terça-feira, 15 de abril de 2014

DIREITO CIVIL - PRINCÍPIOS REGULADORES DO CONTRATO E SUAS RESPONSABILIDADES

O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA



Gustavo Henrique Schneider Nunes – Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo UNIVEM – Centro Universitário Eurípides de Marília; Mestrando em Direito pelo UNIVEM – Centro Universitário Eurípides de Marília; Advogado militante.


SUMÁRIO: Introdução. 1. Evolução histórica do princípio da boa-fé objetiva. 1.1. Direito romano. 1.2. Idade média. 1.3. Idade moderna. 2. A boa-fé objetiva, as codificações e as cláusulas gerais. 3. A boa-fé objetiva no Brasil. 4. Significados do temo boa-fé. 5. Conceito de boa-fé objetiva. 6. A função integrativa da boa-fé objetiva. 7. Função controladora da boa-fé objetiva. 8. Função interpretativa da boa-fé objetiva. 9. Os deveres contratuais anexos. 10. Fases do contrato e boa-fé objetiva. 10.1. Da responsabilidade pré-contratual. 10.1.1. Da recusa de contratar. 10.1.2. Das negociações preliminares. 10.2. Da responsabilidade pós-contratual. Considerações finais. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO


            Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 ocorreu uma verdadeira ruptura para com o modo tradicional de se interpretar e aplicar o Direito, tendo em vista que, a partir de então, tudo deve ser feito à luz dos princípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. Evidentemente, o Direito Civil não escapou do âmbito de incidência das normas constitucionais. Muito pelo contrário, estas modelaram todo o seu modo de ser, dando-se ensejo ao que muitos chamam de Direito Civil Constitucional.

É que no Estado contemporâneo, o operador do Direito deve ficar deixar de lado o positivismo jurídico clássico, tão estritamente legalista como ultrapassado, para se atender às normas de caráter aberto ou flexível, no caso do Direito Civil, devem ser realçados os princípios da sociabilidade, eticidade e operacionalidade, que influenciaram toda a elaboração do Código Civil de 2002.

Princípios outrora tidos como verdadeiros dogmas no plano da relação contratual divorciaram-se da tradição então reinante no plano no Direito Privado, e o Código de Defesa do Consumidor, sem sombra de dúvidas, exerceu fundamental importância para que isso acontecesse, uma vez que

as regras tradicionais do Direito Privado, fundadas na dogmática liberal do século XIX, não mais atendem às necessidades das relações jurídicas de hoje, notadamente em se tratando de negócios jurídicos de massa, realizados sob a forma de contratos padronizados e de adesão.[1]

            Nesta fase, princípios outrora consagrados, como o da autonomia da vontade das partes e o pacta sunt servanda, deixaram de ser intocáveis em face da publicização do Direito Privado, em especial nas áreas de obrigações e contratos.

            Ocorre que, em realidade, a autonomia da vontade

se apresenta sob duas formas distintas, na lição dos dogmatistas modernos, podendo revestir o aspecto de liberdade de contratar e da liberdade contratual. ‘Liberdade de contratar’ é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto a ‘liberdade contratual’ é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A primeira se refere à possibilidade de realizar ou não um negócio, enquanto a segunda importa na fixação das modalidades de sua realização.[2]

            Diante desta distinção, pode-se concluir, com segurança, que é a liberdade contratual quem tem sofrido as maiores e mais significativas restrições por Estado, porque a liberdade contratual, em tese, só sofre restrições em virtude da ordem pública, que representa a projeção do interesse social nas relações interindividuais. O ‘ius cogens’, o direito imperativo defende os bons costumes e a estrutura social, econômica e política da comunidade”.[3]

            Com a publicização, o Estado passa a interferir decisivamente nos contratos, valendo-se de preceitos de ordem pública, do elevado valor da função social do contrato, da supremacia do interesse público sobre o do particular e da boa-fé objetiva, que, em especial, será analisada com maior interesse neste estudo.

O princípio da boa-fé objetiva visa atender esse processo, revisando a força normativa dos princípios jurídicos e fazendo com que as normas jurídicas sejam mais facilmente adaptadas às novas necessidades da coletividade, que, como é sabido, se encontram em constante transformação, para que se profira a harmonização dos preceitos constitucionais de construir uma sociedade livre, justa e igualitária (artigo 3º) e dignificar a existência da pessoa humana (artigo 1º, inciso III).

            Ao se advogar a importância da boa-fé objetiva nos dias de hoje, não se está querendo inventar a roda, como alguns querem fazer crer, valendo-se do argumento de que a boa-fé sempre influenciou as relações jurídicas, pois inadmissível a adoção da má-fé como regra. A opção aqui feita por esse tema se justifica pelo fato de que somente no ano de 2002 o princípio da boa-fé objetiva foi positivado no bojo do Código Civil, o que, conseqüentemente, o torna legalmente exigível para as relações entre pessoas iguais.

É certo que até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 ele era concebido como princípio geral de direito, mas, infelizmente, tal status não lhe bastava para ser constantemente invocado pelos tribunais nas decisões que versassem questões controvertidas envolvendo manifestações de vontade.

Para Delia Matilde Ferreira,

o Princípio Geral da Boa-fé – com os demais princípios, cada um no seu âmbito – informa por força própria o ordenamento, impondo-lhe um caráter, e infundindo-lhe a fertilizante seiva dos princípios éticos, dos valores sociais, dotando-o, assim, de necessária flexibilidade, para manter sempre viva sua força e permitir a permanente adaptação das normas às circunstâncias.[4]

Agora, tendo em vista a crescente crise moral pela qual se depara a humanidade, talvez influenciada pelo selvagem sistema capitalista, a positivação do princípio da boa-fé objetiva revela-se absolutamente perspicaz, porque servirá como regra de conduta a ser seguida por todos os que convivem em sociedade, de maneira a moralizar o que sem coação tem se mostrado incontrolável.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

1.1. Direito Romano


            O princípio ético-jurídico da boa-fé objetiva, que consiste no dever de as partes agirem com lealdade em todas as fases do contrato, tem sua origem mais remota no Direito Romano, haja vista que lá a fides vedava a prática de um comportamento que pudesse tornar a execução do contrato mais difícil ou onerosa. Proibia-se, assim, estimular qualquer tipo de comportamento doloso em relação à execução do contrato.[5]

A expressão fides expressa a idéia de que a lealdade em todas as fases do contrato representa uma garantia às partes, pois essas mesmas partes hão de agir fincadas na palavra dada. Tanto que, conceitualmente, “a ‘fides’ pressupõe saber o que disse, cumprir o que se diz ou o que se promete. Evidencia uma exigência de respeito”.[6]

            Para Menezes Cordeiro,[7] “a ‘fides bona’ teria revestido, no período clássico, a natureza de norma jurídica objetiva de comportamento honesto e correto, respeitador da lealdade dos costumes do tráfico”. Ressalta-se, assim, que o momento de destaque da boa-fé objetiva se deu com a expansão comercial do Império Romano (século V a.C. a V d.C), quando observou-se que o formalismo não mais se mostrava suficiente para suprir as necessidades, razão pela qual desenvolve-se a boa-fé para enfrentar essa questão, pregando o valor da palavra dada.

            Nessa passagem,

Era necessário que as partes mantivessem a palavra empenhada qualquer que fosse o modo pelo qual viesse expressa, além de um comportamento que correspondesse ao costume das pessoas de bem e aos usos comercias. A evolução da boa-fé esteve, portanto, ligada ao desenvolvimento do comércio e à atenuação do formalismo primitivo, manifestando-se como lealdade à palavra dada.[8]

Com o surgimento do ius gentium, empregado nas relações entre os cidadãos romanos e os estrangeiros, a fides de preceito ético passou a ter conotação normativa, o que impunha sua aplicação a todos os homens, formando-se regras simples e flexíveis, baseada na fides e desligadas das antigas formas solenes do ius civile. Daí é que surge o conceito de ordem objetiva da fides bona, de maneira a expressar as noções de confiança, de correção, de honestidade e lealdade entre as partes e que deveriam à época nortear o vasto e emergente campo das relações comerciais.

Para se resolver conflitos de interesses decorrentes do não cumprimento dos contratos, ou ainda de seu parcial cumprimento ou mau cumprimento, a jurisprudência romana estabeleceu a bonae fidei iudicia como a ação adequada, e, no bojo dessa ação, possibilitava-se ao juiz não só declarar a existência e o valor da obrigação, mas também examinar o quanto autor e réu tinham se afastado das exigências impostas pela fides bona.[9] Ampliava-se, dessa forma, o poder discricionário do julgador.

Tamanha era a importância da boa-fé objetiva nesse período, que Cícero chegou a dizer que ela era o fundamento da justiça, isto é, a fidelidade e a sinceridade das palavras e acordos,[10] de maneira a fazer com que as partes agissem honestamente, repudiando a fraude.

