1. Cumprimento os
responsáveis pela realização deste evento, que está a reunir ilustres nomes neste
Instituto de Direito JamesTubenchlak, o qual, quando em vida, exercia a
magistratura neste Estado, ao mesmo tempo em que desenvolvia o ensino da arte
do direito.
A
matéria de que tratarei, visa distinguir a aplicação do ônus da prova tanto na
responsabilidade civil contratual como na extracontratual.
Primeiramente,
de forma sucinta, apontarei a distinção que existe entre obrigação e
responsabilidade; destacarei pontos doutrinários a respeito da diferença entre
a responsabilidade civil contratual e a extracontratual, bem como sobre a
incidência do ônus da prova em cada uma daquelas espécies de responsabilidade.
Em
seguida, através de exemplos práticos, demonstrarei a aplicação efetiva do
direito no dia-a-dia do processo.
2. Não há que se
confundir obrigação com responsabilidade.
Pode
haver obrigação sem responsabilidade: ex. débitos prescritos.
Assim
como pode haver responsabilidade sem obrigação: ex. fiador, que pagará a
dívida somente em caso de inadimplemento.
A obrigação,
do latim obligatio (ob+ ligatio), que significa ação de prender, deriva
do verbo obligare (atar, ligar, vincular).
A obrigação
não se confunde com: sujeição, ônus e dever jurídico.
A sujeição
tem o significado de obediência. Ex. um direito potestativo (que
significa a impossibilidade de uma pessoa em não cumprir um determinado
comando): a existência de um prédio encravado e o direito de o proprietário
desse bem obter uma passagem forçada (art. 1.285 CCv), o direito de o locador
despejar o locatário (arts. 59 e 60 da Lei 8.245/91). Portanto, nos exemplos
dados (direitos potestativos), há a sujeição e não a obrigação daquele
que se encontra na situação passiva.
Ônus,
por sua vez, é a necessidade de seguir uma dada conduta em benefício próprio,
como, verbi gratia, o ônus da prova (art. 333, do CPC).
O dever
jurídico, no entanto, é a necessidade de todos no cumprimento dos comandos
legais, sob pena de sanção.
Aí
vem a diferenciação da obrigação com as figuras acima expostas
(sujeição, ônus e dever jurídico), pois ela caracteriza-se e diferencia-se
diante do fato de uma determinada pessoa se encontrar obrigada a realizar uma
certa conduta no interesse de outra, denominada prestação
(determinada no negócio jurídico).
A
obrigação é um efeito jurídico e como tal sempre possui um fato que lhe dá origem. Dos fatos jurídicos nascem as obrigações. Daí, do fato, a fonte da obrigação.
Para
efeitos didáticos, as fontes das obrigações seriam as seguintes:
os negócios jurídicos bilaterais
(contratos), de que trata os arts. 104 e segs. Do CCv/2002; atos jurídicos unilaterais (arts. 854 e
segs. do CCv/2002 - promessa de recompensa (arts. 854 e segs.), gestão de
negócios (arts. 861 e segs.), pagamento indevido ( arts. 876 e segs.) e
enriquecimento sem causa (arts. 884 e segs.); atos ilícitos (arts. 186/188 do CCv); e a lei.
Portanto,
a afirmativa de que a única fonte das obrigações são os fatos jurídicos
procede, pois se um fato está previsto legalmente e tem o condão de criar
efeitos obrigacionais, ele passa a ser um fato jurídico.
A lei
é considerada fonte obrigacional por ser possível dar a um fato conseqüências
jurídicas, mediante a criação de uma norma, que poderá criar uma nova relação
obrigacional.
A obrigação, pois, é sempre um dever
jurídico originário.
2.1. E o que é então a responsabilidade?
É
um dever jurídico sucessivo conseqüente à violação da obrigação.
Ela
não constitui uma das fontes das obrigações, e pode ser contratual ou
extracontratual ( extra-obrigacional ou delitual, ou ainda, aquiliana), e tem
por função, segundo SERGIO CAVALIERI FILHO (Programa de Responsabilidade Civil,
5ª ed., Malheiros Editora, p. 35): “O anseio de obrigar o
agente, causador do dano, a repará-lo inspirado no mais elementar sentimento de
justiça...Impera neste campo o princípio da restitutio
in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação
anterior à lesão. Isso se faz através de uma indenização fixada em proporção ao
dano”.
