídico instituído pela Constituição vigente, pois esta não admite que o juiz, sob uma suposta aplicação criativa do direito, substitua as escolhas estritamente políticas feitas por outros órgãos constitucionais pelos seus próprios critérios pessoais de justiça ou por seus sentimentos de escolhas sociais mais adequadas [50].
Parece-nos correto, portanto, entender que o dever da jurisdição constitucional em decidir contra legem ou praeter legem - quando a lei ou a sua falta estejam em desconformidade com as determinações constitucionais -, não importa em conferir discricionariedade ao juiz, nem mesmo a uma Corte Constitucional, para decidir afastando-se da Constituição que fundamenta o direito vigente, sempre buscando neste os fundamentos para suas decisões, porque é um “direito fundamental do cidadão que o Estado cumpra a Constituição” [51], sendo obviamente aplicável essa aspiração constitucionalista de todo cidadão também ao Poder Judiciário.
A atribuição de controle de constitucionalidade ao juiz não importa em conferir-lhe liberdade para atuar ao largo do direito vigente, especialmente da própria Constituição, pois “a decisão e determinação do juiz, como decisão e determinação do Poder Judiciário do Estado, deve estar de acordo com o direito”[52] e, diferentemente da função legislativa strictu sensu sob a qual se pode revogar uma norma positivada por meros juízos de discricionariedade, conveniência e/ou oportunismo – opa, oportunidade - política, “a atividade dos juízes constitucionais é uma atividade técnica de verificação da regularidade normativa segundo a Constituição” [53] para corrigir a disfunção verificada no sistema jurídico com a produção de atos normativos e/ou concretos  em desconformidade com a Carta.
Ou será que porque uma Corte tem o poder de “dizer o que é a Constituição” [54], teriam os juízes o poder para “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa” [55] em relação aos enunciados normativos fixados na Constituição positiva, criando uma Constituição paralela e desvirtuada das escolhas políticas feitas pelo legislador constituinte originário [56]?
Ou porque os juízes são os guardiões da Constituição não se deve mais deles exigir que eles se vinculem às normas constitucionais positivas que lhe cabem guardar?
Ou conceber ao Judiciário, e especialmente ao STF a última palavra a respeito da interpretação e aplicação da CF/1988 implica em uma opção por tornar suas decisões infalíveis, sem que ao povo, o legítimo detentor do poder conferido aos juízes, seja conferida a possibilidade de exercer o seu poder legítimo e constitucional de contestar suas decisões?
Ou se responde contrariamente a tais questionamentos ou se torna tabula rasa a premissa constitucionalista de que é justamente essa vinculação [57] ou esse pré-compromisso constitucional [58]que não permite que se decida em qualquer direção no exercício do poder político, pois este é necessariamente passível de limitação pela própria Constituição.
Enfim, sejam quais forem as respostas que se confira aqueles questionamentos, uma coisa é certa: a atenção à vinculatividade do Texto Constitucional por parte de nossos juízes constitucionais evita questionamentos de legitimidade democrática nas decisões por eles proferidas, justamente porque assim o fazendo se impedem fissuras na institucionalidade constitucional vigente e evita-se que se decida contra a Constituição com o consequente esvaziamento de sua força normativa.   

5.3. Respeito judicial à abertura do sistema de controle de constitucionalidade.

Existe nos Estados Unidos da América uma dualidade entre as teses por lá denominadas como “the final say” e “nonsupremacy”: enquanto na primeira entende-se que a Suprema Corte norte-americana deve, dentre suas funções, conferir a última interpretação da Constituição, coagindo os demais Poderes, na segunda corrente sustenta-se que a Corte deve respeitar as diversas interpretações produzidas pelos demais Poderes no âmbito de suas competências definidas pela própria Constituição, evitando-se com isso que o poder do povo de dispor sobre o direito possa ser cooptado por um possível despotismo do Judiciário [59].
Mesmo apesar de uma discussão de fundo a respeito das evidentes distinções existentes entre a Constituição norte-americana e a brasileira, parece-nos possível transplantar essa discussão tipicamente norte-americana para nossa realidade institucional quando verificamos que, apesar da CF/1988 reconhecer expressamente que a última palavra a respeito da interpretação e aplicação da Constituição é do STF, essa mesma Constituição, além de não estipular a Corte como um Tribunal exclusivamente constitucional - ao atribuir-lhe de forma apenas precípua a guarda da Carta [60] –, prevê vários outros meios de controle de constitucionalidade, inclusive de natureza não jurisdicional [61].
Portanto, se deve o STF ter a última palavra a respeito da interpretação e da aplicação da Constituição, não se pode pretender caracterizar a Corte como uma espécie de super-guardião exclusivo da constitucionalidade, eis que cabe à Corte respeitar a vontade constitucional de não lhe atribuir exclusivamente tal poder, quando a própria CF/1988 não o estipulou como um Tribunal exclusivamente constitucional e estabeleceu um sistema de controle de constitucionalidade nitidamente misto.
Seria legítimo, portanto, pretender-se que, sob tal normatização constitucional, devam os juízes constitucionais respeitar a competência de cada um dos demais órgãos constitucionais denominados como “fiscais” da Constituição e reconhecer os limites dos efeitos de suas decisões, tal como definidos pela própria Carta e pela legislação processual vigente, pois isto contribui consideravelmente para a manutenção da legitimidade democrática que a própria Constituição atribui-lhe como principais, mas não exclusivos guardiões da Constituição.
