sábado, 17 de maio de 2014

Efeitos in vitro da cafeína na cartilagem de crescimento de ratos



Amanda Maria Sena Reis; Raquel Viana Raad; Natália de Melo Ocarino; Rogéria Serakides
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil



RESUMO
OBJETIVO: Avaliar os efeitos in vitro da cafeína na proliferação, apoptose e expressão de transcriptos gênicos de diferenciação condrogênica na cartilagem de crescimento.
MÉTODO: As epífises cartilaginosas de fêmures de ratos neonatos foram divididas em dois subgrupos: os tratados com cafeína e o grupo controle, ambos observados nos tempos de 0, 7, 14 e 21 dias. As epífises cartilaginosas de fêmures de cada subgrupo e de cada tempo foram submetidas à histomorfometria, análise imunoistoquímica, técnica de túnel e RT-PCR em tempo real.
RESULTADO: A diminuição da atividade proliferativa e o aumento de condroblastos em apoptose aos 21 dias foram encontrados em ambos os subgrupos. Entretanto a diminuição da proliferação celular causada pela cafeína foi menor quando comparada ao grupo controle e aumentou significativamente a expressão de transcriptos gênicos para diferenciação condrogênica, representada pelo SOX-9 e pelo RUNX-2. Entretanto o cultivo in vitrocom cafeína demostrou efeitos antagônicos: apesar dos efeitos positivos na proliferação e diferenciação de condroblatos, cafeína aumentou a apoptose, caracterizada pelo aumento da expressão de caspase-3 e do numero de células em apoptose (p< 0.05).
CONCLUSÃO: A cafeína apresenta efeitos antagônicos in vitro na cartilagem em crescimento, aumentando a proliferação, diferenciação e apoptose celular. Estudo experimental.
Descritores: Cafeína. Cartilagem. Proliferação de células. Diferenciação celular. Apoptose.



INTRODUÇÃO
A cafeína é uma metilxantina encontrada em diversos alimentos, sendo amplamente consumida pela população humana. Por isso, vários dos seus efeitos e mecanismos têm sido amplamente estudados em diversos tecidos. Mas, apesar de alterar o crescimento ósseo pós-natal, há poucos estudos sobre seu efeito nas cartilagens de crescimento. No osteoblasto, a cafeína atua negativamente, reduzindo a viabilidade celular e aumentando a apoptose dessa célula, além de diminuir a síntese protéica e a expressão de genes como o colágeno, fosfatase alcalina, osteocalcina, osteopontina, histona e CBFA1/RUNX2.1-4 Devido a esses efeitos no osso, a cafeína é considerada um fator de risco para a osteoporose e para a doença periodontal.5 No entanto, embora, existam vários estudos que analisaram os efeitos in vitro desse xantina sobre as células ósseas, ainda há carência de informações sobre os efeitos in vitro da cafeína nas células cartilaginosas de indivíduos em crescimento. O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos in vitro da cafeína sobre a proliferação, apoptose e expressão de transcriptos gênicos da diferenciação condrogênica na cartilagem de crescimento.

MATERIAIS E MÉTODOS
Foram utilizadas as epífises cartilaginosas de 80 fêmures de ratos Wistar neonatos, que foram divididas em dois grupos, ou seja, cultivado com cafeína na dose de 2 mMol (Sigma-Aldrich, St. Louis, MO, USA) e controle nos tempos 0, 7, 14 e 21 dias. As epífises cartilaginosas de quatro fêmures de cada grupo e de cada tempo foram submetidas ao exame histomorfométrico, imunoistoquímico para avaliação da proliferação celular e da técnica de túnel, para avaliação da apoptose. As epífises cartilaginosas de seis fêmures foram submetidas aos ensaios de RT-PCR em tempo real para avaliação da expressão de caspase-3, Forward 5'TGGAG GAG GC TGACCGG-CAA'3 e reverse 5' CTCTGTACCTCGGCAGGCCTGAAT'3; Runx-2, Forward 5' GCGT CAACA CCATCATTCTG'3 e reverse 5' CAGAC-CAGCAGCACTCCATC'3; e Sox-9, Forward 5' CCCGATCTGAAGA-AGGAGAGC'3 e reverse 5' GTTCTTCACC GA C TTCCTCCG'3. O delineamento foi fatorial (2X4), ou seja, dois grupos e quatro períodos. Para cada variável foi determinado a média e o desvio padrão. Foi realizada ANOVA e comparação das médias foi feita pelo teste deStudent-Newman-Keuls (SNK). Diferenças foram consideradas significativas se p<0,05. O experimento foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal da UFMG (protocolo n 177-2010).