1.2 Idade Média

            Já na Idade Média, sob forte influência do Direito Canônico, conferiu-se à boa-fé uma tonalidade ética que se equiparava à ausência de pecado, traduzindo-se em um desvio de aplicação; faltar com a palavra empenhada ou não agir de boa-fé era pecado.[11]

Tal interpretação era procedida em razão de o Direito Canônico ter laços morais e éticos muito mais estreitos do que os traçados pelo Direito Romano. Tanto é assim que quem procedesse com negligência voluntária ou habitual, ou seja, que não procedesse de maneira cuidadosa no decorrer da relação contratual estaria cometendo pecado.

            Dessa forma, a influência do Direito Canônico serviu para que se proclamasse a autoridade superior da Igreja Católica e para que o formalismo romanista fosse relativizado, mormente no que se refere à aplicação do princípio da boa-fé objetiva.

Porém, é na Baixa Idade Média (século VIII) que o princípio do consensualismo se firma, com respeito à palavra dada, por influência do Direito Canônico, conforme evidenciado na Decretais de Georgio IX, de 1243: “Pacta quantumque nuda servantur” (qualquer pacto, mesmo o nu, deve ser mantido).[12]

            1.3 Idade Moderna

Com a chegada da Idade Moderna, restou evidenciada a prevalência do princípio da autonomia da vontade, passando a boa-fé a ser considerada apenas sob o prisma subjetivo.

Com base nesse apontamento, a boa-fé passou a ter aplicação bastante restrita, sendo aplicada na maioria das vezes apenas no campo pertencente aos direitos reais, o que poderá ser observado no capítulo seguinte.

2. A BOA-FÉ OBJETIVA, AS CODIFICAÇÕES E A CLÁUSULAS GERAIS

            No que tange às codificações, pode-se dizer que a doutrina da autonomia da vontade foi nitidamente marcada pelos traços do individualismo (no campo filosófico) e do liberalismo (no campo econômico), de modo a consubstanciar o entendimento de que todo compromisso querido (liberdade absoluta das convenções) era justo.

            Com a supremacia dos ideais da burguesia francesa pós-Revolução, elaborou-se o Code Napoléon, em 1804, influenciando, de modo natural, o surgimento de outros códigos em diversos países - processo chamado de codificação -, em que o operador do Direito veio a sofrer limitações interpretativas. Ao juiz, para se ter idéia, somente era facultado declarar a “vontade da lei” ao caso concreto, tal como se fosse um oráculo da lei, ou melhor, tal como se fosse seu verdadeiro escravo. O juiz era, portanto, a bouche de la loi.[13]

            Sem querer enfrentar as mazelas que essa técnica interpretativa foi (e é) capaz de gerar, com o passar dos tempos, percebeu-se que a idéia de que o Código Civil deveria estabelecer, inflexivelmente, todas as situações fáticas possíveis de acontecer no cotidiano, merecia ser deixada de lado, a fim de dar lugar ao entendimento de que no bojo de um código civil devem estar presentes normas abertas e flexíveis, capazes de possibilitar a evolução do Direito sem que a intervenção legislativa apresente-se necessária.[14]

            Ao desenvolver este raciocínio, Sérgio Cavalieri Filho indaga o seguinte:

Por que as cláusulas gerais? Porque a sociedade moderna tornou-se tão complexa que não é mais possível legislar casuisticamente, fazer regulação particular, prever na norma todas situações que vão ocorrer na vida social. Particularismo não tem mais vez. Não há legislador que agüente. Ainda que o legislador conseguisse prever tudo em um determinado momento, amanhã já haveria algo diferente. Então não há outro caminho, a não ser adotar critérios de legislação mais avançados, baseados nas chamadas cláusulas gerais, nas quais temos uma moldura estabelecida em lei, dentro da qual caberá ao juiz formular a regra para o caso concreto. A regulação tem que ser genérica e geral. [15]

            Não é outro o posicionamento de Rogério Ferraz Donnini:

Na realidade, num mundo em que cada vez mais nos deparamos com a rapidez com que os fatos surgem e reclamam uma solução também célere do direito, o que se vê é um sistema legislativo incapaz de regular essa vasta gama de fatos que devem ser normatizados. Esse fenômeno, aliás, transcede nossas fronteiras e representa uma questão de difícil solução em todo o mundo. Destarte, as cláusulas gerais têm esse importante papel de tornar o sistema jurídico atualizado, para que possa responder eficazmente aos reclamos da sociedade. [16]

            Enfim, diante de um mundo globalizado, em que os fatos se sucedem de uma maneira extremamente veloz, tem-se que o ordenamento jurídico não deve ter a pretensão de prever todas as possíveis hipóteses geradoras da criação humana, sob pena de ser classificado como ultrapassado e desacreditado e, sobretudo, não dispor de meios para fazer com que o Estado cumpra com eficácia o seu dever de prestar tutela jurisdicional, tal como prometido na Constituição Federal.

            Advoga-se em defesa do uso das cláusulas gerais, porque elas possibilitam ao juiz um maior campo de atuação, ampliando a sua discricionariedade e fazendo com que um determinado fato melhor se ajuste às normas jurídicas, sobretudo às de índole constitucional.

3. A BOA-FÉ OBJETIVA NO BRASIL

            No Brasil, a boa-fé objetiva foi primeiramente inserida no art. 131 do Código Comercial de 1850, ao estabelecer que:

Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sob as seguintes bases: a inteligência simples e adequada, que for mais conforme a boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer a rigorosa e restrita significação das palavras.

            Com base neste importante dispositivo, muitas vezes esquecido durante o tempo em que esteve em vigor, o Superior Tribunal de Justiça proferiu o seguinte julgado:

Compra e venda. Laranja. Preço. Modificação substancial do mercado. O contrato de compra e venda celebrado para o fornecimento futuro de frutas cítricas (laranja) não pode lançar as despesas à conta de uma das partes, o produtor, deixando a critério da compradora a fixação do preço. Modificação substancial do mercado que deveria ser suportada pelas duas partes, de acordo com a boa-fé objetiva (art. 131 do Código Comercial). Recurso conhecido e provido. [17]

Dentro do direito comparado a boa-fé objetiva encontra-se elencada como princípio em vários ordenamentos jurídicos, haja vista que diante de flagrantes abusos, a liberdade contratual veio a sofrer temperamentos de ordem ética, com a aplicação da boa-fé objetiva.

            Marco inicial para uma mudança de pensamento foi o BGB (Código Civil alemão, de 1900), que em seu parágrafo 242, prevê a aplicação da boa-fé objetiva, endereçando-a ao juiz.

            Na Itália, o art. 1337 do Código Civil, de 1942, diz que as partes devem se comportar de acordo com os ditames da boa-fé (correttezza).

            O artigo 227 do Código Civil português, de 1996, também privilegia o princípio, ao estabelecer que: “Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nas preliminares como na formação dele, proceder de acordo com as regras de boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

            Já no Código Civil brasileiro de 1916, via-se, mesmo que não aparado pela melhor critério técnico, que a boa-fé objetiva tinha suas raízes fincadas no artigo 1443 (“Diz-se que o seguro é um contrato de boa-fé. Aliás todos os contratos devem ser de boa-fé”). Ora, se todos os contratos devem ser de boa-fé, por que essa regra fora disposta no interior de um artigo que trata do contrato de seguro? Não seria melhor tê-la inserido preliminarmente em uma parte de natureza geral?
            Mas, apesar dessa má regulamentação da boa-fé objetiva no bojo do Código Civil de 1916, podia-se deslumbrá-la, implicitamente, no art. 85 (“Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem”), preceito legal que para Maria Helena Diniz representava que

o intérprete do sentido negocial não deve ater-se, unicamente, à exegese do negócio jurídico, ou seja, ao exame gramatical de seus termos, mas sim, em fixar a vontade, procurando suas conseqüências jurídicas, indagando sua intenção, sem se vincular, estritamente, ao teor lingüístico do ato negocial.[18]
           
            Nos dizeres de Washington de Barros Monteiro,

Cuida-se inquestionavelmente de preceito salutar, impregnado de profunda sabedoria. Declaração que não corresponda ao preciso intento das partes é corpo sem alma. Deve ser arredado, portanto, entendimento que se apegue tão-somente à literalidade da estipulação, ‘quantum verba sonant’, com total desprezo da rigorosa intenção dos interessados e dos fins econômicos que os aproximaram. [19]

            E mais: “com relação aos contratos em geral, devem estes ser interpretados segundo a boa-fé, as necessidades do crédito e as leis da eqüidade”.[20]

            O restante das disposições legais do Código Civil de 1916, que dispunha algo a respeito da boa-fé, a tratava apenas sob seu aspecto subjetivo, conforme se nota nos artigos 109, 112, 500, 510, 516, 622, 1.002, 1.073, 1.405. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, no entanto, por haver uma significativa mudança dentro do capítulo referente à ordem econômica, inseriu-se o artigo 170, vislumbrando que: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios: ... V – defesa do consumidor”.

