Resumo: Os positivistas, objeto deste trabalho, dão à vigência a validade e á eficácia da norma jurídica especial releva em suas obras. Daí surge à necessidade de se indagar qual a visão desses autores sobre os atributos da norma, enquanto elemento unitário de um ordenamento jurídico dado que a conexão ou não daqueles elementos implicaria em dinâmicas diferenciadas no seu funcionamento. Assim, o que se pretende é indagar sobre o tratamento dado à vigência, à validade e a eficácia da norma jurídica pelos autores Hans Kelsen e Alf Ross. No desenvolvimento deste artigo os conceitos serão elucidados, tanto em relação à norma singular quanto em relação ao ordenamento jurídico como um todo. Abordar-se-á, também, as consequências retiradas das definições apresentadas por autores para que se possa compreender qual o ordenamento vigente, válido em um determinado país num dado momento e qual o dinamismo desse ordenamento, sua forma e sua capacidade de mudança.
Palavras-chave: Validade. Eficácia. Norma jurídica. Hans Kelsen. Alf Ross
Abstract: The positivists, object of this paper, give the duration, the validity and efficacy of the legal norm special emphasis in his papers. Hence arises the need to inquire what the vision of these authors on the attributes of the legal norm, qua part of a legal system given that the connection or not those elements would require differentiated dynamics in its functioning. Thus, the intention is to ask about the treatment given to validity, the validity and effectiveness of the legal norm by Hans Kelsen and Alf Ross. In the development of this article the concepts will be elucidated, both in relation singular norm as compared to the legal system as a whole. Will be addressed also the consequences of the definitions presented by the authors as well, so that they can understand what the legal system in force, valid in a particular country at a particular time and understand about their dynamism, their form and their ability to change.
Keywords: Validity. Efficacy.Legal norm.Hans Kelsen. Alf Ross
Sumário: Introdução. 1. Ordenamento jurídico. 1.1. Ordenamento jurídico para Kelsen. 1.2. Ordenamento Jurídico para Ross. 2. Vigência e validade das normas jurídicas. 2.1. Vigência e validade em Hans Kelsen. 2.2. Vigência e validade para Alf Ross. 3. Eficácia das normas jurídicas. 3.1. Eficácia da norma jurídica em Hans Kelsen. 3.2. Eficácia para Alf Ross. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
Validade e vigência possuem conceitos diferenciados para diversos autores. Miguel Reale expõe a validade da norma jurídica sobre três aspectos: “o da validade formal ou técnico-jurídica (vigência), o da validade social (eficácia ou efetividade) e o da validade ética (fundamento)” (REALE, 1999: 105). Aqui a vigência e a eficácias são tipos de validade, como se esta fosse o gênero e aquelas e o fundamento fossem as espécies. Esta diferenciação de conceitos suscita interesse em se saber como os autores Ross e Kelsen dissertam sobre esses caracteres.
Hans kelsen entende que o que fundamenta a validade de uma norma é uma outra norma imediatamente superior, e assim por diante até se chegar à constituição, criando, assim, uma unidade. Como a Constituição é a última das normas hierarquicamente consideradas indagar-se-ia sobre o seu fundamento de validade. A única forma de resolver este problema é considerarmos que existe uma norma pressuposta, a norma fundamental, sem conteúdo, que apenas impõe o dever de obedecer à constituição.
Nesse caminhar da teoria kelseniana, eficaz é a norma quando obedecida pelos indivíduos e/ou quando é aplicada nos tribunais, logo pertencente ao mundo do ser. Alf Ross, por outro lado, afirma que a validade de uma norma não é algo metafísico, mas sim algo do mundo do ser, que é experimentado empiricamente, contrariando as afirmações de Kelsen.
“Que elderechoseallamado positivo o em vigor, significa em primer lugar que este derecho esta estabelecido historicamente y há nacido como um hecho que continua estabelecido, sintener em cuendalajustícia de reglas que puderan ser derivadas de cualquies tipo superior de normas ideales que se acepten como válidas por símismas.” (ROSS, 1961, p.25)
Só é vigente o conjunto de normas que são aplicadas pelos tribunais, ou melhor, as normas que podemos predizer que serão aplicadas pelo juiz. Logo este autor reduz à vigência (validade) á eficácia.
Em conformidade com o pensamento deste autor, um ordenamento jurídico de um determinado país pode ser definido como um conjunto de normas que operam efetivamente na mente dos juízes.
Os conceitos de vigência, validade e eficácia são de extrema importância para se avaliar qual o ordenamento vigente no Brasil ou em qualquer outro país, hoje ou há cinco séculos. Como o significado destes caracteres varia muito entre os autores, é como se tivéssemos de acordo com cada autor, um ordenamento jurídico diverso em um mesmo país e em uma mesma época.
A definição desses conceitos nos leva a determinação de qual norma seria vigente (válida) e qual estaria revogada, fazendo-nos compreender qual a dinâmica do ordenamento jurídico na visão de ambos autores. Isso nos possibilitaria, a longo prazo, compreender quais os conceitos adotados hoje pelos juristas e pelo judiciário no sentido da compreensão da dinâmica das normas que compõe o complexo de leis de um Estado, tendo em vista que muitas das formações jurídicas ocorridas durante o momento histórico de afirmação do positivismo, ainda, são encontradas hoje.
O positivismo influenciou a criação das bases do Direito que hoje vige, por isso foram escolhidos para o estudo destes conceitos os autores positivistas Hans Kelsen e Alf Ross. Assim, conduziu-se pela hipótese de que se se partir da compreensão de Kelsen ou, então, do entendimento de Ross poderíamos concluir hipoteticamente que naquele o ordenamento seria mais engessado, menos dinâmico, do que em Ross.
Como já se encontra pacífico de que não existe pesquisa que seja neutra, uma vez que não se pode construí-las sem uma base, pois que não se firmaria como um trabalho científico, mas mera dissertação de opiniões pessoais, esse trabalho toma como marco teórico a definição de Positivismo Jurídico proposta por Norberto Bobbio:
“As características fundamentais do positivismo jurídico podem ser resumidas em sete pontos ou problemas [...]. [...] primeiro problema diz respeito ao modo de abordar, de encarar o direito: o positivismo jurídico responde a este problema considerando o direito como um fato e não como um valor [...].Deste comportamento deriva uma particular teoria da validade do direito, dita teoria do formalismo jurídico, na qual a validade do direito se funda em critérios que concernem unicamente à sua estrutura formal (vale dizer em palavras simples, o seu aspecto exterior),prescindindo do seu conteúdo[...].”(BOBBIO, 1999, p. 131).
Suas afirmações de que o realismo, onde se insere Alf Ross, pertenceriam ao positivismo jurídico, afirma Bobbio: “Uma corrente jurídica contemporânea (surgida no início do século passado), que pode ser considerada pertencente ao positivismo jurídico entendido em sentido genérico” (1999, p. 142).
1.Ordenamento jurídico
Para a compreensão do objeto da pesquisa é fundamental o estudo do ordenamento jurídico. É através da sua definição para cada um dos autores estudados que poderemos compreender a sua dinâmica. Essa dinâmica é dada pelos atributos da norma jurídica, ou melhor, pela forma com que esses atributos são considerados tanto para o ordenamento jurídico como para uma norma singular.
2.1. Ordenamento jurídico para Kelsen
O Direito é uma ordem da conduta humana, segundo Kelsen, (2000a, p. 5), entretanto, suas normas não versam apenas sobre as condutas humanas, mas sobre essas e seus efeitos. Isso ocorre porque a norma é que empresta sentido a um ato, uma conduta humana, logo, o que transforma um fato em um ato jurídico (lícito ou ilícito) não é a sua faticidade, mas o sentido objetivo que está ligado a esse ato, o seu significado. (KELSEN, 2000b, p. 4). Fatos outros que não a conduta humana podem também ser conteúdos de normas jurídicas, porém apenas as condutas humanas podem ser imputadas, ou seja, a sanção é sempre dirigida a uma conduta humana.
As normas podem possuir qualquer conteúdo, ainda que considerado injusto, uma vez que o Direito é avalorativo no sentido de que esse e a idéia de Justiça não se confundem. Ainda que possuindo normas dadas por “injustas” o ordenamento jurídico seria considerado Direito desde que válido e minimamente eficaz.
Quem coloca essas normas jurídicas, as cria, vota, sanciona e publica é quem elege qual conteúdo será Direito. Outrora, acreditava-se que o direito objetivo (conjunto de normas positivadas) surgia para satisfazer o direito subjetivo[1]. Assim, o ordenamento positivo teria como limitação de conteúdo o respeito ao direito subjetivo. Kelsen, entretanto, acredita que só existe direito subjetivo porque o direito objetivo concede. Logo, o direito subjetivo não é inerente à pessoa, mas o resultado da eleição dos criadores das normas. Faz-se necessário observar que os legisladores possuem apenas questões ideológicas e crenças morais próprias os limitando, quanto a qual conteúdo escolher para ser Direito.
Um conjunto de normas para formar um ordenamento jurídico precisa ter unidade. Essa unidade é dada pela norma fundamental. Todas as normas que têm sua validade em última instância retirada de uma mesma norma fundamental formam um ordenamento jurídico uno. A forma como as normas jurídicas retiram a sua validade da norma fundamental, faz com que o Direito seja considerado por Kelsen um ordenamento dinâmico[2], visto que a validade de suas normas não deriva do conteúdo da norma fundamental, mas do fato das normas serem produzidas da forma determinada por ela. (Kelsen, 2000b, p. 221)
Nesse caminhar, esse autor faz uma diferenciação entre a ordem do dever-ser em que se encontram as normas e a ordem do ser em que ocorrem as condutas humanas. Essas esferas não se imiscuem, ainda que formem uma tênue ligação, como afirmado por Kelsen:
“A expressão: “um ser corresponde um dever ser” não é inteiramente correta, pois não é o ser que corresponde ao dever ser, mas é aquele que “algo”, que por um lado “é”, que corresponde a aquele “algo”, que, por outro lado “deve ser”.” (KELSEN, 2000b, p. 7)
Essa ligação ocorre nos atributos da norma jurídica vigência/validade e eficácia. O conceito de validade de uma norma pertence à órbita do dever ser, uma vez que, o ato jurídico que deu origem a esta norma foi disciplinado por outra norma, e é essa norma superior que fundamenta a validade da norma inferior e assim sucessivamente. A eficácia por sua vez pertence ao mundo do ser e se verifica quando uma norma é observada e/ou aplicada. Vigência e eficácia se relacionam, na medida em que, para ser válida, uma norma deve ter um mínimo de eficácia e é nesse ponto que existe a ligação entre o mundo do ser e do dever-ser[3].
