Biopolitics of depression in African immigrants
Chiara Pussetti
PhD Antropologia Cultural, Pesquisadora Associada Sénior do CRIA, Centro em Rede de Investigação em Antropologia. Endereço: Av. Das Forças Armadas, 1600-083, Lisboa, Portugal. E-mail:chiaragemma.pussetti@gmail.com
RESUMO
Este artigo foca o tema controverso das biopolíticas da depressão em imigrantes, em particular nos originários da África sub-sahariana. Os sintomas depressivos, ligados à ansiedade, são identificados também pela nova e mais importante patologia mental dos imigrantes: a Síndroma de Ulisses, de stress múltiplo e crónico, já definido como "o mal do século vinte e um", e que atinge principalmente os africanos. Não só entre estes imigrantes mas também em África, segundo um estudo conduzido pela OMS, a depressão tornou-se uma das principais patologias mentais. O tratamento farmacológico do sofrimento, entendido como fenómeno orgânico, é considerado o único caminho possível, silenciando os processos históricos, políticos e socioeconómicos que lhe estão na base. A atenção é portanto focada na saúde mental do indivíduo, desviando-a de problemas sociais de difícil resolução, que necessitariam de respostas económicas e políticas.
Palavras-chave: Imigrantes africanos; Depressão; Biopolíticas; Psiquiatria cultural.
ABSTRACT
The following article focuses on the controversial issue of the biopolitics of depression in immigrants, especially those originating from Sub-Saharan Africa. Depressive symptoms connected with anxiety are predicted by the new and major mental pathology of the immigrants: the Ulysses Syndrome, a condition of multiple and chronic stress, already defined as the "twenty-first century's affliction", which affects mainly Africans. Depression has become one of the predominant mental disorders not only among African immigrants but in Africa itself, according to research conducted by the WHO. Pharmaceutical treatment of suffering, understood as an organic phenomenon, is considered the only possible route, suppressing the historical, political and socio-economic processes which remain at its foundation. So, the attention placed on the subject's mental health is being diverted from complicated social problems which would require economic and political responses.
Keywords: African Immigrants; Depression; Biopolitics; Cultural Psychiatry.
Falar da depressão em África e nos imigrantes de origem africana significa abordar um tema clássico da psiquiatria cultural: o debate sobre a black depression, ou seja, sobre a existência ou não desta patologia específica nos Africanos. A seguinte discussão focar-se-á sobre o tema controverso das biopolíticas da depressão em imigrantes, em particular nos originários da África sub-sahariana.
Não se pretende falar da depressão como facto orgânico, mas antes da construção e negociação social de um conceito. E o termo "biopolítica" será aqui utilizado na acepção de Michel Foucalt, para indicar a aplicação e o impacto do poder político sobre todos os aspectos da vida humana, por meio de medidas sanitárias, de higiene, etc. É este, na perspectiva foucaultiana, o novo aspecto do poder. Um poder não institucional, não repressivo, mas espalhado, penetrante e inscrito nos corpos; poder que não reprime, não impõe, não pune, mas que constrói os corpos, os normaliza, os identifica, e os torna sujeitos subjugando-os.
Uma discussão da categoria "depressão" é relevante por diferentes razões.
Em primeiro lugar, porque se trata de uma patologia que nos últimos cinquenta anos se transformou numa emergência de saúde pública mundial. Segundo a World Health Organization, em 2020, a depressão será, ao nível planetário, o segundo maior problema de saúde depois das doenças cardiovasculares (Lakoff, 2006; Petrynae col., 2006). Em Portugal, a Direcção-Geral de Saúde, respondendo ao apelo da WHO, está a avançar agora com um Programa Nacional de Luta Contra a Depressão: citando uma notícia do Diário Digital de 10 de Outubro de 2004, "a preocupação acrescida com a depressão, patologia causada por um desequilíbrio da química cerebral, decorre do facto de se estimar que esta doença atinja cerca de 30 por cento da população em Portugal e anualmente 33,4 milhões de pessoas na Europa".
Em segundo lugar, por se tratar do problema mental mais diagnosticado em pacientes imigrantes em Portugal, segundo os técnicos de saúde mental entrevistados, e por existirem estudos epidemiológicos que indicam, ao nível mundial, os imigrantes, enquanto excluídos socialmente, pobres, discriminados, ilegais etc., como um grupo particularmente vulnerável aos distúrbios depressivos (Bhugra e Becker, 2005). No sítio do ACIDI na Internet, uma notícia (retirada da revista Visão) intitulada Almas feridas fala do aumento contínuo e exponencial da depressão nos imigrantes, ao ponto de esta perturbação do humor se estar a tornar no maior risco de saúde mental desta população. A depressão nos imigrantes é apresentada como uma patologia "inevitável", devido a factores tais como a discriminação, trauma e stress precedente, concomitante e posterior à migração, falta de redes de suporte, declínio do estatuto económico e social, barreiras linguísticas e institucionais, fracturas identitárias, choque cultural, exclusão, entre outros (Aroian e Norris, 2003; Bhugra, 2003; Bhugra e Ayonrinde, 2004; Stotland, 2004).
Seriam presumidamente mais atingidos pela depressão os imigrantes negros, na medida em que a discriminação racial é considerada como um factor patogénico adicional (Thompson, 1996; Williams e Williams-Morris, 2000; Watkins e col., 2006; Cross e col., 2007). A literatura sobre a relação entre discriminação e patologias, tais como a depressão e a hipertensão em imigrantes de origem africana, é vastíssima (Thompson, 1996; Clark e col., 1999; Williams e Williams-Morris, 2000; Hudson Banks, Kohn-Wood, 2007). E se os imigrantes negros são delimitados enquanto grupo particularmente exposto aos riscos de perturbações depressivas, entre eles as mulheres são em particular indicadas como as mais vulneráveis. Com efeito, estudos epidemiológicos propondo explicações que variam entre o biológico e o social argumentam serem as mulheres em geral mais inclinadas a manifestar esta patologia, e especialmente as mulheres negras de baixa classe social (Warheit e col., 1973; Weissman e Klerman, 1977; Boyd e Weissman, 1981; Eaton e Kessler, 1981; Frerichs e col., 1981; Nolen-Hoeksema, 1987; McGrath e col., 1990; Walters, 1993; Kessler e col., 1994; Cockerham, 1996; Linzer e col., 1996; Wilson, 1996; Culbertson, 1997). Sofrem, por conseguinte, duma dupla vulnerabilidade ao risco da depressão: enquanto mulheres face aos homens, e enquanto negras em comparação com os outros imigrantes (Klerman e Weissman, 1989; Sileo, 1990; Wetzel, 1994).