Aliás, esse entendimento pode fundamentar-se, inclusive, no fato de tanto o legislador constituinte originário, quanto as diversas manifestações do legislador constituinte derivado que o sucederam, nos termos do art. 102, §2º da CF/1988, terem estabelecido que a eficácia vinculante das decisões do STF limita-se, subjetivamente, aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública brasileira.
É que assim o fazendo, a Constituição deu liberdade ao legislador e afastou-o do “autoritarismo que consistiria na criação de um Estado judicial (Jursdiktionstaat)” [62] no Brasil, já que essa expressa definição dos limites da eficácia vinculante determinada pela CF/1988 deixou clara a pretensão de permitir-se um singular controle posterior da jurisdição constitucional pelos demais Poderes, seja através (i) da possibilidade de que o Poder Legislativo emende a Constituição, através do exercício do amending power [63] ou (ii) da possibilidade de que o Poder Legislativo e o Chefe do Poder Executivo - no exercício da função estritamente política de iniciativa legislativa - resistam às decisões proferidas pelos juízes constitucionais, através da edição de ato normativo idêntico ao que foi declarado inconstitucional, permitindo-se assim que cada órgão constitucional possua “a faculdade constitucional de persistir em sua interpretação constitucional, mesmo após decisão contrária do outro” [64].
Se, por um lado deve-se impedir que o Legislativo possa derrubar o poder dos juízes constitucionais mediante uma reforma meramente formal da Constituição, por outro lado “o peso do controle de constitucionalidade (por via judicial) deve ser compensado com o poder dos órgãos políticos de “responder” de algum modo aos juízes constitucionais, já que, de outro modo, a instituição do controle judicial perderia sua legitimidade” [65] por não respeitar a condição do Legislador como intérprete/aplicador da Constituição, cujas “escolhas no campo da concretização constitucional merecem ser respeitadas, desde que não ultrapassem os limites demarcados pela Lei Maior” [66].

5.4. Fundamentação jurídica das decisões judiciais de controle de constitucionalidade.

Se não é mais admissível que se faça uma interpretação mecanicista da Constituição, também não será admissível que a interpretação político-jurídica da Constituição pelos juízes e Tribunais seja uma atividade essencialmente discricionária, pois elementos objetivos de interpretação apresentam-se como limites da interação entre os intérpretes e o Texto Constitucional e existem determinações constitucionais e processuais que impõem limites jurídicos ao exercício da função jurisdicional [67].
Nesse âmbito, a observância do direito processual constitucional vigente desempenha função de enorme relevância à legitimação da jurisdição constitucional [68] à medida que o procedimento de tomada de qualquer decisão estatal deve ser conduzido de acordo com o direito processual vigente, pois, como um dos modos normais de agir do Estado, tem o processo a responsabilidade de influir nas decisões do Estado-juiz através da procedimentalização e da racionalização que lhes são inerentes [69].
É por isso que o poder de prestar a jurisdição constitucional não outorga aos órgãos do Poder Judiciário qualquer afastamento não controlável e injustificável dos limites processuais que lhe são estabelecidos pela própria Constituição e pela legislação processual infraconstitucional que a complementa, já que, sob um Estado constitucional democrático de direito, é inconcebível imaginar que o juiz, impositor da eficácia constitucional, a ela não se submeta por descumprir os seus preceitos processuais, instalando assim o arbítrio no exercício de sua função jurisdicional.
Mesmo que todas as circunstâncias contemporâneas imponham ao juiz constitucional uma atuação criativa e compromissada com os valores sociais normatizados pela Constituição, tal situação não o afasta da sua subordinação ao direito processual vigente [70], visto que este se trata de uma imposição da própria Constituição para limitar a atuação do Poder Judiciário e impedir o trato meramente pessoal das questões constitucionais e legais a serem decididas pelo Poder Judiciário.
Exemplo categórico de tal delimitação processual-constitucional imposta aos nossos juízes e Tribunais é a plena fundamentação e a ampla publicidade que se deve conferir às decisões judiciais, ttendo a determinação processual contida no art. 93, IX da CF/1988 a óbvia finalidade de tornar possível às partes, e a qualquer cidadão ou instituição, averiguar se a atuação jurisdicional detém racionalidade jurídica e se encontra suporte no ordenamento jurídico vigente [71], o que, em grande medida, evita eventual atuação judicial arbitrária.
Essa exigência processual-constitucional de publicidade, racionalidade e fundamentação das decisões judiciais, como direito garantia fundamental de todo cidadão brasileiro, inegavelmente contribui para impedir que o Poder Judiciário possa proferir uma decisão única e exclusivamente baseada em critérios pessoais de justiça dos juízes, eis que objetiva despersonificação da decisão judicial [72] justamente para permitir a controlabilidade jurídica e crítica da decisão pelas partes e pelos demais cidadãos interessados.
É exatamente por isso que a decisão judicial de questões constitucionais somente encontrará legitimidade democrática se observados os preceitos constitucionais que determinam a adoção de um procedimento judicial decisório público, racional e fundamentado que permita a sua controlabilidade posterior e a ampla participação dos demais intérpretes da Constituição, estabelecendo assim um “diálogo em torno da Constituição” [73] através do fomento de uma “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição” [74].

6. Notas finais.

À guisa de conclusão, importante ressaltar que nem mesmo a proteção de direitos fundamentais pode fundamentar a pretensão de que a jurisdição constitucional seja exercida sem controle democrático anterior, concomitante e posterior, pois o poder estatal, seja de qual natureza for, só pode ser exercido nos termos da Constituição e em prol dos interesse dos cidadãos.