RESULTADOS
Tanto no grupo controle quanto no grupo tratado com cafeína, a morfologia dos condroblastos foi semelhante durante a maior parte do período de cultivo. A porcentagem de lacunas vazias de condroblastos nas epífises cartilaginosas do fêmur foi aumentando significativamente ao longo do tempo de cultivo. Já a porcentagem de lacunas de condroblastos com núcleos picnóticos aumentou no dia sete de cultivo, mantendo-se assim até os 21 dias de cultura em comparação ao dia zero. No entanto, aos 21 dias de cultivo o grupo tratado com cafeína apresentou número de lacunas vazias de condroblastos significativamente menor em comparação ao grupo controle. (Tabelas 1 e 2Figura 1)






No grupo controle, a taxa de proliferação celular, caracterizada pela expressão de CDC-47, reduziu significativamente ao longo de todo o período de cultivo em comparação ao dia 0. No grupo tratado com cafeína, a taxa de proliferação celular também reduziu significativamente aos sete dias em comparação ao dia zero, mas manteve-se assim até os 21 dias de cultivo, ao contrário do grupo controle que apresentou uma queda progressiva da proliferação celular. Aos 21 dias, apesar da expressão de CDC-47 ser maior no grupo tratado com cafeína, não houve diferença significativa entre os grupos em nenhum dos períodos. (Tabela 3 e Figura 2)




Tanto no grupo controle, quanto no grupo tratado com cafeína, o número de corpos apoptóticos aumentou significativamente durante todo o período de cultivo. No entanto, aos sete e 21 dias de cultivo a apoptose foi mais intensa nas epífises cartilaginosas cultivadas com cafeína. (Tabela 4 e Figura 3)




Semelhante ao número de corpos apoptóticos, a expressão de caspase 3 tambem aumentou significativamente em ambos os grupos aos 21 dias de cultivo em comparação ao dia 0. No entanto, aos 21 dias, a expressão do transcripto gênico para caspase 3 foi significativamente maior no grupo tratado com cafeína em comparação ao grupo controle neste mesmo período. (Tabela 5) Somente no grupo tratado com cafeína, a expressão de SOX-9 aumentou significativamente aos 21 dias de cultivo em comparação ao dia zero, sendo também maior em comparação ao grupo controle aos 21 dias de cultivo. (Tabela 5) A expressão de RUNX-2 reduziu significativamente no grupo controle aos 21 dias de cultivo, em comparação ao dia zero. Mas, no grupo tratado com cafeína, a expressão de Runx-2, aos 21 dias, não diferiu em relação ao dia zero, mas foi significativamente superior a do grupo controle. (Tabela 5)


DISCUSSÃO
O presente experimento teve como objetivo verificar mais profundamente os mecanismos de ação in vitro da cafeína sobre o tecido cartilaginoso. Mas, os resultados demonstraram em parte um efeito diferente aos observados in vivo, uma vez que as epífises cartilaginosas tratadas com cafeína apresentaram maior viabilidade celular e maior expressão de fatores da diferenciação condrogênica. Mas, por outro lado a cafeína também resultou em aumento da apoptose com maior numero de condroblastos apoptóticos e maior expressão do transcripto gênico para caspase 3. Pode ser que esse efeito apoptótico da cafeína sobre as células cartilaginosasin vitro seja a razão pela qual observa-se morte celular in vivo nas cartilagens de crescimento tanto de neonatos quanto de filhotes após o desmame.6 Porém in vitro, foi observado um efeito antagônico, onde a cafeína aumentou o número de células apoptóticas e a expressão do transcripto para caspase-3, mas também manteve as células em proliferação e viáveis por mais tempo com aumento dos transcriptos gênicos da diferenciação celular, representados pelo SOX-9 e pelo RUNX-2. Esses resultados mostram que os efeitos da cafeína in vitropodem ser diferentes dos efeitos in vivo. Mas, os efeitos antagônicos da cafeína parecem também ocorrer em folículos pilosos. Enquanto que a cafeína in vitro estimula o crescimento de folículos pilosos humanos7 e tem sido adicionada ao tratamento local da calvície,8 filhotes de ratas tratadas com cafeína apresentam alopecia decorrente da menor atividade proliferativa das células do folículo piloso.9 Essa diferença nos resultados pode ser explicada, uma vez que in vitro o modelo experimental é simplificado, e não é possível reproduzir um ambiente com todos os fatores e moléculas de sinalização que agem in vivo. Embora, existam vários estudos que analisaram os efeitos in vitro da cafeína sobre as células ósseas,4,5 o efeito da cafeína no modelo aqui utilizado parece ter sido a primeira tentativa de se estudar os efeitos in vitro dessa metilxantina nas células cartilaginosas de indivíduos em crescimento.