Em terceiro lugar, a questão da depressão nos imigrantes africanos (e em particular nas mulheres) chamou pessoalmente a minha atenção por ter sido um assunto longamente debatido na equipa de psiquiatria transcultural para imigrantes onde conduzi trabalho de terreno durante três anos. O que me intrigava a nível pessoal era, em particular, a ideologia biologista presente no discurso dos médicos e veiculada pela subministração dos fármacos: a depressão como doença genética, segundo muitos dos técnicos provavelmente hereditária, devida a um defeito dos neurotransmissores. O sofrimento era assim legitimado como doença, enquanto realidade orgânica, baseada num desequilíbrio neuroquímico por produção insuficiente de serotonina, devida a um defeito genético. A hipótese geneticista, defendida pelos profissionais com os quais trabalhei e que sustenta a necessidade das intervenções farmacológicas, afirma, por outras palavras, ser a depressão "o resultado natural de uma deficiência bioquímica, assim como, por exemplo, a diabetes depende de uma deficiência de insulina", pelas palavras de um médico entrevistado (Alper e Beckwith, 1993; Conrad, 1997; Caspi e col., 2003; Robert e Plantikow, 2005). Esta definição da patologia localiza portanto no cérebro individual a origem do distúrbio, sem ter em conta eventuais explicações sociais para o mal-estar (Moncrieff e Kirsch, 2005).
Afigurava-se-me como particularmente notória a tentativa de explicar, por argumentação biológica ou geneticista, as altas taxas de depressão nas mulheres negras, com discursos estereotípicos sobre o género, por um lado, e de conceitos irreflectidos de "raça", "etnia" e "cultura", por outro. Em diferentes ocasiões noções como as de "personalidade africana", "traços comportamentais dos negros", ou "origem genética da mente africana" eram abordados no discurso dos médicos, em expressões que relembram de forma inquietante os clássicos estudos de psiquiatria transcultural da época colonial (Carothers, 1953, 1954; Adebimpe, 1984; McCulloch, 1995). Mesmo sem entrar na questão do emprego criticável que a maior parte dos técnicos de saúde entrevistados fazia destes conceitos, existe uma literatura considerável sobre o uso não problematizado e a sobreposição destas noções nos estudos epidemiológicos sobre a saúde dos imigrantes e das minorias étnicas (Osborne, 1992; Bhopal, 1997). O conceito de raça continua, todavia, presente nos estudos epidemiológicos, com o resultado de biologizar completamente fenómenos que poderiam ter também uma leitura social e política (Banton, 1987; O'Donnell, 1991; Osborne, 1992; Smaje, 1995). Alguns autores chegaram a identificar a tendência neokraepeliniana1 da psiquiatria contemporânea, onde todos os transtornos mentais são vistos como possuindo um substrato biológico e potencialmente relacionado com factores genéticos e raciais, como forma de violência estrutural que contribui para uma crescente desumanização da pesquisa científica - considerando como factos exclusivamente biológicos fenómenos de natureza biosocial (Farmer, 2002; Farmer e col., 2006). Analisando o debate sobre "raça" e saúde mental, é impressionante a importância que continuam a ter as leituras biogenéticas da "psique dos negros" na explicação das taxas elevadas de doença mental neste grupo (Harrison e col., 1988; Rees, 1991), desconsiderando explicações ligadas a factores sociais, económicos e políticos (Brewin, 1980; Rack, 1982; Burke, 1984; Sashidharan e col., 1988; Fernando, 1995; Suki, 2003). Nestes trabalhos, é a própria fisiologia africana que é considerada problemática e predisposta ao desenvolvimento de patologias mentais. Exemplos destes estudos incluem as pesquisas contemporâneas de Robin Murray, que explica os índices elevados de esquizofrenia em afro-descendentes com base em factores perinatais (Rees, 1991; McKenzie e col., 1996; Murray e col., 1996) e os trabalhos de Glyn Harrison e colaboradores (1988), que ligam as perturbações mentais dos negros a traumas perinatais e causas genéticas. Shashidharan e Francis (1996) apresentaram uma revisão crítica dos estudos epidemiológicos sobre a vulnerabilidade étnica ou racial à doença mental (Sashidharan e Francis, 1996), evidenciando a forma como muitas pesquisas psiquiátricas identificam os afro-descendentes como mais vulneráveis à doença mental, menos adequados à psicoterapia - devido a limitações de habilidade verbal - e mais resistentes ao tratamento farmacológico. Perante esta descrição, o tratamento farmacológico é considerado a terapia mais adequada para pacientes negros, e não faltam estudos que salientam as quantidades muitos superiores de drogas subministradas a estes pacientes em relação aos pacientes brancos (Flaskerud and Hu, 1992; Walkup e col., 2000; Fleck e col., 2002; Kuno e Rothbard, 2002). Na maior parte dos casos que acompanhei no trabalho com imigrantes de origem africana, o diagnóstico de depressão era extremamente comum, assim como a explicação bioquímica do sofrimento e o tratamento farmacológico respectivo constituíam a norma. Tentando reconstruir as histórias dos pacientes através e além dos sintomas que eles expressavam, comecei a dar-me conta que o diagnóstico de depressão constituía a tradução em termos clínicos de problemas e desconfortos ambientais que tinham causas principalmente sociais. Alguns dos clínicos entrevistados admitiram-me que os imigrantes diagnosticados com este distúrbio poderiam encontrar uma cura por meio de intervenções sociais, estando na maior parte das situações ilegais, desprotegidos, explorados pelos patrões, e em condições habitacionais e económicas deploráveis. Mesmo assim, os profissionais entrevistados concordavam que a única solução viável para ajudar os imigrantes era a farmacológica, uma vez não sendo possível alterar todas as outras variáveis2. A todos os imigrantes Africanos sub-saharianos que acompanhei foram prescritos, como primeira medida, fármacos antidepressivos. Mesmo que possivelmente mascarado por problemas físicos, ou expresso de forma somática, o problema que mais de metade dos imigrantes Africanos apresentam, segundo os profissionais da saúde, é a depressão: relatam sensações de tristeza e fracasso, choram, queixam-se da situação em que vivem quotidianamente, têm pensamentos negativos, dormem mal. Alguns dos técnicos de saúde entrevistados chegaram a afirmar que os comportamentos depressivos eram comuns especialmente nos africanos de primeira geração, e entre estes, nas mulheres, devido não somente às condições particularmente duras do percurso migratório, mas especialmente a uma resignação, à incapacidade de assumir firmeza e resolução, e a uma atitude de desistência face às adversidades que seria típica dos africanos e do sexo feminino. Afirmações deste género, mesmo que suportadas por uma literatura sobre a estrutura típica de personalidade e a base genética do comportamento dos negros (Adebimpe, 1984), não deixam de lembrar estereótipos à la Colin John Carothers sobre a Mente Africana (Carothers, 1947, 1951, 1953, 1954), ou os discursos euro-americanos sobre emoções e género (analisados entre outros por Catherine Lutz, 1991). A resposta clínica mais usual é o tratamento por meio de fármacos designados pelos profissionais de saúde como "de emprego comum", fármacos "sociais", nomeadamente sedativos, ansiolíticos e antidepressivos. O tratamento farmacológico é considerado, também pela OMS, como a resposta mais adequada e eficaz contra a patologia depressiva, mesmo que ligada a factores tais como pobreza, fome, discriminação racial e de género, violação dos direitos humanos, ilegalidade, exclusão social, entre outros3. Os psiquiatras Dinesh Bhugra e Oyedeji Ayonrinde (2004) sustentam que a maior parte dos imigrantes em situação de ilegalidade, pobreza, precariedade e marginalização, mesmo com queixas apenas somáticas, são clinicamente deprimidos. Os médicos com os quais tive ocasião de trabalhar (mesmo os que não são psiquiatras) confirmam que quase todos os imigrantes utentes dos centros de saúde, independentemente da queixa que os motiva, apresentam sintomas depressivos. A experiência de trabalho de terreno sugere ser este, de facto, um dos diagnósticos mais comuns para classificar o sofrimento dos consultantes que lamentavam situações sociais e existenciais dramáticas (em particular mulheres africanas). A categoria de depressão parece exprimir, por conseguinte, no idioma da nosologia psiquiátrica, o sofrimento social dos imigrantes mais vulneráveis.