Pode-se
definir a responsabilidade civil contratual como: uma
conseqüência do inadimplemento de uma obrigação pelo devedor, em
desfavor do credor, ou, ainda, de um cumprimento inadequado (defeito) de uma
obrigação.
Já a responsabilidade civil extracontratual
decorre de uma lesão ao direito de alguém, sem que haja qualquer liame
obrigacional anterior entre o agente causador do prejuízo e a vítima.
O
nome a este tipo de responsabilidade ocorreu com o advento da Lex Aquilia,
em Roma, quando, para alguns doutrinadores, surgiu o elemento culpa para a
caracterização do delito, com reparação não somente dos danos materiais,
mas também morais. Até então, havia penas pecuniárias fixas e até a morte do
devedor ou do causador do dano.
A partir
da Lex Aquilia, a construção da responsabilidade civil extracontratual ou
aquiliana sofreu várias alterações.
No
Brasil pode-se afirmar que é uma obrigação de reparar,
para o agente causador ou por imposição legal, os danos suportados pela
vítima, sejam eles materiais, morais ou à imagem (art. 5º, V, da CF/88);
quando possível, com a sua restituição à situação anterior (antes do
evento danoso), ou, sendo impossível tal hipótese, com a fixação, pelo
juiz, de uma quantia em dinheiro (indenização pecuniária).
É o
que dispunham os arts. 159 e 160 do CCv/16, e agora dispõem os arts. 186 e 187,
combinados com o art. 927 do novo CCv, QUE TRATAM DA RESPONSABILIDADE CIVIL
SUBJETIVA.
Também
surgiu, dentro da responsabilidade civil extracontratual, a espécie de
responsabilidade OBJETIVA, vinda da Itália, Bélgica e, principalmente, da
França, sustentando-a sem culpa, baseada na chamada teoria do risco, que
acabou por ser adotada pelo novo CCv/2002, no parágrafo único do art. 927, art.
931 e outros.
Embora
o no Código Civil tenha mantido a cláusula geral de responsabilidade civil
subjetiva ( o CCv de 1916 era
essencialmente subjetivista), optou pela responsabilidade civil objetiva, tão extensas e profundas
são as cláusulas gerais que a consagrou, tais como:
- o
abuso de direito (art. 187);
- o
exercício da atividade de risco ou perigosa (par. ún. do art. 927);
-
danos causados por produtos (art. 931);
-
responsabilidade pelo fato de outrem (932 c/c 933);
-
responsabilidade pelo fato da coisa ou do animal (936, 937, 939);
-
responsabilidade dos incapazes (928), etc..
Muito
pouco sobrou, portanto, para a responsabilidade civil subjetiva no novo Código
Civil.
Quando
em vigor o CCv de 1916, as leis especiais é que apontavam os casos de
responsabilidade civil objetiva:
-
responsabilidade das Estradas de Ferro; do acidente do trabalho; seguro
obrigatório; responsabilidade civil do Estado (Constituição Federal de 1946,
ampliada na de 1988, art. 37, par. 6º); Código de Mineração; damps causados ao
meio ambiente; Cód. Brasileiro de Aeronáutica; danos nucleares e, por fim, o
Código de Defesa do Consumidor (CDC), que consagrou a responsabilidade civil
objetiva em vários dispositivos: arts. 12, 14, 15, 19 e 20.
3. O que diferencia, então, a
responsabilidade contratual (obrigacional) da extracontratual
(extra-obrigacional) ?
É
que na contratual a responsabilidade decorre de um descumprimento de
obrigação estabelecida contratualmente (com agente capaz, objeto lícito,
possível, determinado ou indeterminado – art. 104, CCv/2002), em que um dos
contratantes causa um dano ao outro (dano este originário do incumprimento
de uma obrigação previamente estabelecida no contrato).
