quinta-feira, 24 de abril de 2014

Legitimidade Ativa e Representatividade na Ação Civil Pública

Resenha
GUEDES, Clarissa Diniz. Legitimidade Ativa e Representatividade na
Ação Civil Pública, 1 vol. br. 230 x 165mm, Rio de Janeiro, GZ Editora,
2012, 216p.

A obra em questão, articulada em quatro capítulos, com excelente
fundamentação histórica e consequente aplicação contemporânea, quer ser um estudo
vertical sobre a legitimidade coletiva face às exigências que o Direito enfrenta na
atualidade. O estudo visa realizar uma análise da representatividade dos legitimados
ativos na Ação Civil Pública.
A autora introduz a tese delimitando conceitualmente a legitimidade jurídica
compreendida a partir de dois aspectos: o subjetivo, como qualidade atribuída pela
ordem jurídica a um agente, autorizando-o à prática de determinados atos e o objetivo,
por sua vez, como o reconhecimento de uma situação “de facto” que seja capaz de
permitir a atuação do sujeito legitimado; entendendo-se esta mesma situação como
legitimante em relação ao processo, tornando patente a importância da correlação
existente entre o direito processual e o direito material.
Para melhor compreensão, há que se distinguir: em se tratando do processo civil
tradicional – o que tutela interesse de caráter individual – como regra, a figura do
legitimado coincide com aquele que detém o direito material deduzido em juízo;
apresentando-se ele mesmo como parte no processo. Ao contrário, no processo de
natureza coletiva, onde a legitimidade para representar os interesses de um grupo é
atribuída a um determinado sujeito, os interessados não figuraram como parte, mesmo
sendo possuidores do direito material. A autora entende que essa segunda forma de
legitimidade apresenta-se como solução processual para complexidade existente na
tutela de direitos e de interesses coletivos.
No processo coletivo o legitimado, para exercer o papel a que lhe foi confiado,
precisará vencer algumas dificuldades, conjuntamente, denominadas na obra em
questão, “carência organizacional” (GUEDES, 2012, 12p). Por exemplo, o legitimado
deverá conseguir identificar os reais interesses da classe a ser representada; possuir
condições suficientes para litigar em situação de igualdade; deter características que Revista Ética e Filosofia Política – Nº 15 – Volume 2 – Dezembro de 2012


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demonstrem a capacidade de representar os titulares do direito coletivo. Diante de tal
conceituação técnica, formulada pela autora, consegue-se reconhecer, a um só tempo, as
dificuldades e a importância da figura do legitimado para o direito coletivo.
A priori, bastaria apenas esclarecer que essa legitimidade coletiva decorre de
uma imposição legal, mas, sente-se a necessidade de se alcançar sua verdadeira
fundamentação, com vistas ao esclarecimento da qualidade capaz de elevar o sujeito à
condição de legitimado e à situação legitimante que lhe permita atuar.
Após dirimir a questão conceitual, a autora faz um mergulho na história,
chegando à conclusão de que esta mesma legitimidade surgiu como reflexo de uma
estrutura social, política e cultural; as representações coletivas se diversificavam em
decorrência dos variados contextos de um determinado momento. Mediante uma
incursão no tempo e no espaço, parte-se do mundo feudal anglo-saxônico na Idade
Média, marcado pela convivência comum e pela afinidade de interesses coletivos, sem
qualquer preocupação individual. Consequentemente, o instituto da legitimidade
coletiva seria apenas o reflexo de uma conjuntura, e dessa forma, a indicação do
legitimado era inerente às relações sociais, sem a preocupação com o exame prévio de
uma adequação com relação à própria legitimidade.
O perfil da sociedade altera-se, gradativamente, com a emergência do caráter
individualista, onde a legitimidade coletiva não é mais inerente à forma de convivência
social, mas decorre de uma justificação legal capaz de adequadamente representar os
interesses comuns que se associa especificamente em razão da demanda. Chega-se,
então, ao sólido instituto das class action norte americanas, que influenciaram
notadamente o direito processual brasileiro; trazem como diferencial, os requisitos de
admissibilidade, com a ideia da representação adequada. Estes requisitos
constituiriam questões “de facto” ou “de iure” entre os membros; além disso o
legitimado deveria ser parte do grupo e possuir esse interesse comum.
Avaliando a relevância da Ação Civil Pública no Direito Processual brasileiro, a
autora parte da constatação de que as ações coletivas surgiram no Brasil não em razão
da estrutura social, mas do reconhecimento da necessidade de se prover tutela adequada
aos direitos coletivos, uma vez que a proteção, apenas sob aspecto individual, se mostra
insuficiente. Busca-se principalmente na Teoria do Acesso à Justiça, a fundamentação Revista Ética e Filosofia Política – Nº 15 – Volume 2 – Dezembro de 2012