            E, como decorrência disso, fora editada a Lei nº 8.078/90, também conhecida como Código de Defesa do Consumidor, que de maneira inovadora em relação ao restante do mundo estabeleceu normas em um microssistema sobre as relações de consumo. Inclusive, o Código de Defesa do Consumidor manteve-se atento à tendência de se positivar princípios gerais de direito, como, por exemplo, prevendo o princípio da boa-fé objetiva em duas oportunidades, conforme se vê abaixo:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
III ‑ harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa‑fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV ‑ estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa‑fé ou a eqüidade.

            Transcorridos mais de dez anos da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, surgiu o novo Código Civil brasileiro, positivando o princípio da boa-fé objetiva, ao prever, no art. 422, que: Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa‑fé”.

            Como o Direito das Obrigações se trata de um ramo do Direito Privado extremamente ágil, a flexibilidade contida nas cláusulas gerais, como a que prevê a boa-fé objetiva, vai impossibilitar que a prestação jurisdicional seja dada de maneira equivocada, tendo em vista que o magistrado terá maior liberdade o seu poder de decisão.

            Na visão de Eduardo de Oliveira Gouvêa:

 

A liberdade para que o contrato seja celebrado, dentro de um estado que prestigia a democracia como sistema de governo e que tenha um núcleo social amadurecido e organizado, tem como lindes o justo equilíbrio entre as prestações recíprocas dos contratantes, propiciando assim que a liberdade individual torne-se poderoso instrumento para a concretização real da idéia do justo.[21]


            O princípio da boa-fé objetiva constitui, em realidade, princípio geral de direito positivado dentro do novo Código Civil brasileiro e deve ser aplicado com exatidão pela jurisprudência no seu papel intermediário entre a lei e o caso concreto, valendo-se, certamente, dos caminhos abertos pelo Código de Defesa do Consumidor, através do chamado “diálogo das fontes”.[22]

4. SIGINIFICADOS DO TERMO BOA-FÉ

            O termo boa-fé bifurca-se em dois sentidos: subjetivo e objetivo.

A boa-fé subjetiva consiste em um estado de espírito, um estado de consciência, como o conhecimento ou o desconhecimento de uma situação fundamentalmente psicológica.

            Para Otávio Guimarães, o estado psicológico da boa-fé subjetiva está ligado a noção de erro, salientando, para tanto, que

Ocorre um êrro, ou uma falsa representação da realidade, e tal fato determina uma apreciação defeituosa do acontecimento. O sujeito delibera, contrata e põe-se em relação com outras pessoas, acreditando que o fato tenha uma certa expressão, quando realmente é diverso o seu sentido. O êrro, então, gera a boa-fé, ou o pensamento de não ofender o direito alheio.[23]

            Com efeito, apenas o erro escusável é apto a revelar a boa-fé subjetiva, considerada como a concepção na qual o sujeito ignora o caráter ilícito de seu ato, comumente vis no âmbito do Direito das Coisas.

            Ao passo que a boa-fé objetiva versa sobre norma de conduta que determina a maneira como o sujeito deve agir no campo do Direito das Obrigações, segundo parâmetros de lealdade e probidade.

            A boa-fé objetiva possui um aspecto negativo e um positivo.
           
            Negativo, porque o contratante tem a obrigação de cumprir o contrato com lealdade e honestidade. É o caso do sujeito que diante do princípio da boa-fé objetiva se vê compelido a agir com lealdade ao vender o seu veículo automotor que possui vício oculto.

            Positivo, porque diz respeito à obrigação de cooperação entre os contratantes, para que seja cumprido o objeto do contrato da forma adequada, com todas as informações adequadas para o seu bom desempenho e conhecimento. Essas obrigações são vistas, principalmente, nas relações de consumo. Por exemplo, num contrato de prestação de serviços de natureza bancária, o banco é obrigado a informar o cliente a respeito de todas as cláusulas contratuais.

            Por fim, a boa-fé objetiva é considerada um standard jurídico, um parâmetro de comportamento, em que as atitudes dos contratantes (negativas e positivas) são valoradas de acordo com a lealdade, a probidade e a honestidade.

5. CONCEITO DE BOA-FÉ OBJETIVA

            O princípio da boa-fé objetiva tem como grande virtude fazer florescer na mente dos contratantes a idéia de procederem em todas as fases do contrato com correção, de forma que os contratantes passem a se encarar não como concorrentes, mas como parceiros.  Trata-se de uma cláusula geral que deve ser rigidamente cumprida pelos contratantes, a fim de harmonizar a relação contratual.

            Boa-fé objetiva, segundo magistério de Cláudia Lima Marques,

é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais. A proteção da boa-fé e da confiança despertada formam, conforme Couto e Silva, a base do tráfico jurídico, a base de todas as vinculações jurídicas, o princípio máximo das relações contratuais.[24]

            Ruy Rosado de Aguiar, citado por Renata Domingues Barbosa Balbino, conceitua-o da seguinte maneira:

Princípio Geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da avença.[25]

Essa boa-fé objetiva aludida no Código Civil de 2002 consiste em um verdadeiro padrão de conduta a ser seguido pelos contratantes, tendo como paradigma o comportamento do homem mediano, pois, do contrário, estar-se-ia abrindo grande margem de possibilidade para o cometimento de injustiças.

            Por oportuno, válido é o posicionamento sustentado por Régis Fichtner Pereira, em lição mencionada por Eduardo de Oliveira Gouvêa:

A experiência demonstra, como já referido, que não há como se exigir do homem médio um padrão de conduta absolutamente escorreito. O homem é um ser que por sua própria natureza possui defeitos. O Direito existe justamente para impedir que o homem extrapole certos limites, pois, se assim não fosse, se instalaria o caos absoluto e a lei do mais forte e do mais malicioso. A exigência de comportamento de boa-fé de que se está aqui tratando é a exigência jurídica e não a ética.[26]

            Não há que se falar no falecimento do princípio da autonomia da vontade dos contratantes, uma vez que ela continua a existir. Somente deixará de ser aplicado, em caso de colidência com a boa-fé. Na verdade, a boa-fé objetiva indicará a medida sobre a qual poderá ser aplicada a autonomia de vontade das partes. Em outros termos: o princípio da autonomia de vontade, quando ensejador de desequilíbrio contratual e de injustiças, cede seu espaço para o princípio da boa-fé objetiva, estabelecendo um equilíbrio contratual entre os contratantes.

            Conforme salienta o Flávio Alves Martins,

mesmo que se reconheça serem os particulares os melhores conhecedores de seus próprios interesses, não se pode deixar de considerar a importância da imposição de limites a esse princípio das obrigações, isto é, o da autonomia, que está submetido a uma revisão crítica, a qual se manifesta na redução do campo de sua aplicação, embora permaneça como essência do negócio jurídico.[27]

            Percebe-se, assim, que toda noção acerca do conceito de boa-fé objetiva encontra-se estritamente vinculada a preceitos de ordem ética e moral, que servem para demonstrar a influência de outras áreas do saber junto ao Direito, como são os casos, por exemplo, da Filosofia, História, Sociologia e Economia.


6. A FUNÇÃO INTEGRATIVA DA BOA-FÉ OBJETIVA

            Há de se destacar a função integrativa do princípio da boa-fé objetiva, porque, às vezes, os contratantes, ao redigirem o contrato, por omissão, deixam de prever alguma cláusula que poderá interferir no desenvolvimento contratual desejado pela lei e pela real vontade das mesmas partes.           