1.2. Ordenamento Jurídico para Ross
Alf Ross afirma, assim como Kelsen, que as normas podem ter qualquer conteúdo, logo, qualquer conjunto de normas pode ser chamado de Direito. Ele explica que a palavra Direito trás consigo uma carga emocional muito grande e é por isso que algumas pessoas dizem que a norma não pode ter um conteúdo que seja contrário a justiça, ou mesmo que um certo ordenamento jurídico não é Direito por ser injusto. Nesse sentido, salienta o autor:
“Asseverou-se que o sistema de violência de Hitler não era um ordenamento jurídico, e o “positivismos” jurídico foi acusado de traição moral por sua admissão não crítica de que tal ordem era direito. Contudo, uma terminologia descritiva nada tem a ver com a aprovação ou condenação moral. Embora eu possa classificar uma certa ordem como “ordenamento jurídico” é possível para mim ao mesmo tempo ter como meu dever moral mais elevado derrubar essa ordem.” (ROSS, 2000, p. 56)
Alf Ross compara o ordenamento jurídico a um sistema de normas que regem, por exemplo, um jogo de xadrez. As normas do xadrez constituem um sistema de normas coerentes, essa coerência é dada pelo fato de se tratar de normas que se referem aos movimentos dos jogadores dentro das partidas jogadas. Através do conhecimento dessas normas podemos predizer a forma como os jogadores agirão dentro do jogo, uma vez que, agirão de acordo com as normas que para eles são tidas como obrigatórias. O ordenamento jurídico de um estado, assim, como as normas do xadrez, possui uma coerência de significado. (ROSS, 2000, p. 56)
As normas jurídicas podem ser divididas de acordo com o seu conteúdo imediato em normas de conduta e normas de competência. As primeiras são as normas que prescrevem uma ação, as segundas são diretivas que dispõem que se uma norma é criada de acordo com os procedimentos estabelecidos essas são normas de conduta. Assim, esse autor (ROSS, 2000, p. 56-57) conclui que uma norma de competência não é senão uma norma de conduta expressa indiretamente. Essas normas de conduta têm como conteúdo a regulamentação o exercício da força física pelo Estado. Esse é o sentido que dá coerência ao conjunto de normas, o Direito, de um Estado.
Nesse sentido, afirma Ross que:
“[...] o ordenamento jurídico nacional estabelece um aparato de autoridades públicas (os tribunais e os órgãos executivos) cuja função consiste em ordenar e levar a cabo o exercício da força em casas específicos; ou ainda mais sinteticamente: um ordenamento jurídico nacional é o conjunto de regras para o estabelecimento e funcionamento do aparto de força do Estado.” (ROSS, 2000, p.58)
Tornou-se explicito acima, quais são as regras tidas como normas de um ordenamento jurídico, quais sejam as normas de conduta. Respondeu-se também a questão de que significado tem essas normas, concluindo que elas organizam e permitem o uso da força pelo Estado. Cabe, nesse contexto, indagarmos agora, para quem são dirigidas essas normas. Segundo esse autor (ROSS, 2000, p. 58), as normas são dirigidas aos juízes e não aos indivíduos particulares, os primeiros e não os últimos são seus destinatários imediatos[4].
2. Vigência, validade e eficácia das normas jurídicas
Tanto o autor Hans Kelsen como Alf Ross tomam a vigência da norma jurídica como sinônimo de validade. É possível verificar esta afirmação no livro Teoria pura do Direito de Hans kelsen e nas obras Hacia una ciencia realista delderecho: critica del dualismo enelderecho e Direito e justiça ambos de Alf Ross.
Para Kelsen, (2000b, p.11) “Dizer que uma norma vale (é vigente) traduz algo diferente do que se diz quando se afirma que ela é efetivamente aplicada e respeitada [...]”, Kelsen usa novamente essas palavras como sinônimas, no trecho que se segue:
“Se como propusermos, empregarmos a palavra “dever-ser” num sentido que abranja todas as significações, podemos exprimir a vigência (validade) de uma norma dizendo que certa coisa deve ou não deve ser, deve ou não ser feita.” (KELSEN, 2000b, p.11).
Esse autor além de utilizar uma palavra por outra ainda as conceitua da mesma forma. No trecho abaixo retirado de sua obra, acima referida, ele afirma que uma norma é vigente quando ela existe:
“Se designarmos a existência específica de uma norma como sua “vigência”, damos desta forma expressão à maneira particular pela qual a norma – diferentemente do ser dos fatos naturais - nos é dada ou se nos apresenta.” (KELSEN, 2000b, p.11).
Em seu livro Hacia uma ciência realista delderecho: Critica del dualismo em elDerecho esse autor diz que o direito em vigor é em primeiro lugar o direito que está estabelecido historicamente:
“Quelelderechoseallamado positivo o vigor, significa em primer lugar que este derecho está estabelecido historicamente y há nacido como um hecho que continua estabelecido, sintener em cuentalajusticia de reglas [...]Su validez no deriva de principiosracionales, sino de uma autoridade historicamente dada. Em segundo trémino, quieredecir que elderecho no es solamente um sitema de reglas validas, sino reglas que realmente y em general, son observadas.” (ROSS, 1961, p.25)
Este autor considera como uma realidade histórica, aquilo que tem efetividade, ou seja, o que se estabelece como obrigatório para os destinatários da norma.
Por tudo, neste trabalho os atributos vigência e validade da norma jurídica serão tomados como sinônimos.
2.1. Vigência e validade em Hans Kelsen
Inicialmente Kelsen afirma que uma norma é vigente quando existe, assim uma norma que não é vigente, não existe para esse autor. Para que uma norma se torne vigente se faz necessário que ela seja posta por uma autoridade competente. Entretanto, a existência da norma não se confunde com a existência dos fatos naturais e nem mesmo com os fatos pelos quais ela foi produzida, ou seja, a norma é algo diverso daquilo que a produziu, uma vez que é dever-ser enquanto à vontade que a produziu é um fato do mundo do ser. Assim, a vigência da norma não está condicionada a existência do ato de vontade que a criou. (KELSEN, 2000b, p.11)
A norma jurídica continua vigente mesmo que estes indivíduos deixem de querer seus resultados, uma vez que, após a publicação de uma norma, ou seja, sua entrada em vigor, os órgãos legislativos que a criaram se desvinculam dela. (KELSEN, 2000b, p. 11).
Tem-se assim, que a existência da norma não se limita pela existência do que lhe deu causa, entretanto, a norma pode ter uma limitação espaço-temporal. Uma norma vale por um período de tempo e em um espaço determinado, os quais são os domínios de vigência espacial e temporal da norma. (KELSEN 2000b, p. 13). Esse domínio de vigência pode ser limitado pela própria norma ou por uma norma superior que lhe faça referência. Pode também, ser ilimitado, ou seja, quando tem sua vigência em toda parte e sempre para determinados fatos.
Para Kelsen (2000b, p. 216,), o fundamento de validade de uma norma só pode ser a validade de uma outra norma, uma vez que ambas são produtos do mundo do dever-ser. O dever-ser se separa do ser, uma vez que do fato de algo dever-ser não se pode concluir que algo é. O mesmo se determina na hipótese de que também não podemos concluir que do fato de que algo seja segue-se que ele deva ser.
Assim, posto que o fundamento da norma é uma norma superior, faz-se necessário explicitar como isso ocorre. Antes de adentrar nessa questão, necessário é esclarecer que para o autor em questão não se poderia fundamentar a validade de uma norma simplesmente pelo fato de ela ser posta por uma autoridade competente, um ser humano ou mesmo Deus, pois o fundamento de validade do mandamento amar ao próximo como a ti mesmo não é o fato de Deus tê-lo posto como norma obrigatória, mas, uma norma pressuposta que diz que devemos obedecer às ordens de Deus, como esclarece o texto abaixo:
“Na verdade, parece que se poderia fundamentar a validade de uma norma com o fato de ela ser posta por uma autoridade, por um ser humano ou supra-humano: assim acontece quando se fundamenta a validade dos Dez Mandamentos com o fato de que Deus, Jeová, os ter dado no Monte Sinai; ou quando se diz que devemos amar os nossos inimigos porque Jesus, o Filho de Deus, o ordenou no sermão da Montanha. Em ambos os casos, porém, o fundamento de validade, não expresso mas pressuposto, não é o fato de Deus ou o Filho de Deus ter posto uma determinada norma num certo tempo e lugar, mas uma norma: a norma segundo a qual devemos obedecer aos mandamentos de Deus [...]”. (KELSEN, 2000b, p.215, 216).
Diante do exposto, chega-se a um problema, a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode perder-se no interminável, uma vez que uma norma imediatamente superior valida uma norma imediatamente inferior, e que outra norma superior à norma dita superior, valida esta última e assim por diante. Esse processo não parece ter fim, criando um problema para a teoria kelseniana sobre o fundamento de validade do ordenamento jurídico. Para solucioná-lo, Kelsen, propõe que esse processo precisa terminar em uma norma que se pressupõe como a última e a mais elevada das normas, que é chamada por ele de norma fundamental.
A norma fundamental é uma norma pressuposta, uma vez que não poderia ser posta por uma autoridade, já que a competência dessa autoridade teria que derivar de uma outra norma. Portanto, se chega a norma fundamental apenas por um exercício racional. Essa norma está no nível mais elevado de um ordenamento jurídico, logo acima da constituição, e todas as normas que retiram dela a sua validade seriam parte de um sistema de normas, um ordenamento jurídico, como expõe kelsen a seguir:
“Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum de validade de todas as normas pertencentes a uma mesma ordem normativa, o seu fundamento comum.” (KELSEN, 2000b, p.217)
A validade que a norma fundamental presta as outras normas de um ordenamento jurídico não está ligada ao conteúdo da norma inferior, uma vez que não é possível deduzir o conteúdo de uma norma inferior através de um raciocínio lógico derivado do conteúdo da norma fundamental. A norma fundamental para Kelsen (2000b, p. 221) não possui conteúdo, ela apenas determina a forma como as normas devem ser criadas. Assim, todas as normas criadas da forma prescrita são válidas. É pelo que se expôs, que todo e qualquer conteúdo pode ser Direito, não há neste ponto limitação material para a criação de normas.
A norma fundamental se refere imediatamente a uma constituição estabelecida de forma efetiva, seja produzida pelo costume, seja através da elaboração de um conjunto de normas reconhecidas no âmbito nacional e internacional, validando-a.