Os sintomas depressivos, ligados à ansiedade, são identificados também pela nova e mais importante patologia mental dos imigrantes, "descoberta" pelo psiquiatra catalão Joseba Achotegui: a Síndroma de Ulisses, síndroma de stress múltiplo e crónico, já definido como "o mal do século vinte e um", e que atinge principalmente os africanos, na opinião de Achotegui "alegadamente mais expostos aos riscos da depressão" (Achotegui Loizate, 2005). Não só entre os imigrantes de origem africana, mas também em África, segundo um estudo conduzido pela Organização Mundial de Saúde (WHO) (Sartorius e col., 1996), a depressão tornou-se uma das patologias mentais mais importantes, devido à interacção singular de múltiplas variáveis: urbanização, vulnerabilidade e alterações económicas e políticas, fragmentação identitária, modificação das estruturas hierárquicas "tradicionais" e da ordem social, globalização e aculturação maciças, movimentos migratórios, ruptura de laços familiares, individualismo crescente, etc. São exactamente estas transformações sociais, que marcaram a passagem entre o período colonial e o pós-colonial, que criaram - segundo alguns autores - a experiência da depressão naquele continente, e que estão ligadas ao aumento exponencial desta patologia nos imigrantes africanos (Beneduce, 1995, 1999). A depressão é apresentada portanto como "desordem pós-colonial" (DelVecchio Good e col., 2008) ou "descontentamento com a modernidade" (Comaroff e Comaroff, 1993).
Em particular as alterações sociais repentinas, que caracterizam a contemporaneidade africana, como a urbanização, a migração desde o espaço rural em direcção da cidade, as mudanças económicas, o individualismo e a solidão crescentes, a desaculturação, ou a dissolução da organização social "tradicional", são considerados por muitos autores as causas do advento da depressão em África, ou pelo menos da mudança dos códigos interpretativos e dos idiomas de pessoa e de doença; Zempleni, 1988; Kirmayer, 1994a; Augé, 1997). Seriam estas as premissas necessárias, em qualquer lugar do mundo, à construção da experiência depressiva, do seu léxico, da sua hegemonia cultural e discursiva (Augé, 1977; Zempleni, 1988; Kirmayer, 1994b; Beneduce, 1995).
A construção da depressão como patologia no Ocidente do século XX está ligada a mudanças similares do panorama socioeconómico. Esta desordem tem uma longa tradição no Ocidente - apesar do seu significado social e moral ter mudado drasticamente no curso dos anos - e foi objecto de diferentes estudos históricos (Gaines, 1992; Jadhav e Littlewood, 1994; Jadhav, 2000; Radden, 2000). Jackson (1986) concentrou-se na difícil tarefa de acompanhar o desaparecimento da emoção chamada acídia e o significado da "obsoleta" melancolia, dois conceitos precursores de "depressão" fundamentais na época medieval. Em meados do século XVIII, no Ocidente, começa a existir uma interessante associação entre o facto de sofrer, de se estar triste, melancólico e descontente, com sintomas como a falta de sono e de apetite, fraqueza, perca de vitalidade, força e iniciativa, e a imagem da pessoa romântica, requintada, sensível, e interessante. Ter uma excessiva energia e boa-disposição, um bom apetite e um corpo bem constituído, significava, por contraste, ser uma pessoa vulgar e pouco elegante. Segundo a reconstrução histórica, esta representação começa a mudar na época da Revolução Industrial (Rabinbach, 1990). A energia e a força do trabalho, no interior do pensamento positivista e do sistema capitalista em expansão, começam a ser relacionadas directamente com a produção de riqueza (Lutz, 1991). Começam a "nascer" patologias relacionadas com a falta de energia, assim como a depressão, a neurastenia e, numa segunda fase, a síndroma de fadiga crónica. Ao mesmo tempo, começa a emergir a ideia de "stress" como causa de perturbação mental (Kraepelin, 1921; Leonhard, 1959; Stone, 1985; Pilgrim 2007). A noção de depressão encontrava-se directamente ligada a ideias de pressão, força e energia: no começo do século XX o termo era usado principalmente em meteorologia (áreas de alta e baixa pressão), em economia (a Grande Depressão), em linguística (abaixamento da altura das notas musicais) e em fisiologia (para indicar declínios da curva T do eletrocardiograma ou do sistema imunitário). Se antes a melancolia era protagonizada principalmente pelos homens, e constituía um sentimento bastante valorizado socialmente enquanto sinal de requinte, o correspondente discurso moderno sobre a depressão difere do anterior pelo facto de individuar as mulheres como grupo sofredor, bem como pela representação da síndrome enquanto situação desviante, inadequada, e de natureza médica4.
O questionamento sobre o estatuto ontológico da categoria "depressão" veio a tornar-se particularmente significativo, tendo-se esta patologia afirmado, a partir dos anos cinquenta do século XX e no espaço de uma década, como uma das doenças mais difusas, com o major custo social e, simultaneamente, com um dos mercados farmacêuticos mais prósperos, ainda hoje em contínua expansão. Como relata brilhantemente David Healy no livro The Antidepressant Era (1998), até aos anos cinquenta a depressão não era considerada um problema. Depois da invenção da Cloropromazina e dos serotoninérgicos nessa década, o autor sublinha a reticência dos laboratórios farmacêuticos da época em financiar os estudos clínicos sobre antidepressivos. A companhia farmacêutica suíça Geigy considerava o investimento injustificado, uma vez não existindo mercado para este género de produtos: a depressão era na altura uma patologia demasiado rara. Exactamente trinta anos depois, a situação inverteu-se completamente e o crescimento do mercado de antidepressivos contribuiu para a fragmentação da categoria de depressão em subunidades patológicas mais específicas: distimia, depressão recorrente breve, depressão maior, depressão masculina versus feminina, etc. As companhias farmacêuticas contribuíram para construir a legitimidade do diagnóstico (Koerner, 2002): a "Beat Depression Campaign" do Royal College of Psychiatrists por exemplo, assim como todas as campanhas mundiais promovidas pela World Psychiatric Association para demonstrar a pandemia depressiva (Murray e Lopez, 1997), foram financiadas pelas empresas farmacêuticas (Pilgrim e Rogers, 2005a, 2005b).