            Assim, a função do princípio da boa-fé objetiva, nessa hipótese, é acrescentar o que não consta expressamente do contrato, suprindo as falhas contratuais, inclusive atentando-se ao fato de que “nem sempre a vontade por si só é capaz de prever todas as possibilidades do negócio”.[28]

            Consoante o entendimento de Edílson Pereira Nobre Júnior,

o mandamento de que o devedor, ao cumprir a prestação, deva adaptar-se à boa-fé respalda essa assertiva, porquanto evoca a necessidade de, nas situações particulares de conflito, amoldar a resolução deste ao caminho da justiça material.[29]

Por ser uma cláusula geral aberta, como já salientado acima, o princípio da boa-fé objetiva possui uma certa dose de flexibilidade, no sentido de vir a adequar determinado contrato dentro da sistemática exigida na atual fase em que vivemos. Para tanto,
el juez podrá proceder a la integración del estatuto, integración que en este caso no consiste em completar, sino en corregir; no se incorpora una norma nueva, basada en el principio de buena fe, sino que se corrige una norma que atenta contra este principio básico en la regulación jurídica.[30]

            Há julgados que enfrentam a questão de maneira corajosa e correta, pronunciando-se a favor da função integrativa do princípio da boa-fé objetiva, por considerá-lo, acertadamente, um princípio geral de direito:

Responsabilidade civil. Estacionamento. Relação contratual de fato. Dever de proteção derivado da boa-fé. Furto de veículo. O estacionamento bancário que põe à disposição dos seus clientes uma área para estacionamento dos veículos assume o deve de proteger os seus e a pessoa do usuário. O vínculo tem sua fonte na relação contratual de fato assim estabelecida, que serve de fundamento à responsabilidade civil pelo dano decorrente do descumprimento do dever.[31]

            Assim, diante da ausência de alguma cláusula contratual, quer seja proposital ou não, verifica-se que a boa-fé objetiva visa corrigir essa falha, lançando sobre a relação contratual as cores que lhe são peculiares, ou seja, dentro de um padrão ético de conduta que deveria ser obedecido pelas partes.

7. FUNÇÃO CONTROLADORA DA BOA-FÉ OBJETIVA

            A boa-fé tem por escopo controlar todas as manifestações de vontade, limitando-as ao exercício de direitos daí decorrentes. Não mais se aplica o entendimento de que tudo que não estiver proibido no contrato ou na lei torna-se, por via de conseqüência, permitido. Essa visão ultrapassada dava azo a inúmeras falcatruas, sempre em prejuízo da parte mais vulnerável da relação jurídica.

            Portanto, sempre que alguma manifestação de vontade gerar algum efeito jurídico, deve-se atentar se essa mesma manifestação de vontade harmoniza-se ou não com o princípio da boa-fé objetiva, pois este passou a ser considerado pelo novo Código Civil como um verdadeiro divisor de águas a respeito do que é válido e do que não é.

            Comumente, vários excessos são encontrados no “mundo do Direito”, como sói acontecer em contratos de adesão, influenciados, na maioria das vezes, por cláusulas tidas por abusivas, capazes de comprometer o equilíbrio contratual. A boa-fé, quando se depara com os excessos, faz com que eles sejam contornados e adequados às normas de conduta exigidas. Sendo a boa-fé um padrão ético de conduta, um standard que visa impor lealdade, honestidade e probidade, toda manifestação que a desatenda deve ser controlada, visando a correta aplicação do direito ao caso concreto.

            Diante disso, restou possibilitada a revisão dos contratos de financiamento em que o consumidor não recebia a correta informação sobre reajuste em dólar, conforme se depreende do julgado abaixo:

Contrato de financiamento. Cláusula de reajuste pela variação cambial do dólar. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Violação dos princípios da transparência, da confiança e da boa-fé objetiva. Aplicação da teoria do rompimento da base do negócio jurídico. Bancos e financeiras, à luz do CDC, são fornecedores não apenas de serviços – cobrança de contas, tributos etc. –, como também produtos de crédito e dinheiro. São os produtos da atividade negocial das financeiras, créditos estes que, quando concedido ao devedor para que o utilize como destinatário final, sujeita-se à disciplina do Código de Defesa do Consumidor por força do disposto em seus arts. 3º, § 2º, e 52 e incisos. Viola o princípio da transparência a cláusula contratual que estabelece o reajuste das prestações pela variação do dólar sem que tenham sido dados ao consumidor todos os esclarecimentos necessários sobre os riscos e conseqüências da mesma, pelo que deve ser considerada ineficaz. Viola também dia cláusula o princípio da confiança na medida em que a súbita elevação do dólar frustrou a legítima expectativa do consumidor de que teria condições de continuar pagando as prestações até o final do vencimento e, assim, adquirir definitivamente o seu veículo. A cláusula de reajuste pela variação do dólar viola, ainda, o princípio da boa-fé objetiva porque o financiador, através dela (cláusula), procurou transferir para o consumidor os riscos do seu negócio, riscos esses que não lhe eram desconhecidos, tanto assim que deles procurou se livrar. O CDC, em seu art. 6º, V, permite expressamente a revisão das cláusulas contratuais sempre que fatos supervenientes os tornem excessivamente onerosos. Ali não mais se exige que esses fatos supervenientes sejam imprevisíveis, como na clássica teoria da imprevisão, bastando que sejam inesperados. A questão da desvalorização do real frente ao dólar é, sem dúvida, típico caso do rompimento da base do negócio jurídico, pois, embora previsível, foi um fato não esperado pelo consumidor em face das constantes promessas do Governo no sentido de não alterar a política cambial. Esse fato previsível, mas não esperado, situa-se na área do risco inerente a qualquer atividade negocial, não podendo ser transferido para o consumidor. Por último, o reajuste com base em moeda estrangeira em contratos firmados e executados no Brasil somente é cabível mediante a prova de que a quantia financiada é resultado de empréstimos efetivamente obtidos pela financeira no exterior, não bastando a mera alegação. Desprovimento do recurso”.[32]

            Encontrando cláusula contratual que contrarie ao princípio da boa-fé objetiva, o magistrado deve, em um primeiro momento, considerá-la nula de pleno direito, para, posteriormente, reescrevê-la, de forma a adequá-la à real vontade das partes e ao princípio, preservando a existência do contrato, se possível.

            Em um caso de abuso de direito, o Superior Tribunal de Justiça, decidiu que:

Conta corrente. Apropriação do saldo devedor pelo banco credor. Numerário destinado ao pagamento de salários. Abuso de direito. Boa-fé. Age com abuso de direito e viola a boa-fé o banco que, invocando cláusula contratual constante do contrato de financiamento, cobra-se lançando mão do numerário depositado pela correntista em conta destinada ao pagamento dos salários de seus empregados, cujo numerário teria sido obtido junto ao BNDES. A cláusula que permite esse procedimento é mais abusiva que a cláusula-mandato, pois, enquanto esta autoriza apenas a constituição do título, aquela permite a cobrança pelos próprios meios do credor, nos valores e no momento por ele escolhidos. Recurso conhecido e provido.[33]

               A função controladora, como se vê, pretende coibir qualquer prática ou tentativa que vise desvirtuar a aplicação da boa-fé objetiva, mesmo que, para tanto, haja a necessidade de se considerar nula uma ou algumas cláusulas contratuais convencionadas pelas partes, interferindo-se, dessa forma, na autonomia da vontade.

8. FUNÇÃO INTERPRETATIVA DA BOA-FÉ OBJETIVA

            Ao se proferir a avaliação das normas, deve-se observar o objetivo de se determinar o sentido das estipulações contidas no pacto celebrado, de maneira a se permitir até mesmo sua reconstrução pelo julgador, porque por facultado se tem a interferência judicial nos direitos e deveres das partes envolvidas na relação jurídica obrigacional, que, diga-se de passagem, consiste em um das suas principais razões de ser.

            Por intermédio da interpretação, busca-se descobrir o verdadeiro sentido de uma determinada manifestação de caráter negocial. Existindo uma lacuna ou até mesmo uma expressão confusa, dificultando a tarefa do intérprete, deve-se socorrer da boa-fé objetiva.

            Assim houve por bem decidir o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:
 
Seguro – Plano de Saúde – Doença Preexistente – Inocorrência – Implante de prótese Declarado na próstata – Revisão quase dez anos após a celebração do seguro – Exclusão, no contrato, de processo degenerativo – Cláusula restrita que, apesar de legal, deve ser interpretada de forma razoável, à luz do bom-senso e da boa-fé – Abusividade Reconhecida – Ação procedente – Embargos rejeitados - Ementa oficial: Contrato de  Seguro-Saúde - Embora legais, as cláusulas que restringem os riscos assumidos pela seguradora devem ser interpretadas de forma razoável, em conformidade com o bom senso e a boa-fé que necessariamente informam os contratos, de modo que a exclusão de doenças e lesões preexistentes não importem a não cobertura da futura necessidade de renovação de cirurgias anteriores ou de atendimento, dado seu atual estágio involutivo, de processos degenerativos cujas origens podem remontar a um passado distante.[34]
 
            Nem sempre a manifestação de vontade viciada influi de maneira decisiva sobre o objeto principal do negócio jurídico. No entanto, como a boa-fé se reveste em um verdadeiro norte a ser seguido, deve-se aplicá-la, para, ao menos, retificar defeitos de expressão, pois ”embora a função interpretativa não altere a estrutura da relação obrigacional, pode alterar o conteúdo dos elementos que dela se desenvolvem, valorizando-se o significado objetivo das expressões e estipulações feitas pelas partes”.[35]

            Essa interpretação deve ser proferida de uma maneira equilibrada, atentando-se para a autonomia de vontade e para os princípios que norteiam o direito obrigacional, do qual se destaca o da boa-fé objetiva, sem perder de vista o momento histórico vivido pela sociedade.