Vale ressaltar, que não se discutirá, entretanto a consideração que Kelsen faz em relação ao posicionamento da norma fundamental quando se toma o ordenamento jurídico de um Estado mergulhado no sistema global como parte de um conjunto de Estados, ou seja, quando consideramos a existência do Direito internacional.
2.2. Vigência e validade para Alf Ross
Antes de adentrar no tema desse título se faz necessário explicitar resumidamente o pensamento de Ross sobre as teorias que consideram a validade como algo metafísico, que pode ser extraída de uma idéiaa priore, ou seja, que as normas são válidas por elas mesmas e não possuem relação com a realidade, com a efetividade do direito.
Nesse desenrolar, Ross afirma que a palavra validade está carregada de simbolismos e de emoções, assim como a palavra Direito. E que a validade de um sistema de normas deve ser buscado em sua efetividade, assim, quando tratamos da validade e da vigência de uma ordem normativa estamos buscando interpretar um ordenamento jurídico positivo dentro de sua efetividade seu funcionamento na realidade. Esse autor, pelos motivos exposto, parece abandonar a palavra validade, substituindo-a pela palavra vigência (ROSS, 1961, p. 25-27).
A vigência, para esse autor, é algo que se processa no mundo do ser, tendo sua existência derivada da ocorrência de fatos que se processam na realidade. (ROSS, 1961, p. 25, 26, 27).
Nesse contexto, para que um sistema de normas seja vigente tem que servir como esquema interpretativo das ações sociais a que se refere, ou seja, suas normas têm que corresponder ao que realmente ocorre no mundo do ser. Com esta afirmação vê-se que a questão da vigência para esse autor repousa no fato das normas serem ou não efetivamente aplicadas, serem ou não sentidas como obrigatórias pelos seus destinatários. Chega-se, assim, a um ponto de divergência entre Ross e Kelsen. Para o primeiro a validade é algo do mundo do ser, enquanto para o segundo a validade pertence ao mundo do dever-ser. Ross, como se observa na citação abaixo, propala que a vigência é uma qualidade atribuída ao ordenamento jurídico como um todo, o que, todavia, não exclui a verificação da vigência de uma norma em particular. “O teste de vigência está no sistema na sua integralidade, utilizado como esquema interpretativo, fazer-nos compreender, não só a maneira de agir dos juízes como, mas também que estão agindo na qualidade de juízes. “(ROSS, 2000, p.61).
Entretanto, para que se faça a verificação se uma norma jurídica é vigente deve-se se referir ao ordenamento como um todo, ou seja, ao direito vigente.
As normas jurídicas têm como conteúdo ações humanas e são, segundo Ross, (2000, p. 59), determinantes das condições em que a força será exercida pelo Estado, ou seja, nas palavras desse próprio autor ”[...] normas que regulamentam o exercício da força ordenado pelos tribunais”. Dessa afirmação conclui que é nos tribunais, em suas decisões, que se deve procurar a efetividade que constitui a vigência do direito.
Acrescenta Ross que o sistema de normas que forma o ordenamento jurídico de um dado Estado é vigente se efetivamente operam na mente dos juízes. Posto isso, se conclui que o destinatário da norma, ou seja, quem cria a sua efetividade é o juiz e não as condutas dos particulares. Os juízes aplicam as normas que consideram obrigatórias, vigentes em um determinado ordenamento jurídico. Assim, a possibilidade de se prever que uma norma X será aplicada por um juiz nos diz se ela é vigente ou não, como afirma esse autor em trecho de sua obra:
“O teste de vigência é que nesta hipótese – ou seja, aceitando o sistema de normas como um esquema interpretativo – podemos compreender as ações do juiz (as decisões dos tribunais) como respostas plenas de sentido a dadas condições e, dentro de certos limites, podemos predizer essas decisões- do mesmo modo que as normas do xadrez nos capacitam a compreender os movimentos dos jogadores como respostas plenas de sentido e predizê-los.” (ROSS, 2000, p. 59)
O autor (ROSS, 2000, p. 63) acrescenta, ainda, que não se pode determinar se um conjunto de normas ou uma norma específica é vigente no presente apenas observando o passado. As decisões que foram tomadas no passado não têm obrigação de se repetir, assim os juízes podem decidir de certa forma por muitos anos e a partir de um momento qualquer, mudar as decisões e deixar de aplicar uma norma, por exemplo. Por tudo, para que se possam predizer as decisões que serão tomadas pelos juízes, mais do que uma análise comportamental desses, têm que se fazer uma análise ideológica, deve-se se perguntar qual a ideologia que move os juízes no momento presente.
3. Eficácia das normas jurídicas
3.1. Eficácia da norma jurídica em Hans Kelsen
Hans kelsen (2000a, p.55) faz uma diferenciação bem marcada entre a eficácia de uma norma jurídica ou de um ordenamento jurídico de sua validade. Inicialmente, porque a eficácia pertence ao mundo de ser enquanto a validade, como exposto anteriormente, pertence à ordem do dever-ser. A validade para esse autor é uma qualidade do Direito, enquanto a eficácia é uma qualidade da efetiva conduta dos homens e não do Direito em si. Assim, um ordenamento jurídico é eficaz quando a conduta efetiva dos homens se conforma às normas desse ordenamento. Cronologicamente, a eficácia vem após a vigência da norma, uma norma jurídica sempre entra em vigor antes de ser efetivamente aplicada.
Observa-se que a norma jurídica para Kelsen (2000b, p.12) possui dois destinatários, ou seja, para verificarmos se uma norma é eficaz devemos observar tanto o comportamento dos indivíduos, como se essa norma é efetivamente aplicada pelos juízes nos tribunais.
Nesse ponto, faz-se mister expor que como para kelsen a norma jurídica é um dever-ser e quem deve ser é a sanção, o destinatário primeiro da norma são os tribunais e juízes individuais. O indivíduo é destinatário direto, imediato, da norma que diz que se deve conduzir de certa forma, porém, essa obrigação de se conduzir de uma certa forma só é um dever se a norma for desmembrada em duas partes. A norma primária que estatui a sanção e a norma secundária, dependente da primária, que diz como o indivíduo deve se conduzir.
Essa divisão da norma, entretanto, segundo Kelsen, é apenas uma ficção, porque as normas genuínas são as normas primárias e apenas a sanção deve-ser e é válida, uma vez que o Direito é uma ordem coercitiva. Logo, quando o indivíduo comete um delito ele não está contestando a norma, uma vez que agir contrariamente à norma é exatamente a condição para que a sanção deva-ser[5].
Nesse caminhar, apenas os juízes e tribunais podem agir contra as normas primárias, ao não executar a sanção que dispõem. Para facilitar o entendimento, todavia, usa-se comumente a expressão obedecer às normas para a conduta do indivíduo e a palavra aplicação para o poder judiciário.
A eficácia de uma norma jurídica não está apenas condicionada a que ambos destinatários a apliquem ou observem, uma vez que se estabeleceria uma contradição. Quando uma norma é obedecida de forma integral ela não será aplicada pelos tribunais e será plenamente válida. Essa obediência, em grande parte das vezes, não deriva da obediência ao Direito, mas, ocorre quando uma norma do Direito corresponde a uma norma moral, por exemplo.
Apesar da diferenciação entre a validade e a eficácia esse autor esclarece que existe uma conexão entre elas, uma norma e mesmo um ordenamento jurídico só é valido se é minimamente observado ou aplicado.
A eficácia, portanto, não seria um fundamento para a validade das normas, mas, uma condição para que uma norma ou um ordenamento jurídico seja válido. A eficácia é condição de validade na medida que das normas devem ser eficazes para que não percam a sua validade. A validade é dada por uma outra norma, mas a condição de sua continuidade é verificada através de sua mínima efetividade, tanto para a norma singular, quanto para o ordenamento jurídico como um todo. Kelsen explica claramente a ligação entre vigência e validade quando diz:
“As normas de uma ordem jurídica positiva valem (são válidas) porque a norma fundamental que forma a regra basilar de sua produção é pressuposta como válida, não porque são eficazes; mas elas somente valem se esta ordem jurídica é eficaz. Logo que a Constituição e, portanto, a ordem jurídica que sobre ela se apóia, como um todo perde a sua eficácia, a ordem jurídica, e com ela cada uma de suas normas, perdem a validade.” (KELSEN, 2000b, p.237)
Como se verifica, Kelsen afirma no texto acima que se a ordem jurídica perde a sua eficácia cada uma de suas normas deixa de ser válida. Portanto, quando uma constituição revolucionária é colocada no lugar de outra e passa a ter eficácia, as normas criadas na vigência da constituição anterior perdem a sua validade. Os órgãos legislativos revolucionários, entretanto, não criam novamente todas as leis, mas recepcionam, através da nova constituição, parte das antigas leis. Só no momento que ocorre à recepção que essas normas voltam a valer, uma vez que tiram dessa nova constituição o seu fundamento de validade. Vale ressaltar que o contrário não ocorre, quando uma norma singular perde a sua validade o ordenamento jurídico continua válido
Um ordenamento jurídico precisa para ser considerado válido de um mínimo de eficácia e também de reconhecimento internacional. O Poder de um determinado Estado para ser eficaz precisa do reconhecimento interno, na forma de obediência e aplicação de suas normas, que é primordial, e do reconhecimento de sua soberania pela comunidade internacional.
3.2. Eficácia para Alf Ross
Não há como esclarecer o conceito de eficácia na concepção de Alf Ross sem demonstrar que para esse autor a vigência a validade e a eficácia se imiscuem. Que a validade e a vigência para Ross são sinônimas já se deu por provado em capítulo anterior. Assim, nos ateremos a evidenciar que a vigência da norma jurídica singular e do ordenamento como um todo se reduz em eficácia.