Na
extracontratual, há a prática de um ato ilícito, que
causa prejuízo a outrem mediante ação ou omissão, sem que exista
entre o ofensor e a vítima qualquer relação anterior. Está disposta no
art. 186 e 927 do CCv/2002 e é chamada de RESPONSABILIDADE CIVIL
EXTRACONTRATUAL SUBJETIVA. A OBJETIVA, que tem os mesmos pressupostos da
subjetiva, tem como única atenuante de ser a prova da culpa, nesse caso,
limitada à demonstração de que a prestação foi descumprida; não se discute se
ocorreu culpa (esta vista no sentido lato, abordando o dolo), bastando o nexo
causal entre o dano e o agir do agente causador deste, para ser devida a
indenização.
4. Pode-se indagar, na dúvida, a fim de se
identificar que tipo de responsabilidade está presente em um determinado
evento danoso:
4.1.
Se o ato ilícito entendido de uma forma ampla, decorre ou não do contrato?
4.2.
Se a atitude do devedor estava ou não prevista contratualmente?
Muitas
vezes surgem dúvidas se um dano resulta ou não de uma relação contratual, pois
a atitude do devedor, embora tenha certa relação com a avença, pode se
configurar num ato ilícito que nada tem a ver com o contrato. Aí depende de um
exame apurado do advogado que formular a inicial, bem como do juiz ao
instruir o feito.
4.3 Pode-se afirmar, a fim de elucidar a
questão, que para a configuração da responsabilidade contratual, é
necessário:
que
o devedor deixe de cumprir com sua obrigação; deixe de realizar uma prestação
assumida; que tenha agido com culpa ao descumprir a obrigação; tenha causado
prejuízo para o credor; que haja um nexo causal entre a atitude do
devedor e a constatação de dano pelo credor.
Não havendo
contrato e ocorrendo um ato ilícito que viole
direito e cause prejuízo a outrem mediante ação ou omissão, ainda que
exclusivamente moral, configura-se a responsabilidade civil extracontratual.
5. EM SENDO ASSIM, ESSA
DIVISÃO EM DUAS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL (contratual e
extracontratual) NÃO TERIA RAZÃO DE SER (Genéviève Viney, Traité de droit
civil, sob a direção de Jacques Ghestin, n. 243, Paris: LGDJ, 1989), POIS EM
AMBAS HÁ A VIOLAÇÃO DE UMA NORMA E A REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS QUE SE IMPÕE.
NO
ENTANTO, PARA EFEITOS DE PRODUÇÃO
DA PROVA EM JUÍZO, NECESSÁRIO SE FAZ A DIVISÃO EM CONTRATUAL E
EXTRACONTRATUAL, DIANTE DAS CAUSAS DIVERSAS E DAS DIFERENÇAS (já explanadas
acima) NO TOCANTE À MATÉRIA PROBATÓRIA.
Mas
o que é provar?
Provar
significa demonstrar que a afirmação que se faz a respeito de um fato assume a
dimensão da inquestionabilidade, porque traz a marca da verdade e o
seio da certeza.
Couture
ensina que “provar é demonstrar de algum modo a certeza de um fato ou a
veracidade de uma afirmação” (citado por Humberto Theodoro Jr., “Curso de
Direito Processual Civil”, Editora Forense, 5ª. ed., p. 446).
Ônus da prova. O que significa?
Segundo
de Plácido e Silva (Vocabulário Jurídico, Ed. Forense, 1982, III/282-283), a
palavra ônus, que provém do latim onus ( carga, peso, obrigação), tem
significação técnico-jurídica; entende-se todo encargo, dever ou obrigação que
pesa sobre uma coisa ou uma pessoa, em virtude do que está obrigada a
respeitá-los ou a cumpri-los. É um gravame.
Isso
não significa que, por exemplo, quando o legislador determina que, numa
determinada situação, ao autor caberá o ônus de provar o que alega, não
possa o réu apresentar tal prova. A conseqüência da não apresentação da
prova pelo autor, resultará no sentido de que não provou aquilo que pretendia
provar.
Ônus da prova no CPC.
O
art. 333 estabelece que o ônus das prova incumbe: I- ao autor, quanto ao fato
constitutivo do seu direito; II- ao réu, quanto à existência de fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
O inc.