            Como um elemento de interpretação da boa-fé, urge destacar a função limitadora, que leva em conta a teoria dos atos próprios (venire contra factum propirum), porque se uma das partes contratantes agiu de determinada forma durante qualquer fase do contrato, torna-se inadmissível que em momento posterior venha agir em total contradição com a conduta antes praticada.

            Trata-se de um aspecto negativo derivado do princípio da boa-fé objetiva, que tem por finalidade impedir a prática de atitudes contraditórias por parte de um sujeito integrante de uma determinada relação contratual. Por outro lado, trata-se também de um aspecto positivo ao estabelecer a exigência de atuação com coerência, que nada mais é do que uma vertente do imperativo de observar a palavra dada, contida na cláusula geral de boa-fé.

            Ao se limitar o campo de atuação dos contratantes, quer-se evitar que um contratante venha a adotar mais de um padrão de conduta, buscando angariar possíveis vantagens de acordo com o que cada situação possa lhe oferecer.

Havendo duas ou mais interpretações para uma mesma estipulação contratual, deve o intérprete fazer prevalecer o entendimento que melhor represente a vontade das partes e que esteja de acordo com a exigência de atuação da boa-fé objetiva.

            Importa frisar também que esse mesmo intérprete deve, sempre que possível, fazer um esforço intelectual no sentido de não extinguir o contrato celebrado pelas partes, haja vista que não é essa a vontade das partes que o celebram.

            Por isso, sempre que um contrato for omisso, dúbio ou contenha cláusula com teor completamente distante do desejado pelo ordenamento jurídico, caberá ao operador do direito a tarefa de aproveitar a parte do contrato que não se mostrar imprestável e adequar as cláusulas que não atenderam o seu fim para que se verifique harmonia contratual.

9. OS DEVERES CONTRATUAIS ANEXOS

            Ao lado da função limitativa de direitos encontram-se situados os denominados deveres contratuais anexos, frisando que o contrato não produz somente os deveres expressamente convencionados entre as partes, pois cria deveres que decorrem implicitamente dele e que também obrigam os contratantes.

            O padrão de comportamento a ser cumprido pelo contratante não se estende apenas ao que se encontra estipulado nas cláusulas contratuais. A boa-fé objetiva transfere para os contratantes a obrigação de também cumprirem os deveres implicitamente decorrentes de uma relação contratual.

            O dever de informar tem de ser exercido da maneira mais abrangente possível, sempre levando em consideração a complexidade técnica, a especialização do negócio, o nível cultural do outro contratante etc., sem perder de vista a possibilidade de a outra parte merecer maior atenção em virtude de sua menoridade, de não dominar o idioma estrangeiro, ser portador de algum defeito físico, dentre outros.

            Há de se observar, ainda, a questão do abuso de confiança, em que uma das partes confere poderes à outra, não exigindo informações acerca do futuro negócio. Exemplo: A valendo-se da confiança que B lhe deposita, celebra com C um contrato de compra e venda de caráter aleatório, comprometendo o patrimônio de A.

Dentro desses deveres anexos os que mais se destacam são os de informar e de cooperar e que se encontram com mais freqüência regulando as relações de contratuais. É o que ocorre, por exemplo, com o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor (princípio da vinculação), ao estabelecer que
toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

            Por isso é que se entende exigível a colocação de preços em todos produtos de um supermercado, pois estes devem fornecer ao consumidor informações claras, adequadas, corretas, precisas e ostensivas sobre os preços de seus produtos colocados à venda. Não basta que haja código de barras nos produtos colocados à venda. Para atender aos comandos da legislação consumeirista, devem os supermercados colocar os preços em todos os produtos, sem prejuízo do código de barras e do preço constante nas prateleiras.

            Outro caso que pode ser destacado e que geralmente sói em ocorrer é a omissão das instituições financeiras de informar de modo correto e claro o cliente de todos os termos do contrato, a fim de que ele não seja surpreendido de maneira desagradável no futuro. Como a maioria esmagadora dos contratos envolvendo instituições financeiras é caracterizada pela completa adesão do cliente aos termos já de antemão estabelecidos por ela mesma, o dever de informação é o mínimo que se pode exigir no caso, quer se apliquem as regras do Código de Defesa do Consumidor, quer se apliquem as do Código Civil.

            Em relação ao dever de cooperação, merece atenção especial o julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que, apesar de versar sobre uma relação de consumo, serve como paradigma para a aplicação do princípio da boa-fé objetiva nas relações obrigacionais “entre iguais” contidas no novo Código Civil:

Plano de saúde. Limite temporal de internação. Cláusula abusiva. 1. É abusiva a cláusula que limita no tempo a internação do segurado, o qual prorroga a sua presença em unidade de tratamento intensivo ou é novamente internado em decorrência do mesmo fato médico, fruto de complicações da doença, coberta pelo plano de saúde. 2. O consumidor não é senhor do prazo de sua recuperação, que, como é curial, depende de muitos fatores, que nem mesmo os médicos são capazes de controlar. Se a enfermidade está coberta pelo seguro, não é possível, sob pena de grave abuso, impor ao segurado que se retire da unidade de tratamento intensivo, com o risco severo de morte, porque está fora do limite temporal estabelecido em uma determinada cláusula. Não pode a estipulação contratual ofender o princípio da razoabilidade, e, se o faz, comete abusividade vedada pelo art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor. Anote-se que a regra protetiva, expressamente, refere-se a uma desvantagem exagerada do consumidor e, ainda, a obrigações incompatíveis com a boa-fé e eqüidade. 3. Recurso especial conhecido e provido.[36]
                                   
            Portanto, o dever de cooperação faz florescer na mente dos contrates a idéia de que o individualismo deve ser superado, a fim de que a relação contratual possa ser vista como uma relação de parceria. Enfim, a harmonia deverá prevalecer.

10. FASES DO CONTRATO E BOA-FÉ OBJETIVA

            Em que pese o fato do artigo 422 do Código Civil estabelecer que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, verifica-se que tal princípio deve ser aplicado em todas as fases do contrato, incluindo as fases pré-contratual e pós-contratual.

            Isso não autoriza a dizer, “que as partes estão obrigadas a uma espécie de bondade piedosa ou solidariedade altruísta, mantendo-se mais preocupadas com o interesse alheio do que com o próprio”,[37] porque, de acordo com Sylvio Capanema de Souza, citado por Eduardo de Oliveira Gouvêa,

O princípio da boa-fé objetiva exige que os contratos tenham equações econômicas razoavelmente equilibradas. Não que seja pecado ou crime lucrar no contrato, pois ninguém contrata por diletantismo ou altruísmo, todos nós contratamos para tirar do contrato um proveito econômico principalmente numa sociedade capitalista como a nossa. Só que esse proveito econômico agora tem um limite da construção da dignidade do homem, da eliminação da miséria, das injustiças sociais, fazer com que os contratos não estejam apenas a serviço dos contratantes, mas também da sociedade, construindo o que se convencionou chamar o estado do bem-estar.[38]

            A lei, absolutamente, não quis exigir o sacrifício de um contratante para beneficiar os interesses do outro. O que ela pretendeu foi tão-somente exigir que as partes integrantes da relação contratual ajam impelidas pela boa-fé objetiva em todas as fases contratuais, de maneira que a lealdade venha a prevalecer sobre qualquer circunstância, até mesmo sob dogmas outrora consagrados, como a autonomia da vontade e o pacta sunt servanda.

            Em conjunto com a função social do contrato, o princípio da boa-fé objetiva deve ser aplicado em sua inteireza, a fim de atender as necessidades sociais e econômicas de nossa época. A autonomia da vontade das partes, em qualquer fase do contrato, não é mais encarada de forma absoluta. Quando em confronto com a função social do contrato, a boa-fé objetiva, o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular e as normas de ordem pública, tem-se que a autonomia da vontade das partes não pode prosperar. Por isso, dada a abrangência contida no princípio da boa-fé objetiva, nota-se que a sua observância deve ser estendida a todas as fases contratuais, respeitando todas as espécies de deveres daí oriundos.