Consideremos as estatísticas: em 1958, quando foi descoberto o primeiro antidepressivo, a depressão afectava uma média de cinquenta pessoas por milhão; em 1970 o número dos afectados era estimado pelo psiquiatra Heinz Lehmann como de 100 milhões no mundo inteiro e em 1980 ultrapassava um milhão somente na França. As vendas de Prozac ultrapassam actualmente as dos sapatos Nike. Até em países onde parecia não constituir uma preocupação sanitária, a depressão se tornou uma patologia importante, e prevê-se que venha a ser, dentro de poucos anos, o problema de saúde mais significativo do continente africano. Segundo alguns autores, esta constatação trata-se de uma distorção evidente, servindo para desviar a atenção de problemas mais sérios em nível global, como as violações e negações de direitos humanos, políticas migratórias inflexíveis, fome, miséria e pobreza (Higginbotham e Marsella, 1988; Murray e Lopez, 1997; Summerfield, 2004).
A incidência elevada da depressão em África e em imigrantes africanos é especialmente impressionante face à sua inexistência nos cânones da psiquiatria transcultural clássica. O debate sobre a designada black depression, um tema clássico da psiquiatria cultural, discutia precisamente a inexistência desta patologia nos africanos5. A ideia desta ausência estava obviamente ligada à ideologia colonial, que afirmava a "verificação científica" da inferioridade biológica e espiritual dos povos subjugados. Médicos e psiquiatras coloniais argumentavam pela ausência de depressão em África devido à alegada simplicidade da mente negra, expressão de estruturas cerebrais menos evoluídas. Nos relatórios psiquiátricos da época encontramos a convicção de que o "negro" não conhece a depressão por ser pouco auto-consciente, imaturo, ter falta de integração pessoal e sentido de responsabilidade, ter uma afectividade infantil, ser dominado por instintos pueris, despreocupado com o futuro e ancorado à imediação do presente (McCulloch, 1995; Collignon, 1997; Beneduce, 1999, 2002; Fassin, 2000). O homem africano pareceria portanto "naturalmente" protegido contra o desenvolvimento desta síndroma6, sendo o sofrimento moral considerado uma prerrogativa reservada aos brancos, cristãos, civilizados e cultos. Nas origens da psiquiatria transcultural encontram-se diferentes trabalhos destinados a demonstrar o desprovimento psíquico dos africanos, supostamente encerrados num estado evolutivo biológico inferior ao europeu. Será portanto compreensível que, em reacção à violência hermenêutica destas teses - e das práticas que justificavam, como a escravidão e a colonização - a psiquiatria africana se empenhe em defender a tese oposta: que também os africanos possuem uma psique e a exploram em profundidade, que também eles adoecem existencialmente e se deprimem. A leitura de trabalhos destinados a demonstrar esta existência de um typus melancholicus africanusdeixa a sensação de se ter contudo atingido um resultado exagerado, extremado em relação ao pretendido. A fim de demonstrar que os africanos não seriam inferiores aos europeus, começou a ser defendida a tese de que todos sentiam emoções e mal-estares exactamente como os europeus: primeiro a melancolia, mais tarde a depressão. As pesquisas internacionais sobre a epidemiologia da depressão evidenciaram as dificuldades em estabelecer critérios diagnósticos estáveis e gerais (Marsella e col., 1985). Os mesmos autores chegaram a admitir que os critérios da definição da experiência e fronteiras da patologia se alteravam sensivelmente com as mudanças do panorama histórico e político.
O período da independência dos países africanos marca a passagem à existência da depressão em África, especialmente devido à mudança dos códigos interpretativos dos psiquiatras (entram em cena os sintomas depressivos "indirectos" ou "mascarados"), aos efeitos da urbanização, e ao prestígio crescente reconhecido às experiências depressivas. Como ilustração, considere-se que Thomas A. Lambo escrevia em 1956 não existirem "depressões psicóticas clássicas" em África, apenas para declarar em 1960 que muitos dos africanos eram deprimidos (Lambo, 1960). No âmbito de uma revisão da literatura sobre o tema, os catorze artigos relativos a África editados antes de 1957 referiam não existir um único caso de depressão; enquanto os vinte publicados entre 1957 e 1965 a apresentavam pelo contrário como um distúrbio muito frequente. Em particular, nos primeiros relatos da época a depressão aparece encarada como patologia característica das pessoas "civilizadas", "ocidentalizadas": "Todos os nossos pacientes deprimidos eram ocidentalizados... Não encontramos casos de depressão em populações primitivas... O suicídio é raríssimo nas comunidades primitivas porém não é invulgar nos africanos ocidentalizados" (Lambo, 1960). Por contraste, depois do período da independência: "observamos muito frequentemente casos de depressão" (Lambo, 1960). O que aconteceu durante aquela década? Esta mudança tão drástica do quadro epidemiológico pode ter interpretações diferentes: desordem tipicamente pós-colonial, maior cuidado diagnóstico, resultado da globalização crescente das categorias psiquiátricas euro-americanas, perturbação devida à urbanização repentina das comunidades africanas ou ligada ao incentivo das empresas farmacêuticas (Del Vecchio Good e col., 2008; Kirmayer e Minas, 2000). Entre os possíveis factores responsáveis pela aparição da depressão em África, podemos considerar a questão do prestígio e requinte associado à imagem da pessoa melancólica, a imposição de novas hegemonias discursivas e desaparecimento de outras, e a ocidentalização progressiva das nosologias.
Naquela década foi portanto atingido um consenso entre os psiquiatras - mesmo baixando o nível de coerência epistemológica (chegando a permitir a classificação como depressão, por quanto "mascarada", de experiências vivenciadas e explicadas pelos indivíduos de formas distintas) - sobre a alta prevalência dos distúrbios depressivos também em África, ainda que dissimulados. São particularmente interessantes, neste sentido, as Actas do Symposium Régional de Psychiatrie et Culture, organizado em 1981 pela Association Mondiale de Psychiatrie e pela Société de Psychopathologie et d'Hygiène Mentale de Dakar. A parte central do simpósio - editado na revista Psychopathologie Africaine - foi dedicada às observações dos psiquiatras africanos sobre a grande incidência da depressão em África a partir da década sobre citada (Collignon, 1981), e à sua fervorosa reivindicação da capacidade de depressão dos africanos. Podemos interpretar este posicionamento como uma reacção a representações coloniais que justificavam a ausência daquela patologia com uma deficiência neurológica, psicológica e cultural dos negros. Estes psiquiatras foram obviamente formados nas universidades europeias, e suas pesquisas sobre depressão tiveram o financiamento das companhias farmacêuticas, tendo sido justificadas pela rápida difusão nos seus países dos fármacos antidepressivos. O mesmo simpósio foi precisamente financiado pelas indústrias Janssen-Le Brun, Spécia e Squibb, produtoras de antidepressivos de ampla difusão protagonistas no mercado africano. Outros autores ligaram o advento da depressão em África nos anos sessenta aos interesses e investimentos das empresas farmacêuticas em novos mercados. A discussão sobre a existência da depressão "negra" deve ser interpretada no interior do mais amplo quadro político-económico, outrora enquanto forma de legitimar a empresa colonial, e no presente como meio de justificar novas formas de imperialismo. É impossível compreender a relevância desta diatribe sem reflectir sobre a relação entre dimensões clínicas, higienistas, assistencialistas e humanitárias por um lado, e projectos de sujeição, dominação e controlo por outro, realizados por meio de saberes "dominantes" como o médico e o psiquiátrico. A insistência obstinada na presença da depressão africana, ou a demonstração da sua ausência através da reificação da categoria como doença, falham ao não considerar os indivíduos nas suas dimensões sociais e históricas, ignorando igualmente os interesses macroeconómicos e políticos ligados (outrora) ao projecto colonial e (no presente) ao humanitarismo pós-colonial7,ou às receitas do mercado farmacêutico.