CONCLUSÃO
Conclui-se que a cafeína in vitro apresenta efeitos antagônicos sobre o tecido cartilaginoso, aumentando a apoptose, mas ao mesmo tempo, aumentando a viabilidade celular, impedindo a queda do índice proliferativo e aumentando a expressão de transcriptos gênicos da diferenciação celular representados pelo SOX-9 e pelo RUNX-2.

AGRADECIMENTOS
A Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e CNPq pelo apoio financeiro concedido ao projeto.

REFERÊNCIAS
1. Tassinari MS, Gerstenfeld LC, Stein GS, Lian JB. Effect of caffeine on parameters of osteoblast growth and differentiation of a mineralized extracellular matrix in vitro. J Bone Miner Res. 1991;6(10):1029-36.         [ Links ]
2. Tsuang YH, Sun JS, Chen LT, Sun SC, Chen SC. Direct effects of caffeine on osteoblastic cells metabolism: the possible causal effect of caffeine on the formation of osteoporosis. J Orthop Surg Res. 2006;1:7.         [ Links ]
3. Lu PZ, Lai CY, Chan WH. Caffeine induces cell death via activation of apoptotic signal and inactivation of survival signal in human osteoblasts. Int J Mol Sci. 2008;9(5):698-718.         [ Links ]
4. Zhou Y, Guan XX, Zhu ZL, Guo J, Huang YC, Hou WW. Caffeine inhibits the viability and osteogenic differentiation of rat bone marrow-derived mesenchymal stromal cells. Br J Pharmacol. 2010;161(7):1542-52.         [ Links ]
5. Kamagata-Kiyoura Y, Ohta M, Cheuk G, Yazdani M, Saltzman MJ, Nakamoto T. Combined effects of caffeine and prostaglandin E2 on the proliferation of osteoblast-like cells (UMR106-01). J Periodontol. 1999;70(3):283-8.         [ Links ]
6. Reis AMS. Efeitos in vivo e in vitro da cafeína sobre o tecido cartilaginoso de ratos em crescimento [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2012.         [ Links ]
7. Fischer TW, Hipler UC, Elsner P. Effect of caffeine and testosterone on the proliferation of human hair follicles in vitro. Int J Dermatol. 2007;46(1):27-35.         [ Links ]
8. Lademanna J, Richtera H, Schanzera S, Klenk A, Sterry W, Patzelt A. Analysis of the penetration of a caffeine containing shampoo into the hair follicles by in vivo laser scanning microscopy. Laser Physics. 2010;20(2):551-6.         [ Links ]
9. Botelho AFM, Reis AMS, Ocarino NM, Serakides R. Dose-dependent effect of oral caffeine on skin of the lactating rat and its offspring in relation to plasma cortisol levels. [abstract]. In: I Simpósio de Integração dos programas de pós-graduação em biologia celular e V Simpósio de Biologia celular da UFMG, 2012, Belo Horizonte. I Anais de Integração dos programas de pós graduação em biologia celular e V anais de Biologia celular da UFMG, 2012.         [ Links ]


 Correspondência:
Rogéria Serakides
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Veterinária, Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária
Avenida Antônio Carlos, 6627 - São Francisco
31270-901. Belo Horizonte, MG. Brasil
serakidesufmg@gmail.com

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