            Esse é também o posicionamento de Antônio Junqueira de Azevedo, ao dizer que:

o pensamento, infelizmente, ainda muito difundido, de que somente a vontade das partes conduz o processo contratual, deve ser definitivamente afastado. É preciso que, na fase pré-contratual, os candidatos a contratantes ajam, nas negociações preliminares e na declaração de oferta, com lealdade recíproca, dando as informações necessárias, evitando criar expectativas que sabem destinadas ao fracasso, impedindo a revelação de dados obtidos em confiança, não realizando rupturas abruptas e inesperadas das conversações, etc. Aos vários deveres dessa fase, seguem-se deveres acessórios à obrigação principal na fase contratual – quando a boa-fé serve para interpretar, completar ou corrigir o texto contratual – e, até mesmo, na fase pós-contratual, a boa-fé também cria deveres, os posteriores ao término do contrato – são os deveres post factum finitum, como o do advogado de guardar os documentos do cliente, o do fornecedor de manter a oferta das peças de reposição, o do patrão de dar informações corretas sobre o ex-empregado idôneo, etc.[39]

Há que se frisar que sempre se deve ter em conta a idéia de “igual dignidade social”, uma vez que nas relações privadas passa-se a exigir dos contratantes a adoção de um comportamento de acordo com a lealdade e a boa-fé, cuja inobservância deve dar ensejo à indenização por perdas e danos.[40]

Significa dizer que o comportamento leal deve constituir uma linha de conduta a ser observada não só durante a execução do contrato, como também no período das tratativas e mesmo após a extinção do contrato, como ocorre, nesta última hipótese, na responsabilidade pelo fato do produto.[41]

            Para realçar ainda mais a importância do princípio da boa-fé objetiva no direito das obrigações, importa trazer à colação os seguintes julgados:
 
Plano de saúde. Declaratória de senhora octogenária, objetivando manutenção de contrato vigorante há longos anos e que a empresa prestadora de serviços, fundada em cláusula expressa facultando-lhe a não prorrogação, dá por cessado. Reconhecimento de ineficácia, por abuso de direito e aplicação dos princípios gerais de proteção da boa-fé e da eqüidade. Viabilidade e procedência da ação confirmadas. Apelação não provida.[42]
 
Seguro. Segurado que recebeu valor inferior à cotação e avaliação do veículo furtado. Inadmissibilidade. Condenada a seguradora a pagar a respectiva diferença. Ementa oficial: No contrato de seguro vigora sempre o princípio da boa-fé na relação entre os contratantes. Se aceitou segurar o bem por valor superior e recebeu o prêmio sobre esse mesmo valor, não pode reduzir o pagamento do bem sinistrado, alegando cotação inferior na bolsa de automóveis.[43]

            Por fim, verifica-se que o artigo 422 do CC acabou dizendo menos do que realmente queria, ou deveria, dizer, cabendo, por conseqüência, à doutrina e à jurisprudência aplicarem a regra de hermenêutica mais adequada, para estender o princípio da boa-fé objetiva por todas as fases do contrato. Até mesmo por que, se assim não o fizer, questões importantes ficarão a descoberto, dando margem a investidas de oportunistas que há anos estão de plantão, desde a época da colonização.

            Buscando corrigir esta falha, ou, ao menos, esta atecnia, o Projeto de lei nº 6.960, de 2002, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, pretende aplicar o princípio da boa-fé objetiva em relação às tratativas preliminares e à fase pós-contratual, ao estipular que:

Os contratantes são obrigados a guardar, assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo o mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da eqüidade.

10.1. DA RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL

            A doutrina tradicional distingue as espécies de responsabilidade civil, classificando-as como contratual e extracontratual. Todavia, em muitas oportunidades, as circunstâncias que envolvem o caso concreto não apresentam contornos bem definidos, capazes de fazer um perfeito enquadramento dentro dessas duas hipóteses, porque

Numerosas obrigações existem que, embora extracontratuais, por não serem decorrentes de qualquer avença, têm relações mais ou menos diretas com determinado contrato, ou em vias de formação, ou, ao contrário, já vencido, dissolvido ou anulado. A rigor, não será contratual a responsabilidade em nenhuma das duas hipóteses: na primeira, porque o contrato não chegou a concretizar-se; na segunda, porque findou ou não alcançou viabilidade.[44]

            Mas quais são as hipóteses de responsabilidade pré-contratual admitidas pela doutrina e pela jurisprudência? Evidentemente, não são todas. Apenas quando houver recusa de contratar e quando houver rompimento das negociações preliminares é que se poderá falar em responsabilidade pré-contratual, esclarecendo-se, contudo, neste último caso, que se a recusa de uma proposta ocorrer logo em seguida à sua apresentação, não há que se falar em qualquer tipo de dano. Este somente ocorrerá quando entre as manifestações de vontade dos contratantes se verificar um intervalo de tempo.

            Os casos capazes de caracterizar o instituto da responsabilidade pré-contratual poderão ser os seguintes: a) quando a pessoa tenha tido comportamento de má-fé in contrahendo, isto é, quando tenha feito a proposta já com intenção de revogá-la, antes que venha a ser aceita; b) quando revogue injustificadamente a proposta contratual; c) quando se retire das negociações de má-fé; d) quando tenha silenciado à outra parte a existência conhecida ou que deveria conhecer de uma causa de invalidade do contrato que se estava concluindo.

            Ocorre, entretanto, que muitos se pronunciaram contra a responsabilidade pré-contratual, entendendo que a recusa de contratar e o rompimento das tratativas encontram-se normalmente inseridos no âmbito da autonomia da vontade. A alegação é de que o contrato é um ato que exige a presença de mútuo consentimento para se aperfeiçoar. Admitir uma responsabilidade pré-contratual é, então, uma restrição a liberdade dos contratantes, forçando-os a celebrar determinado contrato, até mesmo contra sua vontade, a fim de que não venha à baila uma possível indenização, baseada em responsabilidade pré-contratual. Porém, mesmo nas tratativas voltadas para a celebração de um contrato as partes têm a obrigação de se comportarem de maneira não leviana.

            Os fundamentos apresentados não servem para rechaçar a responsabilidade pré-contratual, pelo fato de que a utilização do princípio da autonomia da vontade não se mostra apto a liberar qualquer obrigação de ressarcimento. Ao contrário. Ninguém em sã consciência contesta o direito de uma pessoa se retirar das negociações. O que se discute é que o retirante, em certos casos, há de se responsabilizar pelo ato praticado, suportando as conseqüências dos prejuízos verificados no patrimônio alheio.  Portanto, conclui-se que quem desistir das tratativas não pode ser obrigado a continuá-las, mas, em contrapartida, terá que ressarcir as perdas causadas à outra parte pelas mesmas negociações, que fez surgir ou manteve[45], se violou o dever de boa-fé objetiva.

            Outra alegação contrária à possibilidade de se estabelecer responsabilidade pré-contratual: somente existe obrigação de ressarcir em hipótese decorrente de responsabilidade extracontratual ou contratual, sendo que a responsabilidade pré-contratual não se encaixa dentro desta última. Acontece, no entanto, que a responsabilidade pré-contratual é de índole extracontratual, porque as negociações preliminares não constituem um liame obrigatório envolvendo as partes. Logo, não sendo contrato, não pode ser considerada responsabilidade contratual. Por outro lado, contratual é a responsabilidade derivada de um contrato preliminar, eis que este, em realidade, nada mais é do que um contrato obrigando as partes a celebrarem um futuro contrato, tido como principal. Daí sim se falar em responsabilidade contratual.

            De acordo com Caio Mário da Silva Pereira,

A dificuldade de determinar ‘in concreto’esta responsabilidade está na conciliação dos dois princípios: o da liberdade de contratar e do da boa-fé na condução das negociações. Para que ocorra tal responsabilidade, em que se desenha um caso especial de responsabilidade civil, é que a culpa que se apura é ‘aquiliana’ e não contratual, porque assenta em princípio geral que impõe a qualquer pessoa abster-se de prejudicar outrem, e não em infração de alguma cláusula do contrato, pois que nesta fase, ainda não existe contrato.[46]

Como fundamento para a responsabilidade pré-contratual, pode-se citar a culpa, o abuso de direito, a garantia decorrente do consentimento voluntário às negociações, a eqüidade e a boa-fé objetiva.




10.1.1. DA RECUSA DE CONTRATAR

            A liberdade de contratar é completa, vez que a conveniência e oportunidade se encontram implícitas em tal ato. Todavia, essa liberdade degenera-se em culpa quando não se relaciona a uma atitude lícita, aplicando-se, dessa forma, o

princípio do abuso do direito, subvertendo a noção clássica de inércia. A pessoa está livre de não contratar. Mas essa abstenção torna-se culposa desde o momento em que a finalidade de prejudicar passe a constituir a base da mesa. Não contratar é um direito, mas não contratar com o intuito de prejudicar é abuso.[47]

            A idéia de abuso de direito se mostra perceptível analisando o significado da palavra abuso, que nada mais é do que excesso. E esse excesso faz com que ocorra uma verdadeira transgressão, ou seja, a prática de um exercício regular de direito, quando modelada pela abusividade, deixa de ser um exercício regular de direito para se tornar um ato ilícito susceptível de indenização, conforme tão bem expressa o artigo 187 do Código Civil atual: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê‑lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa‑fé ou pelos bons costumes”.