Por isso, é recomendável – ou melhor, exigível – que o Poder Judiciário esteja atento a alguns nortes de atuação que mantenham a função jurisdicional sob parâmetros de legitimidade democrática desejáveis pela Constituição, e pelo direito vigente, cabendo-lhe, ao exercer o controle substantivo da Constituição, moderar-se e respeitar as decisões políticas produzidas pelo legislador, sem olvidar que, mesmo detentor do papel de co-criador do direito, não pode afastar-se da vinculação  e/ou do pré-compromisso fixado pela Constituição enquanto espécie de norma jurídica suprema, sendo o limite da sua interpretação constitucional o próprio texto das disposições constitucionais positivadas.
Afinal, justamente porque reconhecida a importância da jurisdição constitucional, deverá o Poder Judiciário observar o equilíbrio institucional desejado pela Constituição, através do reconhecimento judicial de que os demais órgãos constitucionais - especialmente o Legislador - precisam de mecanismos de “resposta” aos juízes constitucionais, já que de outro modo a instituição do controle judicial perde sua legitimidade.
Por fim, deve o Judiciário observar a normatização processual-constitucional que lhe é imposta, em especial a plena fundamentação e a ampla publicidade que se deve conferir às decisões judiciais, permitindo que às partes, e a qualquer cidadão ou instituição, seja possível averiguar a racionalidade e o acerto jurídico das decisões judiciais proferidas em nome da Constituição, permitindo, assim, uma jurisdição constitucional democrática, transparente e mais participativa.


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Notas

[1] ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado Constitucional Democrático. Para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. Revista de direito administrativo n. 217. Jul/Set 1999. p. 65/66.
[2] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 447.
[3] O termo empregado por Alexy é “antidemocráticos”. Preferimos, entretanto, empregar o termo “antimajoritários” para evitar questionamentos desnecessários à tradução literal do termo empregado pelo autor alemão, eis que essa caracterização “antidemocrática” atribuída aos direitos fundamentais por Alexy deve ser, na verdade, considerada como uma metáfora a indicar a função antimajoritária dos direitos fundamentais, eis que, apesar de contrária à vontade da maioria ocasional, a posição baseada em direitos fundamentais caracteriza-se como verdadeiramente democrática por proteger os compromissos humanistas feitos durante o consenso democrático constitucional. Nesse sentido, inclusive, já se chegou a afirmar que “tanto a democracia existe para a realização dos direitos fundamentais, como os direitos fundamentais dão suporte à garantia do processo democrático”. Veja-se BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição constitucional, direitos fundamentais e democracia. p. 290. In Direitos humanos e democracia. Clèmerson Merlin Clève et al. (Coord.) Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 277/293.
[4] ALEXY, Robert. Op. Cit. Teoria dos direitos fundamentais.p. 419/420.
[5] “É evidente que a regra da maioria desempenha papel de destaque nesse processo de decisão coletiva entre indivíduos iguais; porém, a decisão democrática não depende de um simples fato aritmético. Essa decisão deve resultar de um processo de formação livre e racional da vontade – e, portanto, a manutenção de certos direitos é tão essencial à democracia como a própria regra da maioria. Nesse sentido, o pré-comprometimento constitucional, por intermédio de cláusulas superconstitucionais, será moralmente legítimo toda vez que proibir os cidadãos de se autodestruírem, enquanto seres igualmente livres e portadores de direitos que protegem a sua condição de dignidade humana.” (grifei) VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua reserva de justiça. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 226.
[6] São quatro dessas dimensões as liberais (primeira dimensão - liberdades mínimas e negativas), as igualitárias pela busca de uma igualdade substancial (segunda dimensão – preocupação promocional do direito e das liberdades positivas), as da solidariedade e da comunidade (terceira dimensão - direitos difusos e coletivos, como o meio ambiente e os direitos dos consumidores) e as da sociedade civil organizada (quarta dimensão - participação dos destinatários do ato final de decisão nos atos intermediários de formação dessa decisão, bem como o direito de questionar a posteriore a decisão tomada nas esferas próprias de competência). Veja-se ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2007.  p. 114/115.
[7] ZANETI JÚNIOR, Hermes. Op. Cit. p. 135.
[8] DOBROWOLSKI, Samantha Chantau. O pêndulo da democracia contemporânea: entre a soberania popular e os direitos humanos, uma via pluralista para a construção social do sentido da Constituição. p. 80. Apud ZANETI JÚNIOR, Hermes. Op. Cit. p. 134.
[9] “Em suma: a jurisdição constitucional compreende o poder exercido por juízes e tribunais na aplicação direta da Constituição, no desempenho do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público em geral e na interpretação do ordenamento infraconstitucional conforme a Constituição.” (grifei) BARROSO, Luís Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. p. 5. Disponível em < http://www.luisrobertobarroso.com.br/?page_id=39> Acesso em 01/11/2011.
[10] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 27.
[11] MENDES, Conrado Hübner. Controle de constitucionalidade e democracia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p.163. 