Em 1951, foi descoberta a Iproniazida, e, em 1957, a Impramina, os primeiros fármacos antidepressivos inibidores da monoaminoxidase (entretanto descontinuados pelos seus efeitos secundários graves no fígado). O momento da descoberta e da comercialização em vasta escala destes fármacos coincide exactamente com o momento da descoberta da depressão em África, sublinhando o laço estreito entre diagnósticos e medicamentos disponíveis. Por outras palavras, os laboratórios e as indústrias farmacêuticas não procuraram somente a chave certa para a fechadura, mas impuseram a forma da fechadura na qual aplicar a chave. Emily Martin (2006), num artigo brilhante sobre a economia moral e o contexto emocional que acompanhou a descoberta e a difusão dos antidepressivos nas décadas entre 1950 e 1970, indica ainda uma vez 1957 como o ano que marcou a imposição à escala do globo da patologia "depressão" e dos fármacos para a tratar. Esse ano viu, com efeito, ser organizado em Milão um grande encontro da comunidade científica "psi" internacional para falar da eficácia das drogas psicoactivas no alívio do mal-estar emocional. O evento teve suficiente importância para ser repetido no ano seguinte em Roma, na presença do Papa, que expressou publicamente a apreciação pelas virtudes da psicofarmacologia para curar a dor moral e a sua esperança da disponibilização destes recursos em escala mundial (Healy, 1996, p. 82).
Um exemplo entre muitos: quando em 1961 a indústria farmacêutica Merck começou a vender a Amitriptilina, um antidepressivo da família dos tricíclicos, comprou cinquenta mil cópias do livro editado no mesmo ano pelo psiquiatra Frank Ayd Jr., Recognizing the Depressed Patient, para as distribuir gratuitamente em todo o mundo. Neste livro, o autor convidava o leigo a identificar diferentes sintomas e mal-estares com a categoria da depressão. O livro foi traduzido em doze línguas e foram feitas campanhas para ensinar aos profissionais das áreas da psique a diagnosticar a depressão (Healy, 1996, p. 99). Foi pela primeira vez vendida à escala global, juntamente com o fármaco, também a ideia da doença para que era indicado. A partir daí, começou a ser distribuída uma profusão de material informativo sobre a definição e sintomas de reconhecimento da depressão, e milhões de dólares são gastos cada ano na divulgação deste género de informação em todo o mundo (Wazana, 2000).
A maior parte destes opúsculos (que podem encontrar-se facilmente, e em todas as línguas, juntamente com os testes autodiagnósticos, por exemplo na Internet), é construída em dois níveis: o primeiro (familiar ao leitor) reporta contos simples de experiências vividas e de situações familiares, económicas e sociais degradadas; o segundo fornece explicações clínicas de especialistas e faz corresponder ao caso particular uma subcategoria específica de depressão. O utente aprende então que o que ele chamava tristeza, mal-estar, infelicidade, saudade, e por aí fora, merece um outro idioma: aprende, por outras palavras, a dar ao seu sofrimento um formato clínico adequado (Pignarre, 2001, p. 279-80). É a mesma dinâmica que constrói em simultâneo os antidepressivos, a depressão enquanto categoria, uma linguagem própria para exprimir o sofrimento, e os pacientes deprimidos.
A visibilidade que ganhou assim a depressão tornou-a numa categoria disponível para encaixar qualquer tipo de mal-estar, quer do ponto de vista dos técnicos de saúde como do dos pacientes. Durante a pesquisa num serviço de atendimento psicológico para imigrantes, escutei muitas vezes conversas sobre depressão, em diferentes termos e com tónicas diversas. Por exemplo, J.M., imigrante guineense, relatava ao médico: "a minha vida é difícil, não tenho amigos nem uma mulher... sinto-me sozinho... estou aqui porque às vezes sinto-me um pouco deprimido na hora do almoço e do jantar, porque como sozinho e à noite, porque não tenho ninguém perto". O próprio paciente identificava o seu sentimento de solidão em termos clínicos, assim como W.N., mulher marroquina que - em resposta às perguntas de um etnopsiquiatra que a estimulava a falar dos espíritos "djinn" - declarava: "eu também pensei nisso, mas como vi o cartaz na sala de atendimento com a lista dos sintomas já sei que se trata de depressão, e portanto queria os comprimidos para me tratar".
Numa ilustração da situação oposta, L.K., uma mulher guineense em situação ilegal, sem abrigo após a perda da casa e do trabalho, tinha sido encontrada alcoolizada a dormir na rua e coercivamente conduzida ao serviço. Ela relatava aos médicos a sua história complexa de perdas e fracassos recorrendo ao léxico da feitiçaria, lamentando a persistência de dores de barriga e a falta de fluxo menstrual devidas a uma acção ritual de que teria sido vítima (descreve ter sido "ligada" - um sortilégio vegetal que consiste em folhas ligadas para gerar diferentes malefícios). A sua narrativa era interrompida por frequentes crises de choro, especialmente ao revelar que a situação de completa precariedade habitacional e laboral em que se encontrava lhe havia custado a tutela dos filhos. O abuso de substâncias, aliado a um comportamento julgado disfuncional - ao ponto de se ter tornado sem-abrigo - e acompanhado pelos sintomas que relata (de tristeza e de impotência para mudar a situação), contribuiu para a afirmação de um diagnóstico de depressão. L.K. pedia a prescrição de medicamentos para a enxaqueca insistente que a atormentava, tendo sido antes tratada farmacologicamente com antidepressivos, sem considerar possíveis estratégias para melhorar a sua situação do ponto de vista económico e social. Segundo os médicos entrevistados, o antidepressivo será indispensável ao paciente para suportar esta fase difícil da sua vida, assim como para prevenir desordens mais sérias. Este caso é um dos diversos casos semelhantes acompanhados durante o meu trabalho de campo, onde os pacientes relatando situações de dificuldade, precariedade, medo e discriminação encontraram como única resposta um diagnóstico psiquiátrico e uma solução farmacológica.