            Haverá abuso, por exemplo, quando a recusa de contratar se fundar em motivos como a aparência física, a religião, a cor, a raça, a apresentação, a classe social, a opinião política etc. Não basta que a recusa simplesmente ocorra para que reste caracterizado o abuso de direito. Terá ele que se pautar no intuito de prejudicar aquele com quem não quer contratar, seja proferindo a recusa através de um ato discriminatório, seja fazendo-a de maneira arbitrária, tendo em vista ser o único possuidor de determinado produto ou serviço em uma cidade, seja ainda através de qualquer outra forma capaz de lesar outrem.

            Como bem afirma Antônio Chaves,

a recusa não oferecerá margem a qualquer reclamação desde que o seu motivo permaneça no âmbito fechado da consciência íntima do recusante. Uma vez externado, pode fazer surgir a álea de uma ação de indenização, não pela recusa de contratar em si e por si, mas justamente pela ofensa que encerra à honra, à dignidade, ao brio em que o fato possa implicar.[48]

            Quando tal recusa é discutida perante o Poder Judiciário, vale dizer que não cabe ao autor da ação provar os motivos pelos quais a outra pessoa se recusou a contratar, pois, sendo matéria de foro íntimo, opera-se a inversão do ônus da prova, de maneira a fazer com que esta possa demonstrar a existência de algum pretexto capaz de tornar a recusa de contratar legítima. Todavia, nem mesmo com a inversão do ônus da prova se resolverá facilmente a questão, eis que a prova a ser produzida consiste na demonstração de fato negativo, uma vez que se está diante
de uma recusa que não deixa vestígios senão raramente, o que implica na necessidade de considerar a matéria com certa liberalidade, reconhecendo-se ao julgador o descortino necessário para não deitar por terra qualquer possibilidade de indenização levando em conta não só a situação econômica das partes, como os usos e costumes e o próprio ambiente social.[49]

10.1.2. DAS NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES

            Como já salientado acima, os contratantes são obrigados a agir de acordo com o princípio da boa-fé objetiva em todas as fases do contrato, por essa razão as negociações preliminares não podem ficar ao relento. As concepções liberais e individualistas não reinam mais no direito privado contemporâneo. Foi-se a época em que as negociações preliminares se resumiam em simples tentativas de realização de contratos, sem qualquer força vinculante.

            Para a conclusão de um contrato, muitas vezes torna-se necessário efetuar várias tratativas, a fim de aparar as arestas de uma negociação. Nessa seara as partes utilizam-se de argumentações que possam lhe favorecer, buscando, evidentemente, chegar a um denominador comum tido como lucrativo.

            Se uma pessoa interessada em celebrar um contrato com outra vier a criar para esta uma verdadeira expectativa de contratação, obrigando-a, inclusive, a despender gastos para viabilizá-la, para, posteriormente, sem qualquer motivo plausível, encerrar as negociações, cabe ao outro ser ressarcido do real prejuízo sofrido.

            Com base nesse entendimento, esclarecedor é o julgado proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, abaixo transcrito:

Responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo. Tendo havido tratativas sérias referentes à locação de imóvel, rompidas pela requerida sem justificativa e sem observância dos deveres anexos decorrentes do princípio da boa-fé objetiva, cabe indenização. Lições doutrinárias. Apelo provido em parte.[50]

            Aliás, segundo Judith Martins Costa, pode-se dizer que,

A existência de negociações, qualquer que seja a sua forma, antecede a um contrato; a prática de atos tendentes a despertar, na contraparte, a confiança legítima de que o contrato seria concluído; a efetiva confiança, da contraparte; a existência de dano decorrente da quebra desta confiança, por terem sido infringidos deveres jurídicos que a tutelam; e, no caso da ruptura das negociações, que esta tenha sido injusta, ou injustificada – aí estão, sinteticamente postas, as condições da responsabilidade pré-negocial.[51]

Por essa razão, observa-se que, nesse caso, as partes já firmaram um liame subjetivo no sentido de concretizarem em um futuro próximo a contratação discutida. Assim, por exemplo, se A, escola particular de primeiro e segundo graus, se programou a celebrar um contrato com B, a fim de que este lhe fornecesse material didático escolar, tem-se que se B de última hora decide a seu bel-prazer não celebrá-lo, contrariando todas as tratativas já realizadas, como troca de correspondências acerca do objeto e das condições do contrato, havendo, em realidade, certeza do negócio concluído, abre-se para A possibilidade de requerer de B reparação por perdas e danos, com fundamento no princípio da boa-fé objetiva, uma vez que já havia feito publicidade através dos meios de comunicação ventilando o material escolar que seria utilizado pela escola. Além disso, várias matrículas podem ter sido canceladas sob o argumento de que os alunos somente fariam o curso naquela escola em razão do material didático que seria fornecido por B.

Por oportuno, merece frisar que mesmo que determinado contrato não se conclua, a relação pré-contratual não deixa de produzir deveres, pouco importando se o direito positivo indique ou não qualquer caráter obrigacional à relação.

A obrigação que se torna possível é a consistente em indenizar a parte prejudicada com o término das negociações preliminares, em razão de ter realizado despesas ou executado trabalhos voltados à conclusão do contrato. Para tanto, aplica-se o princípio da boa-fé objetiva.
                       



10.2. DA RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL
                       
            Tendo em vista que o contrato não é mais informado por valores liberais e individualistas, o entendimento que deve preponderar sobre o tema é o de que as pessoas, mesmo após o término de determinado contrato, continuem se comportando de acordo com o princípio da boa-fé objetiva, sob pena de responsabilização por perdas e danos.

            Tem-se que, para tanto,

o fundamento primacial para a aplicação no nosso direito da ‘culpa post pactum finitum’ está na cláusula geral de boa-fé, que propicia a flexibilização do sistema jurídico, pois a solução para situações relacionadas ao contrato que continua a produzir efeitos mesmo após o seu cumprimento e conseqüente extinção seria inviável ou, no mínimo, de difícil aplicação num sistema jurídico sem mobilidade, inflexível, rígido, sem a existência de uma cláusula geral de boa-fé.[52]

            O artigo 422 do Código Civil mostrou-se insuficiente para atender aos anseios da sociedade, tornando-se, diante disso, imprescindível efetuar uma interpretação afastada da literal, a fim de buscar atender o escopo da lei (vide observação feita no item 9 sobre a existência do Projeto nº 6.960/2002).

            Isso não quer dizer, evidentemente, que um sujeito terá de sofrer um encargo pelo resto de sua vida para preservar a boa-fé objetiva. A boa-fé, em realidade, consiste em um dever lateral de conduta de lealdade, em que se pretende que o sujeito não venha se valer da sua privilegiada situação para ocasionar dano a outrem.

Edílson Pereira Nobre Júnior, realça que

em algumas situações da cada vez mais complexa e mutável sociedade onde vivemos, poderão as circunstâncias que presidiram a celebração do pacto inferir que o dever de boa-fé continue presente depois de sua extinção pelo seu cumprimento. Por exemplo, numa compra e venda pela internet, cujo pagamento será realizado mediante cartão de crédito, cujos dados o comprador transmite ao vendedor, este, mesmo após a autorização da compra pela financeira, deverá guardar sigilo acerca das informações fornecidas sobre tal documento pelo adquirente. Invoque-se ainda a contratação de profissional, cuja obrigação acessória seja a de guardar sigilo, a permanecer depois de desaparecer a avença.[53]

            Imagine, leitor, o seguinte exemplo: A era funcionário de confiança de B, exercendo um dos mais altos cargos de chefia dentro da empresa. Durante o tempo em que trabalhou para B obteve conhecimento de segredos industriais envolvendo produtos desenvolvidos de maneira única em relação ao mercado de patentes. Sob o pretexto de se vingar de B, A decidiu revelar tais segredos para o concorrente C. Com efeito, mesmo com o término do contrato havido entre A e B, A não agiu com lealdade, com honestidade, com correção para com B, e, por isso, infringindo o princípio da boa-fé objetiva, veio a causar sérios danos a B, passíveis de serem indenizados.

            Outra hipótese: A trabalhou para B durante 10 anos, sendo dispensado sem justa causa. Ao procurar emprego na empresa C, esta entra em contato com B a fim de obter informações a seu respeito, oportunidade em que B, menciona, inveridicamente, que A se trata de um péssimo funcionário e descumpridor habitual dos deveres que lhe cabiam. Há, uma vez mais, evidente desrespeito à boa-fé objetiva.