[12] “(...) trabalhadores, negros, índios, sem-terra, ambientalistas, dentre outros grupos, têm passado a ver a Constituição como um importante instrumento nas suas lutas emancipatórias. Na verdade, a conquista de algumas vitórias no cenário judicial, com suporte em argumentos constitucionais, serviu para disseminar no âmbito da sociedade civil organizada a visão da Constituição de 88 como uma ferramenta útil nas incessantes batalhas pela afirmação dos direitos dos grupos desfavorecidos.” SARMENTO, Daniel. Ubiquidade constitucional: os dois lados da moeda. p.180. In Livres e iguais: estudos de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010. p. 167/205.
[13] BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 48.
[14] “(...) as decisões da Corte Constitucional estão inevitavelmente imunes a qualquer controle democrático. Essas decisões podem anular, sob a invocação de um direito superior que, em parte, apenas é explicitado no processo decisório, a produção de um órgão direta e democraticamente legitimado. Embora não se negue que também as Cortes ordinárias são dotadas de um poder de conformação bastante amplo, é certo que elas podem ter a sua atuação reprogramada a partir de uma simples decisão do legislador ordinário. Ao revés, eventual correção da jurisprudência de uma Corte Constitucional somente há de se fazer, quando possível, mediante emenda (constitucional).” (grifei) MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: hermenêutica constitucional e revisão de fatos e prognoses legislativos pelo órgão judicial. In Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998. p. 463.
[15] “Quando um determinado Estado vive sob um regime democrático, no qual a competência pela criação legítima do Direito é monopolizada pelo Poder Legislativo, a exclusão de determinados conteúdos normativos do poder de disposição legislativa da população, e a consequente limitação do sistema democrático por meio de direitos inflexíveis, parecem entrar em choque com a própria razão de ser da democracia.” MELLO, Cláudio Ari. Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 143.
[16] Uma forte corrente de rejeição ao judicial review no país em que o instituto foi criado, os Estados Unidos da América, é denominada como constitucionalismo popular e propõe que o poder de dizer o que a Constituição deve ser atribuído ao “povo”, vez que este seria um órgão social capaz de atuar política e independentemente dos órgãos estatais governamentais para a plena distribuição das responsabilidades sociais. Veja-se PIRES, Thiago Magalhães. Crônicas do subdesenvolvimento: jurisdição constitucional e democracia no Brasil. Revista de direito do Estado nº 12. a.3. out/dez 2008. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 185.
[17] Não é possível se desconsiderar a importância da jurisdição constitucional para a concretização dos direitos fundamentais e para a aferição de constitucionalidade das escolhas político-jurídicas feitas pelo legislador numa realidade em que nossa própria Constituição estabelece a essencialidade do judicial review para nosso sistema de controle. É o que verifica pela simples leitura dos incisos XXXV, LXVIII, LXIX, LXX, LXXI, LXXII, LXXIII do art. 5º e pelo caput, incisos I, a), III e § 1º § 2º § 3º do art. 102 da CF/1988.
[18] Segundo Gustavo Binenbojm, mesmo autores não adeptos de uma ampla legitimidade da jurisdição constitucional, como John Hart Ely, reconhecem que ao poder de revisar judicialmente a validade constitucional dos demais atos do Poder Público deve ser conferida uma função contramajoritária apta a “facilitar a representação das minorias, sustando leis que exibam caráter discriminatório e, como tal, representem risco à higidez do sistema representativo”, pois uma pretensão da maioria ocasional em alijar uma minoria do processo político democrático estabelecido pela Constituição precisa receber a pecha de invalidade a ser designada pela jurisdição constitucional, daí decorrendo a legitimidade de tal função. (Op. Cit. p. 103.)
[19] “(...) a legitimidade das decisões judiciais não decorre da sua aprovação popular, mas de sua efetiva correspondência à ordem jurídica. Por isso, o fato de alguma decisão que promova a constitucionalização do ordenamento contrariar a maioria da população não basta para infirmar a sua legitimidade, inclusive porque uma das funções do constitucionalismo é exatamente a de proteger valores e princípios superiores da miopia e do arbítrio das multidões.” SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p.190.
[20] Pelo menos, em essência, já que não se pode desconhecer que o processo de seleção política dos magistrados de segunda instância e de Tribunais Superiores no Brasil tem se contaminado por questões político-partidárias constitucionalmente indesejáveis e não recomendáveis ao processo de escolha técnicas de tais juízes. Veja exemplo categórico da presente afirmação em Disponível em 31/10/2011. 
[21] PIRES, Thiago Magalhães. Op. Cit. p. 198.
[22] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AgRg RE 433.806/SP. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. 1ª. Turma. J. 08/03/2005. Disponível em Acesso em 21/08/2011.
[23] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Voto do Min. Nelson Jobim. Inteiro teor. ADI 2223 – MC/DF. Rel. Min. Maurício Côrrea Plenário. j. 10/10/2002. Disponível em Acesso em 21/08/2011.
[24] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RCL 2986 MC/SE. Rel. Min. Celso de Mello. Decisão monocrática. j. 11/03/2005. Disponível em Acesso em 21/08/2011.
[25] Ou porque outro motivo teria o legislador constituinte originário - senão essa extrema possibilidade – previsto, nos termos do art. 102, III, a) da CF/1988, que decisões de única e última instância proferidas por Tribunais, caso contrárias à Constituição, sejam passíveis de controle pelo Supremo Tribunal Federal?
[26] Ciente dessa possibilidade, a CF/1988 recepcionou o art. 39, V da Lei nº. 1.079/1950 (MS 30672 AgRg/DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Tribunal Pleno. J. 15/09/2011), segundo o qual é possível a imposição de impeachment a ministro do STF, caso este cometa crime de responsabilidade por violação à Constituição que lhe compete guardar.