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para esclarecer a legitimidade no ordenamento jurídico brasileiro, reconhecendo a
obrigação da elaboração de mecanismos processuais aptos para estabelecer a igualdade
entre os litigantes, proporcionando uma representação legítima dos direitos coletivos em
juízo; com isto evitam-se a propositura de inúmeras ações individuais, o inchaço do
sistema judiciário, e a possibilidade das decisões judiciais contraditórias. Apesar da
influência norte americana, a legitimidade coletiva consolidou-se no ordenamento pátrio
com delimitações próprias, muito mais restritivas; ao contrário das class action, o
legislador estabeleceu um rol taxativo de legitimados, fazendo dessa forma uma análise
prévia da representação adequada.
A preocupação com a tutela coletiva foi se materializando paulatinamente em
regulamentações, alcançando recentemente o status constitucional – quando a Carta
Magna, em 1988, consolidou a Ação Civil Pública como instrumento adequado e capaz
de assegurar a proteção devida a todos os direitos de natureza coletiva – demonstrando
definitivamente sua relevância outorgada pelo ordenamento aos direitos coletivos. A
incorporação do processo coletivo no Direito brasileiro provocou ainda a flexibilização
de conceitos de natureza individualista, com vistas ao amplo acesso a uma ordem
jurídica mais justa.
O exame pormenorizado da legitimidade ativa na Ação Civil Pública é o
próximo passo a ser desenvolvido por Clarissa Guedes em sua obra, quando ressalta a
necessidade de se estabelecer parâmetros normativos que sejam apropriados a
identificar a adequação da mesma legitimidade ativa. O estudo nos leva a princípios
constitucionais como “ponto de partida” para verificar a existência da
representatividade adequada, uma vez que são estes as bases para as normas
regulamentadoras e para a sua hermenêutica. Configurando a influência destes
princípios nas regras referentes à legitimidade coletiva, a autora seleciona os que devem
nortear o direito processual, a saber: princípio do acesso à justiça, do devido processo
legal, da isonomia processual, do contraditório e da economia processual.
Por fim, ressalta-se a importância de existir uma apreciação em juízo, por
constatar, às vezes, que o ente, legalmente previsto como titular da Ação Civil Pública,
no caso específico, pode carecer de legitimidade, não se mostrando apto à defesa do
direito coletivo em jogo. Propõe-se como critério para a análise da representatividade
adequada os princípios constitucionais da ponderação, da proibição do excesso, da Revista Ética e Filosofia Política – Nº 15 – Volume 2 – Dezembro de 2012


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concordância prática, da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade. Conclui-se
pela necessidade de realização do exame, pelo magistrado, de representatividade, ainda
que não exista autorização legal expressa. O estudo encerra-se enumerando as novas
perspectivas de regulamentação e refletindo sobre o melhor caminho para assegurar o
acesso à ordem jurídica justa, no que se refere aos direitos coletivos.
Em se tratando de um juízo sobre A obra legitimidade ativa e
representatividade na Ação Civil Pública pode se afirmar com objetividade que o
estudo da professora Clarissa Guedes é vertical e inovador no sentido de se ir, ao
mesmo tempo, à fundamentação e à atualização da questão com prognósticos plausíveis.
Nitidamente divididos em 3 partes – conceituação; analítica histórica; aplicação e
prospectiva – os quatro capítulos se interrelacionam estreitamente mediante uma
dinâmica intrínseca e uma lógica natural que nos fazem ver a complexidade de um
instituto se desenvolvendo dialeticamente em contextos sociais, políticos e culturais,
portanto, plurais.
Uma das características de nossa civilização contemporânea é o pluralismo, a
crise de sentido e de orientação. Vindo em direção a esta dificuldade real o estudo
jurídico sistemático de Clarissa Guedes é sem dúvida alguma, ao mesmo, fundamentado
e inovador, mostrando-se útil a todos os que necessitam e se interessam pelo tema da
legitimidade. “Nova et vetera” (coisas antigas e novas) podem ser extraídas deste
tratado valiosíssimo.
Ariele Augusta Godinho

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