Para Ross a vigência/validade possui fundamento no mundo do ser; para Kelsen seu fundamento pertence à ordem do dever-ser. Ross, em sua obra Hacia una ciência realista delDerecho: critica del dualismo em elDerecho, critica o posicionamento de autores que afirmam que o direito extrai sua validade de uma idéiaa priore, ou seja que as normas são válidas por elas mesmas, (por seu conteúdo, pela forma como são postas e ainda por retirar sua validade de outra norma), desvinculadas da realidade. Não existe outra ordem que não a do ser, que essa divisão entre o ser e o dever-ser (e muitas outras divisões derivadas de outras teorias que não cabe indagar no presente estudo) cria um dualismo inútil para o Direito (ROSS, 1961, p. 15 -23). Esse entendimento pode começar a ser extraído do trecho abaixo:
“El plan de lasinvestigaciones a seguir es, del principio al fin, lademonstracióndel dualismo fundamental entre realidade y validez em el concepto general delderecho, y sus más importantes desarrolos em los conceptos jurídicos fundamentales; luegohacer patente las antinomias que como consequeconsequêncialestán como envueltas em lascorrespondientesdosctrinas de derecho y filosofia jurídica; despóes destruir essas antinomias reduciendolaracinalizacion de experiências de validez implícitas em los conceptos jurídicos y finalmente, y sobre la base del verdadeiro valor simbólico de lasnociones de validez reconstruir los conceptos y teoremas em cuestión.” (ROSS, 1961,p.22)
Eficaz é uma norma que é efetivamente aplicada pelos tribunais. Essa afirmação implica em se desconsiderar as ações dos sujeitos particulares. Não importa se a norma é obedecida ou não pelos indivíduos, sua efetividade não pode ser buscada nesse lugar, mas apenas na aplicação pelos juízes. Como propalado por Ross, “A efetividade que condiciona a vigência das normas só pode, portanto ser buscada na aplicação judicial do direito, não o podendo no direito em ação entre indivíduos particulares.”(2000, p.60)
A efetividade da norma jurídica só pode ser buscada nas decisões dos juízes ou dos tribunais porque para Ross são esses os destinatários imediatos das normas. O legislador cria a norma para ser aplicada pelos juízes e tribunais, porque, “Uma medida legislativa que não encerre diretivas para os tribunais só pode ser considerada como um pronunciamento ideológico-moral sem relevância” (ROSS, 2000, p.57). A instrução ao particular está implícita, uma vez que quando a norma se dirige aos juízes os particulares sabem[6] o que esperar como decisão desses juízes. A norma que se dirige aos particulares é de fato uma norma derivada, deduzida da norma criada pelo legislador.
Da teoria desse autor sobre a vigência e a eficácia das normas jurídicas singularmente consideradas e das normas jurídicas em conjunto se conclui que um ordenamento jurídico é eficaz e, por conseguinte, válido enquanto suas normas forem efetivamente acatadas pelos órgãos judiciários. Esse acatamento ocorre porque os juízes sentem essas normas como obrigatórias, aplicando-as.
Conclusões
A proposta do presente estudo foi explicitar o conceito dos atributos da norma jurídica, vigência validade e eficácia, para os positivistas Hans Kelsen e Alf Ross com vistas na repercussão que tais conceitos trariam para o dinamismo do ordenamento jurídico. Tais conceitos foram elucidados, tanto em relação à norma singular quanto em relação ao ordenamento jurídico como um todo, nos capítulos anteriores. Logo, cabe desenvolver qual as conseqüências retiradas das definições apresentadas em ambos autores para que se possa começar a compreender qual o ordenamento vigente (existente), válido em um determinado país (Estado) num dado momento, em última instância, e qual o dinamismo desse ordenamento, a forma e sua capacidade de mudança.
A diferença entre as possibilidades de modificação do ordenamento jurídico em ambos autores é mais tênue do que a que se poderia supor, embora o conceito apresentado por cada um deles sobre vigência validade e eficácia seja realmente muito díspar.
A dinâmica de um ordenamento jurídico se dá quando as normas que o compõe não são as mesmas por muito tempo. Algumas normas deixam de ser vigentes, válidas dando lugar a outras que teoricamente responderiam melhor às necessidades da sociedade[7]. Dado o que se expôs em todo o texto, teoricamente haveria maiores possibilidades de mudanças no ordenamento jurídico vigente segundo Ross.
As possibilidades de dinâmica dentro do ordenamento jurídico para Ross se dão principalmente pela sua concepção de vigência. Esse autor, como já se demonstrou, afirma que uma norma é vigente se se pode predizer que será aplicada pelos juízes, ou seja, que ela é vista como obrigatória por eles a ponto de motivá-los a aplicá-la. O caminho, apresentado por Ross, para se chegar à conclusão de que uma norma é vigente passa por investigar as ideologias particulares dos juízes, o que é de fato complicado de se fazer empiricamente. Esse autor ainda veda a possibilidade de compreender-se qual a norma vigente através da investigação de decisões já tomadas pelos juízes, uma vez que essas para ele se tratam apenas de fatos históricos, não trazem consigo a certeza da repetição. Assim, coloca a vigência de uma norma totalmente nas mãos dos juízes. A norma que o juiz considera como vigente o é, enquanto que a partir do momento que ele muda suas convicções, por motivos sociais ou mesmo particulares, a norma deixa de o ser.
Essa visão trás consigo duas implicações importantes. A primeira se perfaz no fato de que é extremamente difícil saber quais as normas vigentes hoje, por exemplo, no Brasil, uma vez que não há como se investigar com precisão as motivações e ideologias dos juízes. Esse problema se alarga, quando se considera que cada juiz tem sua ideologia particular e que na realidade elegem como direito vigente e aplicam, muitas vezes, normas contrárias. A segunda implicação se refere ao fato de que o juiz seria o único protagonista no contexto social a ser considerado para compreender-se qual o direito vigente, ou seja, é ele que dá vigência ao Direito.
A dificuldade de se predizer qual norma é tida como obrigatória pelo juiz, ou seja, qual norma que desobedecida pelo indivíduo teria como conseqüência a aplicação de uma sanção, nos leva a concluir que é quase impossível determinar qual o direito vigente hoje. Logo, não se pode saber, com uma quantidade razoável de certeza, como se conduzir segundo o Direito. O fato de que para Ross o juiz é o único a ser considerado para a investigação da vigência do Direito, ou seja, que a conduta dos indivíduos particulares não influi nessa averiguação, nos faz supor que o ordenamento jurídico é extremamente dinâmico.
Os juízes possuem uma história de vida pregressa que os influencia na compreensão da realidade e, por conseguinte, na escolha da forma de como interagir com os fatos sociais. Associado a esse fator tem-se que vários são os juízes e que a todo minuto estão aplicando o direito que tomam por obrigatório. A probabilidade de que cheguem as mesmas conclusões e que apliquem as mesmas normas é deveras pequena, mesmo que na realidade exista uma certa harmonia, um número razoável de aplicações coincidentes.
As decisões que serão tomadas pelos juízes, como único fator de vigência, nos leva à compreensão de que a possibilidade de que mudem de idéia, ou seja, que hoje elejam uma norma X como válida e de que amanhã não mais a tomem dessa forma, é muito grande. Esse entendimento trás duas conseqüências principais. A primeira é que seria gerada uma grande insegurança jurídica, a segunda é que apesar disso o Direito poderia evoluir rapidamente de acordo com a evolução da sociedade e seus valores.
Assim, de um lado, temos a dificuldade de se saber qual o ordenamento jurídico vigente e de outro, podemos pressupor que esse ordenamento é extremamente mutante, ainda que não possamos defini-lo com um mínimo de certeza.
Kelsen, diferentemente de Ross, considera que a vigência/validade do ordenamento jurídico é retirada da norma fundamental. Daí, a validade é algo pertencente ao mundo do dever-ser não podendo ser encontrada nas condutas humanas. Apesar dessa consideração esse autor nos afirma que para que um ordenamento jurídico mantenha a sua validade ele precisa ter um mínimo de eficácia. É esse mínimo de eficácia que será preponderante para a dinamicidade do ordenamento jurídico.
Para esse autor quando uma norma deixa de ser eficaz, ou seja, minimamente obedecida e aplicada ela perde a sua validade não pertencendo mais ao ordenamento jurídico. Porém, esse mínimo de eficácia é realmente uma minimalidade, ou seja, para que uma norma deixe de ser válida ela precisa não ser mais obedecida e nem aplicada. Isso é a desuetudo para Kelsen, ou seja, a revogação de uma norma pelo costume.
Kelsen, busca resolver o problema do engessamento do ordenamento jurídico através do instituto da desuetudo, porém, não obtém êxito, uma vez que o costume só revogaria normas que não são aplicadas e nem obedecidas. Logo, ainda que seja mínima a obediência e a aplicação de uma norma ela ainda seria considerada parte do Direito vigente. Assim, se conclui que a forma mais fácil de se revogar uma norma, utilizando o esquema de interpretação do ordenamento jurídico fornecido por Kelsen, seria através de procedimentos formais.
Apesar das considerações feitas acima a evolução do Direito apresentado por kelsen não é tão pequena, uma vez que ele dá ao juiz infinitas possibilidades de interpretar as normas vigentes. Esse autor diz que a interpretação de um fato por um juiz pode levá-lo a várias definições de quais normas aplicar e que esse só se encontra limitado por suas crenças e ideologias, as quais, não nos interessa indagar. Assim, a interpretação do Direito funciona como uma moldura em que cabe qualquer decisão, essa moldura ainda, não é fixa, se alarga para abarcar a decisão que é efetivamente tomada pelo juiz. Isso ocorre porque o juiz é um criador de normas individuais.
Entretanto, essas considerações não fazem com que o ordenamento vigente seja modificado para todos, uma decisão individual só vale para as partes, assim, só elas sentem a evolução do ordenamento, ou seja, só essas pessoas estão obrigadas as novas normas. Para os outros indivíduos o ordenamento continua o mesmo, sem mutações e as normas que por ventura deixaram de ser aplicadas em um caso concreto não deixam de ser vigentes. E ainda as novas normas que foram efetivamente aplicadas não passam a ser obrigatórias.
De acordo com as considerações desse autor o ordenamento jurídico que é vigente é facilmente identificável. Vigente é o ordenamento que é posto por uma autoridade competente, cuja competência é atribuída por uma norma, positivada, ou seja, posta, e em ultima escala pela pressuposta norma fundamental. Todavia, mesmo sabendo qual o ordenamento jurídico vigente não podemos predizer quais as normas serão aplicadas pelos juízes. Vale ressaltar que para kelsen, essa consideração nada influi na definição de Direito vigente. Por tudo, conclui-se que o ordenamento jurídico segundo esse autor é engessado e tem suas mudanças adstritas aos métodos formais apresentados pelo Direito.
Palavras-chave: Validade. Eficácia. Norma jurídica. Hans Kelsen. Alf Ross
Abstract: The positivists, object of this paper, give the duration, the validity and efficacy of the legal norm special emphasis in his papers. Hence arises the need to inquire what the vision of these authors on the attributes of the legal norm, qua part of a legal system given that the connection or not those elements would require differentiated dynamics in its functioning. Thus, the intention is to ask about the treatment given to validity, the validity and effectiveness of the legal norm by Hans Kelsen and Alf Ross. In the development of this article the concepts will be elucidated, both in relation singular norm as compared to the legal system as a whole. Will be addressed also the consequences of the definitions presented by the authors as well, so that they can understand what the legal system in force, valid in a particular country at a particular time and understand about their dynamism, their form and their ability to change.