[27] Inegavelmente, nossa ordem constitucional contemporânea é marcada por uma forte expansão da jurisdição constitucional, construída sob a ampla exigibilidade judicial dos direitos fundamentais e o aumento da competência dos juízes e Tribunais para o exercício do controle de constitucionalidade por via judicial. No primeiro plano, através do exercício do direito fundamental de amplo acesso ao Judiciário (5º, XXXV), qualquer indivíduo ou grupo social poderia defender seus interesses jurídico-políticos resguardados pela Constituição de maneira mais fácil do que poderia fazê-lo perante seus representantes parlamentares. Associado a essa ampla exigibilidade da jurisdição constitucional, houve um forte incremento na competência do STF para o exercício do controle de constitucionalidade por via judicial, primeiramente pela via de uma jurisprudência ativista da própria Corte pelo aumento de suas competências e, posteriormente, através de um forte movimento de ratificação desta jurisprudência por uma constante modificação da CF/1998 pelo próprio legislador, passando o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro por inúmeras modificações constitucionais e legais para tornar ainda mais preponderantes as decisões tomadas pelo STF. Esses movimentos de ampla exigibilidade judicial dos direitos fundamentais e de aumento das competências de judicial review do STF estabeleceram a Corte, e o próprio Poder Judiciário, como o guardião de promessas constitucionais que se, não cumpridas pelo Poder Legislativo, pelo Poder Executivo e pela Administração Pública como um todo, poderiam ser questionadas e exigidas pelo cidadão e por entes específicos como passíveis de efetivação pela jurisdição constitucional. Veja-se VIEIRA, José Ribas; BRASIL, Deilton Ribeiro. Mudança paradigmática no controle constitucional concentrado e difuso provocada pelo experimentalismo institucional do Supremo Tribunal Federal após a Emenda Constitucional nº 45/04. Observatório de jurisdição constitucional. Brasília: IDP, ano 1, jan. 2008.  p. 02/03.
[28] TAVARES, André Ramos; BUCK, Pedro. Pedro. Direitos fundamentais e democracia: complementaridade/contrariedade. p. 176. In Direitos humanos e democracia. Clèmerson Merlin Clève et al. (Coord.) Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 176.
[29] SCHMITT, Carl. La defensa de la constitución. Madrid: Tecnos, 1983. p. 213/251.
[30] Já se chegou a caracterizar o Poder Judiciário, em especial o STF, como uma espécie de “legibus solutus que, ao contrário dos supostamente inoperantes Legislativo e Executivo, vai gerar democracia paternalisticamente para seus tutelados, ao implementar política pública”. Veja-se MAIA, Paulo Sávio Peixoto. O Supremo Tribunal Federal como “tribunal político”: observações acerca de um lugar comum do direito constitucional. In Revista de Informação Legislativa. p. 387. Brasília. a. 45. n.180. out/dez 2008. p. 375/390.
[31] Em outra oportunidade, percebeu-se com muita acuidade o crescimento político-institucional do STF nos últimos tempos, denominando-o como uma espécie de “Supremocracia”. VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. In Revista de direito do Estado. a. 3. n. 12. Out/dez 2008. p. 55/75.
[32] Há inúmeros casos delineados pela doutrina como exemplos de ativismo judicial realizado pelo STF, sendo possível exemplificar essa atuação ativista da Corte em temas como a vedação da utilização de algemas (Súmula Vinculante 11), a vedação ao nepotismo (Súmula Vinculante 13) e a proibição geral e irrestrita de prisão cível do depositário infiel (Súmula Vinculante 25), esta última em expressa contradição ao art. 5º, LVII, in fine da CF/1988.
[33] Para uma adequada e mais profunda percepção acerca do tema, veja-se VIEIRA, José Ribas et al. O Supremo Tribunal Federal como arquiteto institucional: a judicialização da política e o ativismo judicial. In Versus Acadêmica. Ano 1. nº 02.Ago/2009. Disponível em Acesso em 01/11/2011. 
[34] Sustenta-se, inclusive, que a distinção entre a judicialização e o ativismo judicial possa ser correlacionado às ideias de Constituição-ordem fundamental e de Constituição-moldura tão debatidas na doutrina constitucionalista, pois enquanto o ativismo judicial estaria relacionado à natural ascensão política de uma Corte Constitucional sob uma Constituição-ordem fundamental, a judicialização restringe-se ao estabelecimento de uma Constituição-moldura ou Constituição-marco, sob a qual a jurisdição constitucional mostra-se necessária, mas somente se legitimará enquanto respeitar as margens de conformação da Constituição pelo legislador e pelo administrador.  Neste sentido, veja-se MAURÍCIO JÚNIOR, Alceu. Judicialização da política e crise do direito constitucional: a Constituição entre ordem marco e ordem fundamental. Revista de direito do Estado. Ano 3. Nº 10. p. 125/142. Abr/jun 2008.
[35] STRECK. Lenio Luiz. O que é isto? Decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2010. p. 58.