            Uma hipótese prevista no ordenamento jurídico e que não poderia deixar de ser mencionada é a decorrente do dever geral de vigilância e informação, importada do artigo 10, do Código de Defesa do Consumidor, na qual, segundo Cláudia Lima Marques,

Pode-se interpretar o art. 10 como instituindo um dever ‘pós-contratual’, isto é, um dever de ‘vigilância’, dever de informar ao consumidor, se ‘tiver conhecimento’ da periculosidade de um produto, que ajudou a colocar no mercado. Assim, o farmacêutico informado sobre a proibição de determinado remédio, que causa o câncer, deve informar seus ex-parceiros contratuais da periculosidade do produto vendido, afixando, por exemplo, um cartaz no estabelecimento comercial. Assim, também, o supermercado que descobre que determinado queijo vendido está causando intoxicação nas pessoas que o ingerem, determinada revendedora de carros que descobre que algumas das peças vendidas vieram com defeito de fábrica nos freios. São casos em que os princípios da transparência e da boa-fé nas relações contratuais irão se unir aos princípios da proteção da confiança do consumidor na segurança normal do produto vendido, para impor um dever nitidamente pós-contratual ao fornecedor direto, e não simplesmente, extracontratual, como o é para o fabricante.[54]

            Dessa maneira, invoca Sílvio de Salvo Venosa, que

essa responsabilidade contratual, ou culpa ‘post factum finitum’, decorre primordialmente do complexo geral de boa-fé objetiva em torno dos negócios jurídicos. Trata-se de um dever acessório de conduta dos contratantes, depois do término das relações contratuais, que se depreende do sentido individualista do contrato imperante até o século passado e se traduz em um sentido social das relações negociais, como, aliás, propõe o novo Código Civil.[55]

            A boa-fé objetiva, em certas hipóteses, mesmo diante do término da relação contratual, visa preservar determinados valores, que, de uma forma ou de outra, possa vir a ocasionar danos para alguém. Essa possibilidade deve ser aplaudida pelo fato de que o legislador deixa de ser influenciado apenas pelo imediatismo. Pensa-se, portanto, na preservação de um direito mesmo após o término do contrato, tendo-se em vista a possibilidade de ainda encontra-se apto a produzir efeito jurídico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Em decorrência de o mundo ter sofrido significativas mudanças nos últimos tempos, principalmente nas áreas econômica, científica e social, o legislador pátrio, gradativamente, foi inserindo dentro do ordenamento jurídico normas de caráter aberto voltadas ao desenvolvimento do bem-comum, notadamente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

            Mais do que nunca, o Direito das Obrigações passou a ser influenciado por valores outrora pouco recorrentes, como, por exemplo, os oriundos da função social do contrato, da boa-fé objetiva e da supremacia do interesse público sobre o particular – este importado do direito administrativo.

            Como princípio geral de direito, agora positivado no Código Civil, a boa-fé objetiva tem o mérito de fazer inserir na mente dos contratantes a idéia de agirem sempre com lealdade, correção, honestidade e fidelidade, em todas as fases do contrato, incluindo, entre elas, a pré e a pós. Por conseqüência, havendo a conscientização da necessidade de se adequarem a um padrão ético de conduta, os contratantes tendem a se ver como verdadeiros parceiros, humanizando, assim, os chamado “mundo dos negócios”.

            Não que a autonomia da vontade tenha acabado, ocorre que ela não é mais soberana. Quando em conflito com a boa-fé objetiva, definha-se.

            Com efeito, pode-se dizer que o escopo do princípio da boa-fé objetiva não é a defesa exclusiva do contratante hipossuficiente, tal como fazem as normas do Código de Defesa do Consumidor, mas sim assegurar a prevalência do interesse que se apresenta mais vantajoso em termos de custo social, equilibrando com justeza a relação contratual, ou seja, em termos de assegurar a eficácia do princípio da dignidade da pessoa humana.
           
            Dessa maneira, passa-se a palavra para os nossos tribunais, para que eles possam aplicar adequadamente o princípio da boa-fé objetiva aos casos que lhes forem apresentados, revigorando questões éticas e morais, que de um tempo pra cá se mostraram esquecidas por alguns.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] NERY JÚNIOR, Nelson et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 445.
[2] WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, v. 2, p. 153.
[3] Idem. Ibidem, p. 154.
[4] FERREIRA, Delia Matilde. La buena fe, el principio general en el derecho civil. Madrid: Monte Carlo, 1984, p. 292.
[5] MARTINS, Flávio Alves. A boa-fé objetiva e sua formalização no direito das obrigações brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, 32.
[6] Idem. Ibidem, p. 32.
[7] MENEZES CORDEIRO, Antônio. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1984, v. 1, p. 105.
[8] MARTINS, Flávio Alves. Op. cit., p. 34.
[9] MARTINS, Flávio Alves. Op. cit., p. 36.
[10] Idem. Ibidem, p. 36.
[11] Idem. Ibidem, p. 38.
[12] Idem. Ibidem, p.39.
[13] MONTESQUIEU, C.  de Secondat. Do espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 160.
[14] COSTA, Judith Martins. A Boa-fé Objetiva no direito privado. São Paulo: RT, 2001, p. 20.
[15] CAVALIERI FILHO, Sério. O novo código civil e o código do consumidor. Convergências ou antinomias? Revista da EMERJ. Rio de Janeiro, 2002, nº 20, p. 104.
[16] DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual no novo código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004, 113.
[17] STJ - 4ª Turma, REsp 256456/SP, j. 07.05.2001, v.u.
[18] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v.1,  p. 230.
[19] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Parte geral. 33ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 1, p. 181 .
[20] Idem. Ibidem, p 182.
[21] GOUVÊA, Eduardo de Oliveira. Boa-fé objetiva e responsabilidade civil contratual – Principais inovações. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 369, p.76.
[22] MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao código de defesa do consumidor. Arts. 1º a 74 – Aspectos materiais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 26.
[23] GUIMARÃES, Otávio. A boa-fé no direito civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 29.
[24] MARQUES, Cláudia Lima; MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Op. cit., p. 125.
[25] BALBINO, Renata Domingues Barbosa. O princípio da boa-fé objetiva no novo Código Civil. Revista do Advogado. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, 2002, nº 69, p. 114.
[26] GOUVÊA, Eduardo de Oliveira. Op. cit., p. 81.
[27] MARTINS, Flávio Alves Martins. Op. cit., p. 70.
[28] MARTINS, Flávio Alves. Op. cit., p. 24.
[29] NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. O princípio da boa-fé e o novo código civil. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 367. p. 80.
[30] FERREIRA, Delia Matilde. Op. cit., p. 257.
[31] STJ – 4ª Turma; Agravo Regimental nº 47.901-3/SP.
[32] TJRJ – 2ª Câmara Cível, AC nº 16.654/99, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, j. 02.12.1999, RDC 34/281.
[33] STJ - REsp 250.523/SP, Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 10.10.2000.
[34] TJSP – 8ª Câmara de Direito Privado, Embargos Infringentes nº 272.075-2-SP; Relator Desembargador Aldo de Magalhães, j. 13.11.1996, v.u. JTJ 189/253. BAASP, 2043/35-m, de 23.02.1998. 
[35] MARTINS, Flávio Alves. Op. cit., p. 21.
[36] STJ - 3ª Turma, REsp nº 158728/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16.03.1999.
[37] CRUZ E TUCCI, Cibele Pinheiro Marçal. Teoria Geral da boa-fé objetiva. Revista do Advogado. São Paulo: Associação dos Advogados de São Paulo, 2002, nº 68, p. 105.
[38] GOUVÊA, Eduardo de Oliveira. Op. cit., p.87.
[39] AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,1995, v. 90, p. 125.
[40] FERREIRA, Carlos Alberto Goulart. Equilíbrio Contratual. In: Renan Lotufo (Coord.). Direito Civil constitucional. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 59.
[41] Idem. Ibidem, p. 59.
[42] TJSP, 2ª Câmara de Direito Privado, Ap. Cível nº 1.042-4/3-00-SP; Relator Desembargador J. Roberto Bedran, j. 27.05.1997, v.u. BAASP, 2023/72-e, de 06.10.1997.
[43] TJSP, 8ª Câmara de Direito Privado, Ap. Cível nº 245.227-1/7-Presidente Prudente, Relator Desembargador Egas Galbiatti, j. 20.03.1996, v.u. RT 730/222. BAASP, 2095/84-m, de 22.02.1999.
[44] CHAVES, Antônio. Responsabilidade pré-contratual. 2ª ed. São Paulo: Lejus, 1997, p. 11.
[45] CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 102.
[46] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 74.
[47] CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 17.
[48] Idem. Ibidem, p. 51.
[49] CHAVES, Antônio. Op. cit., p. 53.
[50] TJRS - 16ª Câmara Cível, AP nº 598209179, j. 19.08.1998, v.u.
[51] COSTA, Judith Martins. Op. cit., p. 283.
[52] DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 111.
[53] NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Op. cit., p. 83.
[54] MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno.  Op. cit., p. 215.
[55] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, v. 2, p. 484.

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