Keywords: Validity. Efficacy.Legal norm.Hans Kelsen. Alf Ross
Sumário: Introdução. 1. Ordenamento jurídico. 1.1. Ordenamento jurídico para Kelsen. 1.2. Ordenamento Jurídico para Ross. 2. Vigência e validade das normas jurídicas. 2.1. Vigência e validade em Hans Kelsen. 2.2. Vigência e validade para Alf Ross. 3. Eficácia das normas jurídicas. 3.1. Eficácia da norma jurídica em Hans Kelsen. 3.2. Eficácia para Alf Ross. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
Validade e vigência possuem conceitos diferenciados para diversos autores. Miguel Reale expõe a validade da norma jurídica sobre três aspectos: “o da validade formal ou técnico-jurídica (vigência), o da validade social (eficácia ou efetividade) e o da validade ética (fundamento)” (REALE, 1999: 105). Aqui a vigência e a eficácias são tipos de validade, como se esta fosse o gênero e aquelas e o fundamento fossem as espécies. Esta diferenciação de conceitos suscita interesse em se saber como os autores Ross e Kelsen dissertam sobre esses caracteres.
Hans kelsen entende que o que fundamenta a validade de uma norma é uma outra norma imediatamente superior, e assim por diante até se chegar à constituição, criando, assim, uma unidade. Como a Constituição é a última das normas hierarquicamente consideradas indagar-se-ia sobre o seu fundamento de validade. A única forma de resolver este problema é considerarmos que existe uma norma pressuposta, a norma fundamental, sem conteúdo, que apenas impõe o dever de obedecer à constituição.
Nesse caminhar da teoria kelseniana, eficaz é a norma quando obedecida pelos indivíduos e/ou quando é aplicada nos tribunais, logo pertencente ao mundo do ser. Alf Ross, por outro lado, afirma que a validade de uma norma não é algo metafísico, mas sim algo do mundo do ser, que é experimentado empiricamente, contrariando as afirmações de Kelsen.
“Que elderechoseallamado positivo o em vigor, significa em primer lugar que este derecho esta estabelecido historicamente y há nacido como um hecho que continua estabelecido, sintener em cuendalajustícia de reglas que puderan ser derivadas de cualquies tipo superior de normas ideales que se acepten como válidas por símismas.” (ROSS, 1961, p.25)
Só é vigente o conjunto de normas que são aplicadas pelos tribunais, ou melhor, as normas que podemos predizer que serão aplicadas pelo juiz. Logo este autor reduz à vigência (validade) á eficácia.
Em conformidade com o pensamento deste autor, um ordenamento jurídico de um determinado país pode ser definido como um conjunto de normas que operam efetivamente na mente dos juízes.
Os conceitos de vigência, validade e eficácia são de extrema importância para se avaliar qual o ordenamento vigente no Brasil ou em qualquer outro país, hoje ou há cinco séculos. Como o significado destes caracteres varia muito entre os autores, é como se tivéssemos de acordo com cada autor, um ordenamento jurídico diverso em um mesmo país e em uma mesma época.
A definição desses conceitos nos leva a determinação de qual norma seria vigente (válida) e qual estaria revogada, fazendo-nos compreender qual a dinâmica do ordenamento jurídico na visão de ambos autores. Isso nos possibilitaria, a longo prazo, compreender quais os conceitos adotados hoje pelos juristas e pelo judiciário no sentido da compreensão da dinâmica das normas que compõe o complexo de leis de um Estado, tendo em vista que muitas das formações jurídicas ocorridas durante o momento histórico de afirmação do positivismo, ainda, são encontradas hoje.
O positivismo influenciou a criação das bases do Direito que hoje vige, por isso foram escolhidos para o estudo destes conceitos os autores positivistas Hans Kelsen e Alf Ross. Assim, conduziu-se pela hipótese de que se se partir da compreensão de Kelsen ou, então, do entendimento de Ross poderíamos concluir hipoteticamente que naquele o ordenamento seria mais engessado, menos dinâmico, do que em Ross.
Como já se encontra pacífico de que não existe pesquisa que seja neutra, uma vez que não se pode construí-las sem uma base, pois que não se firmaria como um trabalho científico, mas mera dissertação de opiniões pessoais, esse trabalho toma como marco teórico a definição de Positivismo Jurídico proposta por Norberto Bobbio:
“As características fundamentais do positivismo jurídico podem ser resumidas em sete pontos ou problemas [...]. [...] primeiro problema diz respeito ao modo de abordar, de encarar o direito: o positivismo jurídico responde a este problema considerando o direito como um fato e não como um valor [...].Deste comportamento deriva uma particular teoria da validade do direito, dita teoria do formalismo jurídico, na qual a validade do direito se funda em critérios que concernem unicamente à sua estrutura formal (vale dizer em palavras simples, o seu aspecto exterior),prescindindo do seu conteúdo[...].”(BOBBIO, 1999, p. 131).
Suas afirmações de que o realismo, onde se insere Alf Ross, pertenceriam ao positivismo jurídico, afirma Bobbio: “Uma corrente jurídica contemporânea (surgida no início do século passado), que pode ser considerada pertencente ao positivismo jurídico entendido em sentido genérico” (1999, p. 142).
1.Ordenamento jurídico
Para a compreensão do objeto da pesquisa é fundamental o estudo do ordenamento jurídico. É através da sua definição para cada um dos autores estudados que poderemos compreender a sua dinâmica. Essa dinâmica é dada pelos atributos da norma jurídica, ou melhor, pela forma com que esses atributos são considerados tanto para o ordenamento jurídico como para uma norma singular.
2.1. Ordenamento jurídico para Kelsen
O Direito é uma ordem da conduta humana, segundo Kelsen, (2000a, p. 5), entretanto, suas normas não versam apenas sobre as condutas humanas, mas sobre essas e seus efeitos. Isso ocorre porque a norma é que empresta sentido a um ato, uma conduta humana, logo, o que transforma um fato em um ato jurídico (lícito ou ilícito) não é a sua faticidade, mas o sentido objetivo que está ligado a esse ato, o seu significado. (KELSEN, 2000b, p. 4). Fatos outros que não a conduta humana podem também ser conteúdos de normas jurídicas, porém apenas as condutas humanas podem ser imputadas, ou seja, a sanção é sempre dirigida a uma conduta humana.
As normas podem possuir qualquer conteúdo, ainda que considerado injusto, uma vez que o Direito é avalorativo no sentido de que esse e a idéia de Justiça não se confundem. Ainda que possuindo normas dadas por “injustas” o ordenamento jurídico seria considerado Direito desde que válido e minimamente eficaz.
Quem coloca essas normas jurídicas, as cria, vota, sanciona e publica é quem elege qual conteúdo será Direito. Outrora, acreditava-se que o direito objetivo (conjunto de normas positivadas) surgia para satisfazer o direito subjetivo[1]. Assim, o ordenamento positivo teria como limitação de conteúdo o respeito ao direito subjetivo. Kelsen, entretanto, acredita que só existe direito subjetivo porque o direito objetivo concede. Logo, o direito subjetivo não é inerente à pessoa, mas o resultado da eleição dos criadores das normas. Faz-se necessário observar que os legisladores possuem apenas questões ideológicas e crenças morais próprias os limitando, quanto a qual conteúdo escolher para ser Direito.
Um conjunto de normas para formar um ordenamento jurídico precisa ter unidade. Essa unidade é dada pela norma fundamental. Todas as normas que têm sua validade em última instância retirada de uma mesma norma fundamental formam um ordenamento jurídico uno. A forma como as normas jurídicas retiram a sua validade da norma fundamental, faz com que o Direito seja considerado por Kelsen um ordenamento dinâmico[2], visto que a validade de suas normas não deriva do conteúdo da norma fundamental, mas do fato das normas serem produzidas da forma determinada por ela. (Kelsen, 2000b, p. 221)
Nesse caminhar, esse autor faz uma diferenciação entre a ordem do dever-ser em que se encontram as normas e a ordem do ser em que ocorrem as condutas humanas. Essas esferas não se imiscuem, ainda que formem uma tênue ligação, como afirmado por Kelsen:
“A expressão: “um ser corresponde um dever ser” não é inteiramente correta, pois não é o ser que corresponde ao dever ser, mas é aquele que “algo”, que por um lado “é”, que corresponde a aquele “algo”, que, por outro lado “deve ser”.” (KELSEN, 2000b, p. 7)
Essa ligação ocorre nos atributos da norma jurídica vigência/validade e eficácia. O conceito de validade de uma norma pertence à órbita do dever ser, uma vez que, o ato jurídico que deu origem a esta norma foi disciplinado por outra norma, e é essa norma superior que fundamenta a validade da norma inferior e assim sucessivamente. A eficácia por sua vez pertence ao mundo do ser e se verifica quando uma norma é observada e/ou aplicada. Vigência e eficácia se relacionam, na medida em que, para ser válida, uma norma deve ter um mínimo de eficácia e é nesse ponto que existe a ligação entre o mundo do ser e do dever-ser[3].
1.2. Ordenamento Jurídico para Ross
Alf Ross afirma, assim como Kelsen, que as normas podem ter qualquer conteúdo, logo, qualquer conjunto de normas pode ser chamado de Direito. Ele explica que a palavra Direito trás consigo uma carga emocional muito grande e é por isso que algumas pessoas dizem que a norma não pode ter um conteúdo que seja contrário a justiça, ou mesmo que um certo ordenamento jurídico não é Direito por ser injusto. Nesse sentido, salienta o autor:
“Asseverou-se que o sistema de violência de Hitler não era um ordenamento jurídico, e o “positivismos” jurídico foi acusado de traição moral por sua admissão não crítica de que tal ordem era direito. Contudo, uma terminologia descritiva nada tem a ver com a aprovação ou condenação moral. Embora eu possa classificar uma certa ordem como “ordenamento jurídico” é possível para mim ao mesmo tempo ter como meu dever moral mais elevado derrubar essa ordem.” (ROSS, 2000, p. 56)
Alf Ross compara o ordenamento jurídico a um sistema de normas que regem, por exemplo, um jogo de xadrez. As normas do xadrez constituem um sistema de normas coerentes, essa coerência é dada pelo fato de se tratar de normas que se referem aos movimentos dos jogadores dentro das partidas jogadas. Através do conhecimento dessas normas podemos predizer a forma como os jogadores agirão dentro do jogo, uma vez que, agirão de acordo com as normas que para eles são tidas como obrigatórias. O ordenamento jurídico de um estado, assim, como as normas do xadrez, possui uma coerência de significado. (ROSS, 2000, p. 56)
As normas jurídicas podem ser divididas de acordo com o seu conteúdo imediato em normas de conduta e normas de competência. As primeiras são as normas que prescrevem uma ação, as segundas são diretivas que dispõem que se uma norma é criada de acordo com os procedimentos estabelecidos essas são normas de conduta. Assim, esse autor (ROSS, 2000, p. 56-57) conclui que uma norma de competência não é senão uma norma de conduta expressa indiretamente. Essas normas de conduta têm como conteúdo a regulamentação o exercício da força física pelo Estado. Esse é o sentido que dá coerência ao conjunto de normas, o Direito, de um Estado.