[36] “(...) as teorias do direito e da Constituição, preocupadas com a democracia e a concretização dos direitos fundamentais-sociais previstos constitucionalmente, necessitam de um conjunto de princípios que tenha nitidamente a função de estabelecer padrões hermenêuticos com o fito de: a) preservar a autonomia do direito; b) estabelecer condições hermenêuticas para a realização de um controle da interpretação constitucional (ratio final, a imposição de limites às decisões judiciais – o problema da discricionariedade); c) garantir o respeito à integridade e à coerência do direito; d) estabelecer que a fundamentação das decisões é um dever fundamental de juízes e tribunais; e) garantir que cada cidadão tenha sua causa julgada a partir da Constituição e que haja condições para aferir se essa resposta está ou não constitucionalmente adequada.” STRECK, Lenio Luiz. Op. Cit. O que é isto? p. 104/105.
[37] “O papel do Judiciário e, especialmente, das cortes constitucionais e supremos tribunais deve ser o de resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais, superando o deficit de legitimidade dos demais Poderes, quando seja o caso. Sem, contudo, desqualificar sua própria atuação, o que ocorrerá se atuar abusivamente, exercendo preferências políticas em lugar de realizar os princípios constitucionais. Além disso, em países de tradição democrática menos enraizada, cabe ao tribunal constitucional funcionar como garantidor da estabilidade institucional, arbitrando conflitos entre Poderes ou entre estes e a sociedade civil. Estes os seus grandes papéis: resguardar os valores fundamentais e os procedimentos democráticos, assim como assegurar a estabilidade institucional.” (grifei) BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista eletrônica sobre a reforma do Estado (RERE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 9, março/abril/maio, 2007. Disponível em. Acesso em 15/08/2008.
[38] Nessa linha, temos que nos perguntar como se pode pretender que a jurisdição constitucional possa decidir contra a Constituição que lhe cabe guardar, revogando, por exemplo, pela interpretação do STF norma expressa de nossa CF/1988, por melhor que sejam os motivos delineados pela Corte. Ou não foi isso que foi feito, quando a Súmula Vinculante 25 determina que “é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, apesar de haver norma constitucional originária que expressamente determina a licitude em abstrato da prisão cível do depositário infiel (5º, LXVII, in fine)?
[39] Como se pode pretender justificar ser uma constante da função jurisdicional que, ao decidir uma questão constitucional, os Tribunais e o próprio STF não fundamentem adequadamente suas decisões, quando a própria Constituição assim exige que o Poder Judiciário o faça (art. 93, IX)? Ou não é isso que vem ocorrendo quando o STF decide sobre a existência ou não de repercussão geral nos recursos extraordinários em ambiente de “plenário virtual”, onde os ministros da Corte têm se limitado a apontar ou marcar a existência ou não de questão constitucional e de repercussão geral no recurso extraordinário, sem fundamentar jurídica e expressamente sua decisão?
[40] No Brasil, tal situação pode ser facilmente exemplificada com o recente caso da extradição do italiano Cesare Batiste em que, apesar do Chefe do Poder Executivo federal ter exercido sua competência constitucional e legal de negar a extradição, com base em parecer jurídico fundamentado da Advocacia-Geral da União e de acordo com a sua interpretação do tratado bilateral de extradição firmado entre Brasil e Itália, pretendeu o STF revisitar a decisão definitiva proferida pelo Chefe do Poder Executivo. Veja-se VIERA, José Ribas. Quem diz com quem está o direito? Jornal da UFRJ. Ano VI  n.60. Maio/2011. p. 16/17.
[41] BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. p.13.
[42] Para se empregar uma metáfora de fácil compreensão de tal limitação da jurisdição constitucional, Humberto Ávila argumentou no XIV Congresso Brasiliense de Direito Constitucional (Set/2011) que, na intervenção judicial em uma política pública, fora dos padrões de evidente inconstitucionalidade de tal medida, o Judiciário tem visão limitada e distorcida, pois, diferentemente do legislador e do administrador público, "o juiz ou Tribunal vê as árvores, mas não vê a floresta".
[43] “(...) o magistrado seria impelido a decidir em prol da lei, sob a justificativa de que, nada obstante as preferências do próprio magistrado ou a relevância dos pontos levantados pela parte contrária, o resultado encerrado na lei é lógico e coerente, de acordo com as premissas que o fundamentam, e, mais importante, passou por um procedimento democrático, em que, inclusive os que lhe eram contrários, tiveram a oportunidade de expor suas dissensões.” TAVARES, André Ramos; BUCK, Pedro. Op. Cit. p. 178.
[44] Até porque há que se reconhecer que “uma teoria constitucional minimamente comprometida com a democracia deve reconhecer que a Constituição deixa vários espaços de liberdade para o legislador e para os indivíduos, nos quais a autonomia política do povo e a autonomia privada da pessoa humana podem ser exercitadas”. SARMENTO, Daniel. Op. Cit. Ubiquidade constitucional. p. 196.
[45] HAMILTON, Alexander. “Federalist Paper nº 78”. Apud DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional: controle de constitucionalidade e remédios constitucionais. São Paulo: Atlas, 2011. p. 28.
[46] DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Op. Cit. p. 28.
[47] “Afirmar a politicidade do controle de constitucionalidade não significa dizer que os juízes constitucionais sejam parciais ou exerçam suas tarefas de maneira inadequada. Nem indica uma disfunção ou desvio do ofício de julgar. Só se reconhece a falta de precisão das normas jurídicas, que é mais intensa no caso do texto constitucional, repleto de normas de baixa densidade normativa. Essa característica, junto aos fortes interesses a favor ou contra uma declaração de inconstitucionalidade, costumam transformar as decisões das Cortes Constitucionais em objeto de disputa política. Sabe-se que todas as decisões jurídicas têm caráter político, por serem políticas sua origem, motivação e repercussão. Aqui nós afirmamos só a politicidade nesse sentido geral. Sustentamos também que as decisões que envolvem afastamento de lei costumam adquirir visibilidade social e se tornar políticas no sentido do surgimento de controvérsias públicas com a participação das autoridades dos demais poderes, assim como da opinião pública.” (grifo do autor) DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Op. Cit. p. 45/46.