I significa que o autor ao alegar a existência de um fato que implica a
constituição de um direito a ser tutelado pelo Poder Judiciário, cabe o ônus de
prová-lo.
O inc.
II significa que ao réu que alega a exceção, no sentido amplo, cabe o ônus
de prová-la.
Apenas
para lembrar e exemplificar, não dependem de prova os fatos notórios; os
afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; os admitidos, no
processo, como incontroversos; em cujo favor milita presunção legal de existência
ou de veracidade. (art. 334, do CPC).
Também
não precisam ser provados os fatos em cujo favor milita presunção legal de
existência ou veracidade, v.g. o efeito da revelia, e os feitos não
contestados.
O ônus da prova no Código de Defesa do
Consumidor.
Às
relações litigiosas regidas pelo Código de Defesa do Consumidor,
Lei. 8.078/90, são aplicáveis as normas do CPC, por serem estas normas
de caráter processual geral, com exceção às situações em que o próprio
CDC estabelece uma disciplina própria, v.g., a inversão do ônus da prova
(art. 6º, VIII), e ao estabelecer que “o ônus da prova da veracidade e
correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina” (art.
38).
A inversão do ônus da prova no CDC.
Diz
o art. 6º, inc. VIII, do CDC, que ao consumidor caberá “a facilitação da
defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação
ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências”.
Tal
instituto visa a proteger o consumidor, tido como a parte fraca na
relação de consumo, dada a sua reconhecida vulnerabilidade (art. 4, I, do CDC).
Note-se
que se partíssemos para a adoção pura e simples das regras processuais do CPC
quanto ao ônus da prova, às relações de consumo, sem
o estabelecimento de regras próprias, em determinadas situações, significaria
provocar o DESEQUILÍBRIO entre os litigantes, COMPROMETENDO a VERDADEIRA
IGUALDADE entre as partes. Ex. relação médico/paciente.
Ademais,
a inversão do ônus da prova constitui-se em uma modalidade de facilitação da
defesa dos direitos básicos do consumidor, devendo o juiz assim proceder
somente quando satisfeitos um dos seus dois pressupostos de admissibilidade: a)
for verossímil a alegação; ou b) for o consumidor hipossuficiente.
Não
se cuida de inversão legal, pois não se trata de imposição da
própria lei, mas sim fica ao crivo judicial, a REQUERIMENTO DA PARTE OU
“EX OFFICIO”.
O
que vem a ser alegação VEROSSÍMIL ?
A
que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos” (Teori Albino
Zavascki, “Antecipação da Tutela”, Ed. Saraiva, 1997, p. 76).
Quando
ocorrerá a HIPOSSUFICIÊNCIA?
Não
deve o juiz examinar somente o aspecto econômico ou financeiro do consumidor.
Mas também no campo cultural, v. g., a falta de conhecimento técnico sobre o
objeto de uma relação de consumo (produto ou prestação de serviços).
A
alegação de hipossuficiência por falta de conhecimento técnico, no entanto, não
poderá ser alegada por um médico que contrata um seu colega para o parto de sua
esposa; ou no caso de uma empresa que tenha um departamento jurídico não poderá
alegar desconhecimento na área jurídica.
Qual
o momento processual para o juiz determinar a inversão do ônus
da prova?
A
fim de evitar-se cerceamento de defesa, o juiz deverá determinar a inversão
quando do saneamento do processo, após inexitosa a audiência de
conciliação (hoje chamada de preliminar).
Não
podem as partes serem surpreendidas com tal decisão.
Assim,
descabe a mesma por ocasião da sentença ou de julgamento do processo pelo 2º
grau.
Retornando
à inversão do ônus da prova, destaco a grande controvérsia em relação aos
profissionais liberais no CDC, tendo em vista a responsabilidade civil
subjetiva e objetiva.
Diz
o art. 14, par. 4º, do CDC, que a responsabilidade dos
profissionais liberais serão apuradas mediante a verificação de culpa.
Numa
relação médico e paciente, tendo este ingressado em juízo sob a alegação de
imperícia, imprudência ou negligência, costuma-se apregoar, com a devida vênia,
equivocadamente, que, por ter nesse ponto tal diploma consagrado a
teoria da responsabilidade subjetiva, seria incabível a decretação,
pelo juiz, da inversão do ônus da prova.