Nesse sentido, afirma Ross que:
“[...] o ordenamento jurídico nacional estabelece um aparato de autoridades públicas (os tribunais e os órgãos executivos) cuja função consiste em ordenar e levar a cabo o exercício da força em casas específicos; ou ainda mais sinteticamente: um ordenamento jurídico nacional é o conjunto de regras para o estabelecimento e funcionamento do aparto de força do Estado.” (ROSS, 2000, p.58)
Tornou-se explicito acima, quais são as regras tidas como normas de um ordenamento jurídico, quais sejam as normas de conduta. Respondeu-se também a questão de que significado tem essas normas, concluindo que elas organizam e permitem o uso da força pelo Estado. Cabe, nesse contexto, indagarmos agora, para quem são dirigidas essas normas. Segundo esse autor (ROSS, 2000, p. 58), as normas são dirigidas aos juízes e não aos indivíduos particulares, os primeiros e não os últimos são seus destinatários imediatos[4].
2. Vigência, validade e eficácia das normas jurídicas
Tanto o autor Hans Kelsen como Alf Ross tomam a vigência da norma jurídica como sinônimo de validade. É possível verificar esta afirmação no livro Teoria pura do Direito de Hans kelsen e nas obras Hacia una ciencia realista delderecho: critica del dualismo enelderecho e Direito e justiça ambos de Alf Ross.
Para Kelsen, (2000b, p.11) “Dizer que uma norma vale (é vigente) traduz algo diferente do que se diz quando se afirma que ela é efetivamente aplicada e respeitada [...]”, Kelsen usa novamente essas palavras como sinônimas, no trecho que se segue:
“Se como propusermos, empregarmos a palavra “dever-ser” num sentido que abranja todas as significações, podemos exprimir a vigência (validade) de uma norma dizendo que certa coisa deve ou não deve ser, deve ou não ser feita.” (KELSEN, 2000b, p.11).
Esse autor além de utilizar uma palavra por outra ainda as conceitua da mesma forma. No trecho abaixo retirado de sua obra, acima referida, ele afirma que uma norma é vigente quando ela existe:
“Se designarmos a existência específica de uma norma como sua “vigência”, damos desta forma expressão à maneira particular pela qual a norma – diferentemente do ser dos fatos naturais - nos é dada ou se nos apresenta.” (KELSEN, 2000b, p.11).
Em seu livro Hacia uma ciência realista delderecho: Critica del dualismo em elDerecho esse autor diz que o direito em vigor é em primeiro lugar o direito que está estabelecido historicamente:
“Quelelderechoseallamado positivo o vigor, significa em primer lugar que este derecho está estabelecido historicamente y há nacido como um hecho que continua estabelecido, sintener em cuentalajusticia de reglas [...]Su validez no deriva de principiosracionales, sino de uma autoridade historicamente dada. Em segundo trémino, quieredecir que elderecho no es solamente um sitema de reglas validas, sino reglas que realmente y em general, son observadas.” (ROSS, 1961, p.25)
Este autor considera como uma realidade histórica, aquilo que tem efetividade, ou seja, o que se estabelece como obrigatório para os destinatários da norma.
Por tudo, neste trabalho os atributos vigência e validade da norma jurídica serão tomados como sinônimos.
2.1. Vigência e validade em Hans Kelsen
Inicialmente Kelsen afirma que uma norma é vigente quando existe, assim uma norma que não é vigente, não existe para esse autor. Para que uma norma se torne vigente se faz necessário que ela seja posta por uma autoridade competente. Entretanto, a existência da norma não se confunde com a existência dos fatos naturais e nem mesmo com os fatos pelos quais ela foi produzida, ou seja, a norma é algo diverso daquilo que a produziu, uma vez que é dever-ser enquanto à vontade que a produziu é um fato do mundo do ser. Assim, a vigência da norma não está condicionada a existência do ato de vontade que a criou. (KELSEN, 2000b, p.11)
A norma jurídica continua vigente mesmo que estes indivíduos deixem de querer seus resultados, uma vez que, após a publicação de uma norma, ou seja, sua entrada em vigor, os órgãos legislativos que a criaram se desvinculam dela. (KELSEN, 2000b, p. 11).
Tem-se assim, que a existência da norma não se limita pela existência do que lhe deu causa, entretanto, a norma pode ter uma limitação espaço-temporal. Uma norma vale por um período de tempo e em um espaço determinado, os quais são os domínios de vigência espacial e temporal da norma. (KELSEN 2000b, p. 13). Esse domínio de vigência pode ser limitado pela própria norma ou por uma norma superior que lhe faça referência. Pode também, ser ilimitado, ou seja, quando tem sua vigência em toda parte e sempre para determinados fatos.
Para Kelsen (2000b, p. 216,), o fundamento de validade de uma norma só pode ser a validade de uma outra norma, uma vez que ambas são produtos do mundo do dever-ser. O dever-ser se separa do ser, uma vez que do fato de algo dever-ser não se pode concluir que algo é. O mesmo se determina na hipótese de que também não podemos concluir que do fato de que algo seja segue-se que ele deva ser.
Assim, posto que o fundamento da norma é uma norma superior, faz-se necessário explicitar como isso ocorre. Antes de adentrar nessa questão, necessário é esclarecer que para o autor em questão não se poderia fundamentar a validade de uma norma simplesmente pelo fato de ela ser posta por uma autoridade competente, um ser humano ou mesmo Deus, pois o fundamento de validade do mandamento amar ao próximo como a ti mesmo não é o fato de Deus tê-lo posto como norma obrigatória, mas, uma norma pressuposta que diz que devemos obedecer às ordens de Deus, como esclarece o texto abaixo:
“Na verdade, parece que se poderia fundamentar a validade de uma norma com o fato de ela ser posta por uma autoridade, por um ser humano ou supra-humano: assim acontece quando se fundamenta a validade dos Dez Mandamentos com o fato de que Deus, Jeová, os ter dado no Monte Sinai; ou quando se diz que devemos amar os nossos inimigos porque Jesus, o Filho de Deus, o ordenou no sermão da Montanha. Em ambos os casos, porém, o fundamento de validade, não expresso mas pressuposto, não é o fato de Deus ou o Filho de Deus ter posto uma determinada norma num certo tempo e lugar, mas uma norma: a norma segundo a qual devemos obedecer aos mandamentos de Deus [...]”. (KELSEN, 2000b, p.215, 216).
Diante do exposto, chega-se a um problema, a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode perder-se no interminável, uma vez que uma norma imediatamente superior valida uma norma imediatamente inferior, e que outra norma superior à norma dita superior, valida esta última e assim por diante. Esse processo não parece ter fim, criando um problema para a teoria kelseniana sobre o fundamento de validade do ordenamento jurídico. Para solucioná-lo, Kelsen, propõe que esse processo precisa terminar em uma norma que se pressupõe como a última e a mais elevada das normas, que é chamada por ele de norma fundamental.
A norma fundamental é uma norma pressuposta, uma vez que não poderia ser posta por uma autoridade, já que a competência dessa autoridade teria que derivar de uma outra norma. Portanto, se chega a norma fundamental apenas por um exercício racional. Essa norma está no nível mais elevado de um ordenamento jurídico, logo acima da constituição, e todas as normas que retiram dela a sua validade seriam parte de um sistema de normas, um ordenamento jurídico, como expõe kelsen a seguir:
“Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum de validade de todas as normas pertencentes a uma mesma ordem normativa, o seu fundamento comum.” (KELSEN, 2000b, p.217)
A validade que a norma fundamental presta as outras normas de um ordenamento jurídico não está ligada ao conteúdo da norma inferior, uma vez que não é possível deduzir o conteúdo de uma norma inferior através de um raciocínio lógico derivado do conteúdo da norma fundamental. A norma fundamental para Kelsen (2000b, p. 221) não possui conteúdo, ela apenas determina a forma como as normas devem ser criadas. Assim, todas as normas criadas da forma prescrita são válidas. É pelo que se expôs, que todo e qualquer conteúdo pode ser Direito, não há neste ponto limitação material para a criação de normas.
A norma fundamental se refere imediatamente a uma constituição estabelecida de forma efetiva, seja produzida pelo costume, seja através da elaboração de um conjunto de normas reconhecidas no âmbito nacional e internacional, validando-a.
Vale ressaltar, que não se discutirá, entretanto a consideração que Kelsen faz em relação ao posicionamento da norma fundamental quando se toma o ordenamento jurídico de um Estado mergulhado no sistema global como parte de um conjunto de Estados, ou seja, quando consideramos a existência do Direito internacional.
2.2. Vigência e validade para Alf Ross
Antes de adentrar no tema desse título se faz necessário explicitar resumidamente o pensamento de Ross sobre as teorias que consideram a validade como algo metafísico, que pode ser extraída de uma idéiaa priore, ou seja, que as normas são válidas por elas mesmas e não possuem relação com a realidade, com a efetividade do direito.
Nesse desenrolar, Ross afirma que a palavra validade está carregada de simbolismos e de emoções, assim como a palavra Direito. E que a validade de um sistema de normas deve ser buscado em sua efetividade, assim, quando tratamos da validade e da vigência de uma ordem normativa estamos buscando interpretar um ordenamento jurídico positivo dentro de sua efetividade seu funcionamento na realidade. Esse autor, pelos motivos exposto, parece abandonar a palavra validade, substituindo-a pela palavra vigência (ROSS, 1961, p. 25-27).
A vigência, para esse autor, é algo que se processa no mundo do ser, tendo sua existência derivada da ocorrência de fatos que se processam na realidade. (ROSS, 1961, p. 25, 26, 27).