[48] “(...) ‘justiça’ não pode deixar de se equivaler a “justiça de acordo com o direito”; e, no que se segue, a palavra é usada nesse sentido. Um juiz pode ser autorizado ou obrigado a recusar aplicação a uma lei de seu ordenamento em razão da respectiva incompatibilidade com lei “mais alta”, como a constituição nacional ou obrigação supranacional que vincule o Estado, mas não pode agir assim pela mera razão de que, a seu ver, a lei ser “injusta”.” JOLOWICZ, John Anthony. Justiça substantiva e processual no processo civil: uma avaliação do processo civil. p. 161 Tradução de José Carlos Barbosa Moreira. Revista de Processo nº 135 São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
[49] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3.ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 1224.
[50] "(...) a Constituição não ocupa, nem pode pretender ocupar todos os espaços jurídicos dentro do Estado, sob pena de asfixiar o exercício democrático dos povos em cada momento histórico. Respeitadas as regras constitucionais e dentro do espaço de sentido possível dos princípios constitucionais, o Legislativo está livre para fazer as escolhas que lhe pareçam melhores e mais consistentes com os anseios da população que o elegeu. A disputa política entre diferentes visões alternativas e plausíveis acerca de como dar desenvolvimento concreto a um princípio constitucional é própria do pluralismo democrático. A absorção institucional dos conflitos pelas diversas instâncias de mediação, com a consequente superação da força bruta, dá o toque de civilidade ao modelo. Mas não é possível pretender derrotar a vontade majoritária, em espaço no qual ela deva prevalecer, pela via oblíqua de uma interpretação jurídica sem lastro constitucional. Ao agir assim, o intérprete estaria usurpando tanto o papel do constituinte quanto do legislador". (grifei) BARROSO, Luís Roberto. Disciplina legal dos direitos do acionista minoritário e do preferencialista. Constituição e espaços de atuação legítima do Legislativo e do Judiciário. In Temas de direito constitucional. t. III, 2005, p. 314/315.
[51] STRECK, Lenio Luiz.  Palestra “Porque as reformas são uma traição à advocacia?” na Semana do Advogado. OAB/ES. Vitória/ES, AGO/2011.
[52] JOLOWICZ, John Anthony. Op. Cit. p. 161
[53] DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Op. Cit. p. 331.
[54] Em sentido contrário, contra a impossibilidade de fundamentação da jurisdição constitucional, especialmente da concessão da última palavra a respeito da interpretação e aplicação da Constituição, veja-se GARGARELLA, Roberto. La difultad de defender el control judicial de las leys. Isonomia. nº 67. Abr/1997. Disponível em Acesso em 01/11/2011.
[55] ADEODATO, João Maurício. Jurisdição constitucional à brasileira – situações e limites. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. V.1. n.2. Porto Alegre, 2004. p. 176.
[56] “Pois bem: juízes não inventam o direito do nada. Seu papel é o de aplicar normas que foram positivadas pelo constituinte ou pelo legislador. Ainda quando desempenhem uma função criativa do direito para o caso concreto, deverão fazê-lo à luz dos valores compartilhados pela comunidade a cada tempo. Seu trabalho, portanto, não inclui escolhas livres, arbitrárias ou caprichosas. Seus limites são a vontade majoritária e os valores compartilhados. Na imagem recorrente, juízes de direito são como árbitros desportivos: cabe-lhes valorar fatos, assinalar faltas, validar gols ou pontos, marcar o tempo regulamentar, enfim, assegurar que todos cumpram as regras e que o jogo seja justo. Mas não lhes cabe formular as regras.” BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit. Constituição, democracia e supremacia judicial. p. 20/21.
[57] HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federativa da Alemanha. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1998.
[58] Jon Elster utiliza uma metáfora muito interessante para expor o pré-compromisso constitucional, ao comparar a supressão das vontades políticas ocasionais pela força normativa vinculante dos compromissos constitucionais com a lenda em que o herói mitológico grego Ulisses teria que navegar na proximidade da ilha das sereias, mas, advertido previamente, amarra-se ao mastro do navio e enche seus ouvidos de cera, determinando a sua tripulação que não o retirasse daquela situação, ainda que, durante a passagem próxima da ilha, ele desse tal ordem a eles; nesse caso, deverá sua ordem  devendo tal ordem ser desconsiderada diante do compromisso anterior firmado entre ele e a tripulação para a preservação do seu destino coletivo. Veja-se ELSTER, Jon. Trad. Ulisses Liberto. Estudos sobre racionalidade, pré-compromisso e restrições. São Paulo: Editora Unesp, 2009.  Veja-se também SILVA, Virgílio Afonso da. Ulisses, as sereias e o poder constituinte derivado: sobre a inconstitucionalidade da dupla revisão e a da alteração no quorum de 3/5 para aprovação de emendas constitucionais . Revista de Direito Administrativo vol. 226 out./ dez 2001 p.11-32.
[59] DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Op. Cit. p. 326/327.