Num último caso entre múltiplos, J.A., um rapaz guineense de 18 anos, foi conduzido directamente ao hospital psiquiátrico após ser encontrado pela policia completamente alcoolizado, drogado e incapaz de um discurso coerente, num bairro problemático da cidade. O rapaz, entre muita resistência, acabou por admitir o consumo habitual de drogas leves e álcool. Os país, chegados após algumas horas ao serviço hospitalar, confirmaram preocupados a situação de mal-estar do filho, irritável, desafiando a autoridade paterna com comportamentos inconvenientes, reprovado na escola e bastante desmotivado para continuar, frequentador de companhias preocupantes, investindo muito tempo em jogos de vídeo violentos, e manifestando excesso de apetite, sobretudo por junk food. Ele negou boa parte das acusações, reclamando a maioridade, a autonomia em relação aos pais nas companhias que escolhia frequentar, e o desinteresse em prosseguir com os estudos. Os médicos diagnosticaram-lhe uma depressão severa, mesmo face à sua negação de sensações de tristeza ou fracasso. Neste caso, a patologia ter-se-ia revelado pela linguagem não verbal, os movimentos corporais lentos, as queixas somáticas (dor de cabeça), os silêncios e pausas julgados excessivos antes de responder, a fraca concentração durante o discurso do psiquiatra, o nervosismo crescente, e a tentativa final de minimizar ou justificar os sintomas. Apesar da sua resistência, foi tratado com antidepressivos e internado para afastar a suspeita de uma patologia mais séria. Dias depois, a mãe explicava aos médicos o contexto social da família, relatando uma série complexa de problemas económicos e legais que teriam contribuído - na sua opinião - para que o filho se envolvesse no mercado da droga. Por entre muitas lágrimas, lamentava como tudo isso lhe causava um sofrimento profundo, enraizado no próprio corpo. Indicava as zonas doridas, falava do sono perdido devido à preocupação com o filho e os problemas laborais do marido, e de desmaios frequentes. Também ela foi considerada deprimida, e este diagnóstico veio confirmar a suspeita de uma componente genética (ligada à história familiar) na desordem do filho. Os dois foram considerados predispostos para a doença, assim resultante de uma inclinação inata, determinada por factores hereditários e bioquímicos, para um défice funcional dos neurotransmissores, gerando um distúrbio na neurotransmissão central. A "culpa" da situação recairia então de alguma forma sobre a mãe - implicando uma série bastante grave de consequências familiares8.
Por outras palavras, a atenção é focada na saúde mental do indivíduo, desviando-a de problemas sociais de difícil resolução, que necessitariam de respostas económicas e políticas (Horwitz, 2002; Horwitz e Wakefield, 2007). O tratamento farmacológico do sofrimento, entendido como fenómeno orgânico, é considerado o único caminho possível, silenciando os processos históricos, políticos e socioeconómicos que lhe estão na base. O aspecto mais espectacular da globalização Ocidental, no que diz respeito à medicalização das situações de desfavorecimento social, é o conjunto de discursos sobre a depressão e o trauma, conceitos que transformaram uma condição humana (sofrer) numa condição clínica (sofrer de uma patologia) (Rechtman, 2002; Summerfield, 2004). A psiquiatria acaba assim por neutralizar críticas, desafios, resistências e dissidências políticas como disfunções mentais individuais, oferecendo tratamentos farmacológicos a sujeitos que, afinal, estão a exprimir a dor de um sistema socioeconómico e político ele próprio disfuncional (Kirmayer, 2006). Na opinião do psiquiatra Joseba Achotegui Loizate (2005), assim como de muitos dos clínicos que entrevistei, a depressão nos imigrantes tem obviamente causas sociais, ligadas nomeadamente ao endurecimento progressivo das políticas migratórias. Todavia, afirma Achotegui, "isto escapa à responsabilidade e às possibilidades dos profissionais de psiquiatria". A solução que ele propõe é antes do tipo paliativo: o apoio farmacológico para reduzir ou analgizar o sofrimento dos imigrantes, onde não é possível mudar as condições de base. É o que acontece com os imigrantes, assim como com os muitos "desfavorecidos" dos países em via de desenvolvimento: a WHO (2001) considera de facto problemas políticos e económicos como a pobreza, violência, discriminação e desigualdades sociais enquanto preocupações prevalentemente psiquiátricas, às quais a resposta passaria por novos serviços de saúde mental e tratamentos farmacológicos em ampla escala, nomeadamente ao nível da prevenção do mal-estar (Desjarlais e col., 1995).
A medicalização massiva destas condições sociais críticas, por meio da categoria de "depressão", é posta em prática através de programas globais como os da WHO Nations for Mental Health, programa financiado pela Eli Lilly, GlaxoSmithKline e outras empresas farmacêuticas (Kirmayer, 2002). Tratar o problema no indivíduo como algo farmacologicamente curável é concentrar-se na ponta do icebergue, contribuindo para manter e reproduzir estruturas já existentes de desigualdade social. Se a depressão é a patologia dos imigrantes e dos excluídos em geral, é porque se trata, usando uma expressão de Paul Farmer (2003), de uma patologia do poder, isto é, produzida por condições sociais caracterizadas por profundas desigualdades. E resumir, a uma patologia, os efeitos de processos socioeconómicos reproduz aquela violência simbólica por meio da qual cada ordem social tenta esconder, justificar, legitimar e naturalizar todo o sofrimento que é imposto aos indivíduos como preço de pertença àquela ordem. Esta medicalização dos problemas sociais acaba por despolitizar o que intrinsecamente seria um problema político, legitimando e mantendo o statu quo. Assim, o que requereria uma resposta colectiva torna-se um problema individual. Vicente Navarro afirma que as situações concebidas pelos profissionais de saúde como distúrbios mentais são antes, muitas vezes, resultado de uma distribuição fundamentalmente desproporcionada dos recursos socio-económicos em nível global. Contudo, em vez de contestar o sistema em vigor, os clínicos concentram-se antes nos corpos individuais (Navarro, 1986, p. 40)9. Parece que tanto na opinião dos técnicos entrevistados, como nos relatórios da OMS, a forma melhor de lidar com sujeitos desfavorecidos ou marginalizados seria oferecer-lhes o acesso aos serviços de saúde mental e disponibilizar-lhes o tratamento farmacológico. Este argumento é particularmente evidente no caso dos antidepressivos, vistos como "fármacos sociais", "que ajudam o paciente a inserir-se positivamente na sociedade", "que evitam a exclusão e o isolamento", "que permitem enfrentar melhor situações difíceis", ou "que sintetizam a promessa de uma melhor inserção social".
O relatório de Narayan e colaboradores (1999) emprega as noções "marginal" e "marginalização" para descrever a exclusão social e a discriminação, especificando que em relação aos cuidados de saúde é considerado "marginal" quem não tem acesso aos fármacos (Narayan e col, 1999, p. 87-8, 96, 113). Marginalização, pobreza, exclusão e falta de esperança ("hopelessness") são considerados neste relatório virtualmente como sinónimos (Narayan e col, 1999, p. 35). A inclusão do termo hopelessness para descrever a experiência individual da marginalidade social não é contudo casual: como sublinham alguns autores, a "marginalidade" está associada a elevadas taxas de depressão. O estado deprimido é sintomático da liminaridade social, assim como a sua permanência sem cura é um sintoma de exclusão dos cuidados de saúde. A conclusão do relatório é de que todos os "marginais", quer os pobres urbanos, como os imigrantes, como também os habitantes de países em desenvolvimento, deveriam ter acesso directo e imediato aos fármacos antidepressivos. Remover os sintomas da depressão implicaria, nessa óptica, contribuir para a eliminação da marginalidade social, e vice-versa (Dumit, 2003). Fornecer uma substância psico-activa aos indivíduos marginalizados parece ser, segundo este relatório, a forma mais eficaz de auxiliar a sua integração. É neste sentido que Stefan Ecks (2005) fala de "pharmaceutical citizenship" referindo-se ao poder dos antidepressivos para "des-marginalizar" os indivíduos que manifestam perturbações do humor ligadas a um "sofrimento social".