Nesse contexto, para que um sistema de normas seja vigente tem que servir como esquema interpretativo das ações sociais a que se refere, ou seja, suas normas têm que corresponder ao que realmente ocorre no mundo do ser. Com esta afirmação vê-se que a questão da vigência para esse autor repousa no fato das normas serem ou não efetivamente aplicadas, serem ou não sentidas como obrigatórias pelos seus destinatários. Chega-se, assim, a um ponto de divergência entre Ross e Kelsen. Para o primeiro a validade é algo do mundo do ser, enquanto para o segundo a validade pertence ao mundo do dever-ser. Ross, como se observa na citação abaixo, propala que a vigência é uma qualidade atribuída ao ordenamento jurídico como um todo, o que, todavia, não exclui a verificação da vigência de uma norma em particular. “O teste de vigência está no sistema na sua integralidade, utilizado como esquema interpretativo, fazer-nos compreender, não só a maneira de agir dos juízes como, mas também que estão agindo na qualidade de juízes. “(ROSS, 2000, p.61).
Entretanto, para que se faça a verificação se uma norma jurídica é vigente deve-se se referir ao ordenamento como um todo, ou seja, ao direito vigente.
As normas jurídicas têm como conteúdo ações humanas e são, segundo Ross, (2000, p. 59), determinantes das condições em que a força será exercida pelo Estado, ou seja, nas palavras desse próprio autor ”[...] normas que regulamentam o exercício da força ordenado pelos tribunais”. Dessa afirmação conclui que é nos tribunais, em suas decisões, que se deve procurar a efetividade que constitui a vigência do direito.
Acrescenta Ross que o sistema de normas que forma o ordenamento jurídico de um dado Estado é vigente se efetivamente operam na mente dos juízes. Posto isso, se conclui que o destinatário da norma, ou seja, quem cria a sua efetividade é o juiz e não as condutas dos particulares. Os juízes aplicam as normas que consideram obrigatórias, vigentes em um determinado ordenamento jurídico. Assim, a possibilidade de se prever que uma norma X será aplicada por um juiz nos diz se ela é vigente ou não, como afirma esse autor em trecho de sua obra:
“O teste de vigência é que nesta hipótese – ou seja, aceitando o sistema de normas como um esquema interpretativo – podemos compreender as ações do juiz (as decisões dos tribunais) como respostas plenas de sentido a dadas condições e, dentro de certos limites, podemos predizer essas decisões- do mesmo modo que as normas do xadrez nos capacitam a compreender os movimentos dos jogadores como respostas plenas de sentido e predizê-los.” (ROSS, 2000, p. 59)
O autor (ROSS, 2000, p. 63) acrescenta, ainda, que não se pode determinar se um conjunto de normas ou uma norma específica é vigente no presente apenas observando o passado. As decisões que foram tomadas no passado não têm obrigação de se repetir, assim os juízes podem decidir de certa forma por muitos anos e a partir de um momento qualquer, mudar as decisões e deixar de aplicar uma norma, por exemplo. Por tudo, para que se possam predizer as decisões que serão tomadas pelos juízes, mais do que uma análise comportamental desses, têm que se fazer uma análise ideológica, deve-se se perguntar qual a ideologia que move os juízes no momento presente.
3. Eficácia das normas jurídicas
3.1. Eficácia da norma jurídica em Hans Kelsen
Hans kelsen (2000a, p.55) faz uma diferenciação bem marcada entre a eficácia de uma norma jurídica ou de um ordenamento jurídico de sua validade. Inicialmente, porque a eficácia pertence ao mundo de ser enquanto a validade, como exposto anteriormente, pertence à ordem do dever-ser. A validade para esse autor é uma qualidade do Direito, enquanto a eficácia é uma qualidade da efetiva conduta dos homens e não do Direito em si. Assim, um ordenamento jurídico é eficaz quando a conduta efetiva dos homens se conforma às normas desse ordenamento. Cronologicamente, a eficácia vem após a vigência da norma, uma norma jurídica sempre entra em vigor antes de ser efetivamente aplicada.
Observa-se que a norma jurídica para Kelsen (2000b, p.12) possui dois destinatários, ou seja, para verificarmos se uma norma é eficaz devemos observar tanto o comportamento dos indivíduos, como se essa norma é efetivamente aplicada pelos juízes nos tribunais.
Nesse ponto, faz-se mister expor que como para kelsen a norma jurídica é um dever-ser e quem deve ser é a sanção, o destinatário primeiro da norma são os tribunais e juízes individuais. O indivíduo é destinatário direto, imediato, da norma que diz que se deve conduzir de certa forma, porém, essa obrigação de se conduzir de uma certa forma só é um dever se a norma for desmembrada em duas partes. A norma primária que estatui a sanção e a norma secundária, dependente da primária, que diz como o indivíduo deve se conduzir.
Essa divisão da norma, entretanto, segundo Kelsen, é apenas uma ficção, porque as normas genuínas são as normas primárias e apenas a sanção deve-ser e é válida, uma vez que o Direito é uma ordem coercitiva. Logo, quando o indivíduo comete um delito ele não está contestando a norma, uma vez que agir contrariamente à norma é exatamente a condição para que a sanção deva-ser[5].
Nesse caminhar, apenas os juízes e tribunais podem agir contra as normas primárias, ao não executar a sanção que dispõem. Para facilitar o entendimento, todavia, usa-se comumente a expressão obedecer às normas para a conduta do indivíduo e a palavra aplicação para o poder judiciário.
A eficácia de uma norma jurídica não está apenas condicionada a que ambos destinatários a apliquem ou observem, uma vez que se estabeleceria uma contradição. Quando uma norma é obedecida de forma integral ela não será aplicada pelos tribunais e será plenamente válida. Essa obediência, em grande parte das vezes, não deriva da obediência ao Direito, mas, ocorre quando uma norma do Direito corresponde a uma norma moral, por exemplo.
Apesar da diferenciação entre a validade e a eficácia esse autor esclarece que existe uma conexão entre elas, uma norma e mesmo um ordenamento jurídico só é valido se é minimamente observado ou aplicado.
A eficácia, portanto, não seria um fundamento para a validade das normas, mas, uma condição para que uma norma ou um ordenamento jurídico seja válido. A eficácia é condição de validade na medida que das normas devem ser eficazes para que não percam a sua validade. A validade é dada por uma outra norma, mas a condição de sua continuidade é verificada através de sua mínima efetividade, tanto para a norma singular, quanto para o ordenamento jurídico como um todo. Kelsen explica claramente a ligação entre vigência e validade quando diz:
“As normas de uma ordem jurídica positiva valem (são válidas) porque a norma fundamental que forma a regra basilar de sua produção é pressuposta como válida, não porque são eficazes; mas elas somente valem se esta ordem jurídica é eficaz. Logo que a Constituição e, portanto, a ordem jurídica que sobre ela se apóia, como um todo perde a sua eficácia, a ordem jurídica, e com ela cada uma de suas normas, perdem a validade.” (KELSEN, 2000b, p.237)
Como se verifica, Kelsen afirma no texto acima que se a ordem jurídica perde a sua eficácia cada uma de suas normas deixa de ser válida. Portanto, quando uma constituição revolucionária é colocada no lugar de outra e passa a ter eficácia, as normas criadas na vigência da constituição anterior perdem a sua validade. Os órgãos legislativos revolucionários, entretanto, não criam novamente todas as leis, mas recepcionam, através da nova constituição, parte das antigas leis. Só no momento que ocorre à recepção que essas normas voltam a valer, uma vez que tiram dessa nova constituição o seu fundamento de validade. Vale ressaltar que o contrário não ocorre, quando uma norma singular perde a sua validade o ordenamento jurídico continua válido
Um ordenamento jurídico precisa para ser considerado válido de um mínimo de eficácia e também de reconhecimento internacional. O Poder de um determinado Estado para ser eficaz precisa do reconhecimento interno, na forma de obediência e aplicação de suas normas, que é primordial, e do reconhecimento de sua soberania pela comunidade internacional.
3.2. Eficácia para Alf Ross
Não há como esclarecer o conceito de eficácia na concepção de Alf Ross sem demonstrar que para esse autor a vigência a validade e a eficácia se imiscuem. Que a validade e a vigência para Ross são sinônimas já se deu por provado em capítulo anterior. Assim, nos ateremos a evidenciar que a vigência da norma jurídica singular e do ordenamento como um todo se reduz em eficácia.
Para Ross a vigência/validade possui fundamento no mundo do ser; para Kelsen seu fundamento pertence à ordem do dever-ser. Ross, em sua obra Hacia una ciência realista delDerecho: critica del dualismo em elDerecho, critica o posicionamento de autores que afirmam que o direito extrai sua validade de uma idéiaa priore, ou seja que as normas são válidas por elas mesmas, (por seu conteúdo, pela forma como são postas e ainda por retirar sua validade de outra norma), desvinculadas da realidade. Não existe outra ordem que não a do ser, que essa divisão entre o ser e o dever-ser (e muitas outras divisões derivadas de outras teorias que não cabe indagar no presente estudo) cria um dualismo inútil para o Direito (ROSS, 1961, p. 15 -23). Esse entendimento pode começar a ser extraído do trecho abaixo:
“El plan de lasinvestigaciones a seguir es, del principio al fin, lademonstracióndel dualismo fundamental entre realidade y validez em el concepto general delderecho, y sus más importantes desarrolos em los conceptos jurídicos fundamentales; luegohacer patente las antinomias que como consequeconsequêncialestán como envueltas em lascorrespondientesdosctrinas de derecho y filosofia jurídica; despóes destruir essas antinomias reduciendolaracinalizacion de experiências de validez implícitas em los conceptos jurídicos y finalmente, y sobre la base del verdadeiro valor simbólico de lasnociones de validez reconstruir los conceptos y teoremas em cuestión.” (ROSS, 1961,p.22)
Eficaz é uma norma que é efetivamente aplicada pelos tribunais. Essa afirmação implica em se desconsiderar as ações dos sujeitos particulares. Não importa se a norma é obedecida ou não pelos indivíduos, sua efetividade não pode ser buscada nesse lugar, mas apenas na aplicação pelos juízes. Como propalado por Ross, “A efetividade que condiciona a vigência das normas só pode, portanto ser buscada na aplicação judicial do direito, não o podendo no direito em ação entre indivíduos particulares.”(2000, p.60)
A efetividade da norma jurídica só pode ser buscada nas decisões dos juízes ou dos tribunais porque para Ross são esses os destinatários imediatos das normas. O legislador cria a norma para ser aplicada pelos juízes e tribunais, porque, “Uma medida legislativa que não encerre diretivas para os tribunais só pode ser considerada como um pronunciamento ideológico-moral sem relevância” (ROSS, 2000, p.57). A instrução ao particular está implícita, uma vez que quando a norma se dirige aos juízes os particulares sabem[6] o que esperar como decisão desses juízes. A norma que se dirige aos particulares é de fato uma norma derivada, deduzida da norma criada pelo legislador.