Nas
relações de consumo, diversamente, não é necessária a demonstração de culpa
para que surja o dever de indenizar caso haja dano, pois a responsabilidade é
objetiva. Este é o sistema adotado pelo CDC, conforme se depreende dos arts.
12, 14, 15, 19 e 20.
Veja-se,
no entanto, que a questão referente a ser a responsabilidade civil subjetiva
ou objetiva, diz respeito a tema disciplinado em direito substancial
(material), enquanto que a inversão do ônus da prova diz com tema afeto
ao direito processual.
Não
há, assim, qualquer incompatibilidade que, em sendo a responsabilidade
subjetiva, seja determinada a inversão do ônus da prova. A conseqüência disso
será que, ao invés de o consumidor provar que a culpa pela ocorrência de um
evento que lhe causou prejuízo foi do fornecedor (profissional lilberal), tal
ônus passa a ser deste (do profissional), que, in casu, deverá demonstrar que agiu
com perícia, prudência ou zelo, não tendo, dessa forma, incidido em nenhuma das
modalidades de culpa.
Ocorre,
todavia, que está havendo abuso de direito por parte de alguns consumidores,
que, apesar da facilitação da defesa de seus direitos, diante da inversão do
ônus da prova pelo juiz em processos ajuizados, por ex., contra médicos, não se
preocupam na busca da verdade real, deixando o processo tramitar sem que
façam qualquer esforço para demonstrar o direito que alegam.
Cito
como exemplo o caso solucionado pela 9ª. Câmara Cível do eg. Tribunal de
Justiça do Estado do RS, de minha relatoria, julgado em 31.8.2005, Apelação
Cível n. 70009865544.
O
autor, que já estava cego do olho esquerdo em virtude retinopatia diabética proliferativa,
procurou o médico réu, proprietário de uma clínica médica que também era ré no
processo, a fim de operar o olho direito que, segundo ele, ainda tinha
70% de acuidade visual. Queria, pois, melhorar a visão deste olho.
Antes
da cirurgia, submetera-se a uma panfotocoagulação, mas face ao progresso
galopante da doença, o autor estava praticamente cego, com apenas “percepção de
luz” (PL) ou 1% de acuidade visual. Exames clínicos anteriores
destacaram este fato.
A
indicação para eventual melhora da situação grave em que se
encontrava o autor, era a cirurgia de vitrectomia via pars plana, a fim de tentar reverter o quadro
final da retinopatia diabética
profeliferativa, que é a maior causa de cegueira em todo o mundo nos
dias de hoje.
No
entanto, após duas cirurgias a “percepção de luz” era a mesma. O autor já
estava cego.
Saliento
que o autor era diabético juvenil – quando da ação já tinha 30 anos de idade – e quando procurou os réus
já estava cego do olho esquerdo em virtude da doença, sendo que não soube
explicitar ao médico réu quando fizera o último controle glicêmico.
E,
vejam, que o controle glicêmico é fundamental para combater a evolução da
doença, demonstrando, assim, verdadeira negligência com a própria saúde.
Mais,
após a primeira consulta com o réu médico, retornara para nova consulta 45 dias
após, negligenciando quanto ao avanço da doença.
No
tramitar da ação, os réus trouxeram fitas de vídeo para a perícia, pagaram os
honorários do perito, apresentaram quesitos, falaram sobre o laudo, enfim,
exerceram o direito de defesa.
No
entanto, o autor silenciou totalmente, eis que não apresentou quesitos, não
indicou assistente técnico, não se manifestou sobre o laudo pericial, não
requereu complementação da perícia ou esclarecimentos do perito, o qual, por
sua vez, sustentou que os réus agiram dentro das normas adequadas e que o
médico réu deu o tratamento comprovado cientificamente, visando melhorar a
visão do autor.
Surpreendentemente,
o magistrado de 1º grau considerou que não havia provas esclarecedoras da
situação posta e, de ofício e no ato sentencial, INVERTEU O ÔNUS DA PROVA em
favor do autor, considerando, então, que o réu médico agiu com culpa, eis que
não comprovara a não incidência desta no caso cirúrgico, condenando os réus a
indenizarem dano moral e fixou pensão.