Vale a pena citar um relatório do Conselho Americano de Bioética, intitulado "Beyond Therapy: Biotechnology and the Pursuit of Happiness" (2003)10, no qual se caracteriza a procura da felicidade enquanto direito humano básico, fundamental para o bem-estar psico-físico do indivíduo (p. 203), tornando por conseguinte uma prioridade tratar a depressão à escala global, prestando particular atenção aos sectores desfavorecidos, mais atingidos pela patologia (p. 240). Uma revisão do material de propaganda disponível na Internet, assim como nas revistas especializadas e nos cartazes informativos distribuídos em muitos centros clínicos, torna clara a associação implícita entre a prescrição de fármacos antidepressivos e a promessa da reintegração social, do sucesso pessoal, e da felicidade. A este respeito, as imagens que acompanham o material de propaganda são elucidativas, representando famílias felizes em paisagens bucólicas, casais sorridentes de namorados, ou indivíduos com postura profissional e bem sucedida, incorporando ideais de equilíbrio, serenidade e harmonia, e promessas de reintegração social, familiar, e de retorno à capacidade produtiva. Entre os motes publicitários mais comuns sobressaem: "Mantém activo o homem moderno"; "Recupera o que estava perdido, recupera o equilíbrio"; "Equilíbrio Restabelecido, Actividade Preservada"; "Olhando o mundo sem medo"; "Uma luz para guiar os seus pacientes"; "A alegria, da forma mais pura", etc. Nos termos do psiquiatra Joelson Tavares Rodrigues: "as indústrias farmacêuticas não pretendem, com as suas propagandas, meramente informar sobre as características e vantagens dos seus produtos; muito mais do que isso, existe a intenção de vender a ideia de que a medicação pode restaurar o equilíbrio, dar ao indivíduo condições para ter uma vida produtiva, reintegrá-lo plenamente na sociedade, proporcionar-lhe alegria e sentido" (2003).
Segundo a interpretação de muitos autores, esta reconfiguração de problemas sociais em termos psicopatológicos sustenta os interesses da indústria farmacêutica (Kirmayer, 2002; Bhugra e Mastrogianni, 2004; Ecks, 2005; Applbaum, 2006). Nas palavras de Kirmayer (2006), o mercado farmacêutico e os psiquiatras trabalham de mãos dadas para estabelecer a hegemonia de uma leitura clínica da situação precária dos imigrantes e habitantes dos países em desenvolvimento.
Em particular, a introdução de uma patologia específica para designar o mal-estar dos imigrantes, a já referida Síndroma de Ulisses - a ser tratada, naturalmente, com fármacos antidepressivos - cria uma sobreposição entre a experiência migratória e a doença mental, patologizando uma condição socioeconómica.
Mesmo admitindo que possa encontrar-se fragilizado devido à dureza do acolhimento, nomeadamente aos níveis político e económico, o imigrante não é por si psicologicamente instável. Tratar a condição de sofrimento dos imigrantes ilegais - assim como outros indivíduos socialmente desfavorecidos - concentrando a intervenção somente na saúde mental individual serve para naturalizar e despolitizar a doença como algo que ocorre no indivíduo, desviando a atenção do cenário mais amplo de "violência estrutural" (Farmer, 2003)11. Utilizo aqui este conceito em bruto - ainda que este pudesse beneficiar de alguma elaboração, diversificação, e talvez até redefinição - para sublinhar como até mesmo actos ligados a intentos filantrópicos e humanitários podem constituir uma forma de violência. Assim, a intervenção médica para "ajudar" e "curar" os imigrantes - mitigando os excessos e orientando os comportamentos, ou ainda anestesiando a dor da marginalidade - é considerada legítima enquanto direccionada para o bem-estar psico-físico-social dos pacientes, sem que sejam colocadas em causa as implicações políticas destas acções de auxílio. A sobreposição entre protecção, cura, acção pedagógica, assimilação, imposição de valores morais e controlo constitui uma das dinâmicas fundamentais da intervenção médica e social, para além de oferecer vantagens significativas para os que trabalham no sector da assistência psico-social (Rose e Miller, 1992; Rose, 1999).
Diferentes autores se têm empenhado em evidenciar as ligações complexas entre violência, sofrimento, controle e poder, entre as quais lembramos noções como a de "violência simbólica" de Bourdieu (2000), a de "cultura do terror" de Taussig (1986, 1992), de "violência do quotidiano" de Scheper-Hughes (1996), de "sofrimento social" de Kleinman e colaboradores (1997), ou de "biopoder" de Foucault (1978). O que diferencia a definição proposta por Farmer das restantes é a sua formulação enquanto instrumento teórico, método de pesquisa e imperativo ético. A eficácia do conceito, como argumentam outros autores (Brendan, 2005; McBride, 2007), está na sua capacidade de tornar visíveis as dinâmicas sociais (e portanto também económicas, políticas e históricas) da violência e da marginalização.
Seriam então os mecanismos por meio dos quais as forças sociais são incorporadas em eventos biológicos e patologias, evidenciados por muitos dos autores na área da antropologia médica, o foco adequado para a intervenção, permitindo potenciar a capacidade de acção dos sujeitos pela promoção dos seus próprios direitos, não só civis e políticos, como também sociais e económicos. Neste sentido, o empenho da antropologia que aqui defendo não consistiria somente numa análise desses mecanismos geradores do sofrimento, mas também na intervenção não limitada à medicina, antes acima de tudo social, económica e política. Se o cunho crítico do meu trabalho reclama uma intervenção social, é verdade que um envolvimento activo implicaria, por outro lado, a mobilização de forças e interesses sociais que escapam ao controlo do antropólogo ou do psiquiatra. Mas a este respeito, gostaria de concluir citando uma frase elucidativa de Bourdieu:
Analisar os mecanismos que tornam a vida dolorosa, até insustentável, não significa neutralizá-los; fazer emergir as contradições não significa resolvê-las. Mas, porquanto se possa ser céptico acerca da eficácia social da mensagem sociológica, não podemos diminuir o efeito que esta pode ter, isto é, de permitir aos que sofrem a descoberta das possíveis causas sociais, colectivamente ocultadas, do próprio sofrimento, e assim, de se libertar de uma culpa e de uma responsabilidade individual (Bourdieu, 1993, p. 1453).
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Recebido em: 20/09/2008
Aprovado em: 13/12/2008
Aprovado em: 13/12/2008
1 Esta perspectiva própria da psiquiatria americana a partir da década de 1970, acompanhada da intervenção farmacológica massificada e do uso do DSM à escala mundial, concorreu para anular as variáveis culturais: a sintomatologia, a patologia, e a etiologia foram consideradas constituintes de um único sistema coerente, e o sinal da patologia (o sintoma) o pretexto para percorrer a única estrada possível (o modelo biomédico) naquele sistema.