Da teoria desse autor sobre a vigência e a eficácia das normas jurídicas singularmente consideradas e das normas jurídicas em conjunto se conclui que um ordenamento jurídico é eficaz e, por conseguinte, válido enquanto suas normas forem efetivamente acatadas pelos órgãos judiciários. Esse acatamento ocorre porque os juízes sentem essas normas como obrigatórias, aplicando-as.
Conclusões
A proposta do presente estudo foi explicitar o conceito dos atributos da norma jurídica, vigência validade e eficácia, para os positivistas Hans Kelsen e Alf Ross com vistas na repercussão que tais conceitos trariam para o dinamismo do ordenamento jurídico. Tais conceitos foram elucidados, tanto em relação à norma singular quanto em relação ao ordenamento jurídico como um todo, nos capítulos anteriores. Logo, cabe desenvolver qual as conseqüências retiradas das definições apresentadas em ambos autores para que se possa começar a compreender qual o ordenamento vigente (existente), válido em um determinado país (Estado) num dado momento, em última instância, e qual o dinamismo desse ordenamento, a forma e sua capacidade de mudança.
A diferença entre as possibilidades de modificação do ordenamento jurídico em ambos autores é mais tênue do que a que se poderia supor, embora o conceito apresentado por cada um deles sobre vigência validade e eficácia seja realmente muito díspar.
A dinâmica de um ordenamento jurídico se dá quando as normas que o compõe não são as mesmas por muito tempo. Algumas normas deixam de ser vigentes, válidas dando lugar a outras que teoricamente responderiam melhor às necessidades da sociedade[7]. Dado o que se expôs em todo o texto, teoricamente haveria maiores possibilidades de mudanças no ordenamento jurídico vigente segundo Ross.
As possibilidades de dinâmica dentro do ordenamento jurídico para Ross se dão principalmente pela sua concepção de vigência. Esse autor, como já se demonstrou, afirma que uma norma é vigente se se pode predizer que será aplicada pelos juízes, ou seja, que ela é vista como obrigatória por eles a ponto de motivá-los a aplicá-la. O caminho, apresentado por Ross, para se chegar à conclusão de que uma norma é vigente passa por investigar as ideologias particulares dos juízes, o que é de fato complicado de se fazer empiricamente. Esse autor ainda veda a possibilidade de compreender-se qual a norma vigente através da investigação de decisões já tomadas pelos juízes, uma vez que essas para ele se tratam apenas de fatos históricos, não trazem consigo a certeza da repetição. Assim, coloca a vigência de uma norma totalmente nas mãos dos juízes. A norma que o juiz considera como vigente o é, enquanto que a partir do momento que ele muda suas convicções, por motivos sociais ou mesmo particulares, a norma deixa de o ser.
Essa visão trás consigo duas implicações importantes. A primeira se perfaz no fato de que é extremamente difícil saber quais as normas vigentes hoje, por exemplo, no Brasil, uma vez que não há como se investigar com precisão as motivações e ideologias dos juízes. Esse problema se alarga, quando se considera que cada juiz tem sua ideologia particular e que na realidade elegem como direito vigente e aplicam, muitas vezes, normas contrárias. A segunda implicação se refere ao fato de que o juiz seria o único protagonista no contexto social a ser considerado para compreender-se qual o direito vigente, ou seja, é ele que dá vigência ao Direito.
A dificuldade de se predizer qual norma é tida como obrigatória pelo juiz, ou seja, qual norma que desobedecida pelo indivíduo teria como conseqüência a aplicação de uma sanção, nos leva a concluir que é quase impossível determinar qual o direito vigente hoje. Logo, não se pode saber, com uma quantidade razoável de certeza, como se conduzir segundo o Direito. O fato de que para Ross o juiz é o único a ser considerado para a investigação da vigência do Direito, ou seja, que a conduta dos indivíduos particulares não influi nessa averiguação, nos faz supor que o ordenamento jurídico é extremamente dinâmico.
Os juízes possuem uma história de vida pregressa que os influencia na compreensão da realidade e, por conseguinte, na escolha da forma de como interagir com os fatos sociais. Associado a esse fator tem-se que vários são os juízes e que a todo minuto estão aplicando o direito que tomam por obrigatório. A probabilidade de que cheguem as mesmas conclusões e que apliquem as mesmas normas é deveras pequena, mesmo que na realidade exista uma certa harmonia, um número razoável de aplicações coincidentes.
As decisões que serão tomadas pelos juízes, como único fator de vigência, nos leva à compreensão de que a possibilidade de que mudem de idéia, ou seja, que hoje elejam uma norma X como válida e de que amanhã não mais a tomem dessa forma, é muito grande. Esse entendimento trás duas conseqüências principais. A primeira é que seria gerada uma grande insegurança jurídica, a segunda é que apesar disso o Direito poderia evoluir rapidamente de acordo com a evolução da sociedade e seus valores.
Assim, de um lado, temos a dificuldade de se saber qual o ordenamento jurídico vigente e de outro, podemos pressupor que esse ordenamento é extremamente mutante, ainda que não possamos defini-lo com um mínimo de certeza.
Kelsen, diferentemente de Ross, considera que a vigência/validade do ordenamento jurídico é retirada da norma fundamental. Daí, a validade é algo pertencente ao mundo do dever-ser não podendo ser encontrada nas condutas humanas. Apesar dessa consideração esse autor nos afirma que para que um ordenamento jurídico mantenha a sua validade ele precisa ter um mínimo de eficácia. É esse mínimo de eficácia que será preponderante para a dinamicidade do ordenamento jurídico.
Para esse autor quando uma norma deixa de ser eficaz, ou seja, minimamente obedecida e aplicada ela perde a sua validade não pertencendo mais ao ordenamento jurídico. Porém, esse mínimo de eficácia é realmente uma minimalidade, ou seja, para que uma norma deixe de ser válida ela precisa não ser mais obedecida e nem aplicada. Isso é a desuetudo para Kelsen, ou seja, a revogação de uma norma pelo costume.
Kelsen, busca resolver o problema do engessamento do ordenamento jurídico através do instituto da desuetudo, porém, não obtém êxito, uma vez que o costume só revogaria normas que não são aplicadas e nem obedecidas. Logo, ainda que seja mínima a obediência e a aplicação de uma norma ela ainda seria considerada parte do Direito vigente. Assim, se conclui que a forma mais fácil de se revogar uma norma, utilizando o esquema de interpretação do ordenamento jurídico fornecido por Kelsen, seria através de procedimentos formais.
Apesar das considerações feitas acima a evolução do Direito apresentado por kelsen não é tão pequena, uma vez que ele dá ao juiz infinitas possibilidades de interpretar as normas vigentes. Esse autor diz que a interpretação de um fato por um juiz pode levá-lo a várias definições de quais normas aplicar e que esse só se encontra limitado por suas crenças e ideologias, as quais, não nos interessa indagar. Assim, a interpretação do Direito funciona como uma moldura em que cabe qualquer decisão, essa moldura ainda, não é fixa, se alarga para abarcar a decisão que é efetivamente tomada pelo juiz. Isso ocorre porque o juiz é um criador de normas individuais.
Entretanto, essas considerações não fazem com que o ordenamento vigente seja modificado para todos, uma decisão individual só vale para as partes, assim, só elas sentem a evolução do ordenamento, ou seja, só essas pessoas estão obrigadas as novas normas. Para os outros indivíduos o ordenamento continua o mesmo, sem mutações e as normas que por ventura deixaram de ser aplicadas em um caso concreto não deixam de ser vigentes. E ainda as novas normas que foram efetivamente aplicadas não passam a ser obrigatórias.
De acordo com as considerações desse autor o ordenamento jurídico que é vigente é facilmente identificável. Vigente é o ordenamento que é posto por uma autoridade competente, cuja competência é atribuída por uma norma, positivada, ou seja, posta, e em ultima escala pela pressuposta norma fundamental. Todavia, mesmo sabendo qual o ordenamento jurídico vigente não podemos predizer quais as normas serão aplicadas pelos juízes. Vale ressaltar que para kelsen, essa consideração nada influi na definição de Direito vigente. Por tudo, conclui-se que o ordenamento jurídico segundo esse autor é engessado e tem suas mudanças adstritas aos métodos formais apresentados pelo Direito.
Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. O positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1999.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6.ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1995.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000a.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000b.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
ROSS, Alf. Direito e justiça. Bauru: Edipro, 2000.
ROSS, Alf. Hacia uma ciência realista delderecho: critica del dualismo em elderecho. Buenos Aires: Abedo-Perrot, 1961
ROSS, Alf. Lógica das normas. Madri: Editorial Tecnos, 1971.
Notas:
[1] O direito subjetivo de um indivíduo, na concepção de Hans Kelsen, é na verdade um dever jurídico de outro indivíduo. Um indivíduo deve agir de uma forma x, quando isso não acontece surge para um outro indivíduo o “direito” de exigir que ele o faça. Esse chamado direito na verdade é apenas o reflexo do dever de agir do primeiro indivíduo (KELSEN, 2000b, p. 141-145).
[2] Segundo a natureza do fundamento de validade podemos distinguir dois tipos diferentes de sistemas de normas: um tipo estático e um tipo dinâmico. As normas de um ordenamento do primeiro tipo, quer dizer, a conduta dos indivíduos por ela determinada, é considerada como devida (devendo ser) por força do seu conteúdo: porque a sua validade pode ser reconduzida a uma norma a cujo conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento, como o particular ao geral. [...] O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de norma, a atribuição de poder a uma autoridade legislador ou – o que significa o mesmo – uma regra que determina como devem ser criadas as normas gerais e individuais do ordenamento fundado sobre essa norma fundamental. (KELSEN, Teoria pura do Direito, p. 217-219)
[3] Tratar-se-á separadamente de cada um desses atributos da norma jurídica nos próximos capítulos.
[4] Essa questão será mais bem vista no capítulo que fala sobre a eficácia da norma jurídica para Alf Ross.
[5] “A lei é a norma primária que estipula a sanção, e essa norma não é contestada pelo delito do sujeito, o qual pelo contrário, é a condição específica da sanção”. (KELSEN, 2000a, p. 87).
[6] Na verdade, os indivíduos, segundo próprio Ross, podem predizer a probabilidade de que os juízes decidam de acordo com uma norma determinada.
[7] Não se adentrou na discussão de se essas mudanças são positivas na realidade, ou seja, se essas normas novas atendem melhor as necessidades dos homens, coletivamente considerados.
Informações Sobre o Autor
Renata Silva GomesMestranda em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica PUC MINAS aprovada em primeiro lugar. Com Pós-graduação lato sensu em Direito Público Graduada pela Universidade Federal de Ouro Preto Advogada
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