Daí
o recurso de apelação para o 2º grau de jurisdição, que reformou a sentença e
julgou improcedente a ação, visto que:
1) Foi
facilitado ao máximo o exercício do direito de defesa do autor (art. 6, VIII,
do CDC), mesmo que o juiz não tivesse invertido o ônus da prova durante a
instrução.
2) O
momento processual utilizado para a inversão do ônus da prova pelo magistrado
de 1º grau - a sentença -, não oportunizou que os réus pudessem melhorar a
prova técnica já efetivada, causando-lhes cerceamento de defesa.
3) O
autor não conseguiu demonstrar tivesse o réu médico agido com culpa, pois
restou atestado nos autos que foi usado o tratamento adequado para tentar
amenizar a sua dor.
4) O
dever de informação do médico, a respeito das conseqüências do tratamento que
aplicou, presume-se que foi fornecido ao autor, até por que a boa fé
objetiva não pode servir de excesso, o seu uso, quando o próprio autor
abandonou o destino da causa para o que desse e viesse.
5) Havia
a chance, mas não a garantia de que o resultado fosse efetivamente o esperado
pelo médico réu, ou pelo paciente/autor. Tratava-se pois de uma obrigação de
meio e não de resultado por parte do médico.
6) Por
conseqüência, a mesma doença que causara a cegueira do olho esquerdo, causou a
do direito, mas não por imperícia do médico réu.
Enfim,
dando-se uma passada geral no ônus da prova, podemos concluir que:
Na responsabilidade extracontratual subjetiva, à
vítima é essencial a demonstração do prejuízo, a transgressão da norma e o nexo
de causalidade. Na objetiva, à vítima não há o ônus de provar a culpa ou
dolo do agir do agente causador do dano, mas apenas o nexo causal de tal agir e
o dano – v. g., o Estado ou o Transportador -..
Na responsabilidade contratual, o
mero descumprimento injustificado de uma prestação avençada resulta para a
parte lesada a possibilidade de reparação do dano que, em regra, substitui a
prestação. É mister, em regra, a existência de culpa na responsabilidade que
decorre de um contrato, pelo descumprimento da prestação ou seu cumprimento
inadequado e a comprovação do nexo causal deste agir com o descumprimento da
prestação.
Portanto, agindo o devedor com culpa ou mesmo dolo, a
reparação do prejuízo abrangerá não apenas a prestação devida, mas também todos
os danos que surgirem dessa inexecução, como danos emergentes lucros cessantes.
Enfim, o ônus
da prova transfere-se para o devedor quanto ao dano causado na
responsabilidade contratual, que terá de provar a ausência de culpa, a
hipótese de caso fortuito ou força maior ou ainda qualquer outro fator excludente
de sua responsabilidade.
No caso de responsabilidade extracontratual, a
prova cabe à vítima, tanto da culpa, quando exigida (na objetiva cabe à
outra parte provar que assim não agiu), do dano e do nexo de causalidade.
Creio
ter esgotado a matéria a que me propus expor, esperando que este encontro
jurídico colha, para vocês, um início de uma nova pesquisa sobre o nosso
instrumento de trabalho, que é o direito e, principalmente, sobre o ônus da
prova, que ainda traz discussões no desenrolar das lides.
O
ônus da prova, pois, é que acaba por diferenciar, como exposto acima, a
responsabilidade contratual da extracontratual.
Isso é o que penso.
Obrigado.
Rio de Janeiro, 13 de
outubro de 2005.
Luís Augusto Coelho Braga,
Desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul.
Obras consultadas:
Programa de Responsabilidade Civil, de Sérgio
Cavalieri Filho, 5ª. ed., Malheiros Editora.
Responsabilidade Pós-Contratual no novo CCv e
no CDC, de Rogério Ferraz Donnini, Ed. Saraiva.
Revista AJURIS/70, artigo do Des. Voltaire de
Lima Moraes, sobre o ônus da prova no CPC e no CDC.
Responsabilidade Civil e sua Interpretação
Jurisprudencial, de Rui Stoco, 4ª. ed., Editora RT.
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