2 Os técnicos de saúde justificavam a alta incidência da depressão nos imigrantes baseando-se em estudos epidemiológicos que apontavam para um aumento exponencial da patologia em geral, e entre os sectores marginais da população em particular.
3 World Health Report 2001. O processo migratório, segundo alguns autores, reúne sete factores de perda: da família e dos amigos, da língua, da cultura, da casa, da posição social, do contacto com o grupo étnico e religioso, juntamente com uma maior exposição a riscos físicos. Esta série de perdas é experienciada como um luto e origina depressão e ansiedade (Desjarlais e col., 1995; Bibeau, 1997; Murray e Lopez, 1997; Kirmayer e Minas, 2000; Persaud e Lusane, 2000).
4 Esta mudança poderia estar relacionado com o processo geral de medicalização e normalização que caracteriza, na análise de Foucault (1978), a Idade Moderna.
5 Por quanto seja impossível, no espaço limitado deste capítulo, explorar com profundidade esta controvérsia, quero todavia levantar algumas questões que evidenciam a impossibilidade de se imaginar qualquer forma de sofrimento independentemente das dinâmicas sociais e dos interesses políticos e económicos que a constroem, produzem, reconhecem e nomeiam. A interrogação certa aqui não é a da existência ou não da depressão nos africanos, mas a de como e porquê se produzem novas hegemonias discursivas e novos interesses que se sobrepõem a outros, que se modificam ou desaparecem.
6 Diversas pesquisas identificaram também a ausência de designação para este distúrbio nas línguas africanas e a existência de uma organização social comunitária e coesa como provas da ausência da depressão no continente africano. Outros autores sustentaram que a depressão poderia ser mascarada por distúrbios somáticos e neurovegetativos sem causas orgânicas: o psiquiatra Leff, por exemplo, afirmava que em África as experiências emocionais se manifestariam como perturbações somáticas dada a incapacidade dos africanos em exprimir-se segundo um código psicológico, devido ao seu nível de atraso material e intelectual (Leff, 1981).
7 Uma das formas de imperialismo moderno é a que foi designada "intenção filantrópica", suportada pela ideia de modernizar, educar, curar, administrar corpos, desenvolver, instruir e civilizar (Said, 1993).
8 Descobriu-se mais tarde, através de entrevistas fora do hospital, que ela era a segunda esposa do seu marido, e que os filhos nascidos da primeira mulher nunca haviam desiludido o pai, conseguindo acabar os estudos. Este diagnóstico veio confirmar suspeitas e preocupações que a primeira esposa já alimentava há muito tempo sobre a nova mulher do marido: de que ela teria uma doença genética, transmitida ao filho, que estaria na base de todos os seus problemas.
9 Antropólogos médicos a trabalhar sob a perspectiva da economia política afirmam que a compreensão de desordens como, por exemplo, o abuso de álcool ou a depressão tornaria necessária a consideração das condições históricas e materiais mais amplas que produzem estes comportamentos, assim como das desigualdades raciais, de classe e de género. Cf. Morsy, 1990, Singer e col., 1992; Singer e Baer, 1996, Navarro, 2002, 2004.
10 O relatório foi definido também "relatório Kass", seguindo o nome do "chair" da mesa, Leon Kass.
11 Michael Taussig referiu-se à "construção clínica da realidade" para indicar o processo de reificação através do qual relações humanas e questões sociais e económicas são objectivadas enquanto factos orgânicos (1980). No seu último trabalho Peter Conrad, abordando o tema da depressão, fala explicitamente de individualização e biologização de problemas sociais através de uma excessiva medicalização da sociedade.
2 Os técnicos de saúde justificavam a alta incidência da depressão nos imigrantes baseando-se em estudos epidemiológicos que apontavam para um aumento exponencial da patologia em geral, e entre os sectores marginais da população em particular.
3 World Health Report 2001. O processo migratório, segundo alguns autores, reúne sete factores de perda: da família e dos amigos, da língua, da cultura, da casa, da posição social, do contacto com o grupo étnico e religioso, juntamente com uma maior exposição a riscos físicos. Esta série de perdas é experienciada como um luto e origina depressão e ansiedade (Desjarlais e col., 1995; Bibeau, 1997; Murray e Lopez, 1997; Kirmayer e Minas, 2000; Persaud e Lusane, 2000).
4 Esta mudança poderia estar relacionado com o processo geral de medicalização e normalização que caracteriza, na análise de Foucault (1978), a Idade Moderna.
5 Por quanto seja impossível, no espaço limitado deste capítulo, explorar com profundidade esta controvérsia, quero todavia levantar algumas questões que evidenciam a impossibilidade de se imaginar qualquer forma de sofrimento independentemente das dinâmicas sociais e dos interesses políticos e económicos que a constroem, produzem, reconhecem e nomeiam. A interrogação certa aqui não é a da existência ou não da depressão nos africanos, mas a de como e porquê se produzem novas hegemonias discursivas e novos interesses que se sobrepõem a outros, que se modificam ou desaparecem.
6 Diversas pesquisas identificaram também a ausência de designação para este distúrbio nas línguas africanas e a existência de uma organização social comunitária e coesa como provas da ausência da depressão no continente africano. Outros autores sustentaram que a depressão poderia ser mascarada por distúrbios somáticos e neurovegetativos sem causas orgânicas: o psiquiatra Leff, por exemplo, afirmava que em África as experiências emocionais se manifestariam como perturbações somáticas dada a incapacidade dos africanos em exprimir-se segundo um código psicológico, devido ao seu nível de atraso material e intelectual (Leff, 1981).
7 Uma das formas de imperialismo moderno é a que foi designada "intenção filantrópica", suportada pela ideia de modernizar, educar, curar, administrar corpos, desenvolver, instruir e civilizar (Said, 1993).
8 Descobriu-se mais tarde, através de entrevistas fora do hospital, que ela era a segunda esposa do seu marido, e que os filhos nascidos da primeira mulher nunca haviam desiludido o pai, conseguindo acabar os estudos. Este diagnóstico veio confirmar suspeitas e preocupações que a primeira esposa já alimentava há muito tempo sobre a nova mulher do marido: de que ela teria uma doença genética, transmitida ao filho, que estaria na base de todos os seus problemas.
9 Antropólogos médicos a trabalhar sob a perspectiva da economia política afirmam que a compreensão de desordens como, por exemplo, o abuso de álcool ou a depressão tornaria necessária a consideração das condições históricas e materiais mais amplas que produzem estes comportamentos, assim como das desigualdades raciais, de classe e de género. Cf. Morsy, 1990, Singer e col., 1992; Singer e Baer, 1996, Navarro, 2002, 2004.
10 O relatório foi definido também "relatório Kass", seguindo o nome do "chair" da mesa, Leon Kass.
11 Michael Taussig referiu-se à "construção clínica da realidade" para indicar o processo de reificação através do qual relações humanas e questões sociais e económicas são objectivadas enquanto factos orgânicos (1980). No seu último trabalho Peter Conrad, abordando o tema da depressão, fala explicitamente de individualização e biologização de problemas sociais através de uma excessiva medicalização da sociedade.
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