[60] Já se disse que “o STF constitui-se em Juiz Constitucional, Tribunal da Federação, Juiz que julga a Administração Pública, assim como juiz administrativo, juiz penal, Alta Corte de Justiça (julga o Presidente da República e os membros do Congresso Nacional nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes das Forças Armadas), Tribunal de Conflitos, Juiz de Execução e Autoridade Judiciária não contenciosa”. GOMES, Joaquim B. Barbosa. La Cour Suprême dans lê Système Politique Brésilien. Apud VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O Supremo Tribunal Federal após 1988: em direção a uma Corte Constitucional. p. 196 In SAMPAIO, José Adércio Leite. (Org.) 15 anos de Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 191/202.
[61] Nem mesmo no campo do controle judicial de constitucionalidade, a CF/1988 atribui única e exclusivamente ao STF o poder político-jurídico de determinar a não aplicação de atos normativos contrários à Constituição, pois, apesar de ter realizado um incremento do controle abstrato de constitucionalidade concentrado naquela Corte, determina nossa Carta que juízes e Tribunais podem realizar o controle de constitucionalidade concreto pela via difusa, como uma natural e coerente consequência lógica de um sistema jurídico baseado na natureza normativa e suprema das normas constitucionais e do amplo acesso ao Poder Judiciário.
[62] DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Op. Cit. p. 327/328.
[63] Exemplo clássico de amending power  ocorreu quando a Suprema Corte norte-americana, durante a era Lockner e baseada na razoabilidade ou na cláusula do devido processo legal substantivo, adotou posição extremamente conservadora às pretensões legislativas e administrativas do Presidente Franklin Delano Roosevelt (New Deal) de combate à grande depressão econômica da década de 1930 nos Estados Unidos. Após a manifestação pública de alguns Justices de que as medidas de intervenção estatal na ordem econômica seriam “uma forma desarrazoada de retirada da propriedade sem o devido processo legal”, houve a apresentação de uma proposta de emenda à Constituição encaminha pelo Presidente Roosevelt ao Congresso norte-americano para nomear mais um novo membro para cada membro com mais de 70 anos que houvesse na Suprema Corte. Essa medida de resistência do Executivo, através do amending power, em conjunto com a mudança de postura de vários dos Justices já presentes à Corte foram responsáveis pela ulterior declaração formal de constitucionalidade daquelas medidas sobre as quais já se tinha tornado públicas as posições pela sua inconstitucionalidade. Explicando muito bem esse episódio, veja-se RAMOS, João Gualberto Garcez. Evolução histórica do princípio do devido processo legal. Revista da Faculdade de Direito da UFPR. v. 46. 2007. p. 106. Disponível em Acesso em 05/11/2010.
[64] DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Op. Cit. p. 328.
[65] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 191.
[66] SARMENTO, Daniel. Op. Cit. Ubiquidade constitucional. p. 198.
[67] SARMENTO, Daniel. Op. Cit. Ubiquidade constitucional. p. 198.
[68] O processo, “(...) não pode ser visto apenas como uma relação jurídica, mas sim como algo que tem fins de grande relevância para a democracia, e, por isso mesmo, deve ser legítimo. O processo deve legitimar – pela participação -, deve ser legítimo – adequado à tutela dos direitos e aos direitos fundamentais – e ainda produzir uma decisão legítima.” MARINONI, Luis Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 401.
[69] “A noção de democracia somente viria a desenvolver-se e aprofundar-se, mais adiante, quando se incorporaram à discussão ideias como fonte legítima do poder e representação política. Apenas quando já se avançava no século XX é que seriam completados os termos da complexa equação que traz como resultado o Estado democrático de direito: quem decide (fonte do poder), como decide (procedimento adequado) e o que pode e não pode ser decidido (conteúdo das obrigações negativas e positivas dos órgãos do poder)”. (grifei) BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit. Curso de direito constitucional contemporâneo. p. 40.
[70] “(...)a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo” ou “(...) a realização do procedimento deixada ao simples querer do juiz, de acordo com as necessidades do caso concreto, acarretaria a possibilidade de desequilíbrio entre o poder judicial e o direito das partes. E dessa maneira poderia fazer até periclitar a igual realização do direito material, na medida em que a discrição do órgão judicial, quanto ao procedimento e o exercício da atividade jurisdicional, implicaria o risco de conduzir a decisões diversas sobre a mesma espécie de situação fática material, impedindo uma uniforme realização do direito”. (grifei) ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo valorativo. Revista de Processo nº137. São Paulo: RT, 2007. p. 08/09.
[71] “A obrigação de fundamentar as decisões judiciais constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões(...).” PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão 680/1998. Rel. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza. 2ª. Seção. J. 02/12/1998. Disponível em Acesso em 09/11/2010.
[72] “(...) a motivação das decisões judiciais, garantia do Estado democrático de direito, exige a atenção às regras norteadoras das práticas argumentativas – presentes nos mais diversos aspectos da vida forense – sobretudo quando da justificação racional das decisões dos magistrados, sem a qual não podem estes funcionários do Estado agir de acordo com os princípios que legitimam a democracia.” (grifei) MAIA, Antônio Cavalcanti. A importância da dimensão argumentativa à compreensão da práxis jurídica contemporânea. (Posfácio). p.281. In Margarida Maria Lacombe Camargo. Hermenêutica e Argumentação: Uma contribuição ao Estudo do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[73] SAMPAIO, José Adércio Leite. A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p.93.
[74] HÄBERLE, Peter. A sociedade aberta dos intérpretes as Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997

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